Ética verdadeira.
No outro post sobre ética eu defendi que esta nunca pode ser objectiva no sentido forte de ser atributo de objectos, mas apenas no sentido fraco de ser independente da opinião individual de qualquer sujeito. O João Vasco propôs «um sentido intermédio», segundo o qual a ética «é uma coisa a ser descoberta, mais do que um mero produto de uma convenção social. [...] Nesse sentido é como os factos da natureza, que são o que são mesmo que todos os seres conscientes sobre eles estejam equivocados [… e ...] é objectiva na medida em que [continua] a ser verdadeira mesmo que ninguém o saiba.»(1) Discordo, pela diferença na direcção do ajuste entre estes conceitos e a realidade. Vou aproveitar um exemplo da Elizabeth Anscombe para explicar a minha objecção*.
O Manuel vai às compras com uma lista do que que deve comprar. A Maria, a espiá-lo, anota tudo o que ele compra. Quando o Manuel se engana e põe no carrinho massa em vez do arroz que a lista indica, não é alterando a lista que corrige o erro. Tira a massa do carrinho e põe lá um pacote de arroz. Isto porque a direcção do ajuste desejado é da realidade para a lista. O que o Manuel quer é que a realidade se ajuste à lista. Agora a Maria nota que tinha escrito “massa” na sua lista mas, em vez de massa, o Manuel tem arroz no carro das compras. Ao contrário do Manuel, a Maria não vai trocar o arroz por massa no carrinho. Como a direcção do ajuste que ela quer é da lista para a realidade, a Maria vai apagar “massa” e escrever “arroz”.
A verdade e a descoberta aplicam-se a descrições como a lista da Maria. A Maria está a descobrir o que o Manuel compra e é a lista da Maria que pode ser verdadeira ou falsa. Porque é esta que pretende ajustar-se à realidade. A lista do Manuel não é assim. É normativa, especifica o que deve ser em vez de descrever o que é, foi inventada em vez de descoberta e não pode ser nem verdadeira nem falsa. Se o Manuel devia comprar arroz e comprou massa, então foi o Manuel que se enganou. A lista dele não passa de verdadeira a falsa.
Eu rejeito a proposta do João Vasco porque a ética é normativa, tal como qualquer moral que dela se derive. O objectivo da ética não é conformar-se à realidade mas dizer a que padrões a realidade se deve conformar. Concordo que «mesmo que escravos e esclavagistas acreditassem na moralidade da escravatura, ela continuaria a ser imoral». Eu também quero que a ética seja mais sólida do que uma lista de compras. Não pode mudar com as modas nem faz sentido aquela desculpa do “contexto histórico” com a qual tentam justificar as barbaridades na Bíblia. Apedrejar crianças, escravizar pessoas, maltratar mulheres e matar inocentes é imoral em qualquer “contexto”. No entanto, a ética não algo que se possa descobrir, nem que possa ser verdadeiro ou falso, porque estes conceitos exigem a direcção de ajuste oposta. Só uma coisa que se quer ajustar à realidade é que pode ser verdadeira ou descoberta. Quando o que queremos é ajustar a realidade a algo esses conceitos não se aplicam.
A ideia da ética como verdade que se descobre tem mais dois grandes problemas. Um é implicar que haja uma, e só uma, ética válida. Pode não ser esse o caso. Talvez seja possível criar vários sistemas éticos, todos eles universais e todos eles um bom fundamento para a moral. Não estou a defender o relativismo; defendo que muitas coisas serão necessariamente imorais em qualquer ética. Mas pode haver várias soluções para este problema. Ou não haver nenhuma. Também pode ser que aquilo que exigimos da ética seja impossível. Talvez nunca se consiga criar algo que, ao mesmo tempo, seja fiel aos valores de cada sujeito mas transcenda os valores de qualquer individuo. Parece-me que a ideia da ética como uma verdade por descobrir esconde a complexidade do problema que é criar tal coisa. Comparado com a tarefa de criar um sistema ético, descobrir verdades é canja.
E ignora a barreira entre o que é e o que deve ser, o que deixa passar uma data de tretas. Revelação divina, livros sagrados, a falsa autoridade dos sacerdote, as “leis naturais” e coisas tais são apresentadas como fundamento moral na premissa da ética ser algo que “está lá” para ser descoberto. Ou revelado. Não contentes com isso, depois de “provarem” que a moral certa é aquela porque o seu deus diz que é, fecham o círculo “provando” que o seu deus existe porque só assim a moral certa será aquela. Evitava-se a tonteira destas voltas reconhecendo, à partida, que ética e deuses são ambas criações nossas. E que só uma delas tem utilidade.
* Se bem que foi Searle quem relacionou este exemplo com o problema da direcção do ajuste entre conceitos e realidade. Mais (demais?) detalhes na Wikipedia.
1- Comentário em Mais do mesmo.
Editado no dia 30 para corrigir várias gralhas. Obrigado a todos os que as apontaram.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarA questão de qual é que é o melhor sistema moral, a que a ética tenta responder, é como as outras questões sobre «qual é que é o melhor X?».
ResponderEliminarSe considerarmos apenas Xs que existem, a resposta a essa pergunta não é uma convenção. A resposta a essa pergunta existe, mesmo que ninguém a conheça. A resposta a essa pergunta pode ser uma, mesmo que todos pensem que é outra.
É nesse sentido que digo que a abordagem à procura de resposta a essa pergunta é uma abordagem de descoberta. A resposta existe - mas não é algo que se possa decidir que é assim ou assado - falta conhecê-la.
Se eu disser que o melhor corredor do mundo sou eu, estarei errado. Direi algo falso. Mas se estou errado, existe um melhor corredor do mundo, e podemos não saber quem é, mas eu não sou de certeza.
Ou existe mais do que um melhor corredor do mundo? Isso é possível, mas é fraca objecção. Substituam a pergunta "Qual é o ou os melhores corredores do mundo", é por comunidade que omitimos o "os".
