quarta-feira, junho 30, 2010

Liberdades e segurança.

Por várias razões está na moda a ideia de ceder liberdades para ter mais segurança, desde o anonimato na Internet aos chips nas matrículas e garrafas de água nos aviões. Em parte porque enquanto as medidas de segurança parecem ser concretas, a “liberdade” parece um termo vago e abstracto. Coisa de hippies e idealistas. Mas é o contrário. As medidas que se toma pela segurança são claras, como tirar os sapatos no aeroporto, mas raramente é claro que contribuam alguma coisa para a nossa segurança. Não fazemos ideia se algum terrorista vai desistir com medo que o descalcem ou se esta complicação adicional vai tornar ainda menos eficaz a segurança do aeroporto. E a liberdade é o poder de tomarmos as nossas decisões. É difícil ser mais concreto que isso.

Outro aspecto descurado é que a segurança tem um valor meramente instrumental. É um meio de preservar liberdades. E são as liberdades que têm valor intrínseco. Eu não quero uma porta com fechadura pela fechadura em si. Quero-a pela liberdade de decidir quem entra cá em casa, quando entram e que coisas deixo que levem daqui. É por isso irracional ceder liberdades apenas por segurança. Só quando a liberdade de um interfere na liberdade do outro é que precisamos restringir alguma delas. Aí é que podemos aplicar medidas de segurança para evitar que uns tirem liberdade aos outros. As medidas de segurança devem ser uma forma de proteger liberdades. Não são um fim em si mesmo. E há várias alternativas como educação, respeito, reciprocidade e empatia, por exemplo, que também devemos considerar para resolver conflitos entre liberdades individuais.

Outra ideia comum é a de termos de escolher entre segurança e liberdades como a privacidade ou o anonimato. Perceber que a segurança serve para proteger liberdades ajuda a ver que esta ideia é errada. Fechar a porta de casa, deixar o portátil escondido no porta-bagagens e não à mostra no banco da frente, não divulgar a lista de jóias que se tem em casa nem andar com a carteira à vista dá segurança, em grande parte, porque preserva a privacidade. Em geral, quando somos nós a tratar da nossa segurança, a segurança alinha-se bem com as liberdades que protege. A necessidade de trocar umas pela outra surge principalmente quando delegamos a nossa segurança a terceiros.

O que levanta outro problema. Delegar a nossa segurança “ao Estado” ou “à Polícia” é delegá-la a pessoas. Sempre. Pessoas com as quais podemos ter conflitos de liberdades e de quem nos precisamos proteger. E a única diferença entre uma força de segurança e um bando de homens armados está nas limitações que lhes conseguirmos impor. É um erro julgar que não nos precisamos de proteger do Estado, porque pessoas são pessoas. Umas são boas mas outras são más e o poder tende a favorecer estas últimas.

Por isso o papel do Estado na nossa segurança deve ser lidar com os problemas que não conseguimos resolver individualmente e maximizar a capacidade que cada um tem para proteger as suas liberdades. Assim alinha-se a segurança com as liberdades que esta protege. A democracia e os princípios de justiça que temos têm sido afinados neste sentido, desde as liberdades consagradas na constituição aos limites de acção das forças policiais. Se os polícias pudessem revistar quem lhes apetecesse seria mais fácil encontrar armas e objectos roubados, mas à custa das liberdades que queremos protegidas. Por isso limitamos as revistas policiais a casos de suspeita justificada, que basta para resolver os problemas maiores, e a maior parte da segurança fica a cargo de cada um. Conduzir com cuidado, trancar o carro, fechar a porta de casa, não andar com notas de 500€ à vista e assim.

Por isto defendo que é asneira fazer coisas como encher as ruas de câmaras e sistemas de reconhecimento facial, registar todos os acessos à Internet e chamadas telefónicas, proibir comentários anónimos ou obrigar a pôr chips RFID nos automóveis. Isto não são medidas de segurança que ajudem a proteger as nossas liberdades. Isto é ceder liberdades para delegar a nossa segurança a terceiros e acabar com menos segurança por dar a desconhecidos informação e poder sobre nós.

