sexta-feira, janeiro 08, 2010

O mais pirateado.

O livro mais pirateado de 2009 é uma colecção de escritos que tomou a sua forma presente há cerca de dois milénios. Foi escrito por homens mas, segundo dizem, a inspiração foi divina. Há quem o leve à letra, como se fosse um manual, e há quem o interprete metaforicamente. É, sobretudo, um relato de relações. Um relato de Amor. Refiro-me, obviamente, ao Kama Sutra.

A notícia refere que foi «o livro electrónico mais pirateado em 2009 através do sistema de partilha de ficheiros BitTorrent» e que «250.000 pessoas descarregaram ilegalmente o Kama Sutra em 2009»(1). Pirateado. Ilegalmente. Com quase dois mil anos e compilado milénio e meio antes do tratado de Berna é com certeza uma das obras com copyright mais longo da história.

Infelizmente, é possível que seja ilegal partilhar uma edição electrónica do Kama Sutra. Isto porque a lei a que chamam “direitos do autor” não tem muito a ver com o autor, a criatividade nem com o incentivo à criação de obras. É um monopólio sobre a edição e distribuição. Mesmo quem edita uma obra milenar pode ter direitos de exclusividade só porque pôs o texto naquela fonte e a fotografia naquele sítio.

Mas o pior disto é que a propaganda contra a partilha está a destruir a noção de cultura. Cultura, hoje, é aquilo pelo qual se paga, e se não se paga é crime. Dizem que a partilha de informação é uma ameaça à indústria cultural, mas a indústria cultural é cada vez mais uma ameaça à cultura.

E a ameaça à indústria é exagerada. Nos últimos 3 anos as salas de cinema em Portugal «perderam 800 000 espectadores»(2). Entre 2008 e 2009, houve uma redução de 2% em espectadores mas, no mesmo período, a receita bruta aumentou mais de 5% (3). Segundo o jornalista, a receita aumentou apesar da redução no número de espectadores «possivelmente impulsionada pelo aumento do preço dos [bilhetes]» (2). Possivelmente?... E talvez, quem sabe, o aumento do preço também tenha alguma coisa a ver com a redução no número dos espectadores.

As vendas de CD caem mas ninguém se lembra de culpar a inutilidade do CD, que já só serve para pôr copos em cima depois de ripar as músicas para o leitor de mp3. Os clubes de vídeo fecham mas não lhes ocorre que o aluguer de filmes por cabo ou a venda de DVD a 5€ nos supermercados possa ter alguma relevância. É tudo culpa da pirataria e do crime de copiar bens protegidos por direitos de autor. Como o Kama Sutra.

Agora o mercado imobiliário está em crise e as vendas de automóveis têm caído também. A ver quanto tempo demora até culparem a partilha de ficheiros...

1- Expresso, "Kamasutra" foi o livro mais pirateado em 2009. Obrigado ao NCD pelo link.
2- Destak, Salas portuguesas perderam 800 000 espectadores nos últimos três anos. Obrigado pelo email com a notícia.
3- ICA, Receita bruta e espectadores - evolução mensal 2008/2009.

40 comentários:

  1. Estas leis arcaicas do copyright depois dão origem a absurdos destes tal como este:

    Nexus One já tem queixas

    Os herdeiros do escritor cujo livro serviu de inspiração a Ridley Scott para fazer o filme Blade Runner acusam a Google de ter retirado da mesma o nome do seu recém-lançado Nexus One.

    A denominação "Nexus 6" surge no romance de Philip K. Dick "Do Androids Dream of Electric Sheep?", para designar os "replicantes", uns robots idênticos aos humanos.

    A filha do escritor, Isa Dick Hackett, acredita que a situação "supõe uma clara violação dos nossos direitos de propriedade intelectual" sobre a obra, uma vez que não existiu qualquer pedido de autorização por parte do Google para utilizar o nome, referiu em entrevista ao Wall Street Journal, anunciando que os advogados da família já estão a tratar do assunto.

    Isa Dick Hackett defende que a gigante da Internet utilizou Nexus One por forma a relacionar o nome com o Android, o sistema operativo desenvolvido internamente para integrar os telefones, cuja denominação também pode remeter para o romance.

    Advogados contactados pelo Wall Street Journal consideram, no entanto, que o caso não é assim tão claro, afirmando que os personagens de um livro não estão automaticamente protegidos por direitos de autor. Referem igualmente que a palavra "nexus", existente em vários idiomas, pode ser usado em diferentes contextos, não estabelecendo uma relação directa com a obra literária.

    Fonte:

    http://tek.sapo.pt/noticias/negocios/nexus_one_ja_tem_queixas_1039861.html

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  2. sxzoeyjbrhg,

    Este também é porreiro:

    Jailed Ex-State Rep Tries To Copyright Own Name, Wants $500K Per Use

    O tipo foi condenado por violar as enteadas e agora está a tentar proibir os jornais de falar nisso alegando que o nome dele está protegido por direitos de autor...

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  3. Sobre o Nexus 1:

    verifica-se que o romance do Dick foi escrito em 1968. Ora em 1960 já o Henry Miller tinha escrito o Nexus. Por isso parece que o Dick é tão pirata como a Google.

    Sobre aquele-cujo-nome-não-deve-ser-pronunciado:

    Ele está farto de usar o nome e ainda não pagou nada aos paizinhos que lho puseram e ainda vem para aqui armado em pirata?

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  4. O primeiro parágrafo está delicioso, eh!eh!eh!

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  5. O livro (traduzido para inglês) começa assim:

    In the beginning, the Lord of Beings created men and women, and in the
    form of commandments in one hundred thousand chapters laid down rules
    for regulating their existence with regard to Dharma,[1] Artha,[2] and
    Kama.[3] Some of these commandments, namely those which treated of
    Dharma, were separately written by Swayambhu Manu; those that related to Artha were compiled by Brihaspati; and those that referred to Kama were expounded by Nandi, the follower of Mahadeva, in one thousand chapters.

    Now these 'Kama Sutra' (Aphorisms on Love), written by Nandi in one
    thousand chapters, were reproduced by Shvetaketu, the son of Uddvalaka, in an abbreviated form in five hundred chapters, and this work was again similarly reproduced in an abridged form, in one hundred and fifty chapters, by Babhravya, an inhabitant of the Punchala (South of Delhi) country. These one hundred and fifty chapters were then put together under seven heads or parts named severally--

    Notam algo de familiar aqui? Um padrão que se repete "noutras obras antigas" também bastante conhecidas.

    Já agora só para terminar como é que é possível "piratear" um livro que se encontra disponível a quem o quiser no Projecto Gutenberg?

    http://www.gutenberg.org/etext/27827

    Só se for uma daquelas edições ilustradas com fotografias semelhantes a muitas por aí espalhadas na rede em sites "porno"!

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  6. Penso que se o formato de download fosse o texto num ficheiro txt não haveria problema.

    Diz-se que é pirataria porque, provavelmente, tratavam-se de copias ilegais de edições onde houve algum cuidado com a apresentação, imensas ilustrações e fotografias, comentários ao texto com informação geográfica e cultural etc....

    Eu continuo a achar que a tecnologia não deve impedir alguém de ser compensado pelo seu trabalho. E sobretudo neste caso lembro-te que a editora não se limita a distribuir: investe na produção da obra em causa e proporciona aos autores condições de trabalho que estes não teriam de outra forma (ou não precisariam da editora para nada).

    Lembro-te também que o autor em questão é livre de tentar o autofianciamento. E a existencia de editoras, pequenas ou grandes, não o impede. A unica vantagem que as editoras têm é nos meios de promoção mas essa vantagem também a terão autores mais consagrados com nome mais conhecido isto no sistema que defendes.

    Mas enfim, esta discussão é vacua porque eu apoiaria o teu ponto de vista mesmo discordando dele devido a factores mais sinistros que estão a resultar da luta contra a pirataria.