Claro que é diferente perguntar "qual é o melhor X" entre os vários que existem, ou entre os que poderiam hipoteticamente ser criados, mas ambas são perguntas sobre a realidade, visto que é a realidade que limita aquilo que pode ser criado. Consoante for a realidade, consoante serão os seus limites, e estes determinarão a resposta.
Ou seja, eu acredito que podem ser feitas afirmações falsas no que diz respeito à resposta à pergunta "qual é o melhor código moral?". Ora ou são todas as respostas equivalmentes, ou umas estão mais distantes da verdade que outras. Esta segunda opção implica que existe uma resposta verdadeira.
uma gralha: «Quando o Manuel se engana-se». Li outra, mas não encontro.
ups!
ResponderEliminarpor «comodidade» é que omitimos os "os"
Ludwig,
ResponderEliminarnão há maiores tretas do que tratar como tretas tudo o que não se ajustar ao credo do Ludwig.
A propósito de ética, esta diz respeito a comportamentos de pessoas humanas. O ser e o dever-ser não podem equacionar-se assim com dá cá essa palha. O dever-ser diz respeito a comportamentos, a condutas humanas. Para a ética o ser é sempre o que foi e o dever-ser pode vir a ser ou não. Falar de barreiras entre o que é e o que deve ser, numa perspectiva ética, é algo que carece de sentido. Nenhuma ciência natural, física, química, biológica... vai explicar por que um comportamento é bom e outro é mau. As ciências da natureza não têm preferências, ao contrário dos cientistas. Infelizmente, não raro, os cientistas conceituados abusam do seu estatuto para darem como sabidas coisas que estão longe de o ser. Vendem ficção por ciência. Quando esta tentação passa do domínio das suas especialidades para áreas que eles dominam ainda menos, podem ser um perigo, se não forem honestos.
A noção de mal natural, por exemplo, emerge nas contingências dos nossos juízos interessados e nada tem de científico, ou ético.
As ideias de "bem" e de "mal", por sua vez, interessam e preocupam as pessoas, pelo menos tanto como a energia nuclear e as suas implicações, mas, diferentemente desta, aquelas não estão à espera que as encontremos como propriedades químicas ou físicas de um objecto.
João Vasco,
ResponderEliminarConsidera a pergunta “qual o pequeno-almoço do João Vasco no dia 2-4-2011?” Podemos dizer que, no conjunto de todas as descrições possíveis para um pequeno-almoço, existe, e sempre existiu, uma que corresponde ao pequeno-almoço que vais tomar no próximo Sábado. Essa descrição é a correcta mesmo que ninguém saiba que é, e pode ser descoberta, por exemplo, esperando que chegue esse dia e observando o teu pequeno-almoço.
Mas isto não adianta de nada para a tua decisão acerca do que vais comer ao pequeno-almoço no próximo Sábado. Quando fores decidir o que é melhor, se iogurte ou leite, se fazes ovos mexidos ou tens cuidado com o colesterol, etc, não faz sentido pensar “bem, vou esperar um bocado para me observar a tomar o pequeno-almoço, e depois já sei que pequeno-almoço devo tomar”. É que mesmo que pudesses ver o futuro, isso não era a mesma coisa que decidir qual o pequeno-almoço tomar.
Esta é a diferença fundamental entre descrições e normas. Qualquer questão normativa, acerca do que é melhor, do que devo fazer, etc, exige uma escolha. Por exemplo, se queres saber qual é o melhor corredor do mundo tens primeiro de escolher os critérios pelos quais comparas os corredores. Resistência? Velocidade? Força de vontade? Velocidade em proporção ao tamanho das pernas? Distância corrida em proporção às calorias despendidas? etc. Isto não é algo que possas simplesmente observar até ter a resposta. Tens de escolher, e a resposta certa só será a resposta certa em função dessa escolha.
Tu podes fazer afirmações falsas acerca do teu pequeno-almoço ou dos corredores, mas apenas enquanto forem afirmações descritivas. Se forem normativas, por exemplo “o melhor corredor é aquele que corre 2km mais rápido que os outros, ao nível do mar e em asfalto”, isto não é nem verdadeiro nem falso, porque não se deve entender como uma proposição que pretende corresponder a algum aspecto da realidade. É um juízo de valor, e tem de ser escolhido, não descoberto.
(obrigado pela gralha... rescrevi a frase mas ficou lá um fóssil de um antepassado. A outra pode ter sido a falta do “quem” a seguir ao “Searle”, que notei já depois de ter publicado o post)
Carlos Soares,
ResponderEliminar«não há maiores tretas do que tratar como tretas tudo o que não se ajustar ao credo do Ludwig.»
Uma generalização interessante por ser ela própria o contra-exemplo que a refuta :)
«Falar de barreiras entre o que é e o que deve ser, numa perspectiva ética, é algo que carece de sentido. Nenhuma ciência natural, física, química, biológica... vai explicar por que um comportamento é bom e outro é mau.»
Hoje é o dia mundial da contradição e ninguém me avisou? A segunda frase é precisamente a afirmação daquilo que, na primeira, diz não fazer sentido. O bom e o mau não podem ser derivados apenas da análise do que é sem primeiro escolhermos algo acerca do que deve ser. Quanto ao problema do é e do deve ser, pode começar pelo Treatise of Human Nature, do Hume.
«In every system of morality, which I have hitherto met with, I have always remark'd, that the author proceeds for some time in the ordinary ways of reasoning, and establishes the being of a God, or makes observations concerning human affairs; when all of a sudden I am surpriz'd to find, that instead of the usual copulations of propositions, is, and is not, I meet with no proposition that is not connected with an ought, or an ought not. This change is imperceptible; but is however, of the last consequence. For as this ought, or ought not, expresses some new relation or affirmation, 'tis necessary that it shou'd be observ'd and explain'd; and at the same time that a reason should be given; for what seems altogether inconceivable, how this new relation can be a deduction from others, which are entirely different from it.»
