segunda-feira, agosto 31, 2009

Manifesta ilicitude.

Três meses depois da minha pergunta acerca dos downloads ilegais (1) recebi uma resposta da SPA. Como a senhora explicou, não compete à SPA aconselhar quem não seja sócio, por isso não me queixo da demora e até agradeço a boa vontade. O email veio com conhecimento para “contencioso@spautores.pt”, mas espero que seja apenas o procedimento normal. E, no final da análise detalhada da legislação, concordou que «é consentida a reprodução, para uso exclusivamente privado, desde que não atinja a exploração normal da obra e não cause prejuízo injustificado aos interesses legítimos do autor, não podendo ser utilizada para quaisquer fins de comunicação pública ou comercialização», precisamente de acordo com o que está na lei. Mas, logo a seguir, explicou-me que «apenas será lícita a vulgarmente designada cópia privada ou cópia de segurança, ou seja, a cópia de um fonograma original efectuada pelo seu legítimo adquirente sem uma finalidade lucrativa», concluindo então «pela manifesta ilicitude do download de composições musicais que não tenha sido, previamente, autorizado pelo autor ou pelo titular de direitos autorais.»

No email que enviei a agradecer notei que esta interpretação era diferente do que a IGAC me tinha dito. Segundo a IGAC, o que está na lei é que a cópia para uso pessoal é permitida desde que não cause prejuízo nem afecte a exploração da obra e, como estes conceitos não estão explícitos na lei, compete aos tribunais decidir se é ou não é lícito (2). O que é diferente da «manifesta ilicitude». E se bem que compreenda que a SPA tenha uma posição menos neutra e prefira uma conclusão mais favorável, não deviam torcer as palavras dos legisladores para nos privar dos nossos direitos. Se a única cópia permitida fosse a «cópia de segurança [...] de um fonograma original» então era isso que estaria na lei, em vez de «a reprodução em qualquer meio realizada por pessoa singular para uso privado e sem fins comerciais directos ou indirectos» (Artº 75º do CDADC).

Esta ideia propagada pela SPA, mapinetas e outros vendedores de rodelas e licenças, que só podemos fazer uma cópia de segurança, é contrária ao que já se fazia muito antes da Internet. Desde que há cassetes que se grava músicas e até havia gravadores com dois decks para copiar as cassetes dos amigos. E se bem que hoje se copie muito mais, o prejuízo causado por cada cópia é muito menor. Para copiar um filme em VHS era preciso alugá-lo ao videoclube, pedir um gravador a um amigo, ligá-lo ao nosso e esperar duas horas enquanto copiava. Copiar era mais barato que comprar, mas pagava-se a cassete e comprar era muito mais prático. Hoje não. Para comprar um filme é preciso procurá-lo nas lojas ou encomendar por correio e esperar uns dias. Depois vem num DVD, que além de pouco prático obriga a gramar o Ratatouille a dizer mal da pirataria. Mas procurando no Google o nome do filme seguido de “rapidshare” basta pôr os links no Jdownloader (2) e ao jantar copia-se para um pendisk e vê-se no media player (3). Sem Ratatouille. Isto segundo me disseram, é claro...

Mesmo que o ITunes desse as músicas de graça o Rapidshare* era mais prático. Não é preciso instalar software adicional nem registar-se em lado nenhum e os ficheiros não estão “protegidos”, um eufemismo para “defeituosos” porque o que vem com DRM depois não toca onde se quer. Só nos reconhecem o direito de fazer cópias de segurança e vendem-nos tralha “protegida” contra esse direito. Por isso a motivação para a cópia mudou significativamente. Quem se dava o trabalho de alugar o filme, comprar cassete, juntar dois gravadores e copiar queria mesmo ter aquele filme e, se tivesse dinheiro, certamente comprava o original. Mas quem procura uma coisa no Google e clica no “Save As” muitas vezes não tem interesse em ir buscar o plástico à loja nem que lho ofereçam. Mais lixo em casa e ainda por cima com o Ratatuille. Por isso hoje, ainda mais que no tempo do VHS, não se pode assumir que cada cópia cause um prejuízo injustificado ao autor. É por isso que nunca houve condenações só por copiar coisas para uso pessoal, e está na altura de tornar isto explícito na lei.