    Mas já agora em relação aos escritores também defendes que ganhem o seu dinheiro a vender canecas, long-sleeves e com a receita de leituras de excertos seleccionados? Brincadeira, mas tens de concordar que pelo menos nesta discussão ambas as partes têm a vantagem de não estar a alucinar. :)

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  7. Wyrm,

    Uma pessoa também pode ter trabalho a conjugar as cores das roupas que veste. Conheço até quem invista um esforço e tempo considerável nisso. Por si só, isso não é coisa que mereça uma legislação de propósito para conceder monopólios. Por isso também discordo que ajeitar a fonte, acrescentar uns comentários ou juntar umas fotos mereça protecção legal.

    Concordo que «a tecnologia não deve impedir alguém de ser compensado pelo seu trabalho.» Mas também proponho que uma forma de compensar alguém pelo seu trabalho não deve impedir o uso da tecnologia. Por isso defendo que os autores, editores e afins sejam compensados pelo seu trabalho e não por restrições legais à cópia de informação.

    Um escritor, por exemplo, deve ser pago para escrever. Se quiser vender canecas tudo bem, mas se quer ser um escritor profissional tem primeiro de se estabelecer como um bom escritor e, depois de haver gente suficiente interessada no trabalho dele, cobrar para escrever. Faz um resumo do livro, põe online, e diz que o escreve se tiver 10,000 pré-encomendas a 20€ cada uma. Se tiver, está pago, copiem o que copiarem. Se não tiver arranje outro emprego. Afinal, nem todos podemos ser escritores profissionais.

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  8. Ludwig,

    A tua ideia faz sentido. No entanto lembra-te que parte dos gastos envolvidos na produção de media são destinados á promoção e divulgação.

    Toda a gente pode ter blogs, websites e afins. Mas isso não implica automáticamente chegar a 10000 individuos dispostos a financiar o trabalho. Estás a simplificar a questão para tornar o teu argumento mais sólido. Conheço alguns musicos amadores que além de verem os seus albuns editados por pequenas editoras já com um budget promocional também têm páginas no myspace e passam a vida a enviar samples para blogs e websites especializados no nicho musical em que se encontram e continuam a ser ilustres desconhecidos dentro da area em que se encontram.

    E de todas as maneiras os exemplos de musicos que financiaram albuns desse modo ou que disponibilizaram o album gratuito em formato digital já beneficiaram de uma longa carreira e de imensa promoção pelas vias tradicionais.

    De todas as maneiras não sei se será assim no cinema mas na música a fatia mais grossa do investimento destina-se à promoção logo não sei como se faria essa promoção se se estivesse á espera da promoção do projecto para ter capital para depois poder promover (ufa :D).

    De todas as maneiras acho que estás a ter um pouco de tunnel vision devido á "pureza ideológica" anti-copyright.

    Já agora um outro exemplo numa area diferente. O World of Warcraft é um jogo online com 11 milhões de jogadores. Desde sempre investiram imenso em promoção e tiveram diversos spots com o Mister T, William Shatner (*awe*) e outros tantos. o Aion é um jogo novo que teria tudo para se aproximar do WoW (se houver gamers a ler isto, eu sei que estou a simplificar imenso a coisa) mas que tem uma pequena fracção desses 11 milhões pois também tem uma pequena fracção do orçamento publicitário. E não é um jogo muito inferior.

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  9. Wyrm,

    «A tua ideia faz sentido. No entanto lembra-te que parte dos gastos envolvidos na produção de media são destinados á promoção e divulgação.»

    E outros são para os subsídios de refeição, e outros são para o porsche do director. Tudo isso é legítimo e não tenho nada contra. Apenas me oponho que haja uma legislação especial que me proíba de partilhar dados só para lhes facilitar esses investimentos. Por mim, se querem investir em publicidade, força, se não querem façam uma página na net. Seja como for, deixem a lei fora disso.

    «Mas isso não implica automáticamente chegar a 10000 individuos dispostos a financiar o trabalho.»

    Claro que não. Em nenhuma profissão alguém se torna automaticamente um profissional reconhecido. Um tipo que quer ser médico passa meia dúzia de anos a trabalhar à borla (e a pagar para isso) até ter a sua formação e o reconhecimento oficial das suas capacidades. Não me parece excessivo que um tipo que queira ser escritor tenha primeiro de mostrar o que vale distribuindo alguma coisa de borla até ter uma audiência disposta a pagar-lhe. Ou um cantor cantar em bares e festas, etc.

    Mais uma vez, ter uma lei que restringe o que todos podemos fazer só para um escritor ou compositor poder tornar-se "automaticamente" num profissional quando qualquer outro profissional tem primeiro de mostrar o que vale parece-me não só injustificado mas injusto mesmo.

    «De todas as maneiras não sei se será assim no cinema mas na música a fatia mais grossa do investimento destina-se à promoção logo não sei como se faria essa promoção se se estivesse á espera da promoção do projecto para ter capital para depois poder promover (ufa :D).»

    Mandas para o Pirate Bay. Foi o que os Rednex fizeram com o último single.

    Nota que o problema da promoção é criado pelo sistema de direitos exclusivos. Uma companhia fica com o direito exclusivo, investe em promoção para vender o seu e fica com o lucro. Para competir com isto é preciso investir mais ainda em promoção.

    Mas sem a atribuição de direitos exclusivos torna-se muito mais fácil promover o trabalho de um artista porque isto da promoção é um zero sum game, e com menos concorrência dos vendedores de rodelas é provável que as pessoas passem a ouvir mais do que gostam e menos do que lhes dizem que gostam ("o mais vendido de 2009!", "o maior sucesso de vendas!", etc...).

    O teu exemplo do WoW mostra como, com uma lei que atribua direitos exclusivos, a popularidade deve-se mais à publicidade que à qualidade em si. Isto demonstra a importância da publicidade neste contexto mas não contribui para justificar a lei que faz com que as coisas sejam assim.

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  10. Ludwig,

    "e outros são para o porsche do director." Inveja? :)

    "Mandas para o Pirate Bay. Foi o que os Rednex fizeram com o último single."

    Bom, um exemplo de uma banda a quem ninguém liga pevide e se ligaram antes foi porque o cotton eye não sei quê tinha o spot nas televisões.

    "vendedores de rodelas é provável que as pessoas passem a ouvir mais do que gostam e menos do que lhes dizem que gostam"

    Bom, o provável é sempre questão de opinião. O publico pouco esclarecido não se iria esclarecer do pé para a mão e quando muito passaria a ouvir apenas os musicos que já antes conheciam e não arriscariam a financiar um album de um musico do qual gostaram de um sample. Além do mais e se o musico em questão demorasse 5 anos a arranjar financiadores para o album? Haveria um prazo máximo para editar o album findo o qual devolveria o dinheiro aos financiadores?

    Em relação ao WoW o jogo tem imensa qualidade para o mass-market assim como o Aion. Se o WoW não tivesse tanto investimento em publicidade a maior parte desses 11 milhões não o conheceriam como não conhecem o Aion.

    Eu acho que tu pecas porque a tua alternativa ao sistema vigente não faz grande sentido. Pode ser argumentada com exemplos do restaurante e afins e dá um debate giro. Mas penso que a tua forma de financiamento simplesmente não resultaria e iria limitar o acesso de criadores ao mercado. É claro que concordo que o sistema actual de copyright e restrição á cópia são abusados pelas editoras/distribuidoras mas o que defendes não seria melhor e iria reduzir a criação artistica ao amadorismo, o que não é necessáriamente mau.

    Mas irá sempre fazer-me impressão que alguém invista dinheiro num bom estúdio, em bons musicos, em bons instrumentos para criar algo de belo e que posteriormente não consiga vender albuns nenhums. E ainda por cima o mandam vender canecas. É a realidade que conheço nas pequenas editoras em que o tipo de financiamento que defendes não funcionaria porque a duvulgação limitada que defendes raramente chega à massa critica necessária para financiar um album com qualidade.

    Acabar com copyright? De acordo. Acabar com a tirania das majors? Apoio. Mas podemos pensar melhor em formas alternativas de financiamento que o merchandising e concertos (no caso da música)? Porque o que tu defendes não funciona. Aliás, considero-me uma pessoa relativamente bem informada e os únicos exemplos de musicos a quererem finaciar a sua musica desse modo foi este dos Rednex (essa grande "banda") e uma musica de folk qur vi no remixtures. Imagino então como seria para o publico em geral.