(Wikipedia)
Trocado por miúdos, uma coisa é descrever o que é, outra bem diferente é propor normas acerca do que deve ser. Estas últimas não podem ser justificadas apenas por uma descrição do que é (há quem tente, mas acabam sempre por incluir normas implicitamente naquilo que propõem como descrições – por exemplo, a realidade social do Searle não é puramente descritiva, mas um misto de descrições e de classificações de cariz normativo).
Elizabeth Anscombe?
ResponderEliminarFrancisco,
ResponderEliminarDoh! Abercrombie é o cão do Vincent Malloy... Acho que estou com alguma fuga nos neurónios :)
Obrigado.
Pelo que percebi, a extensão da objectividade proposta pelo João Vasco permite admitir como facto objectivo algumas verdades convencionadas. Um exemplo disso é o nome próprio.
ResponderEliminarÉ um facto objectivo que o meu nome é Francisco? Tanto quanto percebi, a proposta do João Vasco permite responder afirmativamente. Alguém que não me conhece pode investigar e descobrir o meu nome verdadeiro. Assim, se alguém disser que me chamo Alexandre isso será "demonstravelmente" falso.
O meu nome não é uma propriedade intrínseca à minha pessoa e como tal não há como dizer objectivamente qual é, independentemente do contexto em que já estou inserido. Mas por extensão, existe uma cadeia de factos objectivos que redundam na simplificação de dizer-se que o meu nome é Francisco: na minha sociedade as pessoas atribuem nomes umas às outras; o nome pelo qual respondo é Francisco; existe uma certa norma social que faz com que o nome de uma pessoa seja indistinguível, no discurso comum, pensado ou falado, daquilo que ela é objectivamente. Portanto, sendo a realidade social é o que é, é legítimo dizer-se que o meu nome é Francisco e não António ou Bernardo.
Não deixando de ser uma verdade convencionada há situações de convenção social com objectividade que chegue. Só não vejo como se possa fazer o mesmo com a ética...
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ResponderEliminarPERGUNTAS AO LUDWIG E A TODOS OS LEITORES DO BLOGUE:
ResponderEliminar1) Se a evolução é o resultado de milhões de anos de predação, dor, sofrimento e morte, e o ser humano é um mero acidente cósmico, porque é que nos devemos comportar eticamente?
2) Que ética se tem em vista? A ética da escravatura grega? A ética de Roma em que o homem tinha um direito de vida e de morte sobre a mulher? A ética dos povos que sacrificavam crianças? A ética dos gladiadores que lutavam até à morte? Se a ética é uma mera convenção social, o que há de errado com estas éticas?
3) Se a ética é uma mera convenção social, e se na natureza o mais forte domina o mais fraco, o que há de errado em dizer que pode ser moral apedrejar crianças, maltratar mulheres e matar inocentes? Existem limites morais a uma convenção social que aprove esses comportamentos?
4) Se não existe uma ética universal e se são possíveis várias éticas universais, o que impede de existir uma ética de exploração, opressão e escravização? Não é verdade que esse comportamento é universal existindo, sob várias formas, em todos os tempos e lugares?
5) Como conciliar a ideia de que não existe uma única ética universal acima das convenções sociais com a ideia de que muitas coisas serão necessariamente imorais em qualquer ética? Que coisas são essas? E se houver convenções sociais de sentido contrário?
6) Se a matéria e a energia são tudo o que existem, a que se deve tanta preocupação do Ludwig com valores que, não sendo meras partículas de matéria e energia, existem necessariamente num mundo espiritual e imaterial?
7) Se existe uma barreira entre o que é e o que deve ser, e se não existe qualquer revelação divina, como é que o Ludwig sabe que existem coisas imorais em qualquer contexto? De onde lhe veio esse conhecimento?
8) Já agora, como é que o Ludig sabe que não existe revelação divina? É omnisciente? Tem a pretensão de falar com certeza absoluta sobre a totalidade do real? Consegue impedir a existência de Deus e pôr limites à sua actuação?
Gostaria de o ouvir sobre estas questões...
MAIS UM CÓDIGO DESCOBERTO NO CÉREBRO HUMANO
ResponderEliminarUm código e informação codificada dependem sempre de inteligência, sendo criações intelectuais imateriais.
A vida depende de informação codificada no DNA.
Não existe qualquer explicação naturalista para a origem do código e dessa informação.
Agora acaba de ser descoberto mais um código no cérebro humano
Os cientistas envolvidos detectaram uma estrutura definida em sequências aparentemente aleatórias....
Eles afirmam a mesma matemática que pode decifrar um código normal de um carro, pode decifrar esse código.
Nas suas palavras, "the same math that could break into your car can be used to crack the brain's codes."
Também isto é inteiramente consistente com a afirmação da Bíblia de que a vida (e o cérebro humano) é o produto de um Deus racional.
A Bíblia diz que o Verbo criou a vida. A vida depende de um código extremamente complexo.
Encaixa perfeitamente.
1) porque um qualquer comportamento tem um qualquer rótulo ético, portanto não há como não nos comportarmos eticamente
ResponderEliminar2) a ética de não faças aos outros o que não gostavas que te fizessem a ti. Esta é melhor do que uma qualquer que venha na Bíblia
3) moral é outra convenção, perdeste-te na tua retórica
4) certo
5) concilia-se bem
6) Ética trata comportamentos, o restante física. Para assuntos relacionados com o imaterial consultar o professor Mané, as vossas teorias têm os mesmos fundamentos
7) interpretações de comportamentos que variam de pessoa para pessoa e ao longo do tempo
8) às tantas é mestre nas ciências da magia negra à semelhança dos que invocam o pensamento do amigo imaginário
Ética é o que uns vão aprendendo e outros julgam que têm.
Ludwig:
ResponderEliminarSe eu afirmar que o melhor corredor é quem pesa mais, eu estou a afirmar algo que é falso.
Faz sentido discutir qual o critério correcto para aferir o melhor corredor. Mas quem afirma que o melhor corredor é quem consegue atingir a máxima velocidade instantânea, ou quem afirma que é aquele cujo integral do tempo que demoraria a percorrer todas as distâncias, de 0 a 50km, seria menor, ou quem afirma que é quem canta melhor enquanto corre, não faz afirmações de valor lógico equivalente. Podemos dizer que o último faz uma afirmação falsa.
