Bela educação.
A Inspecção-Geral das Actividades Culturais (IGAC) também está a organizar um «concurso de criatividade» para jovens*, o “Somos todos autores” (1). Os concorrentes, alunos entre 6 e 12 anos, «devem conceber um filme de animação que sensibilize o público infantil para a protecção do direito de autor e direitos conexos». Numa demonstração irónica de falta de criatividade, o logótipo é o Pac-Man a comer uma caveira pirata (2).
A IGAC é um órgão fiscalizador do comércio de “conteúdos culturais”. Deve fazer cumprir a lei que, democraticamente, for instituída no nosso país. Não compete a esta entidades educar as crianças acerca das leis que devemos ter, porque um princípio fundamental da democracia é que sejam essas crianças, quando se tornarem eleitores, a dizer à IGAC o que fazer. Pior ainda, explicam mal a lei. No questionário sobre os direitos do autor, intitulado “Podes ou não fazer?”, à questão de «Fazer uma cópia do CD do teu colega para o teu leitor de MP3» dizem que não, não se pode (3). Mas a própria IGAC admite que a licitude destes acto tem só pode ser determinada pelo juiz, porque a lei também consagra o direito à cópia privada (4). E é improvável que um juiz condene uma criança de 6 anos por copiar um CD emprestado. Ainda por cima quando o leitor de CD já foi taxado pela AGECOP, que provavelmente irá taxar também os leitores de MP3 também, precisamente para compensar estes actos de cópia privada (5).
Além do fiscalizador querer “educar” os futuros eleitores acerca da lei que devem ter, fá-lo em parceria com entidades privadas cujo negócio depende dos monopólios sobre a cópia: Associação Portuguesa de Editores e Livreiros; Federação de Editores de Videogramas; Associação Fonográfica Portuguesa (AFP); e Associação Portuguesa das Empresas Cinematográficas. Nenhum dos parceiros da IGAC neste concurso é autor de coisa nenhuma. São só revendedores de cópias. E ninguém representa aqui o interesse do principal visado por esta legislação: o público.
Por sua vez, a IGAC recebe formação de parceiros como a AFP. E que formação. Além de termos um órgão público a ser “educado” por uma associação privada de revendedores, uma das cláusulas no protocolo de colaboração da IGAC com a AFP estipula que «Sempre que for necessário obter autorizações das empresas suas associadas para disponibilizar fonogramas nos serviços de partilha de ficheiros onde vai efectuar a fiscalização, a AFP actuará prontamente no sentido de obter as mesmas e bem assim, os respectivos ficheiros MP3.»(6) Ou seja, a IGAC disponibiliza os ficheiros, com autorização da AFP, para depois denunciar quem participar nas redes de partilha que a IGAC criar. Como a educação se dá pelo exemplo, em vez de “Somos todos autores”, era mais correcto chamar ao concurso “Seja sacana como nós”.
Finalmente, os exemplos com os quais querem educar os jovens. «Alguém descobriu a roda, a electricidade e o frigorífico, alguém inventou a primeira mesa, o computador no qual estás a ler este texto, alguém pintou o primeiro quadro, escreveu a primeira história e assim sucessivamente.» Nada disto é coberto pelos direitos de autor. A roda e a electricidade podem ser patenteadas, mas isso é uma legislação – e um conceito – diferente. E ninguém tem direitos por pintar o primeiro quadro ou escrever a primeira história. Não só porque o fizeram durante milhares de anos sem legislação nenhuma para isto, mas também porque ideias abstractas como a de inventar uma história ou pintar um quadro não são cobertas pela legislação dos direitos de autor, que exclui explicitamente «As ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios [e] as descobertas».
Mas a calinada mais grave é criarem uma confusão entre o plágio e a violação de monopólios comerciais. «Imagina o seguinte: o professor pede a cada aluno que escreva uma história sobre o circo. Tu inventas uma história muito gira. Mas esqueceste-te da folha escrita em cima da mesa. Um colega lê a história e acha que é mais gira que a dele e resolve copiá-la. No dia seguinte ele entrega a história ao professor primeiro do que tu e diz que é dele.»