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  11. Wyrm:

    «Acabar com copyright? De acordo.»

    Acho que já disseste o que o Ludwig queria ouvir.

    Creio que o ênfase dele não é num determinado modelo alternativo em particular, mas sim que qualquer que ele seja o copyright não é imposto pela lei.

    Aí, a sociedade organizar-se-ia nos sistemas mais adequados, que mais conviessem a todos, fossem eles quais fossem, as obras de qualidade iriam continuar a surgir, talvez até a melhorar de qualidade (porque é mais fácil e barato fazer obras derivadas, há mais acesso às criações anteriores, etc), e os passarinhos chilreliariam com mais alegria.

    Eu acho que isso é tudo muito bonito, mas não tem nada de ser assim. Já tenho discutido bastante esse ponto, mas acaba sempre num impasse.

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  12. Aliás, nem se devia fazer nada mas não penalizar quem baixa...
    Quem sabe o facto de se cometer esse "crime" não seria bom para aliviar o stress :)

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  13. Wyrm

    « Além do mais e se o musico em questão demorasse 5 anos a arranjar financiadores para o album? Haveria um prazo máximo para editar o album findo o qual devolveria o dinheiro aos financiadores?»

    Isso é com o músico e os seus clientes. Também não vale a pena ter uma lei para esses detalhes. Muitos livros que comprei na Amazon foi com pré encomenda. Faço a encomenda, espero o que for preciso até o livro sair e quando mo mandam descontam o dinheiro. Nunca houve crise nem me preocupei em ver quais os prazos...


    «Mas penso que a tua forma de financiamento simplesmente não resultaria e iria limitar o acesso de criadores ao mercado.»

    O que temos não é um mercado. É um conjunto de monopólios, que é o contrário do que se quer com um mercado. Por isso também se pode dizer que a única forma dos criadores terem acesso ao mercado é acabando com o copyright.

    «Mas irá sempre fazer-me impressão que alguém invista dinheiro num bom estúdio, em bons musicos, em bons instrumentos para criar algo de belo e que posteriormente não consiga vender albuns nenhums.»

    Porreiro. Então compra-lhos. Não te quero impedir de o fazer. É o teu dinheiro, fazes com ele o que quiseres.

    A única coisa que defendo é que me deixem a minha net em paz, não andem a bisbilhotar no que eu partilho nem me proíbam de fazer downloads ou uploads só porque a ti te faz impressão que alguém invista -- voluntariamente, sem ninguém lhe encomendar a missa -- e depois não tenha lucro.



    Podemos. À vontade. Qualquer forma de financiamento que assente na transacção voluntária de bens e serviços por dinheiro por mim está bem. Só rejeito formas de financiamento dependentes de coacção legal. Financiar os restaurantes proibindo as pessoas de fazer comida em casa, ou financiar as editoras proibindo as pessoas de copiar músicas, são ambas formas de financiamento inaceitáveis.

    Nota que o sistema que temos agora, baseado em monopólios concedidos aos distribuidores, dificulta muito os músicos que queiram optar pelo sistema de remuneração em que eles dão um orçamento e são pagos pelo seu trabalho como qualquer profissional. Isto porque muitos dos que lhes queiram pagar vão querer ficar com direitos exclusivos sobre o que o músico cria.

    E isso é um problema grande para os músicos. Eu posso vender aulas sem perder os meus direitos sobre as aulas que preparo. Mas se vender músicas a uma empresa fico sem direitos sobre as musicas que criei...

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  14. João Vasco,

    «Eu acho que isso é tudo muito bonito, mas não tem nada de ser assim.»

    Talvez tivéssemos melhores restaurantes, e certamente mais restaurantes, se fosse proibido cozinhar em casa. A questão que temos de colocar é se valeria a pena uma proibição dessas só para ter mais restaurantes. E não vejo que se possa dizer com confiança que passássemos a comer melhor.

    Tu estás a olhar para a arte numa perspectiva puramente consumista. Outros criam, tu consomes, e isso é que importa. Mas a arte, até ao século XX, foi principalmente participativa. Era uma coisa que se fazia. E uma coisa que a nova tecnologia está a permitir é essa participação. Muita gente só saca músicas para ouvir. Mas muitos sacam o karaoke e cantam nas festas. Ou fazem os seus próprios playlists sacando músicas de vários albuns. Ou remixes e assim. E se bem que isso não nos dê necessariamente muitos Bachs ou Beethovens, penso que por si só é uma melhoria considerável na qualidade média da arte. Pelo menos deixa de ser um bem de consumo como as bolachas e passa a ser uma coisa que as pessoas também fazem.

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  15. Ludwig:

    Dificilmente ficaria convencido com esse argumento, a menos que a mera repetição do mesmo me fosse persuadindo.

    Já no passado mo apresentaste, e já no passado o rejeitei. Irei repetir as razões que fui apresentando:


    «Talvez tivéssemos melhores restaurantes, e certamente mais restaurantes, se fosse proibido cozinhar em casa.»

    Esta analogia é extremamente enganadora.

    Se queres ser justo, terias de fazer uma analogia do tipo:

    «talvez tivessemos melhores receitas se, uma vez um chef criando uma receita nova, todos fossem impedidos de a reproduzir durante uns anos (em casa e noutros restaurantes)»

    Isto sim, é uma situação análoga. Espero que reconheças a diferença entre ambas, e deixes de criar analogias enganadoras como a anterior.

    Obviamente ninguém está de acordo com a situação da analogia. Por isso, a ideia da propriedade intelectual enquanto mero princípio de justiça é posto em causa pela analogia.

    Já a ideia da propriedade instrumental enquanto ferramenta instrumental para promover a criação não é posta em causa por essa analogia. Basta alegar que o compromisso entre as vantagens e inconvenientes entre a maior protecção às receitas e anedotas e a maior protecção às músicas livros e filmes é diferente, e que isso justifica um quadro legal diferente. E a diferença é indentificável: está relacionada com o investimento necessário para a criação.

    ---

    «Mas a arte, até ao século XX, foi principalmente participativa. Era uma coisa que se fazia.»

    Até ao século XX o consumidor que não pagasse por grande parte da arte teria um acesso muito mais limitado à mesma.

    Assim, havia uma razão egoísta para pagar pela arte: a vontade de usufruir dela. O facto de se saber que a decisão de pagar tem implicações decisivas ao nível do usufruto do bem - se não se paga, não se usufrui.

    As pessoas com poses para pagar aos artistas não pensavam: não vale a pena pagar-lhes, porque se não pagar acabo por ter acesso à sua obra à mesma.

    Pelo menos no que diz respeito aos espectáculos, às músicas, aos filmes, este problema não se colocava. Havia abundância de motivos egoístas para os financiadores pagarem aos criadores: a vontade de ganhar acesso à criação.


    Será que isto era indispensável?
    Talvez não seja, mas onde tu tens certezas, eu não tenho.

    Agora que a facilidade com que se copia faz com que, na ausência das leis de protecção da propriedade intelectual, a decisão individual de pagar pelo bem esteja pouco relacionada com o acesso que a pessoa tem ao bem (a probabilidade do bem estar disponível praticamente não se altera consoante a decisão individual de pagar por ele), as coisas vão ser como nunca antes foram.

    E ou as pessoas são mais altruistas do que aquilo que eu as julgo* (oxalá!), ou realmente a produção de entretenimento e cultura vai ser afectada pela negativa.


    *Isto inclui essa conversa do "quero pagar pelo album porque é a minha forma de participar na sua criação". A ideia que eu tenho é que quem criou a "Mona Lisa" foi o Leonardo da Vinci, e não o patrono que pagou por ela, do qual poucas pessoas sabem o nome.

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  16. João Vasco,

    A analogia era precisamente nesse tradeoff.

    De um lado temos algo subjectivo como a qualidade da arte, que é uma questão de gosto. Uns gostam de Bach e outros de Quim Barreiros. Do outro lado temos direitos fundamentais como a privacidade, a liberdade de expressão e o direito de acesso à cultura. Direitos estes que não devem depender da situação económica.