De acordo com a nossa linguagem está implícito um conceito para "melhor corredor", e diferentes pessoas podem ter diferentes percepções em relação a que conceito é esse. Estas percepções podem ser mais próximas ou distantes da realidade, e se é complicado encontrarmos forma de aferir qual de duas percepções próximas está mais próxima, é bastante claro que podem existir percepções distantes da realidade.
Nota o ponto inicial, que entre o objectivo e subjectivo existe - essa é a minha posição - «um sentido intermédio».
Por exemplo, mesmo que todos estejam de acordo com o critério, podem estar todos equivocados quanto à sua aplicação.
Por outro lado, olha para a matemática. Tens aí um conjunto de axiomas que convencionamos serem verdadeiros. A partir deles descobrimos teoremas, e mais teoremas. Há muitas afirmações que podem ser demonstradas falsas ( inconsistentes com os axiomas iniciais). Na prática aquilo que os matemáticos fazem é "explorar uma linguagem".
Temos então que podes chegar a proposições "verdadeiras" e "falsas" neste sentido de consistência com os axiomas iniciais.
As linguagens que usamos no dia-a-dia, são mais complicadas a este respeito. Uma complicação é que tens o português falado em portugal, ao qual poderíamos dizer que certas palavras correspondem a certos conceitos, ou o português falado em Serpa, ou em Lisboa, ou o Português falado num grupo específico com uma gíria específica desse grupo. Para cada grupo existirá uma correspondência adequada entre as palavras e os conceitos, implícita em toda a comunicação que ocorreu, e haverá quem simplesmente afirma coisas erradas.
Quem afirmar que uma boa definição de "bom cozinheiro" é quem confeccina pratos "mais saudáveis" vai fazer uma afirmação errada na linguagem usada pelos comentadores deste blogue.
Mas tal como podemos ir especificando até chegar à pessoa, podemos ir englobando até chegar ao mundo.
Em matemática os 13 axiomas não exigem que os números sejam expressos em numeração decimal ou binária. Tu tens o número como algo que está além da sua representação.
Então qual é, para todo o mundo, a definição de "melhor cozinheiro"?
Haverão respostas erradas para esta pergunta? O que é que isso significa?
«As linguagens que usamos no dia-a-dia, são mais complicadas a este respeito.»
ResponderEliminarUm exemplo é a forma impessoal do verbo haver... :)
«Haverá respostas erradas para esta pergunta?»
Já agora, só por piada: Há respostas erradas para essa pergunta, e uma delas é 'Não, não há.'
Se a resposta 'Não, não há.' estiver correcta, então a minha também está correcta. Se estiver errada, a minha permanece correcta. QED
JV,
ResponderEliminarQuanto à exploração da linguagem, uma coisa que eu creio que a Ética tem de ser é cogente e isso passa por ser logicamente coerente. Assim, torna-se possível deduzir soluções éticas incompatíveis entre si, independentemente da orientação normativa escolhida depois. Assim, há espaço para fazer descobertas no domínio da Ética no sentido de que há tautologias pouco ou nada óbvias que é preciso esclarecer, como na Matemática. Mas há sempre o problema da escolha...
João Vasco,
ResponderEliminarNovamente, o problema é confundir descrição e norma. Supõe que eu afirmo “o melhor corredor é o mais pesado”. Se o que eu quero é fazer uma afirmação que descreva correctamente a forma como as a maioria das pessoas determina se um corredor é melhor que outro, então a minha afirmação é uma proposição e é falsa.
Mas se o que eu quero é apenas exprimir uma norma de classificação segundo a qual os corredores são avaliados de melhor para pior conforme o peso, isto não é verdade nem mentira, porque não pretende representar correctamente nenhum aspecto da realidade. Nem sequer é uma proposição, em rigor, se bem que gramaticalmente o pareça.
O Francisco deu um bom exemplo. A descrição do nome do Francisco é correcta ou incorrecta em função de decisões subjectivas (dos pais dele, da comunidade, etc). Mas há um sentido comum de “Ele chama-se Francisco” que é proposicional e pode ser objectivamente verdadeiro ou falso, pois refere aquele aspecto da realidade que é o que normalmente as pessoas chamam ao Francisco.
Mas isto deixa de funcionar para qualquer norma acerca do nome que o Francisco devia ter. Se eu afirmar que teria sido melhor que lhe dessem o nome Manuel, isto não é uma afirmação factual. É um juízo de valor que, em última análise, só pode ser consensual se assentar em valores partilhados por nós. Não há nenhum facto (i.e. nenhuma proposição verdadeira) que eu possa invocar que, por si só e desligada de qualquer juízo de valor, possa justificar que teria sido melhor chamar Manuel ao Francisco (isto assumindo que ele não se chama Manuel Francisco ou Francisco Manuel, caso esse em que vos peço para imaginar outro exemplo que faça mais sentido :)
João Vasco,
ResponderEliminar«Para cada grupo existirá uma correspondência adequada entre as palavras e os conceitos»
Certo. Agora pega em duas maçãs e decide qual é a melhor. Essa decisão que tomaste é verdade ou é mentira?
« Supõe que eu afirmo “o melhor corredor é o mais pesado”. Se o que eu quero é fazer uma afirmação que descreva correctamente a forma como as a maioria das pessoas determina se um corredor é melhor que outro, então a minha afirmação é uma proposição e é falsa.»
ResponderEliminarExacto.
«O Francisco deu um bom exemplo. A descrição do nome do Francisco é correcta ou incorrecta em função de decisões subjectivas (dos pais dele, da comunidade, etc). Mas há um sentido comum de “Ele chama-se Francisco” que é proposicional e pode ser objectivamente verdadeiro ou falso, pois refere aquele aspecto da realidade que é o que normalmente as pessoas chamam ao Francisco.»
Pois.