Além disso, enquanto a polícia e a tranca na porta têm o valor instrumental de me proteger de assaltantes ou bisbilhoteiros, a minha privacidade tem um valor intrínseco. Eu não lhe dou valor apenas como meio de fazer maldades às escondidas. A minha privacidade tem valor quando vou passear, quando estou em casa a ler um livro ou sempre que quero fazer algo sem que me estejam a observar e a controlar. Não é coisa que esteja disposto a ceder só para ser mais fácil passar multas.

46 comentários:

  1. Ludwig;

    Acho que o que estas a dizer é que temos de ter muita atenção com a quantidde de informação que estamos a criar porque não podemos garatir que não possa ser usada erradamente.

    Um dia um grupo mafioso Hack o estado e tem o pais as maies. Ou um poltico corrupto (eu sei q não ha mas podem aparecer) decide acabar com a oposiçao criando ciladas. Etc.

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  2. ludi, nesse sentido és favorável ou não ao fim do sigilo bancário para efeitos de combate à evasão fiscal? (lembro que em termos de implementação não é necessária, nem desejável, interacção humana para efeitos de controlo --- apenas se detectada infracção)

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  3. Muito bom artigo, para algo que a sociedade portuguesa ainda está pouco informada.

    They who can give up essential liberty to obtain a little temporary safety, deserve neither liberty nor safety. Benjamin Franklin 1775

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  4. Ricardo,

    «és favorável ou não ao fim do sigilo bancário para efeitos de combate à evasão fiscal?»

    Sim e não. Eu acho que em vez de declararmos todas as transacções e guardarmos segredo do dinheiro que temos devia ser ao contrário. A quantidade de dinheiro devia ser informação pública, sendo uma medida de quanto a sociedade deve a cada um, e as transacções deviam ser privadas. É claro que para mudar assim o sistema teria de ser algo radical e global, e isso não é prático de implementar.

    No sistema que temos, penso que uma possibilidade seria o rendimento declarado ser público e os bancos comunicarem às finanças os casos suspeitos. Mas o que se passa é diferente, é os burocratas das finanças terem o direito de ver as contas de alguns contribuintes às escondidas. Penso que é importante que todo o sigilo levantado seja informação pública e não dada apenas a alguns, e que seja disponibilizada apenas a informação necessária para o fim em vista.

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  5. Ricardo,

    Já agora, sabes porque é que aparecem links para o Esquerda Republicana (como este abaixo para " Extinção imediata")? É que parece não ter nada que ver com o post ou qualquer link no post...

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  6. Ludwig, os links provavelmente são algum abuso da funcionalidade para fazer publicidade. Parece ser uma funcionalidade para alguém fazer um post relacionado e "linkar" aqui já que quando eu cliquei no "Criar uma hiperligação" me chateou a cabeça porque não tenho nenhum blog.

    Quanto ao conteúdo do post, estou plenamente de acordo. Há que ter muito, mas mesmo muito, cuidado com as liberdades que se cedem seja para segurança ou comodidade.

    Que eu saiba, nós não temos nada disto nas nossas universidades: Há uns anos (acho que antes até de andares cá pela FCT) o Prof. William Fleischman deu um curso sobre Ética na Informática igual ao que ele dá em Villanova. Entre outros assuntos, esta coisa da Privacidade VS Segurança também foi abordada. Acho que se já por cá andasses tinhamos chegado à meia dúzia de alunos (a cadeira era COMPLETAMENTE opcional, nem créditos dava).

    Eu continuo a achar que estes assuntos deviam ser abordados na Licenciatura, para os alunos terem uma percepção de quando "devem" ou não obedecer aos chefes.

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  7. «Que eu saiba, nós não temos nada disto nas nossas universidades: Há uns anos (acho que antes até de andares cá pela FCT) o Prof. William Fleischman deu um curso sobre Ética na Informática igual ao que ele dá em Villanova. »

    Creio que ele deu esse curso há menos de 5 anos na FCT, e o Ludwig já nessa altura dava aulas. Infelizmente só tive oportunidade de ir a um debate final que ele organizou, mas tive a sorte de ficar com todos os apontamentos do curso.