    Eu defendo que não faz sentido nenhum sacrificar estes direitos para ter "melhor" música ou "melhores" filmes quando nem sequer há uma medida fiável e consensual, muito menos objectiva, disso.

    E era essa a analogia. Para ter "melhores" restaurantes sacrificar a liberdade de cozinhar em casa, e a privacidade de poder fazê-lo sem a polícia andar a ver.

    Além disso há um aspecto da arte que pode mudar muito se aproveitarmos esta tecnologia. Torna-se muito mais acessível a muito mais gente. Avaliando a arte não pelos filmes que tu tens à tua escolha, individualmente, mas enquanto parte da nossa cultura, um bem colectivo formado pelas ideias e obras que partilhamos, abolir restrições à cópia e distribuição, por si só, aumentam imenso o valor da arte. É como se puséssemos uma biblioteca em cada casa.

    Por isso, além dos sacrifícios que temos de fazer em liberdades muito mais fundamentais, e muito mais objectivas, que a "qualidade" das obras, defendo também que o valor da arte como cultura iria aumentar imenso pelo simples facto de aproveitarmos esta tecnologia sem tais restrições legais.

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  17. Já agora, João Vasco, considera a enciclopédia. Essa ideia de pôr uma data de informação acerca de uma data de coisas num sítio onde se pode consultar.

    Dentro do esquema do copyright há a possibilidade de investir em enciclopédias caras que só algumas pessoas possam adquirir mas que tenham grande qualidade.

    Dentro do esquema de partilha livre podemos criar algo como a Wikipedia, de menor qualidade, suponhamos, mas gratuito e acessível a muito mais gente.

    Por causa da Wikipedia algumas enciclopédias online caras, de suposta qualidade superior, fecharam as portas (a Encarta, por exemplo).

    Consideras que isto foi uma coisa má? Era preferível haver cem mil pessoas com acesso à Encarta ou cem milhões com acesso à Wikipedia?

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  18. Ludwig:

    «De um lado temos algo subjectivo como a qualidade da arte, que é uma questão de gosto. Uns gostam de Bach e outros de Quim Barreiros. Do outro lado temos direitos fundamentais como a privacidade, a liberdade de expressão e o direito de acesso à cultura. Direitos estes que não devem depender da situação económica.»

    Não me leves a mal, mas nesta conversa existe um aspecto em que lembras os criacionistas.

    O aspecto é o facto do debate começar sempre do zero. Parece que todas as discussões anteriores foram irrelevantes.
    Parece que não é dirigido à pessoa com quem se dialoga, mas sim a uma hipotética audiência que não tem memória do que foi escrito.
    Por isso, é tudo repetido vezes sem conta.

    Escrevo isto porque fui sensível a alguns dos argumentos de quem apresentou uma posição oposta à minha neste assunto, e a novos factos que me foram sendo apresentados, e já há uns tantos anos que não defendo o contrário disso.
    Já há uns tantos anos que entendo que aquilo que teria de ser violado para manter o copyrigth aplicável (porque violá-lo tornou-se tão trivial) é mais grave do que os possíveis benefícios.

    Já há muito tempo que a minha discussão contigo se baseia no facto de nem sequer reconheceres que, mesmo que não justifiquem os custos, podem bem existir benefícios.
    E por isso é bem possível que venhamos todos a sofrer com o fim do copyright.

    Que discordes disto tudo bem, mas recorrentemente quando discuto este ponto contigo voltamos à estaca zero, e falas-me nessas coisas do ataque à privacidade e tal. Há tanto tempo que não é isso que está em questão para mim...

    Já várias vezes te disse: o copyright vai acabar. Por ser tão fácil violá-lo, vai sem incomportável mantê-lo.
    Espero que tenhas razão, e que seja óptimo para a produção cultural, e produção de entretenimento.

    Discordo de ti no ponto em considero que não tens razão para essa certeza (e também numa outra questão relacionada com 0s e 1s e traduções, mas esse é um mero detalhe).

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  19. João Vasco,

    «Já há muito tempo que a minha discussão contigo se baseia no facto de nem sequer reconheceres que, mesmo que não justifiquem os custos, podem bem existir benefícios.»

    O problema é que isso é irrelevante. A relação entre custos e benefícios é relevante. Mas ignorar os custos e considerar se, independentemente destes, há benefícios leva-te à resposta trivial, e completamente inútil, que sim. Sempre.

    Por exemplo, se me amputarem ambas as pernas é garantido que nunca partirei uma perna na vida. Se me matarem sei com certeza que nunca mais apanharei gripe. E assim por diante. Se queres que eu admita que há benefícios em haver copyright, está o problema resolvido. Há certamente. O cherry picking faz maravilhas :)

    Era aliás parte da minha analogia. Se a lei proibir que se cozinhe em casa vai haver mais restaurantes.

    Mas não acho proveitoso discutir se há algum benefício no copyright a menos que haja possibilidade dos benefícios serem maiores que os custos. Como os benefícios estão em questões subjectivas de gostos e os custos em direitos fundamentais, parece-me improvável que seja esse o caso.

    «Espero que tenhas razão, e que seja óptimo para a produção cultural, e produção de entretenimento.»

    Este é outro problema. A cultura não é apenas a produção. É o acesso, a partilha e a participação. Mais uma vez, focas um aspecto, como a vantagem de não apanhar gripe se estiver morto, e ignoras o resto. Isso parece-me incorrecto.

    Eu penso que haver mais bibliotecas é bom para a cultura. Talvez só indirectamente para a produção cultural, por dar mais acesso a potenciais criadores, mas certamente que seria um erro lutar contra as bibliotecas por ameaçarem a cultura.

    E considero que podemos tornar o conteúdo digital numa enorme biblioteca acessível a todos. Isso pode tirar alguns rendimentos a umas pessoas. E pode ter defeitos. Como tudo. Se ganhar a lotaria é uma chatice porque vou ter de ver qual o banco que me dá melhores juros, e isso dá trabalho. Mas, numa avaliação global, seria uma coisa boa.

    Em suma, acho que o teu cherry picking só para defender que o copyright tem coisas boas e abolí-lo tem coisas más só seria relevante se esses factores fossem significativos perante os restantes. Caso contrário não interessam...

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  20. Ludwig:

    «Este é outro problema. A cultura não é apenas a produção. É o acesso, a partilha e a participação. Mais uma vez, focas um aspecto, como a vantagem de não apanhar gripe se estiver morto, e ignoras o resto. Isso parece-me incorrecto.»

    Hum... Começo por dizer que este não é «outro» problema.
    Tudo o que escreveste acima desta parte me pareceu algo irrelvante, na medida em que quando estava a falar dos benefícios do copyright estava a falar disto em particular (no global, ser melhor para a produção de cultura e entretenimento) e não de benefícios em geral (por exemplo, para as editoras). É verdade que não escrevi isso, mas pareceu-me evidente pelo contexto.

    Posto isto, há qui novamente uma questão de equilíbrio. O acesso à cultura é realmente positivo, e mesmo quando era possível fazer cumprir as leis dos direitos de autor sem atentados à privacidade e etc, era importante que as licensas não durassem demasiado tempo, para permitir o acesso.

    Mas, realmente, a produção é um aspecto importante. Não é que eu me foque só nesse aspecto, mas sim que eu não conheça o efeito que as novas realidades irão ter sobre ele. E tenha boas razões para pensar que pode ser negativo.

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  21. João Vasco,

    Um problema é, devendo ponderar os benefícios com os custos, em vez disso queres olhar apenas para os custos de eliminar o copyright (ou os benefícios de o manter), em vez de avaliar ambos os tipos de consequências da decisão.

    Outro problema é, quando avalias a cultura, olhares apenas para a produção e ignorares os outros aspectos importantes da cultura.

    Estes são problemas diferentes porque um é um eviesamento no processo de decisão e o outro é um erro normativo na avaliação de um bem.

    Mas tens razão que ambos se devem a considerar uma pequena parte em vez do todo.

    Se considerarmos custos e benefícios, penso que é esta a conclusão:

    Incentivar a produção artística restringindo direitos como os de privacidade, expressão e acesso à informação é inaceitável porque os custos são muito superiores aos benefícios. E isto é o que está em causa neste momento.