«Mas isto deixa de funcionar para qualquer norma acerca do nome que o Francisco devia ter»
Mas não tem problema.
Pega no corredor mais pesado novamente.
Pega no sentido em que dizes que a proposição que exempleficaste («o melhor corredor é o mais pesado») é falsa.
Da mesma forma que essa proposição é falsa, a proposição «o melhor código moral é o que promove a escravatura a violação e o sofrimento» também é falsa.
João Vasco,
ResponderEliminar«Pega no sentido em que dizes que a proposição que exempleficaste («o melhor corredor é o mais pesado») é falsa.
Da mesma forma que essa proposição é falsa, a proposição «o melhor código moral é o que promove a escravatura a violação e o sofrimento» também é falsa.»
De acordo. Ambas são falsas quando usadas no sentido meramente descritivo, descrevendo aquilo que é a opinião maioritária na nossa cultura.
O meu ponto é que esse sentido meramente descritivo não nos serve de nada na ética. Porque supõe tu que vivíamos numa cultura onde se valorizava os corredores pelo peso e se aceitava como moralmente bom a violação, a escravatura e o sofrimento. Nesse caso, essas afirmações passavam a ser verdadeiras. E ficávamos na mesma no que toca a decidir se um corredor pesado é melhor ou se é melhor promover ou evitar a escravatura.
O ponto principal aqui é que a ética não é feita de proposições mas sim de decisões. E decisões não são nem verdadeiras nem falsas. Se decides sair de casa às 12:45, ou decides manifestar-te contra a guerra, ou decides dar todo o teu dinheiro a instituições de caridade, nada disso é classificável como verdadeiro ou falso porque nada disso são proposições acerca da realidade.
Se queres descobrir uma ética procurando proposições verdadeiras vais acabar por encontrar algo que nada tem que ver com a ética. Esse é o problema do is/ought (e, muitas vezes, a falácia naturalista).
Se queres uma ética tens de a criar com as tuas decisões. O que é tramado, mas se fosse fácil não estávamos a discutir isto :)
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarLudwig:
ResponderEliminar«Porque supõe tu que vivíamos numa cultura onde se valorizava os corredores pelo peso e se aceitava como moralmente bom a violação, a escravatura e o sofrimento. Nesse caso, essas afirmações passavam a ser verdadeiras. E ficávamos na mesma no que toca a decidir se um corredor pesado é melhor ou se é melhor promover ou evitar a escravatura.»
É aqui que discordo.
Imagina o caso do número raiz de 2.
Os gregos usavam uma linguagem, mas rejeitavam algumas implicações da própria linguagem que usavam.
Ou bem que qualquer número poderia ser expresso por p/q, ou bem que existiria um número que multiplicado por ele próprio seria igual a 2. Para aceitar a segunda, ter-se-ia de rejeitar a primeira, mas eles não queriam isso.
Imagina que só existe no mundo inteiro essa sociedade que acredita na escravatura.
Eles terão uma noção de bem. E pensam que a escravatura é compatível (mais que compatível, por hipótese, até necessária) com essa noção. Todos acreditam nisso.
Mas, tal como no caso dos gregos do exemplo, estão enganados.
Podem acreditar que a melhor forma de conciliar as diferentes vontades é a instituição desse sistema esclavagista, mas estão objectivamente equivocados. Há aí uma incompatibilidade que não estão a reconhecer.
Mas não tem problema.
ResponderEliminarPega no corredor mais pesado novamente.
Pega no sentido em que dizes que a proposição que exempleficaste («o melhor corredor é o mais pesado») é falsa.
Da mesma forma que essa proposição é falsa, a proposição «o melhor código moral é o que promove a escravatura a violação e o sofrimento» também é falsa.
Tradução, "Não me interessam os teus argumentos nem os problemas à minha argumentação que me colocas, sei q tou certo e para o demonstrar dou-te trabalho para fazeres e chegares à mesma conclusão q eu".
Ultimamente tens tido um sério problema de expressão, JV.
Embora a questão "intermédia" seja interessante, não a colocaste da melhor forma, de modo algum. Até o Sam Harris tem-na colocado de uma maneira bastante melhor. Completamente incorrecta do ponto de vista lógico, porque "salta" a barreira de Hume com um "Mas quem discorda que o que é fixe é sermos felizes e não sofrermos, hmm?", mas ao menos na sua teimosia sempre focaliza o problema e mostra como se calha isto devia ser visto com mais atenção e de outras formas por parte dos "eticistas". Não sei, pensar fora da caixa.
Porque para qualquer ser moral, a ideia de que a moral "não existe" por aí, independente de si, é absurda e aberrante. Não encaixa. Todos sabem que matar é mau! E que violar é mau! Saberão? Enfim.
Partilho uma short story que pode ser útil ou não:
http://lesswrong.com/lw/y5/the_babyeating_aliens_18/
Atenção, tem 8 páginas, e deve ser lida na totalidade. (clicar no link à direita "(Part 1 of 8 in "Three Worlds Collide")" para ver as outras partes).
Mas, tal como no caso dos gregos do exemplo, estão enganados.
ResponderEliminarNão te basta repetires a tua opinião, João. Tens de a demonstrar minimamente.
Podem acreditar que a melhor forma de conciliar as diferentes vontades é a instituição desse sistema esclavagista, mas estão objectivamente equivocados.
Mas aí já partes da premissa de que eles querem "conciliar as diferentes vontades" de todo, ou até da mesma maneira que tu. Ou seja, partes de um valor moral para demonstrares outro valor moral. Mas o teu desafio não é esse. O teu desafio é demonstrares como é que de factos empíricos chegas a valores, sem meteres à socapa outros valores pelo meio.
Barba:
ResponderEliminarEstás enganado. Eu não tenho de demonstrar que a minha posição está certa. Como se pudesse demonstrar tal coisa num comentário de um blogue...
Não, eu limitei-me a expor a minha posição. O Ludwig fez objecções, e eu expliquei porque é que essas objecções não colhem.
Isto é obviamente diferente de demonstrar a minha posição, coisa que não pretendo fazer. Limitei-me a enunciá-la.