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  8. Bem, eu entrei para a FCT em 1990, por isso possivelmente já lá andava quando ele deu esse curso (senão duvido que ardoRic se lembrasse ;)

    Mas deve-me ter escapado... foi pena.

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  9. ardoRic,

    «os links provavelmente são algum abuso da funcionalidade para fazer publicidade.»

    Eu conheço várias pessoas do Esquerda Republicana. Não me parece que seja manual ou de propósito. Penso é que algum link num dos blogs está a baralhar o agregador do blogspot ou algo assim. Estes links costumam aparecer normalmente, mas é entre posts que ligam um ao outro...

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  10. Adenda ao comentário anterior: possivelmente é o widget dos blogs recentemente actualizados no ER que está a colocar links para outros posts nas páginas dos posts do ER.

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  11. Os bancos dificilmente comunicarão às finanças os casos suspeitos, o BES nunca comunicou as contas e transferências da família Pinochet e foram mais de 500 milhões, provavelmente subestimados.
    Nunca um banco denunciará os melhores clientes, a Banca seja Suiça ou Luxemburguesa vive da confidencialidade.

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  12. No campo da ética a FCUL (clássica e não nova)teve cadeiras de Bioética há uns 10 anos atrás, mas não é uma peroração bem estruturada, que inculca princípios em alguém que já tem ideias próprias. É como a Ética comercial, quem vai para um curso de gestão, tem muitas vezes a ideia fantasiosa, mas não impossível de se reformar aos 30, por muitas aulas de ética que tenha, considera-las-à um empecilho na sua trajectória, de resto muitos dos gestores e economistas na banca comercial e não só, tiveram essas cadeiras em cursos de pós-graduação e nos próprios cursos, não parece ter afectado o seu desempenho.
    A estruturação da personalidade começa mais cedo.....

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  13. Nunca um banco denunciará os melhores clientes, a Banca seja Suiça ou Luxemburguesa vive da confidencialidade...etc

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  14. ava,

    sim, o sistema presente traz muitas dificuldades. Por isso acho que os impostos deviam ser sobre algo público e o dinheiro que cada um tem em seu nome devia ser algo público (não as transacções, mas o valor total, porque o dinheiro que cada um tem é uma medida daquilo que os outros todos, colectivamente, lhe devem).

    Até lá se calhar é preferível aguentar alguma evasão fiscal do que dar a algumas pessoas das finanças o poder de ir ver as contas dos outros. Ou bem que é informação pública, ou privada (e se for suspeito de um crime o juiz pode levantar o sigilo bancário).

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  15. aguentar alguma evasão fiscal, similçar à que o estado e até o BES sofreu por vendas fraudulentas de património, creio que apenas uns 23milhões, 7 do BES 16% do valorpara oestado

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  16. Fora os custos das dívidas à segurança social, dos 20 milhões a fundo perdido para instalação das infraestruturas, se depender do sistema judicial actual, nada resolveria.
    Mesmo o inglês não conseguiu a condenação de vários escroques e não falo do Vale e Azevedo, nem da sua pronúncia em 91 o Loydd's deixou centenas de milhões de libras de prejuízo a investidores do banco, assumindo estes devido aos estatutos bancários na altura, a perda total, por perdas provocadas pela especulação do próprio banco.
    Como aconteceu outra vez há uns 2 anos em maior escala.
    Lamento, mas não acredito que funcione.
    Em Portugal o caso Caldeira em 86/89, foi apenaso mais mediático, quem tem acesso às falhas ou entraves nas leis, difícilmente será condenado.

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  17. ava,

    De acordo. É por isso que sou bastante céptico em relação a medidas como esta do sigilo bancário. Parece-me uma treta, porque quem faz marosca com muito dinheiro facilmente o tem numa conta no estrangeiro. Entre muitos outros truques possíveis.

    Por isso se me querem vender que dar a uns tipos nas finanças o poder de bisbilhotar nas contas das pessoas, sem que ninguém veja as deles, dizendo que vão resolver muitas coisas com isso, não compro. Ou é um sistema transparente e todos podemos ver o que se passa, ou mais vale deixar tudo na mesma.