    Mesmo que se pudesse fazer isto sem restringir esses direitos, o que não parece ser possível, incentivar a produção artística limitando o acesso à arte é valorizar um aspecto desta forma de cultura -- a criação -- reduzindo o valor de outros como a partilha, acesso e participação. Mesmo neste cenário idílico em que se podia, por exemplo, persuadir toda a gente a voluntariamente deixar de ouvir música pela qual não pagasse teríamos um custo grande por muita gente deixar de ouvir música.

    Finalmente, é importante perceber que o dinheiro é apenas um de muitos incentivos. Como a fama ou simplesmente o amor à arte. E se queremos incentivar jovens talentos a produzir arte é provável que dar-lhes acesso sem restrições a bens artísticos seja um incentivo melhor que a promessa vaga de uma fortuna no futuro.

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  22. Ludwig:

    «Um problema é, devendo ponderar os benefícios com os custos, em vez disso queres olhar apenas para os custos de eliminar o copyright (ou os benefícios de o manter), em vez de avaliar ambos os tipos de consequências da decisão.»

    Um problema é teres voltado a fazer o mesmo. Estás a discutir como se poucos comentários acima eu não te tivesse dito que não está em causa a "decisão".

    Como já te disse N vezes (em que N são várias dezenas), acredito que é inevitável a abolição do copyright. A tecnologia tornou tão trivial a sua violação, que para tornar as leis que protegem a propriedade intelectual mais do que letra morta é necessário violar direitos fundamentais como a privacidade e a liberdade de expressão. Credo, até pareço alguém que eu cá sei a falar... Podes achar estranho, de tanto lidares com várias personagens peculiares neste blogue, mas é mesmo possível alguém alterar a sua opinião perante boas razões e factos.

    Aquilo que eu reparo é quando discuto contigo algo mais específico, fazes como se eu não tivesse dito o que está acima dezenas de vezes, e voltas à carga. Agora foi especialmente caricato visto que critiquei não te lembrares disso, e repeti-o, e tu voltaste a escrever como se para mim fosse isso que estava em questão.

    Não se trata de "decidir" se o copyright vai desaparecer ou não. Trata-se de discutir se isso vai abrir um admirável mundo novo, ou o menos mau de dois cenários.


    «Incentivar a produção artística restringindo direitos como os de privacidade, expressão e acesso à informação é inaceitável porque os custos são muito superiores aos benefícios. E isto é o que está em causa neste momento.»

    Só que não.


    «Finalmente, é importante perceber que o dinheiro é apenas um de muitos incentivos. Como a fama ou simplesmente o amor à arte. E se queremos incentivar jovens talentos a produzir arte é provável que dar-lhes acesso sem restrições a bens artísticos seja um incentivo melhor que a promessa vaga de uma fortuna no futuro. »

    Concordo parcialmente com isto.
    Mas a produção de arte não depende apenas do incentivo aos jovens talentos. Depende em grande medida de existirem estruturas que investem neles.
    Por muita gente que queira fazer um filme, sem dinheiro é complicado.. e por aí fora.
    Claro que é possível, sem protecção da propriedade intelectual, produzir. Mas, parece-me, há boas razões para acreditar que vai ser mais difícil.


    «Mesmo que se pudesse fazer isto sem restringir esses direitos, o que não parece ser possível, incentivar a produção artística limitando o acesso à arte é valorizar um aspecto desta forma de cultura -- a criação -- reduzindo o valor de outros como a partilha, acesso e participação.»

    Não é que eu só valorize esse, mas é verdade que só estou a discutir esse. Quando falar sobre este assunto já sabes que estou a discutir apenas esse.

    No que diz respeito a esse em particular concordas comigo? (suspeito que não)

    Se sim, mas sentes-te obrigado a lembrar a todos que não é o único, ok. Não há mais a discutir.

    Se não, discute sobre esse sem desviares a discussão, sob pena disto se tornar repetitivo e desinteressante. Não é essa a ideia que eu tenho das tuas intervenções.

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  23. João Vasco,

    «Um problema é teres voltado a fazer o mesmo»

    Repeti esta parte porque tu disseste «Começo por dizer que este não é «outro» problema.» e eu quis explicar que era outro. Um é o problema da decisão e outro o problema de avaliar a cultura. Só quis distinguir estes dois porque acho importante para esta parte da discussão:

    «Não se trata de "decidir" se o copyright vai desaparecer ou não. Trata-se de discutir se isso vai abrir um admirável mundo novo, ou o menos mau de dois cenários.»

    O copyright como o conhecíamos já desapareceu. Era um sistema de regulação comercial que deixou de ter a utilidade que tinha quando toda a gente passou a poder copiar. Agora há quem tente levá-lo para um sistema de regulação da vida de todos nós ou quem queira ignorá-lo, e uma data de alternativas pelo meio.

    Nesse contexto essa dicotomia que apresentas é uma falsa dicotomia. Por exemplo, abandonar o copyright pode ser uma solução imperfeita mas que melhora a nossa situação. Ou seja, não ser um mal menor, no sentido de as coisas piorarem inevitavelmente mas desta forma piorarem menos. Nem ser um admirável mundo novo, no sentido de ser uma solução perfeita sem qualquer inconveniente.

    A razão pela qual eu insisto em que consideres os custos e benefícios da decisão, e que para isso avalies a cultura por todos os factores relevantes em vez de apenas a produção, é que me parece que fazendo isso dá para perceber que temos uma oportunidade de melhorar significativamente a arte e cultura em geral abandonando o copyright.

    Não quero com isto dizer que é tudo perfeito. Mas quero dizer que é uma melhoria em relação ao sistema anterior dos discos, filmes em fita, editoras com monopólios e assim.

    Essa tua dicotomia entre a desgraça menor ou o mundo perfeito deve-se, penso eu, ao problema de insistires numa avaliação enviesada da cultura e da decisão.

    «Quando falar sobre este assunto já sabes que estou a discutir apenas [a produção].»

    Então considera que o volume de negócios da indústria de entretenimento tem aumentado constantemente nos últimos anos; que a "tragédia do download" afecta apenas vias de distribuição ultrapassadas, como o clube de vídeo e o CD, enquanto parece incentivar outras como os concertos e o cinema; e que o apoio aos jovens criadores, se bem que fundamental, não precisa necessariamente de ser feito dando às editoras os direitos exclusivos sobre as obras criadas.

    Finalmente, a educação, bolsas de estudo e o acesso gratuito e universal às obras já existentes são em si incentivos poderosos e que são reduzidos pelo investimento público em fiscalização. O dinheiro que vai para a ASAE, tribunais e na implementação de tratados sobre o copyright podia ser empregue em escolas de música e cinema.

    Em suma, mesmo que não reconheças pela cultura de remix, pelo youtube e afins, que a liberdade de aceder e usar obras existentes é um enorme incentivo à criatividade, penso que é injustificado defenderes que restringir o copyright ao comércio, como inicialmente, vá reduzir a produção cultural.

    Além disso não te deves esquecer que o aumento de acesso e a possibilidade de transformação de obras de arte é, por si só, uma grande mais valia cultural.

    Por isso considero que o teu pessimismo é injustificado.

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  24. «Então considera que o volume de negócios da indústria de entretenimento tem aumentado constantemente nos últimos anos; que a "tragédia do download" afecta apenas vias de distribuição ultrapassadas, como o clube de vídeo e o CD»

    Ok. Isso são argumentos dirigidos à minha posição.
    E uma vez houve uma discussão enorme em que eu explicava porque é que, sendo relevantes, não são definitivos (no sentido comum do termo, não no sentido filosófico em que "nada é definitivo"). Ou seja, que existem razões para temer que essas tendências se invertam quando começarem a surgir as gerações que já tiverem nascido numa situação de copyright abolido.

    Mas basicamente isso seria repetir tudo o que já foi escrito.

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  25. João Vasco,

    «existem razões para temer que essas tendências se invertam quando começarem a surgir as gerações que já tiverem nascido numa situação de copyright abolido.»