Só que a facilidade de cópia é também a facilidade de comunicar. E disso muitos políticos têm medo. A pirataria a sério é raptar tripulações e levar os navios, o terrorismo é rebentar coisas e pessoas e o problema da pedofilia é maltratar as crianças. Mas a quem está no poder tudo isto serve de desculpa para registar os nossos telefonemas, controlar o acesso à Internet e a informação que partilhamos. As crianças continuam maltratadas, os navios são atacados e o pessoal trama-se à mesma quando os terroristas rebentam bombas. Mas as discográficas agradecem. O secretário britânico da industria e inovação declarou há tempos que era excessivo cortar o acesso à Internet a quem partilhasse ficheiros. Mas durante as férias passou uns tempos com David Geffen, um bilionário da industria discográfica. E mudou por completo de ideias (5). Porque tanto aos vendedores de músicas como aos políticos dá jeito um monopólio sobre a informação para melhor venderem as suas tretas. Mas se há aqui algo de manifestamente ilícito, devia ser isto e não a cópia da cançãozinha.

*O Rapidshare é um de muitos serviços gratuitos de hospedagem de ficheiros. Ao contrário das redes de partilha, quem descarrega algo destes servidores cria apenas uma cópia para si e não envia nada para terceiros. O Miguel Caetano tem aqui uma lista dos mais conhecidos: 100 File hosters para todos os gostos.

1- Ilegais? Porquê?
2- Ilegais? Porquê? – (in)conclusão.
3- Gratuito e muito conveniente: jdownloader.org
4- Este da WD é muito bom: WD TV. Lê quase todos os formatos, leva-se para qualquer sítio (tem o tamanho de um livro pequeno) e liga-se a qualquer televisão. Basta ligar um disco ou pendisk por USB e escolher as fotos, músicas ou filmes para tocar. É um pouco caro, à volta de 90€, mas vale a pena.
5- Daily Mail, Mandelson goes to war on teenagers downloading their music and movies... just days after dining with anti-piracy billionaire

19 comentários:

  1. Tem de haver bom senso entre o legitimo direito do autor de ver pago o seu trabalho e a facilidade de copiar e distribuir ficheiros que há.

    Eu não concordo que se acabe de todo com os direitos de autor nem que se comecem a prender pessoas por fazerem downloads ilegais.

    Temos de avançar para um novo paradigma mas sem exageros de parte a parte.

    Eu, há bastantes anos atrás, nos tempos do clipper e dos Dbases fiz programas que vendi.

    Protegi-os o melhor possível contra cópia e abespinhava-me todo com as cópias piratas.

    Copiarem-me um programa era como virem a minha casa e levarem-me uma peça porque "eu tinha muitas e nem ia dar por falta delas"

    Também não concordo ser agora detido ou bestialmente incomodado por me ter apetecido ouvir "O carteiro" do conjunto António Mafra e, até porque estou em Angola, a maneira mais fácil e rápida de encontrar a música é ir procurar na net e ser tratado como um criminoso por isso.

    Tem de haver uma grande reflecção e , principalmente, bom senso para não esvaziar os autores dos seus direitos e não prendermos metade do mundo por um crime que nem sequer é interiorizado pela maioria das pessoas.

    Se calhar uma maneira prática seria colocar na net TODAS as músicas e filmes e cobrar um valor a todas as ligações da net, ou na gasolina ou nos antibióticos, e distribuir esse dinheiro pelos autores se acordo com o volume de downloads das suas peças.

    Coitada da minha mãe que só usa o PC para ver o mail e falar comigo no skype.

    Mas...poucas coisas são absolutamente justas neste mundo.

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  2. Pelo que pago, exijo que o que compro venha logo com a tal cópia de segurança. Tenho montes de DVD comprados que têm seguranças intransponíveis. Isto viola imediatamente os meus direitos. Se a lei me permite copiar, é isso que devo poder fazer, o resto são tretas. A realidade é que, com o estado actual das coisas, muitas cópias de segurança me são vedadas, como tal tenho que procurar cópias de alguns magos que as conseguiram por formas que considero divinas (e não, não sou criacionista...). Exijo, por ser um direito, que qualquer cópia de segurança estragada, por culpa minha ou não, me seja substituída a título inteiramente gratuito, porque a obra que adquiri não tem os meus direitos de audição limitados no tempo.

    Exijo também que me forneçam CD e respectivas cópias de segurança de todos os LP que o desenvolvimento da tecnologia tornou obsoletos. O direito que adquiri ao comprá-los não expira com o avanço tecnológico (não adquiri os LP, adquiri sim o direito de ouvir as faixas) nem com o desenvolvimento de suportes mais modernos, como tal se o meu direito se mantém, terão que me manter a possibilidade de o executar.