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  18. ok...deixemos tudo na mesma.
    Por mim, até me faz um certo jeito.
    e o widget dos blogs da esquerda republicana pode geral novos link's onde já estejam estabelecidas hiperligações, pelo que percebi.
    Embora não saiba o que é um widget.

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  19. «Por isso se me querem vender que dar a uns tipos nas finanças o poder de bisbilhotar nas contas das pessoas, sem que ninguém veja as deles, dizendo que vão resolver muitas coisas com isso, não compro. Ou é um sistema transparente e todos podemos ver o que se passa, ou mais vale deixar tudo na mesma.»


    Ludwig,

    Foi em Janeiro ou Fevereiro deste ano que os deputados de PS Afonso Candal, Strecht Ribeiro e Mota Andrade se lembraram de tornar públicas via internet as declarações dos rendimentos brutos dos contribuintes... As finanças têm a informação dos rendimentos brutos declarados pelos contribuintes mas o elo que falta para a justiça fiscal, aos olhos deste “grupo de trabalho”, é a denúncia dos vizinhos?

    Não obtiveram no entanto a aprovação do partido (recordo até uma “nobilíssima” indignação de Francisco Assis) a sugestão foi esquecida e o resultado foi o desejado: assustar o povinho e levá-lo a assumir que um combate à corrupção passa necessariamente pela vandalização inútil da sua privacidade.

    Hoje é a mesma coisa. O contribuinte deposita ao longo da vida dinheiro num banco, a soma depende de uma infinidade de etapas que pouco dizem ao ano fiscal que as finanças pretendem averiguar, e o governo, na figura dos seus valorosos combatentes da corrupção, decide que o sigilo bancário (aquela virtude famosa que já defenderam com unhas e dentes em tantas outras circunstâncias) deve ser desbaratado em proveito de coisa nenhuma. A palhaçada de sempre.

    Enfim...não me parece que a visibilidade pública das finanças de cada um (a tal nota de 500€ à vista no bolso) sirva eficazmente o combate à corrupção e evasão fiscal. O que interessa é as finanças terem os meios todos para o fazer, ainda que à porta fechada. A confiança no sistema já é outro problema a montante...

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  20. Bruce,

    A tua informação privada é aquela que controlas, a que podes decidir quem sabe. Quanto dinheiro tens no bolso é informação privada. Mas quanto dinheiro tens no banco ou quanto declaras de IRS não é privado. Há uma data de gente que sabe disso quer queiras quer não.

    Eu preferia um sistema diferente em que o total de dinheiro que cada um tem seria informação pública e tudo o resto (compras, salários, etc) era privado. Mas isso exigia uma economia global integrada para que se pudesse cobrar impostos pelo dinheiro que cada um tem em vez de pelo quanto ganha naquele momento (o que era até mais justo, visto que com o sistema de agora um milionário desempregado paga menos que um pobre que se esforce...)

    Mas não podendo ter esse sistema, a questão é se essa informação deve ser controlada por alguns burocratas que decidam o que ver e o que fazer com isso, ou se devemos pôr tudo às claras para poder controlar melhor os burocratas.

    Pensa, por exemplo, no que acontece nas empresas em que não se sabe o que os outros ganham. Se ninguém soubesse o que os outros ganham seria para manter a privacidade do rendimento. Mas o que se passa é que os chefes, e assistentes selectos, sabem o que os subordinados ganham, e o propósito é mais ter uma forma de os manipular e manter na linha.

    Se a informação se mantem privada, aplaudo. Se é preciso que todos saibam, paciência, aceito resignado. Mas quando me dizem que só eles é que a podem saber, desconfio...

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  21. Ludwig,

    Eu sou um grande amigo da transparência. Ainda mais conhecendo bem a realidade dessas empresas de que falas, em que os chefes recebem em prémios somas insultuosas para os salários da tropa fandanga. Mas quando falas em liberdade e em segurança tens que reconhecer que

    «um sistema diferente em que o total de dinheiro que cada um tem seria informação pública»

    é o mesmo que desenhar uma mira na testa de muita gente pacata e cumpridora. Pesando os custos e o benefício dessa transparência, ainda por cima inconsequente para cidadãos como o Dias Loureiro, que ao que consta não tem património em seu nome, eu acho que o melhor é apostar no aperfeiçoamento do sistema que temos.