    Não vejo razões para temer que jovens crescendo sem copyright deixem de ir ao cinema ou a concertos por isso. Ou deixem de gostar de representar ou compor música.

    Mas penso que o problema principal nesta discussão é que as tuas objecções se focam em aspectos cada vez mais reduzidos e detalhados. Por exemplo, prevejo que vás responder que o problema não são os concertos mas as produções de álbuns caros por parte de artistas ainda pouco desconhecidos dependentes do investimento inicial da editora, ou que muita gente queira mas não o suficiente para dar logo o dinheiro esperando eternamente que outros paguem, ou algo assim.

    É o problema que tenho vindo a salientar: focar em cenários especialmente pessimistas esquecendo o resto.

    Uma vantagem grande de uma geração crescer sem copyright é perceber o ridículo que é acusar as pessoas de piratear o Kama Sutra. Mais genericamente, perceberem o que é cultura e arte e como isso é diferente do negócio de as distribuir.

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  26. «Mas penso que o problema principal nesta discussão é que as tuas objecções se focam em aspectos cada vez mais reduzidos e detalhados. »

    Não. Não é cada vez mais, pelo menos de há uns anitos para cá.
    São sempre os mesmos.

    Tu dizes que o concerto é cultura, e eu não falo desses. Mas o concerto dá-me razão, na medida em que corresponde ao caso em que o acesso ao bem está ligado ao pagamento.
    Aquilo que temo é que nos casos em que o acesso ao bem esteja pouco ligada à decisão individual de pagar por ele falte financiamento para a produção.

    O caso caricato do Kama Sutra, dizes tu. Mas aquilo que parece claro pela discussão é que o Kama Sutra nunca esteve em jogo. Esteve em jogo o trabalho que alguém teve em compôr uma versão apelativa do Kama Sutra.

    Que seja uma injustiça que ele agora impeça os outros de partilhar essa versão, como alguém que impede outros de recontarem uma anedota que inventou, é uma coisa. Que o facto disso se tornar uma coisa natural faça com que seja mais difícil que alguém faça o mesmo que ele fez (visto que é mais difícil ser pago por algo cujo acesso depende pouco da decisão individual do consumidor de pagar...), parece-me um receio fundado.

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  27. João Vasco,

    «Tu dizes que o concerto é cultura, e eu não falo desses. Mas o concerto dá-me razão, na medida em que corresponde ao caso em que o acesso ao bem está ligado ao pagamento.»

    Sim. Um que não depende da concessão de monopólios nem da proibição de cópia.

    O problema que queremos resolver não é o caso específico de como fazer com que uma editora invista num artista com o intuito de lucrar mais tarde pela venda de cópias da obra que outros não podem copiar. O problema que queremos resolver é muito mais genérico: como maximizar o valor da arte, em todos os seus aspectos de criatividade, produção, acesso, reutilização, transformação e incorporação na nossa cultura.

    E se olhares para o big picture em vez de para alguns detalhes verás que há muitos exemplos de criatividade amadora (desportistas, culinária, xadrez, anedotas, youtube, ...) e muitos exemplos de criatividade profissional remunerada que não depende da concessão de direitos exclusivos de cópia (professores, matemáticos, físicos, designers de moda nos EUA, ...). Verás também que o copyright, essa concessão de monopólios sobre a cópia, está fortemente correlacionado não com a criatividade, o valor da arte ou a cultura mas com um problema específico de distribuição. É um monopólio que subsidia fundamentalmente o fabrico de cópias. Daí o nome.

    Isto penso que leva facilmente à conclusão que, com a tecnologia que temos, a arte fica melhor servida sem o copyright se considermos todas as suas dimensões e não apenas a produção daqueles tipos de arte que se costuma vender à cópia. Essa é a posição que eu defendo.

    Quanto a pegar num texto de 2000 anos e vendê-lo com uma encadernação bonita, das duas uma. Ou há pessoas interessadas em pagar por isso e é um negócio tão legítimo como vender pastéis de nata, ou não há e o negócio não avança. Seja como for não há razão para haver leis especiais para subsidiar esse negócio. Não é um bem de primeira necessidade nem nada que valha a pena legislar. Não te esqueças que as leis têm um custo pesado para a sociedade, não só monetário mas também na morosidade do sistema de justiça, injustiças, agravamentomdas diferenças entre ricos e pobres, etc. Convém só ter as que valem mesmo a pena.

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  28. Pois, Ludwig.

    Agora eu deixei bem claras as minhas divergências contigo. E novamente voltaste a discutir um problema mais amplo do que aquele a que me estou a referir.

    Voltaste a dar não sei quantas razões pelas quais o copyright deve ser abolido, e a cereja em cima do bolo foi teres repetido uma alegação à qual já te respondi N vezes:

    «Ou há pessoas interessadas em pagar por isso e é um negócio tão legítimo como vender pastéis de nata, ou não há e o negócio não avança.»

    É que tu continuas sem reconhecer a situação de que te lembro várias vezes: a de haver pessoas interessadas em pagar por isso, caso seja a única forma de terem acesso, mas não em pagar por isso se isso não alterar o acesso que têm ao bem.

    E por favor, não repitas que não se pode, por causa dessas pessoas, violar a privacidade e entupir a justiça, etc. Porque aí teria de repetir pela centésima vez que não é isso que está em questão. O meu alerta é apenas para o facto dessas pessoas existirem, e que por isso é enganador fazer de conta que não.

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  29. João Vasco,

    «É que tu continuas sem reconhecer a situação de que te lembro várias vezes: a de haver pessoas interessadas em pagar por isso, caso seja a única forma de terem acesso, mas não em pagar por isso se isso não alterar o acesso que têm ao bem.»

    Foi precisamente essa que começou esta nossa ronda. Relembro:

    «Talvez tivéssemos melhores restaurantes, e certamente mais restaurantes, se fosse proibido cozinhar em casa.»

    O que queria demonstrar com isto é precisamente que esse cenário, por si, não justifica uma restrição como a do copyright. Há muita gente que se não pudesse fazer comida em casa ia ao restaurante e só não vai porque tem acesso a comida sem ir ao restaurante. Também pode haver muita gente que não compra X porque tem acesso a X sem o comprar.

    Apesar de haver muitos que, como tu, julgam que o copyright é para resolver este problema, enganam-se porque isto não é um problema. É o funcionamento normal e justo do mercado.

    Há casos em que este funcionamento normal pode resultar em ineficiências importantes. Por exemplo no ensino público e na saúde. Mas esses casos resolvem-se pelos impostos, solução que não é justificada pela ineficiência em si mas pela importância do bem que se quer produzir. E essa solução é justa se os impostos forem justos.

    Penso que ao pores de lado o contexto confundes o papel do copyright e vês esse sistema de restrições como uma solução (errada) para algo que nem é um problema. As pessoas não irem ao restaurante por terem comida em casa não é um problema mesmo que seja verdade que iriam ao restaurante se não pudessem fazer comida em casa.

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  30. Ludwig:

    Para entenderes a frustração que sinto quando me repetes aquilo que iniciou a ronda, vou fazer uma analogia.


    «A- Caramba, estudar estas convenções todas é cansativo.

    B- É cansativo, mas necessário. Sem as conheceres não poderias operar devidamente com estes conceitos [etc...]

    A- Ok. Mas tens de convir que é cansativo.

    B- É cansativo, mas necessário. Sem as conheceres não poderias operar devidamente com estes conceitos [etc...]

    A- Ok. Eu não estou a defender que seja mau conhecê-las. Estou apenas a fazer notar que estudá-las é cansativo.

    B- Sim, mas a questão que aqui se coloca é se devemos conhecê-las ou não. E se queremos conhece-las não existe outra maneira senão estudando. Por isso é importante estudar porque sem conhecer as convenções não poderias operar devidamente com estes conceitos [etc...]

    A- Essa é a questão que TU colocas. Eu apenas estou a dizer que é cansativo. Discordas disto em particular?

    B- Não é cansativo porque treina o cérebro.

    A- Mas uma coisa não impede a outra. Poderia ser cansativo, e à mesma treinar o cérebro.

    B- A diferença é que não é um esforço inútil.