Se o professor pediu ao aluno que escrevesse uma história e o aluno copiou, então o aluno cometeu plágio e tentou aldrabar o professor num elemento de avaliação. O problema é mentira e fraude, e não tem nada que ver com os direitos de autor. Até pode ter copiado com a autorização do colega, de fontes no domínio público, ou apenas trechos que fosse legítimo copiar ao abrigo da lei. Por exemplo, o ministro alemão Karl-Theodor zu Guttenberg, agora também conhecido como “zu Googleberg”, teve o seu doutoramento anulado por plágio. Não por ter violado direitos comerciais de cópia mas pela aldrabice de se fazer passar por autor de textos que não tinha escrito (7). “Educar” as crianças a confundir monopólios comerciais com honestidade intelectual é um péssimo serviço que prestam à educação.
O que é lamentável, mas não surpreende. No fundo, o objectivo destas coisas não é educar nem “sensibilizar”. É pura propaganda para promover os negócios dos parceiros da IGAC. Esta propaganda seria desculpável se fossem os privados a fazê-lo com o seu dinheiro, mas é um abuso que venha de uma entidade pública, paga por todos nós.
* Outro nesta linha de lavagem cerebral é o Grande ©
1- www.somostodosautores.igac.pt.
2- Como notou a Paula Simões no post por onde fui dar ao concurso.
3- www.somostodosautores.igac.pt, seguir “Combate a pirataria” e “O que podemos fazer?”. A porcaria do site está todo em Flash...
4- Ilegais? Porquê? – (in)conclusão.
5- Exame Informática, Portugueses vão pagar taxas pelos leitores de MP3, pens USB e telemóveis
6- Partido Pirata Português, Síndrome de Estupidez Aguda, via TorrentFreak. O texto completo está disponível no site da IGAC, segundo o PPP só depois deste último ter feito queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos.
7- BBC, German Defence Minister Guttenberg resigns over thesis
No fundo, o objectivo destas coisas não é educar nem “sensibilizar”. É pura propaganda para promover os negócios dos parceiros da IGAC. Esta propaganda seria desculpável se fossem os privados a fazê-lo com o seu dinheiro, mas é um abuso que venha de uma entidade pública, paga por todos nós.
ResponderEliminarresume muito bem
Se os guiões submetidos fossem todos divulgados publicamente (não são, só o que os chefões acharam que é "o melhor"), quase que valia a pena "sabotar" esta iniciativa e produzir guiões que mostrassem o outro lado da moeda.
ResponderEliminarSinceramente não percebo como é que uma entidade pública estatal pode defender a apropriação de direitos de autor por entidades comerciais por tempos absurdamente altos em vez de tentar que se enriqueça o domínio público.
Adiante, gosto da personagem do polvo pirata. Soltei uma gargalhada.
E gosto ainda mais do prémio. Ter um vídeo de 3-4 mins escrito por uma criança no inicio de todos os DVDs para criancinhas a dizer que é mau copiar. Claro que isto, tal como o anúncio estúpido anti-pirataria que ainda devem impingir no inicio dos DVDs, só aparece na versão legal dos vídeos. Quem sacar a versão "ilegal" na internet, não leva com este atentado ao bom gosto.
Pois... não só o IGAC faz propaganda em nome dessas associações privadas, como agora quer fazer o "trabalhinho sujo" de vigiar e apresentar queixas contra quem partilha ficheiros na internet sem fins lucrativos. Ainda estou para perceber como a cópia para fins privados, se feita através da internet, deixa de o ser...
ResponderEliminarComo já disse num comentário aqui no ktreta, o IGAC tem razão numa coisa: somos todos autores. Quem já escreveu alguma coisa na vida, é autor. Isso não me impede de reconhecer que os meus eventuais interesses económicos enquanto autor, não se podem sobrepôr à privacidade, e às liberdades de expressão, comunicação e acesso à informação dos outros. Meros interesses comerciais NUNCA se poderão sobrepôr a esses direitos, que até são inalienávais ao contrário dos "direitos patrimoniais" dos autores.
Caso contrário, dizer mal de um produto, seja ao amigo em privado, seja publicado num blog, também prejudica eventualmente interesses comerciais. Beber água da torneira ou comer comida feita em casa, idem aspas. Convidar amigos para virem ver um DVD cá em casa, também.
Que o IGAC, e o estado em geral, possa regular as violações comerciais e públicas dos Direitos de Autor, é algo que reconheço e valorizo. Mas que o estado possa entrar pela esfera privada dos cidadãos, apenas em nome de alegadas perdas económicas, sem sequer demonstração adequada de causa-efeito, isso... já me cheira a anti-democrático, contra o mercado livre, e inconstitucional. Adicionando a propaganda em nome de interesses económicos privados, então já cheira até a fascismo.