Se tem sido um problema de "expressão" lamento. Faço o melhor que posso com a disponibilidade que tenho tido para escrever aqui, e acho que já tenho perdido mais tempo do que devia. Não que não seja o melhor espaço de discussão dos diferentes blogues que conheço, mas tenho muita coisa em atraso.
Estás enganado. Eu não tenho de demonstrar que a minha posição está certa.
ResponderEliminarTens toda a razão. Aliás, não tens de fazer nada ;).
Portanto vais-te limitar a partilhar connosco a Verdade e nós vamos aceitá-la.
Não Barba, não tens de aceitar :s
ResponderEliminarLUDWIG DIZ:
ResponderEliminar"O ponto principal aqui é que a ética não é feita de proposições mas sim de decisões. E decisões não são nem verdadeiras nem falsas."
Significa isto que se um grupo decidir que é correcto matar o Ludwig isso passa a ser moralmente correcto?
E o Ludwig será imoral se tentar fugir ou resistir?
O Ludwig cai em contradição quando afirma que não existe uma única moral universal, ao mesmo tempo que afirma que algumas coisas são erradas em qualquer contexto...
Na verdade, não se trata de saber se as decisões podem ser verdadeiras ou falsas, mas sim certas ou erradas.
DESCOBERTO UM CÓDIGO NO CÉREBRO:
ResponderEliminarSe o ser humano é o resultado de processos físicos, químicos e genéticos aleatórios, o que é que faz no cérebro um recém-descoberto código decifrável por via matemática exactamente como os demais códigos criados pelo homem?
DESCOBERTOS LIVROS COM QUASE 2000 ANOS:
ResponderEliminarForam descobertos cerca de 70 livros com cerca de 2000 anos que podem ser preciosos para a história do Cristianismo...
Alguns arqueólogos dizem que se poderá estar aqui perante algo ainda mais importante do que os Manuscritos do Mar Morto...
João Vasco,
ResponderEliminarA verdade por consistência é útil, mas é um conceito demasiado formal para o que nos interessa. Permite restringir as opções a certas combinações. Por exemplo, se todos os números são fracções de inteiros então nenhum número é raiz de 2; e se um número for raiz de dois então nem todos os números são fracções de inteiros. Mas deixa em aberto qual das opções escolhes. Para o problema da consistência, tanto faz, porque estás apenas a lidar com definições dos termos.
Se aplicarmos o mesmo critério de consistência à escravatura, então temos que ou defendem que todos têm iguais liberdades ou defendem que alguns sejam escravos dos outros. Mas esse critério de consistência não obriga a decidir qual das duas opções escolher. Podem, por exemplo, escolher que pessoas de certa nacionalidade ou com esta cor de pele têm uns direitos, e os outros são escravos.
O problema acaba por ser sempre este: a ética é acerca de escolhas, não de proposições. Podes conceber proposições que descrevam as escolhas, mas não podes conceber proposições que escolham por nós.
o krippahl quer é que a realidade se ajuste à sua lista.....
ResponderEliminarAgora a Jão Vasco nota que tinha escrito “massa” na sua lista mas, em vez de massa, o krippahl tem Obrigações do tesouro a vencerem em 2020 e tal no tal carro das compras.
Ao contrário do krippahl, o Jota não vai trocar as obrigações por massa no carrinho. Como a direcção do ajuste que ele quer é da lista para a realidade, a Maria vai apagar “massa” e escrever “obrigações do tesouro”.
Só que o Jota num tem rebentos rechonchudos e o K. tem
logo o capa não se importa de os trocar por massa para alimentar os luxos dos rebentos, embora eticamente (na sua ética particular)acredite na distribuição de riqueza
Eu rejeito o João Vasco porque a ética é normativa, tal como OS DEZ MANDAMENTOS em vez de nÃO COBIÇARÁS A MULHER DO PRÓXIMO
NÃO ESCRAVIZARÁS A MULHER DO PRÓXIMO ETXC
tal como qualquer moral que dela se derive. O objectivo da ética não é conformar-se à realidade mas dizer a que padrões a realidade se deve conformar. Concordo que «mesmo que escravos e esclavagistas acreditassem na moralidade da escravatura, ela continuaria a ser imoral». Eu também quero que a ética seja mais sólida do que uma lista de compras. Não pode mudar com as modas nem faz sentido aquela desculpa do “contexto histórico” com a qual tentam justificar as barbaridades na Bíblia. Apedrejar crianças, escravizar pessoas, maltratar mulheres e matar inocentes é imoral em qualquer “contexto”. No entanto, a ética não algo que se possa descobrir, nem que possa ser verdadeiro ou falso, porque estes conceitos exigem a direcção de ajuste oposta. Só uma coisa que se quer ajustar à realidade é que pode ser verdadeira ou descoberta. Quando o que queremos é ajustar a realidade a algo esses conceitos não se aplicam
Logo a ética é Deus......
A ética é um conceito humano e como tal sem valores absolutos
Din kommentar blev udgivet ou seja resumindo concordo com o Vasco Gonçalves
ResponderEliminarLudwig:
ResponderEliminarAquilo que eu quero dizer é que existe um conceito de «melhor código moral» que, mesmo em sociedade que acreditam que é consistente com a escravatura, não o é.
«Aquilo que eu quero dizer é que existe um conceito de «melhor código moral» que, mesmo em sociedade que acreditam que é consistente com a escravatura, não o é. »
ResponderEliminarNão estou a conseguir acompanhar o vosso diferendo... A ética e as escolhas não se fazem num circuito arbitrário independente da realidade, porque as escolhas baseiam-se no valor. E o valor é algo que podemos ir descobrindo sob a "protecção" de uma objectividade livre das preferências individuais.
É este o nível intermédio de objectividade a que te referes desde o início?
«E o valor é algo que podemos ir descobrindo»
ResponderEliminarEsse é o ponto chave.
O valor que damos a algo é algo que podemos desconhecer. Não é uma mera decisão.