    Para alguém isto não fez sentido?

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  3. O ateísmo é a negação do supremo direito de autor de Deus.

    Quem viola esse direito, acha que não tem que ter respeito pelos demais.

    O ateísmo defende como normal o comportamento predatório. Depois, não hesita em recorrer a ele sempre que isso seja julgado conveniente.

    Na verdade, porque é que alguém que se acha um acidente cósmico, há-de ter qualquer respeito por ideias, conceitos e invenções de outro acidente cósmico?

    Provavelmente achará que essas ideias foram produzidas por processos químicos aleatórios, não merecendo por isso qualquer respeito.

    O ateísmo é a forma suprema de pirataria. Só que o ateísmo não se está a meter apenas com a SPA.

    Está-se a meter com um Deus que, sendo bom, também é justo e todo-poderoso.

    Ou seja, Deus (e não os ateus) terão sempre a última palavra quanto à autoria e ao domínio do Universo.

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  4. Jónatas,

    nem o teu deus te atura.

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  5. Sousa da Ponte,

    «Tem de haver bom senso entre o legitimo direito do autor de ver pago o seu trabalho e a facilidade de copiar e distribuir ficheiros que há.»

    O trabalho, como qualquer outro bem transaccionável, é algo que podemos dar ou podemos vender. E a diferença entre estes dois tipos de transacção está apenas no acordo prévio entre os intervenientes.

    Assim, se eu decidir pintar o teu retrato ou compôr uma ode ao Sousa, não me deves dinheiro nenhum. A menos que tenhamos combinado que me pagavas, tenho tanto direito a exigir remuneração como têm os arrumas nos parques de estacionamento.

    «Copiarem-me um programa era como virem a minha casa e levarem-me uma peça porque "eu tinha muitas e nem ia dar por falta delas"»

    É uma comparação incorrecta. Vires aqui a casa roubar-me um livro priva-me desse livro que me roubaste. Por muitos livros que eu tenha, tu ficares com um implica eu ficar sem esse.

    Mas se copiares tudo o que eu escrevi neste blog não me tira nada do que tenho. Porque tu ficares com uma ou mais cópias não implica que eu fique com menos cópias para mim.

    É por isso que contar uma anedota é diferente de partilhar o pacote de batatas fritas. Ao contrário das batatas que dás, continuas com a anedota.

    «distribuir esse dinheiro pelos autores se acordo com o volume de downloads das suas peças.»

    Estou de acordo. Se queremos incentivar uma forma de criação artística é razoável dar dinheiro aos autores. Tal como podemos pagar 20€ por cada cerejeira que se plante se quisermos incentivar o cultivo de cerejeiras numa certa região.

    O importante é não confundir isto com o direito moral de receber 20€ por se plantar uma cerejeira...

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  6. CybeRider,

    A situação é ainda pior, visto ser ilegal contornar os sistemas anti-cópia. Ou seja, tens o direito de copiar mas estás proibido de neutralizar aquilo que te impede de exercer esse direito.

    Mas esta legislação não foi criada de forma racional mas sim sob pressão dos lobbies da industria, aliados aos interesses políticos em controlar a informação. A única solução é começarmos a usar os votos para lhes mostrar que não se safam com isto. Dia 27 temos já uma oportunidade.

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  7. Uhmmm.... vamos lá a inspeccionar este bloguito.....

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  8. Perspectiva,

    Tens razão, no absoluto, com a tua comparação.
    No entanto, no caso específico de copyright de suportes electrónicos e, ainda mais flagrantemente, de patentes sobre o software, LK e outros estão correctos. Vide o raciocínio: "Vires aqui a casa roubar-me um livro priva-me desse livro que me roubaste. Por muitos livros que eu tenha, tu ficares com um implica eu ficar sem esse.
    Mas se copiares tudo o que eu escrevi neste blog não me tira nada do que tenho. Porque tu ficares com uma ou mais cópias não implica que eu fique com menos cópias para mim."

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  9. A resvista Courrier Internacional de Setembro termina com um artigo de opinião de Elif Shafak intitulado “A Pirataria dos Livros e Eu” que a propósito de uma apreensão gigantesca de livros seus, e de outros autores, descreve os malefícios da cópia não apenas ao nível do copyright como ao nível de toda a cadeia empregadora desta actividade. Fala-nos de versões impressas ilegais.

    Em todo o texto nem uma palavra sobre cópia digital. Intenção? Coincidência?

