terça-feira, novembro 07, 2006

Debate sobre a IVG

Nesta sexta feira, dia 10, vou estar no Centro Escolar Republicano Almirante Reis (Rua do Benformoso, nº50, 1º andar, Mouraria, Lisboa) para debater o problema da despenalização do aborto (a partir das 18h45m). Pelo «sim» estará a Palmira Silva, e eu irei defender o «não». Aproveito para deixar aqui os pontos principais da minha posição.

Por um lado temos o valor da vida. Não da vida do embrião ou do feto, mas da vida toda, pois a vida humana não é um momento, é um longo processo. Independentemente do rótulo que dermos ao embrião ou ao feto, o que está em jogo no aborto é a vida toda desse ser. Ou o deixamos viver, ou lhe tiramos décadas de vida. E essa vida tem, para quem a vive, um valor grande demais para que não conte.

Por outro lado temos o grande valor que é a liberdade de decidir o que fazer com o nosso corpo. Este é quase tão grande como o valor da própria vida, pois se bem que não possa existir sem vida, viver sem esta liberdade também não é grande coisa.

Finalmente temos o valor de coagir ou castigar de forma a impor um comportamento. Este é um valor negativo, um custo moral que temos que pagar sempre que queremos regular um conflito entre valores. E este custo faz-me opor a intervenção na maioria das circunstâncias. Em casos de violação, de deformações do feto, de problemas de saúde para a mãe, e muitas outras a diferença entre aqueles dois grandes valores não compensa o custo moral de impor à mãe uma das alternativas contra a sua vontade.

Há apenas um excepção: um aborto sem justificação médica numa mulher adulta, responsável, que engravidou como resultado de um acto sexual voluntário. Neste caso é legitimo responsabilizar o casal pela gravidez. A lei devia exigir mais do homem, e se fosse essa a alteração proposta eu votava sim. Mas não faz sentido isentar os pais de responsabilidade em prejuízo duma vida humana, principalmente quando basta esperar uns meses para se verem livres do filho sem o matar.

Outras razões secundárias reforçam a minha decisão de votar contra a proposta. É uma proposta vazia de actos concretos, pois não dá mais apoio ás grávidas nem melhora as condições nos hospitais, nem sequer tenta resolver os problemas sociais que forçam muitas mulheres a abortar. A lei que temos é inadequada, ineficaz, e como qualquer lei uma forma tosca e grosseira de resolver um problema, mas é a única coisa que neste momento protege a vida do feto, e a única coisa que obriga a nossa sociedade a enfrentar o verdadeiro problema, que não é a lei, mas o aborto. Alterar a lei desta forma, sem fazer mais nada, é condenar ao esquecimento todos os que sofrem com este problema.

Finalmente, há a questão da saúde pública. Milhares de mulheres todos os anos arriscam a vida em abortos ilegais, mas estes abortos não têm justificação médica. A solução não pode ser canalizar recursos limitados para intervenções cirúrgicas injustificadas. Devido ao carácter urgente destas intervenções, milhares de mulheres que precisem de assistência médica serão prejudicadas por se resolver clinicamente um problema social.

Como é usual em política, esta alteração à lei é uma solução inadequada para o problema errado. Faria sentido como parte dum projecto que visasse reduzir o recurso ao aborto, mas não isoladamente. Por isso defendo que se vote «não» e que se obrigue os nossos legisladores a procurar soluções de verdade. Se tiverem que me aumentar os impostos, não me importo, é por uma boa causa. Mas isto de se esconderem atrás da «vontade do povo» para não terem que trabalhar é treta.

1 comentário:

  1. Li a série de posts sobre a IVG na ordem cronológica inversa, pelo que acabei aqui e dou-lhe os parabéns pelo modo sereno e reflectido como coloca as questões.

    Gostaria de lhe dizer que sou a favor da despenalização/legalização, não porque despreze a existência do feto, mas porque imagino que, dum modo ou de outro, sempre haverão mulheres a procurar um local ou um modo para abortarem. Assim, e porque sei que não o fazem de ânimo leve, ainda que se possam discutir as razões, prefiro que o façam em segurança do que de modo arriscado e mais traumático.
    É bom levantar a polémica sobre o assunto, até por razões preventivas, mas na hora da decisão prefiro que sejam as pessoas envolvidas a decidir um passo (ter/não ter a criança) dessa importância.
    Desprezo pela vida? Relativismo moral? De modo algum.
    um abraço

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