O genuíno.
Algumas pessoas responderam à minha questão de como um ateu pode distinguir entre um cristo falso e um genuíno (1). No entanto, o problema ficou por resolver.
O Jónatas Machado propôs que «Jesus Cristo, de que fala a Bíblia, teve uma vida pública de cerca de 3 anos, não tento escrito qualquer livro nem contado com a comunicação e as redes sociais. Ainda assim conseguiu ser o personagem mais influente da história da humanidade.» Mas só se tornou influente muito depois de morrer, e só então é que, retroactivamente, associaram a ele as profecias. Se compararmos a fama e a influência durante o tempo de vida, até o José Castelo Branco ultrapassa o tal Jesus que dizem ser o genuíno. O Jónatas pergunta também como é que eu posso distinguir entre o Napoleão verdadeiro e os malucos que dizem ser Napoleão. Nesse caso é fácil. Napoleão era um humano como qualquer outro e, a partir do momento que morreu, morto ficou. Se alguém diz ser Napoleão está obviamente enganado. O problema surge apenas quando permitimos milagres, ressurreição, omnipotência e essas coisas. A partir daí vale tudo.
Segundo o Miguel Panão, no caso do INRI CRISTO basta «o bom senso». Concordo. Tanto no caso deste, como no caso de qualquer outro. Se alguém diz ser filho do criador do universo, o bom senso dir-lhe-á está bem, abelha. Mesmo os critérios que o Miguel acrescenta, quer o do ridículo – «afirmar-se, de modo ridículo, como sendo Jesus» – quer o da ressurreição – «Jesus morreu e ressuscitou» – não servem para distinguir a religião do Miguel daquela professada pelo INRI CRISTO. O ridículo toca tanto ao senhor que diz ser Jesus como ao homem de saias a dizer que uma bolacha se transformou no corpo do criador do universo. E a ressurreição não é um dado. É uma das alegações em causa e, por isso, não serve para distinguir nada.
O Mats também tentou responder mas, infelizmente, não parece ter percebido a pergunta. Propõe que eu determine se alguém é a encarnação do omnipotente criador do universo da mesma forma como se distingue entre duas pessoas normais. Não diz sequer se é pelo bigode, pela forma do nariz ou pela cor dos olhos. Afirma, no entanto, que «Não há "consistência" nenhum[a] em dizer que "ambos são ridículos" porque Um Deles não é.» Mesmo que concordasse com a afirmação, persistiria o problema de determinar qual é que é menos ridículo. Além de que “não ser ridículo” parece um critério muito frouxo para se identificar conclusivamente o criador de todo o universo. Mas talvez eu seja ateu precisamente por ser demasiado exigente nestas coisas.
É possível que usar o INRI CRISTO como ponto de partida tenha limitado a qualidade das respostas à minha questão. O confronto com os aspectos mais obviamente insanos da religiosidade desencoraja a participação dos crentes que se consideram mais sofisticados. Mas a pergunta é pertinente, e devia ser importante para os crentes que apregoam o diálogo com ateus e agnósticos: que critérios pode alguém sem fé usar para determinar a religião mais correcta?
Notem que não estou a pedir uma receita como “reza e ser-te-á revelado” ou “tem fé e verás”. Não é racional aceitar a conclusão antes de me darem as premissas. O que quero é uma forma imparcial de determinar se há alguma religião verdadeira no meio de tanta crença da treta. Suspeito, no entanto, que não haja tal critério. Sempre que o peço ou me dão coisas vagas como “a causa não causada”, que tanto pode ser o Jahvé como o Saci-pererê, ou então uma petição de princípio, invocando tradição, fé e afins.
A linha mais óbvia é a que separa o ateísmo das religiões. Basta um mínimo de exigência epistemológica para rejeitar como especulação infundada tudo o que se diz acerca de deuses que ninguém vê. Quase todo o universo é hostil à vida como a conhecemos. As leis da natureza são indiferentes ao sofrimento e à injustiça. Os mitos, lendas, rituais e dogmas são facilmente explicados pela imaginação humana, e tendem a ficar muito aquém da complexidade e riqueza da realidade. E até é evidente para quase todas as pessoas que, no mínimo, quase todas as religiões são falsas. Se, ainda por cima, nem os crentes sabem explicar como se distingue das outras uma religião verdadeira, então o veredicto só pode ser um. Isso dos deuses que criaram o universo é tudo treta.
1- Treta da Semana: INRI CRISTO