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  22. Bruce,

    «é o mesmo que desenhar uma mira na testa de muita gente pacata e cumpridora.»

    Não me parece que a melhor defesa contra as redes de raptores e afins seja manter o nosso extracto bancário à guarda dos empregados de balcão dos bancos (e dos técnicos de informática, e da empregada da limpeza que leve um pendisk no bolso, etc...)

    «ainda por cima inconsequente para cidadãos como o Dias Loureiro, que ao que consta não tem património em seu nome»

    O património já é público, em boa parte. Tudo o que tem escritura deixa se ser segredo.

    «eu acho que o melhor é apostar no aperfeiçoamento do sistema que temos.»

    Sim, porque taxar a riqueza em vez do rendimento não é possível numa economia fragmentada em países e assim. Basta um ter um regime fiscal diferente e toda a gente vai lá pôr o seu dinheiro.

    O que é outro problema com o sigilo bancário. A menos que convençam a Suíça e as Bahamas a alinhar no levantamento do sigilo bancário, vai adiantar de pouco.

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  23. A quantidade de dinheiro devia ser informação pública, sendo uma medida de quanto a sociedade deve a cada um, e as transacções deviam ser privadas. É claro que para mudar assim o sistema teria de ser algo radical e global, e isso não é prático de implementar.

    O falecido Saldanha Sanches propunha que se soubesse o que entra e quanto , o que sai e quanto e o declarado.
    Desta forma sem ser necessário saber que se comprou o cueco da Boss ou o sapato da XPTO conseguir-se-ia controlar os fluxos de capitais que é o que interessa.
    Claro que a muitos que têm as mãos ensebadas com transacções estranhas, a começar por muitas sociedades de advogados que controlam os maiores concursos públicos este tipo de medida não ajuda nada os seus escandalosos escritórios e negociatas de mediação.

    Estamos numa plutocracia ....

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  24. «O falecido Saldanha Sanches propunha que se soubesse o que entra e quanto , o que sai e quanto e o declarado.
    Desta forma sem ser necessário saber que se comprou o cueco da Boss ou o sapato da XPTO conseguir-se-ia controlar os fluxos de capitais que é o que interessa.»

    Hum.. Mas se não interessa o que comprou, ou o que vendeu, ou o que trocou, bastaria fazer todas as transacções em ouro para que elas estivessem em segredo...

    Realmente é uma situação complicada... o que distingue uma joia que serve de moeda de troca, de uma joia enquanto objecto pessoal com tanto direito à reserva como umas cuecas ou umas luvas?

    Não estou a defender nenhuma posição em concreto, apenas a lançar confusão :p

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  25. Hum.. Mas se não interessa o que comprou, ou o que vendeu, ou o que trocou, bastaria fazer todas as transacções em ouro para que elas estivessem em segredo...

    Sim mas um dia terás de trocar em dinheiro e justificar de onde vem.

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  26. Justificar?
    Não. Dizes que vem da venda de bens pessoais.

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  27. João Vasco

    Sim mas que tem de ter origem em algum lugar e estar registados em teu nome. Se foram heranças têm de ter sido declarados, se foram doações têm de ter sido registados, existem regras para tudo isso.

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  28. João Vasco,

    Há uma diferença grande, na minha opinião.

    Se trocas uma jóia por um par de cuecas estás a trocar algo que é teu por algo que é de quem troca contigo, e o resto do pessoal não tem nada com isso.

    Se trocas uma jóia ou um par de cuecas por dinheiro estás a guardar no bolso um compromisso da parte de toda a sociedade em te dar algo com esse valor, compromisso esse que vem acompanhado de sacrifícios como impostos, taxas de juros, contenção nos salários e afins para manter a economia a funcionar e preservar o valor da nota que meteste ao bolso.

    Por isso eu defendo que se trocas cuecas por jóias não tenhas de dizer nada a ninguém, mas se todos nós te devemos algum valor, representado pelo dinheiro que tens no bolso, então é mais legítimo sabermos quanto devemos.