Podemos acreditar que damos mais valor a X do que a Y, e estar enganados.
Um exemplo para eu me situar...
ResponderEliminarConsiderem a república dos Maloo Kinhos, onde o vudu está inscrito no código penal como um crime por ser moralmente condenável aos olhos da população e dos legisladores. O que distingue este sistema ético do nosso?
Para mim a resposta é clara: o conhecimento da eficácia do vudu. Na nossa república, o legislador dirá: “Espetar agulhas em bonecos de palha objectivamente não funciona, logo não tem valor nem ético nem jurídico”. Entre a nossa república e a primeira, a diferença está na descoberta do valor objectivo do vudu. A crença aqui não representa a variação da atribuição de valor, representa um obstáculo à verificação.
Há um valor naquilo que nos propomos articular eticamente, menos volúvel do que as preferências individuais, mesmo que não seja tão óbvio como neste caso. É nesse sentido que me referi a “algo que podemos ir descobrindo”. Vejo portanto que não concordo com nenhum de vocês porque, de formas diferentes, ambos dizem que é impossível avaliar exteriormente à crença.
Neste exemplo que dei o motor da ética é o conhecimento, pelo que esta afirmação do Ludwig nem sempre é verdadeira:
«a ética é acerca de escolhas, não de proposições.»
Tendo nós ao nosso dispor a proposição válida “A medicina tem mais valor do que o vudu”, qual é a dúvida quanto à escolha ética?
Por outro lado, apesar da objectividade a que podemos deitar mão para fazer as nossas avaliações exteriormente a crenças, não deixa de ser verdade que:
«Podemos acreditar que damos mais valor a X do que a Y, e estar enganados.»
Olhem, não sei. Vou ter que pensar nisto muito bem pensadinho. Já tenho o kindle cheio de tralha sobre mecânica quântica... vocês estão-me a dar conta é da pevide, pá.
Bruce:
ResponderEliminar«Entre a nossa república e a primeira, a diferença está na descoberta do valor objectivo do vudu. A crença aqui não representa a variação da atribuição de valor, representa um obstáculo à verificação.»
Exacto.
Por exemplo, se duas pessoas discordam se uma medida económica é boa ou não, podem ter os mesmos valores, mas uma percepção diferente da realidade, e portanto diferentes opiniões quanto às consequências dessa medida.
Nesse sentido, muito simples, existe uma verdade objectiva independente das opiniões deles, a respeito das consequências reais que tal medida teria.
O problema é se ambos concordam quanto às consequências, mas diferem nos valores. Aí a verdade objectiva já não faz parte da ciência económica, e portanto é muito mais complicado saber que valores é que são mais adequados.
E aí então entra o problema da consistência, da coerência, da linguagem, daquilo que existe de comum no que valorizamos, e na ideia de que a melhor forma de conciliar vontades e preferências pode ser uma, mesmo que todos acreditem que é outra.
Isso são águas mais difíceis de navegar.
«Por exemplo, se duas pessoas discordam se uma medida económica é boa ou não, podem ter os mesmos valores, mas uma percepção diferente da realidade, e portanto diferentes opiniões quanto às consequências dessa medida.»
ResponderEliminarJota, para que fique claro... isso aponta para o facto de a economia ser uma “ciência” desnecessária e não para a virtude do PS como partido ;)
Bruce e João Vasco,
ResponderEliminarNo exemplo do Bruce, assume-se que a ética é a mesma (os mesmos valores, as mesmas prioridades, a mesma noção do que é certo e errado) e que a única diferença é no conhecimento dos factos. Não é portanto surpreendente que cheguem à conclusão que a ética é a mesma e a única diferença esteja no conhecimento dos factos.
Mas agora considerem que uma pessoa defende que a pobreza é uma coisa má, mas pior ainda é limitar o direito à propriedade privada e que, por isso, não é eticamente aceitável que se tire coisas aos ricos para dar aos pobres. Outra discorda porque, sem bem que ache que a propriedade privada é uma coisa boa, não é suficientemente boa para que não se prescinda dela mesmo para combater a pobreza, e por isso acha que é aceitável tirar uma parte dos bens dos ricos para aliviar os pobres.
Qual destas posições é verdadeira e qual é falsa?
Como o João Vasco escreveu, «O problema é se ambos concordam quanto às consequências, mas diferem nos valores.» Precisamente.
Notem que os factos das consequências não são o que determina a ética. Os valores – critérios de decisão – serão os mesmos quer as balas matem quer as balas curem. Porque a ética não vai dizer coisas como “é imoral acelerar pedaços de chumbo na direcção das pessoas” mas algo com “é imoral matar e causar sofrimento”. É por isso que em ética é costume inventar experiências conceptuais precisamente para testar a universalidade dos princípios e desligá-los da contingência factos. Por exemplo, como agir com robots inteligentes e conscientes, como deveríamos encarar o aborto se tivéssemos incubadoras capazes de manter o embrião vivo desde a concepção, etc.
E quando estamos a focar esses problemas – os problemas que são os éticos – as questões de verdade e falsidade deixam de fazer sentido.
Bruce:
ResponderEliminarNAAAAOOOOOOOOOO!!!
A economia não é uma ciência desnecessária. Pelo contrário, é uma ciência muito importante.
E se queres atacar o PS escolhe alguém que se identifique como sendo do PS.
Eu identifico-me como sendo de esquerda. E apesar de ser de esquerda moderada, já o repeti aqui várias vezes, mais de metade dos meus votos foram para outros partidos de esquerda que não o PS.
Se és incapaz de discutir os méritos do PS com alguém que dê a cara por esse partido, não sei porque continuas a querer discutir comigo. É uma espécie de luta contra um espantalho.
Ainda por cima, completamente a despropósito.
Ludwig,
ResponderEliminar«Mas agora considerem que uma pessoa defende que a pobreza é uma coisa má, mas pior ainda é limitar o direito à propriedade privada e que, por isso, não é eticamente aceitável que se tire coisas aos ricos para dar aos pobres.»