Não venham cá com cantigas que é necessário atropelar direitos fundamentais para "proteger a cultura". Já se faziam obras culturais muito antes dos Direitos de Autor. Também a internet enfraqueceu na prática os Direitos de Autor, e isso não impediu que hoje se criem mais conteúdos, e que haja mais gente a viver das suas criações criativas, do que em toda a história da humanidade. Muito pelo contrário.
Quem está perder dinheiro são aqueles que exploram certos meios de distribuição de conteúdos, que agora estão a ficar obsoletos. Confundir esses intermediários e esses meios de distribuição, com os autores ou com a "cultura" é um erro tremendo! Esses intermediários têm é de se adaptar e oferecer aos consumidores os conteúdos que eles querem, como e quando eles querem. O resto são tretas para enganar governantes mal precavidos.
PS: Parece que não sou o único a pensar assim. Ainda esta semana uma sondagem na dinamarca indicou que 70% acha que o download da internet é "socialmente aceitável": http://torrentfreak.com/piracy-socially-acceptable-110228/
ardoRic, também achei "piada" ao polvo pirata. Mais concretamente são sabia se havia de rir ou bater com a cabeça na mesa. Ainda para mais faz parte das 4 personagens "predefinidas" para o filmezinho (uma realizadora, um escritor, um músico e um polvo pirata).
ResponderEliminarOu seja, criadores de um lado, e o malvado polvo a roubar-lhes tudo do outro. Completa propaganda! E o facto que partilhar obras com os amigos é uma forma, valiosissima, de divulgação das obras? E o facto de que quem mais saca da net, mais compra? Não interessam?
Onde estão os consumidores das obras culturais nessa história? Não entram? Se calhar entram... lá está... são o polvo pirata que saca, mas também compra!
Já agora, ontem estive a ver no Instituto Nacional de Estatística a evolução das receitas dos "concertos de música ligeira" em Portugal. Aqui está o que encontrei (valores em milhões de euros):
ResponderEliminar1999 1,28
2000 2,29
2001 1,89
2002 2,76
2003 5,04
2004 4,11
2005 22,1
2006 32,2
2007 29,7
2008 39,0
2009 28,6
Aquele salto em 2005 é assombroso. Até me interrogo se não começaram a contar com alguma fonte de dados não contabilizada anteriormente...
Este aumento de receitas está longe do que as editoras perderam na mesma década, mas de qualquer forma mostra como as pessoas ainda estão dispostas a gastar dinheiro com música. Valorizam é outras formas de aceder a ela, que não a compra de discos de plástico. Segundo o site da AFP, dois dos anos em que as vendas de discos mais cairam foram 2005 e 2008. Comparem com os números acima!
HÁ TAMBém uma da fenelac beba leite com os morangos com açúcar
ResponderEliminarovia mente que é uma propaganda primária
não impedirá a pirataria e muito menos a troca de ficheiros
no entanto a perda de receitas fiscais
leva os burocratas a pensarem em modos de contra-atacar as naves piratas
2011 M. KOVAS 5 D.,ŠEŠTADIENIS
DO SINCRETISMO POLÍTICO-INFANTIL
NÃO É DE HOJE O MOVIMENTO DE ESCRIBAS E ORADORES POLÍTICOS
SEMPRE TIVERAM OS SEUS PÚBLICOS PARTIDÁRIOS
E ARREMESSARAM FARPAS CONTRA OS BOIS QUE SÃO O POVO
PARA GÁUDIO DAS BESTAS POLÍTICAS DA SUA IGUALHA
OLHAM PARA O POVO NÃO O VEÊM MEXER E ACHAM QUE AGUENTARÁ TODA A CARGA
OS APÓSTOLOS DO PROGRESSO SOB NOVA GERÊNCIA
CRIAM NOVOS MOMENTOS DE CRISE
ALABARDAM VOTANTES POTENCIAIS COM ESPERANÇAS
E A GRANDE MASSA OLHA E PASSA DESINTERESSADA
NÃO CONFIA NELES NEM OS RESPEITA
SIMPLESMENTE PREFERE QUE SEJAM ELES A ASSUMIR A ADMINISTRAÇÃO
DO CONDOMÍNIO NACIONAL CHAMADO PORTUCALE
E COMO NINGUÉM OS MOLESTA JULGAM-SE APOIADOS
PELOS QUE PUSERAM NA MISÉRIA COM O PRETEXTO DE LHES DAREM O PARAÍSO
..........{\......._____.....,
.........{*.\.....(*~*~*).../}
........{.~.*\....////^^\../~}UM ANJINHO
........{*....\..(((/.6.6./.*}POLÍTICO
........{..*.~.\.)))c..=.)*..}OU PALEOLÍTICU..