    E os impostos deviam ser cobrados em proporção ao ónus que cada pessoa impõe a este sistema. Ou seja, em proporção ao dinheiro que tem (e ao que lhe custa dar).

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  29. Ludwig,

    Acho que estás equivocado em discordar de mim, pois eu não fiz nenhuma afirmação moral, não expús qualquer valor meu a esse respeito.

    Aquilo que disse é que se o sistema de controlo não controla em troca de que é que ganhas ou perdes dinheiro, caso os troques por bens não monetários, então é muito fácil criares um sistema de transacções paralelo que te permite iludir o sistema.
    Repara que isto não é nenhuma afirmação moral, é uma afirmação funcional.

    Imagina que eu sou um deputado e quero dar o meu voto em troca de XXX euros, e têm controlo sobre todo o dinheiro que entra e sai das minhas contas. É fácil iludir o sistema: em vez de me pagarem em euros pagam-me em joias.
    Anos mais tarde vendo as joias. Ora se o sistema não tiver implemetado nenhum controlo sobre os meus bens não monetários, não saberá que as joias me foram dadas de presente na altura. Tanto quanto o sistema hipotético ao qual estava a fazer este comentário "sabe" as joias podem sempre ter sido minhas.
    Este é um exemplo simples de como é fácil enganar um sistema que apenas analise os valores monetários e esqueça os restantes, mas repito que não representa da minha parte qualuer posicionamento moral a este respeito.

    Nem vi grandes motivos de discórdia contigo sobre este assunto (ético, moral) até agora.

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  30. Nuvens,

    «Sim mas um dia terás de trocar em dinheiro e justificar de onde vem.»

    Se não trocas por dinheiro corres mais riscos. Na troca directa os valores das coisas flutuam muito conforme o vendedor e o comprador lhes apetece mais ou menos a troca.

    Se trocas por dinheiro é mais prático porque essas flutuações são estabilizadas por toda a gente usar dinheiro da mesma forma. Mas aí estás a aproveitar um sistema colectivo -- já não é uma troca entre ti e o outro, mas um acordo entre ti e todos os outros que preservam o valor do teu dinheiro.

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  31. João Vasco

    é sempre possível dar a volta ao sistema mas isso não implica que o sistema desincentive o crime.
    Por outro lado não é do crime de suborno que estou a falar mas sim da fuga ao fisco por parte de empresas e alguns particulares.
    O suborno até com gajas pode ser pago, favores variados, etc
    A fuga fiscal e as misturas de dinheiros de empresas e dinheiros privados, as contas escondidas , e muitos outros casos esses é que podem ser evitados.


    No entanto os sinais exteriores de riqueza podem e devem ser investigados.

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  32. João Vasco,

    Não estava a discordar... estava a responder à tua pergunta acerca da diferença entre a moeda de troca e um objecto de troca directa. A moeda de troca em um valor convencional que é dado por todos em conjunto.

    «Ora se o sistema não tiver implemetado nenhum controlo sobre os meus bens não monetários, não saberá que as joias me foram dadas de presente na altura.»

    Certo. Mas penso que a questão mais importante, pelo menos para fins fiscais, é o uso da moeda, do tal sistema de valor convencional.

    A corrupção é um problema diferente porque pode ser por dinheiro, por favores sexuais, por conluio ou o que calhar.

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  33. Errata

    é sempre possível dar a volta ao sistema mas isso não implica que o sistema não deva desincentivar o crime.

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  34. Nuvens,

    Agora assustei-me. Fiquei com a sensação que estavas aqui a olhar por cima do meu ombro a ver o que eu estava a escreve :)

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  35. Ludwig Krippahl

    Idem, isto está estranho, brrrr

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  36. Ludwig e Barbas,

    O suborno era apenas uma forma mais simples de ilustrar as consequências de ignorar as transacções que envolvam uma componente não monetária.
    É simples: fazem-se as transacções todas em ouro.

    Na verdade creio que o sistema actual lida com isto limitando as transacções não monetárias, ou mesmo a oferta de bens não monetários.
    Se um amigo me quiser dar barras de ouro acima de um determinado valor, mesmo tratando-se de uma dádiva ele é obrigado a declarar e até a pagar impostos.