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  10. "visto ser ilegal contornar os sistemas anti-cópia. Ou seja, tens o direito de copiar mas estás proibido de neutralizar aquilo que te impede de exercer esse direito."

    Isto sim, é uma verdadeira treta do copyright. É gozarem com a nossa cara. Podes mas não consegues. Se consegues não podes. Bravo.

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  11. "A única solução é começarmos a usar os votos para lhes mostrar que não se safam com isto. Dia 27 temos já uma oportunidade."

    Espero que desta vez ja tenhas percebido o que significava "abrindo espaço para a sua implementação e complementaridade".

    Pedro Choy?

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  12. João,

    Na verdade o programa do BE no que toca às Terapias Não Convencionais (sabes que, por lei, não se podem designar por medicina? descobri isso há uns tempos -- só se podem chamar terapias) é ambiguo. Mas penso que não é determinante para o voto. Ao contrário do copyright, o problema das medicinas alternativas é praticamente independente da legislação. Não é prático proibir que espetem agulhas ou vendam frascos de água, e por muito que regules o que podem anunciar continuam a vendê-los à mesma...

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  13. Ludwig:

    Pode-se legislar o que é o acto medico.

    o resto fica para depois.

    Ou as terpias alternativas actuam ou aquela gente esta a vender a Lua.

    Apenas é muito cedo para legislar. Isto é uma democracia e as pessoas tem de perceber o que se esta a fazer.

    A associação de medicos americana perdeu para os quiropraticos o direito a vender medicina porque estes acusaram a AMA de monopolio.

    O Simon Singh foi processado num pais onde os processos são carissimos (e perdeu) por ter dito que a quiropratica era treta.

    Se não usares a lei contra eles, eles vao usar contra ti. Ja o estão a fazer. Não queres proibir as alternativas mas eles vao legislar a sua legitimidade. É isso que nºao deve ser feito agora.

    Não vou discutir se isso é mais importante que o copyright, se calhar até é, mas eu não consigo ver como.

    Ja agora, a lei que eu encontrei falava claramente em medicinas alternativas que funcionavam com filosofias diferentes.

    My bad. onde encontro essa legislação?

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  14. Sabias disto:

    Jorge Sampaio veta Acto Médico
    26 de Setembro - O Presidente da República, Jorge Sampaio, vetou na terça-feira o decreto do governo que regulamenta o acto Médico. De acordo com o Chefe-de-Estado, o momento em que o documento lhe foi apresentado suscita «objecções decisivas». As medicin
    O Presidente da República, Jorge Sampaio, vetou na terça-feira o decreto do governo que regulamenta o acto Médico. De acordo com o Chefe-de-Estado, o momento em que o documento lhe foi apresentado suscita «objecções decisivas». As medicinas não convencionais estão satisfeitas com o veto, enquanto a Ordem dos Médicos se considera «perplexa

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  15. Definitivamente so encontro leis que falam de medicinas

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  16. João,

    A lei que regula as alternativas chama-se Lei de Enquadramento das Terapêuticas Não Convencionais, mas isso de não as chamarem de medicina vi num fórum qualquer de alternativos em que se estavam a queixar da remoção desse termo da legislação e a dizer que não podiam chamar medicina ao que faziam...

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  17. João,

    «Ou as terpias alternativas actuam ou aquela gente esta a vender a Lua.»

    Isso é verdade. Mas vê o caso dos EUA. Lá é proibido vender o que quer que seja como tratamento sem que seja aprovado para tal pela FDA. Por isso os comprimidos são vendidos como suplementos alimentares e coisas assim.

    Mas não é por isso que deixam de fazer balúrdios com estas tretas.

    Daí a minha estimativa que se tivermos por cá uma definição rigorosa e exigente daquilo a que se pode chamar medicina o impacto na seja nulo. "Sabe, isto cura tudo, mas não podemos dizer porque a lei não deixa. Coitadinhos de nós. Agora passe para cá os cem euros" :)

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  18. "Daí a minha estimativa que se tivermos por cá uma definição rigorosa e exigente daquilo a que se pode chamar medicina o impacto na seja nulo. "

    Estou de acordo contigo para o curto , medio prazo. Mas parece-me um investimento a longo prazo, util não para proibir, mas para manter a coisa sobre controle.

    Proibir explicitamente só será possivel daqui por muito tempo. Quando for obvio para a maior parte da população de que se tratam de tretas e tretinhas.

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