    A- Mas eu não disse que era um esforço inútil.

    B- Sim, mas a questão que aqui se coloca é se devemos conhecê-las ou não. E se queremos conhece-las não existe outra maneira senão estudando. Por isso é importante estudar porque sem conhecer as convenções não poderias operar devidamente com estes conceitos [etc...]

    A- Essa é a questão que TU colocas. Eu apenas estou a dizer que é cansativo. Discordas disto em particular?

    B- Creio que já respondi a isso...

    A- SOCORRO!

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  31. João Vasco,

    Eu penso que não está a ser assim tão mau. Por exemplo, no inicio desta ronda pareceu-me que estavas a defende que a abolição do copyright é um mal necessário. O mal menor, mas um mal.

    O que eu defendo é que a abolição de direitos exclusivos sobre a cópia é um bem. Não um mal necessário mas, com a tecnologia que temos. uma melhoria do estado das coisas. Não nos leva a um mundo perfeito mas leva-nos a um mundo melhor.

    E penso que neste momento estamos um pouco mais perto do consenso, ou pelo menos de esclarecer algum mal-entendido. Concordas agora que, pesando os factores relevantes, abandonar o copyright agora que temos computadores e net é bom para a criatividade e para a cultura? Ou era isso que já pensavas de início, apesar da expressão "mal menor"? Ou ainda achas que vamos ficar culturalmente mais pobres se tivermos mais liberdade de criar, transformar e partilhar cultura? (OK, admito que esta última é um bocado loaded ;)

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  32. Ludwig:

    A expressão "mal menor" foi usada apenas no sentido em que é possível acreditar que uma opção deve ser a escolhida e ainda assim estar a falar sobre os seus inconvenientes (como no caso do "estudo é cansativo" do exemplo).

    Se vai ser melhor ou pior para a cultura e entretenimento não sei.
    Como dizes, isso depende de uma série de factores, e pode ser que até seja bom para a produção de músicas filmes e livros, quanto mais para o acesso e tudo o resto. Por outro lado, pode ser tão má para isto, que mesmo o aumento das possibilidades de acesso (que já são bastante amplas actualmente...)e outros factores a que fazes referência não compense o efeito negativo sobre a produção.
    Quanto a isto simplesmente não sei.

    Aquilo que me parece é que às vezes, na forma como defendes o fim da propriedade intelectual, na ânsia de fazeres com que as pessoas adiram a essa causa, desfiguras um pouco a posição de quem pensa de forma contrária*, e mostras mais certezas do que aquelas que os dados a que tens acesso justificam**.
    Não é contra essa causa de que discuto. Até já te fui enviando notícias para o e-mail de abusos que as editoras foram cometendo aqui e ali.
    É mais contra estes vícios, que me pareceriam próprios num político, que geralmente tem de ser mais persuasivo que rigoroso se quer levar as suas ideias a bom porto, mas menos num académico.

    * por exemplo, no caso da primeira analogia que critiquei. Ninguém defende o análogo de proibir que as pessoas cozinhem em casa, para facilitar a vida aos restaurantes. Quando muito o análogo de não cozinharem em casa as receitas recentemente inventadas nos restaurantes. Parecendo que não, é muito diferente.

    ** tens alguns casos concretos, e as tendências dos últimos anos. Já mostrei em que medida é que esses dados não devem ser encarados como definitivos, e sempre que isto acontece a conversa desvia-se do assunto.

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  33. João Vasco,

    «Se vai ser melhor ou pior para a cultura e entretenimento não sei.»

    Vamos assim identificando os pontos cruciais na nossa divergência. Tu não sabes. Eu sei. No sentido (sempre nesse sentido) de julgar que tenho evidência suficiente para concluir isso.

    Posso dar dois elementos dessas evidências. Um é histórico. Na música sempre foi tradição modificar e usar partes de músicas de outros autores. Citar outros compositores era prática corrente na música mais erudita, e estilos populares como os Blues assentavam fortemente nessa forma colectiva de compor. Isso acabou no século XX com as restrições à cópia. Mais trágico ainda, hoje em dia a maior parte das pessoas nem nota o que se perdeu com isso, e julga ser perfeitamente normal ser proibido citar uns segundos de uma melodia sem autorização. Uma vantagem grande de abolir os direitos sobre a cópia era recuperar o muito que se perdeu com esse sistema.

    Outro exemplo é o impacto que a troca livre e eficiente de informação teve na ciência, uma actividade cultural e criativa por excelência. Imagina alguém há 20 anos a dizer que não se devia ter os artigos nas páginas com acesso livre porque isso iria minar todo o processo de investigação e enfraquecer a ciência. Um disparate. O acesso imediato e gratuito às ideias e experiências dos outros é um enorme bónus para o progresso científico. Não vejo razão para duvidar que seja útil para um compositor poder ouvir as músicas que quiser, mesmo que tenha pouco dinheiro.

    Há mais coisas que já referi espalhadas por vários posts. E essa é outra razão para insistir nestes pontos. Eventualmente, hei de conseguir encontrar a forma mais persuasiva de expor em poucas palavras uma situação muito complexa.

    «É mais contra estes vícios, que me pareceriam próprios num político, que geralmente tem de ser mais persuasivo que rigoroso se quer levar as suas ideias a bom porto, mas menos num académico.»

    É provável mas não me parece vício. Esta discussão não é meramente académica. É principalmente acerca de valores. Objectivamente, tu podes dizer que sem o copyright vai reduzir o investimento das editoras na promoção e divulgação de bandas musicais. Mas normativamente esse facto por si só não te diz nada. Precisas de considerar os tradeoffs e, sobretudo, os valores das várias opções. É por isso que a discussão se torna mais política.

    « Ninguém defende o análogo de proibir que as pessoas cozinhem em casa, para facilitar a vida aos restaurantes. Quando muito o análogo de não cozinharem em casa as receitas recentemente inventadas nos restaurantes. Parecendo que não, é muito diferente.»

    Tem diferenças mas têm o mais importante em comum. Em ambos os casos trata-se de impor uma restrição para obrigar a pagar por algo pessoas que não pagariam por isso sem essa restrição. E o que estes exemplos demonstram é que o simples facto das pessoas não quererem pagar por sem a restrição não justifica impor essa restrição. Nem sequer indica que haja um problema a resolver.

    Por isso quando tu dizes que é mau que haja X pessoas que até pagariam por Y se fossem legalmente obrigadas a isso para ter Y mas não pagam porque podem ter Y à borla estás enganado. Isso não é necessariamente mau. Para que num certo caso isso seja mau tens de poder apontar outras razões (pessoas morrerem por não haver hospitais, por exemplo). E essas exigem que ponderes as alternativas.

    Por isso um papel importante de exemplos como o do restaurante é mostrar que os exemplos que tu dás, das pessoas não pagarem pelo CD porque preferem esperar para o copiar à borla, são insuficientes para dizer que é mau abandonar o copyright. Porque essas situações até podem ser boas por si. São indicativas de um mercado livre no qual os intervenientes participam sem serem coagidos.

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  34. Ludwig:

    «No sentido (sempre nesse sentido) de julgar que tenho evidência suficiente para concluir isso.»

    Ok. Este é o ponto de discórdia.

    «Posso dar dois elementos dessas evidências. Um é histórico.»

    Não vou repetir a razão pela qual rejeito esse exemplo.


    «Outro exemplo é o impacto que a troca livre e eficiente de informação teve na ciência»

    Mas muita da investigação científica depende de uma forma de protecção da propriedade intelectual (as patentes). Bem sei que são públicas, e que acreditas que o objectivo das patentes é incentivar a publicação dessas ideias.
    Já respondi antes a essas tuas objecções, e creio que novamente o debate voltava às generalidades..


    «É provável mas não me parece vício. Esta discussão não é meramente académica. É principalmente acerca de valores. »

    Estás enganado. A minha divergência contigo é fundamentalmente a respeito daquilo que previsivelmente será a realidade. Se há razões para ter segurança nestas previsões ou não.


    «E o que estes exemplos demonstram é que o simples facto das pessoas não quererem pagar por sem a restrição não justifica impor essa restrição.»