    A distinção entre a joia e as cuecas acaba por estar apenas da dimensão do valor do bem em questão.
    Posso dar um vibrador a alguém, e ninguém tem nada com isso. Mas se quiser dar um Picasso, isso tem de ser declarado.

    Notem que não estou a defender isso nem o seu contrário, apenas a notar que essa foi uma forma encontrada de fazer face ao problema que referi.
    Leva ao problema adicional de encontrar uma forma justa de avaliar os tais bens - o Picasso, por exemplo. Mas parece ter sido a melhor forma que encontraram, que eu saiba em quase todo os países desenvolvidos (nos outros não sei).

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  37. Ludwig,

    «Não me parece que a melhor defesa contra as redes de raptores e afins seja manter o nosso extracto bancário à guarda dos empregados de balcão dos bancos»

    É verdade que o sigilo bancário tem margem para que muitas pessoas conheçam mesmo assim o valor que lá tens, e os movimentos, e isto e aquilo sobre os teus hábitos. Mas perante a tua sugestão de tornar público tudo sobre as tuas finanças, eu apontei um problema óbvio: um gandim que queira assaltar o teu prédio começa por fazer um scanning financeiro aos donos dos apartamentos... Assim em vez de perder tempo e correr riscos na arbitrariedade habitual (dissuasora?) de um farmacêutico por 500 pensionistas, o gandim serve-se com mais eficácia da paisagem urbana.

    «Sim, porque taxar a riqueza em vez do rendimento não é possível numa economia fragmentada em países e assim. Basta um ter um regime fiscal diferente e toda a gente vai lá pôr o seu dinheiro.»

    Não é bem “toda a gente”. É que ainda por cima esse tipo de fuga ao fisco não é nada democrático :)

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  38. João Vasco,

    Parece-me que vai aqui uma grande confusão...Se eu te quiser dar um picasso, sem que essa transação envolva qualquer pagamento em dinheiro isso tem de ser declarado?

    Onde é que a lei diz isso?...

    Se deres um anel de noivado à tua namorada que custou milhões de euros, o vendedor no anel declara que recebeu os milhões de euros pelo anel, e tu ficas com o recibo, como essa despesa não desconta para os impostos, o recibo serve de pouco, mas ficas com ele e fazes bem (isto é uma transação comercial)...Dás à tua namorada, ela não tem de declarar a ninguém que o recebeu, nem tu tens de declarar a ninguém que lhe deste o anel (dás o anel a quem quizeres independentemente do seu valor, é uma coisa móvel, não carece de registo e a lei fiscal não obriga a que se declare este tipo de doacção. O mesmo não se passa com os imóveis....

    Ou então não te entendi, explica-te melhor :D
    bejos

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  39. Pensem assim , a fuga ao fisco e economia paralela contabilizam uns 20% do PIB.
    Ora andamos a flagelar o lombo por causa de 9%.
    Houvesse justiça fiscal e nada disto seria necessário, o problema é que desde o traficante de droga até ao sucateiro, todos fogem a pagar o que devem, submarinos à parte que esses afundaram 4 MM de euros.

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  40. Bruce,

    « Mas perante a tua sugestão de tornar público tudo sobre as tuas finanças, eu apontei um problema óbvio: um gandim que queira assaltar o teu prédio começa por fazer um scanning financeiro aos donos dos apartamentos...»

    O que exigiria, por exemplo, saber o nome e número de contribuinte das pessoas do prédio, o que já não era coisa para um gandim qualquer.

    E um gandim de jeito vai arranjar uma forma melhor de descobrir qual o andar com o maior valor em objectos portáveis que se possa vender facilmente, sem sistema de alarme e sem um cofre embutido na parede. O que não se vê pelo extracto bancário.

    Penso que o aumento de criminalidade por ter os totais publicados anualmente (e só os extractos, que com esse sistema não precisávamos de guardar os recibos das transacções todas) seria irrelevante. Por outro lado, não só se reduzia a fuga ao fisco como se simplificava a colecta radicalmente (um ciclo for, uma meia dúzia de ifs, e estava feito o IRS -- imposto sobre riqueza singular -- de todo o país).