Um sistema político precisa de ser generalizável. Mas se é ético ou não tirar dinheiro a um rico para dar a um pobre, temos que conhecer em que medida cada um deles é responsável pela sua condição... “Tu, rico, dá parte do teu dinheiro a este lorpa.” Ou, pelo contrário: “Tu, lorpa como todos os pobres, não mereces o dinheiro de ninguém”. Penso que estás a usar a generalização para complicar e não para simplificar. Em todo o caso, o denominador comum ao caso do vudu é a necessidade de conhecimento.
De resto, concordo (obviamente) que nem tudo é claro na avaliação dos valores que concorrem na ética. Mas voltando ao caso do vudo. Dizes:
«assume-se que a ética é a mesma (os mesmos valores, as mesmas prioridades, a mesma noção do que é certo e errado) e que a única diferença é no conhecimento dos factos. Não é portanto surpreendente que cheguem à conclusão que a ética é a mesma e a única diferença esteja no conhecimento dos factos.»
O reconhecimento do valor da vida, da vida dos outros, é consensual tanto na república dos Maloo como na nossa, daí a criminalização do vudu... Isso parece indicar, ao contrário de uma premissa artificial minha, um consenso sobre o valor objectivo da vida. Serve perfeitamente o que eu digo acerca do valor objectivo.
Adenda...
ResponderEliminarReferi este caso por ser real. Por exemplo a República Centro-Africana considera o vudu na legislação e tem as prisões cheias de bruxas. O Estado receia de facto a capacidade de matar por magia.
Ludwig,
ResponderEliminarNão disseste mas pensaste!!!
“Se o valor da vida é objectivo como me diz este cromo, então eu tenho razão na questão do aborto”.
Só que não tens. Eu sublinhei o valor da vida, «da vida dos outros», precisamente para não confundirmos os outros (alguém) com embriões (ninguém).
E eu até podia juntar esse exemplo à república dos Maloo por se tratar de uma falsa questão ética, facilmente desmontável pela verificação exterior à crença. E mereces que o faça, só por esse pensamento. Francamente.
Bruce,
ResponderEliminar«Isso parece indicar, ao contrário de uma premissa artificial minha, um consenso sobre o valor objectivo da vida.»
No problemo. A verdade da proposição “há um consenso sobre o valor da vida” é determinada, como em qualquer proposição acerca da realidade, pela sua correspondência com os factos que refere. Se há consenso, então a proposição é verdadeira. Se não há, então é falsa.
Mas com a afirmação “devemos dar valor à vida” não podes fazer o mesmo porque não há nenhum aspecto da realidade que esta afirmação refira. Não há nada na realidade que possa confirmar ou refutar esta afirmação. Tanto faz se o pessoal se mata todo à catanada ou se proíbem os abortos e passam a comer só fruta, que esta afirmação continua a não ser nem verdadeira nem falsa.
E só afirmações como esta última é que são eticamente relevantes. Constatações acerca do consenso, taxas de juro ou voodoo não determinam a ética.
«Mas com a afirmação “devemos dar valor à vida” não podes fazer o mesmo porque não há nenhum aspecto da realidade que esta afirmação refira.»
ResponderEliminarO desafio que colocas nesse caso é uma elaboração proposicional extremamente simples:
“Estar vivo é melhor do que estar morto.”
Onde é que eu errei?
Bruce,
ResponderEliminarErraste na confusão do costume.
Se “Estar vivo é melhor do que estar morto” é uma afirmação acerca da tua opinião e for mesmo essa a tua opinião, então é uma proposição verdadeira.
Se é uma afirmação acerca da condição de estar vivo, que dizes ter o atributo de ser melhor que estar morto, então é uma proposição falsa porque na condição de estar vivo não existe tal atributo. Não é uma propriedade do objecto, é uma classificação feita por um sujeito.
E se o que queres dizer é que devemos dar mais valor ao vivo do que ao morto – ou seja, devemos guiar as nossas decisões de forma a preferir o primeiro e preterir o último – então não estás a enunciar nada que corresponda a qualquer aspecto da realidade e que possa ser determinado verdadeiro ou falso.
É claro que podes simplesmente baralhar isto tudo e apresentar uma opinião pessoal como se fosse um facto objectivo com poder normativo. Em muitos casos o pessoal cai nessa, principalmente se disseres que foi um deus que to disse. Mas é treta à mesma :)
Bruce,
ResponderEliminar«Eu sublinhei o valor da vida, «da vida dos outros», precisamente para não confundirmos os outros (alguém) com embriões (ninguém).»
E porque é que um embrião não é alguém? E porque é que a vida dos outros só conta se o outros for "alguém"? Se for um bezerro não conta? Ou um bezerro é mais alguém que um embrião? E porquê?
Parece-me que acabas por cair no problema daqueles que embicam numa conclusão e querem depois martelar as premissas à força, mesmo que não caibam :)
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarEVIDÊNCIA CONSISTENTE COM A ORIGEM RECENTE DO SISTEMA SOLAR:
ResponderEliminarOs cientistas que estudam os mistérios dos anéis de Saturno e Júpiter
concluem que eles podem ser compreendidos graças a eventos ocorridos há dezenas ou centenas de anos atrás e não apenas há centenas de milhões de anos atrás...
Nas suas palavras:
"What's cool is we're finding evidence that a planet's rings can be affected by specific, traceable events that happened in the last 30 years, rather than a hundred million years ago,"
UMA CONTRADIÇÃO DO LUDWIG:
ResponderEliminarPara poder criticar o comportamento dos religiosos, ou a escravatura, o Ludwig tem que pressupor a existência de valores morais objectivos.
Caso contrário, são as suas próprias preferências morais subjectivas contra a dos religiosos ou dos esclavagistas...
A Bíblia ensina que existem valores morais objectivos.
A teoria da evolução (com a sua ênfase no carácter amoral e predatório de milhões de anos de processos evolutivos), não.
A Bíblia ganha, porque o Ludwig tem que postular a visão bíblica do mundo para as suas condenações morais serem plausíveis...