.........{*...*.////'_/~`.~.}
..........{~.*.((((.`.`\.*}'
...........`{.~.)))`\.\))_.-:<*>
..............`{.(()..`\_.-'`.`:'
................`)/.`..| ACREDITA EM TUDO O QUE O SEU DONO DIZ
.................(....\' \
..................\....\.\ FELICIDADES
............_ .__\...| /
............|` `'...``Y; A TODO O POLÍTICO EM ASCENSÃO
............|./``-../../
............`'......|./ é QUE JÁ NÃO HÁ MUITO PARA ONDE ASCENDER
.................../.`-.
...................`---- AGORA A DESCIDA É MAIS PROPÍCIA
E A GAMELA MENOS FARTA
Ó PORTENTOS QUE FUMAM CACHIMBOS
QUE ACREDITAIS NAS VOSSAS PRÓPRIAS MENTIRAS
a propaganda elementar ou acena com uma cenoura um prémio
ResponderEliminarou com sanções de futuros sombrios
a cópia impede o aparecimento de novas rodas
obvia mente não funcionará
tal como não funcionou o compre nacional o códex 560
ou os 110km por hora nas carreteras hispânicas
ou poupe energia
apenas uma pequena percentagem
pode ser cativada por propaganda
que vai contra pulsões básicas do ser hu menos
a publicidade e a propaganda devem apelar aos medos
ResponderEliminarpiratear faz ganhar milhões a redes terroristas
piratear trará a varíola de volta
piratear vai pôr o gasoil a 2euros o copo
e mesmo assi....
é que reciclar é pouco dispendioso em termos de esforço
e apela a sentimentos nobres
e à auto-estima estou salvando o mundo
eu eu apela ao eu
piratear e enganar o fisco também apela ao sou mais esperto que o zé pagante
logo é impossível de inculcar uma medida tão anti-individualista
E esta?
ResponderEliminarhttp://www.wired.com/threatlevel/2011/03/geohot-site-unmasking/
Nunca vi nada nesta escala.
e o pac-man a comer uma caveira pirata
ResponderEliminaré um bom efeito visual
fica na memória
leva a associação de ideias
é como os jingles...persistem
ou como a cruz gamada
são símbolos eficazes
não é falta de originalidade
é simplesmente uma opção propagandística
Mama eu quero,
ResponderEliminarNa verdade, estão a exagerar... Mas penso que isto é só o primeiro passo; agora cada ISP visado deve poder recorrer da intimação.
Não é bem só comer a caveira pirata.
ResponderEliminarÉ muito mais que isso.
É obrigar os alojadores do servidor a fornecer os endereços IP de TODA a gente que o visitou!
No extremo é como intimar toda a gente que estava no banco quando o assaltaram (se bem que aqui não houve assalto), incluindo quem ia a passar na rua e olhou para o bandido a sair no carro a alta velocidade.
Para a Sony são todos bandidos. Que assim seja para a Sony não me incomoda nada mas parece que o juiz tem a mesma interpretação...
Mama eu quero,
ResponderEliminarParece que a Sony apenas quer os IPs para poder demonstrar que muitos dos visitantes são residentes da California, de modo a justificar processar o Geohot lá na California. E nem precisa das identidades e moradas das pessoas para o demonstrar. Basta verificar que são IPs locais.
De qualquer forma não deixo de achar que é abusivo colocar em causa a privacidade e anonimato de milhares de presumiveis inocentes só pq dá jeito à Sony meter um processo num certo sitio e não noutro.
Sobre o somostodosautores, deu-me para procurar no google images por "pirate octopus". Há várias versões da ideia. Nenhuma demasiado semelhante com a do IGAC para que esta fosse violação de direitos de autor. De qualquer maneira mostra que a ideia não é lá muito original... Não é só o Pac Man.
ResponderEliminarJá agora, se tivesse filhos a quem na escola lhes fossem proposta esta "actividade", mandava-os para a escola com t-shirts destas:
http://www.zazzle.com/octopus_pirate_tshirt-235892651680507385
http://www.dinodirect.com/men-t-shirts-paul-pirate-octopus-cotton-short-sleeve.html