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  41. "só os extractos" era para ser "só os totais"...

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  42. LK
    “Por isso se me querem vender que dar a uns tipos nas finanças o poder de bisbilhotar nas contas das pessoas, sem que ninguém veja as deles, dizendo que vão resolver muitas coisas com isso, não compro.”
    As situações em que os tipos das finanças podem pedir informações de contas bancárias (o levantamento do sigilo bancária não obriga que o fisco tenha acesso directo às contas) são para todos os cidadãos, obviamente incluindo todos os funcionários públicos. Os funcionários públicos não são tratados pela Lei de forma diferente de todos os cidadãos em geral.
    Só o facto de o fisco legalmente poder obter informações dos movimentos bancários (o fisco não tem acesso directo às contas) é dissuasor de crimes de colarinho branco, obviamente que nunca evitará a totalidade desses crimes. Da mesma forma a existência de radares nas estradas é um dissuasor do excesso de velocidade mas não evita que alguns condutores ultrapassem os limites de velocidade.

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  43. Joaninha:

    “Dás à tua namorada, ela não tem de declarar a ninguém que o recebeu, nem tu tens de declarar a ninguém que lhe deste o anel (dás o anel a quem quiseres independentemente do seu valor, é uma coisa móvel, não carece de registo e a lei fiscal não obriga a que se declare este tipo de doação.”

    Aqui está uma situação em que o fisco pode pedir às várias entidades envolvidas, esclarecimentos sobre a venda de um valor móvel mas de elevado valor, no sentido de averiguar se há ou não fuga ao fisco ou mesmo algum crime.

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  44. Nuvens,

    «Os funcionários públicos não são tratados pela Lei de forma diferente de todos os cidadãos em geral.»

    Pois...

    Imagina que estava na net uma tabela com o número de contribuinte, o saldo no final de 2008, o saldo no final de 2009 e o rendimento declarado em 2009, listando todos os contribuintes do país. Lá estavam também os critérios usados para exigir comprovativos aos casos suspeitos, e a lista dos seleccionados.

    Em vez disso vamos ter algo como "Finanças apertam o cerco aos caloteiros: um número sonante de casos em que o levantamento do sigilo bancário permitiu recolher uma cagagésima parte do que precisamos para saír do buraco". Quais? Porquê? Quem ficou no fim da pilha, esquecido da fiscalização? Era primo, amigo ou conhecido de quem? Quais foram os critérios? Sabe-se lá...

    Esta diferença para mim é importante. Mais importante que a diferença entre ter a tabela com os NIFs, rendimentos e totais no banco na net ou nos computadores de alguns milhares de funcionários públicos espalhados pelo país (e nos seus pendisks, portáteis, etc.)

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  45. António,

    O fisco pode ficar desconfiado de onde foi que o João desencantou o dinheiro para o anel, pode ficar desconfiado do preço que o joalheiro cobrou, pode pedir ao joalheiro o recibo da compra do anel, pode pedir ao João Vasco explicações sobre a origem do dinheiro, mas isso é a transação comercial a que envolve dinheiro. Se depois disso o João quiser dar o anel à namorada o fisco não tem nada a haver com isso, nem pode obrigar o João a declarar que deu o anel, nem pode obrigar a namorada a declarar que lhe deram um anel.

    Não há neste caso da doacçao do anel qualquer imposto devido, há impostos devidos na compra e na venda do anel nas transações comerciais, mas na doacção obviamente que não, só há fuga ao fisco se houver imposto sobre a transação e a lei por e simplesmente não preve imposto nestes casos.

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  46. caramba o $ do ouro, prata ou platina é só o peso do metal.
    um anel um colar, tem valor acrescentado, margens de comercialização, etc.
    Ninguém recupera $ de uma joia, ou de um carro
    Fundamento teórico desta afirmação:
    Soares & Mendonça Leiloeiros Rua Luz Soriano nº23- 1º
    Quanto ao assunto de oferta de cuecas ou vibradores, declaro não ter as competências do sr.João nesses assuntos.

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