    Mas ninguém acha que "esse simples facto" justifica.
    Quando muito, acham que o simples facto das pessoas não quererem pagar, associado ao alegado facto de em consequência disso não existir criação e elas próprias acabarem prejudicadas, pode, em certos casos, justificar.

    E tu podes discordar disso. Podes discordar que a criação deixe de acontecer. Podes discordar que as pessoas acabem prejudicadas. E podes acreditar que o prejuízo de terem piores receitas, a existir, é menor que o prejuízo de serem impedidas de cozinhar o que quiserem. Mas tens de compreender que é esse o ponto de vista de quem defende a propriedade intelectual, em vez de o distorceres.

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  35. João Vasco,

    «Não vou repetir a razão pela qual rejeito esse exemplo.»

    Mas nota que se não considerares como relevantes todos os custos de impor restrições como o copyright vais estar a deitar fora uma boa parte das vantagens de abolir esse sistema...

    «Mas muita da investigação científica depende de uma forma de protecção da propriedade intelectual (as patentes).»

    As patentes, em boa parte, funcionam ao contrário do copyright.

    Mas, sobretudo, até muito recentemente foram apenas para a inovação tecnológica. As descobertas científicas não eram pantenteáveis. Agora isto está a mudar com patentes de software e ADN. E os efeitos estão a ser muito mais prejudiciais que benéficos.

    «A minha divergência contigo é fundamentalmente a respeito daquilo que previsivelmente será a realidade. Se há razões para ter segurança nestas previsões ou não.»

    Discordo que seja disso que discordamos :) Isto porque a incerteza que realisticamente se pode ter acerca dos incentivos à produção comercial de bens culturais cabe à vontade dentro da margem do que é aceitável quando consideramos os valores em jogo.

    Vamos supor que sem copyright um filme como o Avatar fazia apenas cem milhões de dólares nos primeiros 15 dias em vez de mil milhões. Uma margem de erro relativa de 90%. Mesmo assim não fazia diferença. Os actores, realizadores e pessoal dos efeitos especiais iam ganhar menos mas a produção seria a mesma. É como ter medo que o Ronaldo passe a jogar muito pior se os ordenados dos futebolistas internacionais caírem para metade.

    Por isso, não só acho que estás a confundir uma pequena parte da indústria com a indústria toda (e já te dei números acerca disso) como, por não veres o contexto, estás a achar que é relevante um problema que não é. Essa incerteza que tu tens acerca de quanto vai ser afectada uma pequena parte da produção cultural não faz qualquer diferença.

    «Quando muito, acham que o simples facto das pessoas não quererem pagar, associado ao alegado facto de em consequência disso não existir criação e elas próprias acabarem prejudicadas, pode, em certos casos, justificar.»

    Se ninguém quer pagar máquinas de radioterapia, o desgraçado que tem cancro vai ficar prejudicado o suficiente para justificar cobrar impostos para as máquinas de radioterapia.

    Mas estamos a falar de entretenimento. Se não há gente suficiente a querer pagar por um CD para que o CD seja produzido nem sequer é razoável dizer que saíram prejudicados. É mais razoável dizer que escolheram não pagar e pronto. Não justifica quaisquer medidas adicionais para os forçar a pagar. Enquanto que em questões de saúde pública não podemos confiar inteiramente nas decisões de cada um, quando se trata de qual música vão ouvir penso que já se justifica dar liberdade de escolha.

    «E tu podes discordar disso. Podes discordar que a criação deixe de acontecer. Podes discordar que as pessoas acabem prejudicadas. E podes acreditar que o prejuízo de terem piores receitas, a existir, é menor que o prejuízo de serem impedidas de cozinhar o que quiserem. Mas tens de compreender que é esse o ponto de vista de quem defende a propriedade intelectual, em vez de o distorceres.»

    Eu discordo disso. Discordo que a liberdade de acesso à cultura resulte em menos produção cultural, e discordo que um CD não ser produzido porque não há quem o queira pagar seja um prejuízo para a sociedade. É uma escolha legítima à qual as pessoas têm o direito.

    Mas mais importante que isso, defendo que quando consideramos o contexto essa dissensão é irrelevante. Não interessa minimamente se és tu ou eu quem tem razão nisto. O resultado é o mesmo: abolir o copyright resulta numa situação melhor que a que tínhamos antes pelo aproveitamento da tecnologia para distribuição e acesso e por deixarmos de pagar os custos de manter esse sistema. E isso é mais importante que saber se daqui a dez anos as salas de cinema vão vender o dobro ou metade dos bilhetes.

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  36. Ludwig:

    Sobre as patentes e o antigamente, estás a responder a argumentos que não apresentei.
    Não apresentei porque seria uma repetição.

    Vou passar portanto à parte seguinte.


    «Discordo que seja disso que discordamos :)»

    Hum...

    «Isto porque a incerteza que realisticamente se pode ter acerca dos incentivos à produção comercial de bens culturais cabe à vontade dentro da margem do que é aceitável quando consideramos os valores em jogo.»

    Mas o "aceitável" já é normativo, e eu afirmo que aquilo em que apresento a minha discordância contigo não é a esse nível.

    E queixei-me várias vezes que resvalava sempre para essa discussão. E eis que, para justificares que a nossa discordância é a outro nível, fazes a tua argumentação normativa.

    A única coisa que te posso dizer é que não é isso que estou a discutir. Não estou a discutir a relevância. Podes achar que se perde pouco por se tornar mais difícil investir dinheiro em filmes. Óptimo.

    Mas não digas é isto:

    «Vamos supor que sem copyright um filme como o Avatar fazia apenas cem milhões de dólares nos primeiros 15 dias em vez de mil milhões. Uma margem de erro relativa de 90%. Mesmo assim não fazia diferença. Os actores, realizadores e pessoal dos efeitos especiais iam ganhar menos mas a produção seria a mesma.»

    Ok. É aqui que discordo, e espero que concordes que isto não é uma discussão sobre valores morais. É uma discussão sobre a realidade.



    «Se ninguém quer pagar máquinas de radioterapia [etc.. até ao fim da mensagem]»

    Voltei a sentir-me, digamos, incompreendido.

    Eu escrevo para te explicar que te vejo a distorcer a posição contrária.

    Explico o que defende quem discorda de ti quanto à necessidade de protecção da propriedade intelectual, e explicando esse ponto de vista esclareço quais os pontos com os quais podes discordar.

    Perante isto, qual o sentido de refutares essa posição? Nem sequer a estou a defender! E estou careca de saber o que tens a dizer sobre isso, tanto é que eu próprio o escrevi.

    A minha crítica não corresponde a uma concordância com esse ponto de vista - corresponde a uma discordância relativa à forma como o retratas.

    E, sei que não é o caso, mas até soa algo desonesto esse retrato dos teus antagonistas, e nessa medida é pouco persuasivo. A ideia que eu tenho é que quando retratas a posição deles dessa forma, os teus leitores ficam com a sensação, que às vezes são incapazes de verbalizar em concreto, de que estás redondamente enganado quanto ao que está em questão.

    O retrato que eu fiz já é um pouco mais adequado, e elucida melhor os pontos de divergência.

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  37. João Vasco,

    «Mas o "aceitável" já é normativo, e eu afirmo que aquilo em que apresento a minha discordância contigo não é a esse nível.»

    Penso que já estabelecemos num comentário anterior que o nosso ponto de discórdia é este:

    «Se vai ser melhor ou pior para a cultura e entretenimento não sei.»

    Disseste tu. E eu sei. É nisto que discordamos. E "melhor ou pior para a cultura" é uma questão normativa. Depende dos factos, com certeza. Mas exige mais que apenas os factos.

    Se quiseres discordar de outra coisa, arranja-se bem. Nós nunca tivemos dificuldades a esse nível ;) Mas desta pelo menos discordamos.

    Por exemplo:

    « A ideia que eu tenho é que quando retratas a posição deles dessa forma, os teus leitores ficam com a sensação, que às vezes são incapazes de verbalizar em concreto, de que estás redondamente enganado quanto ao que está em questão.»

    A minha ideia é que não há "a posição deles". Há muita gente que discorda de mim em muitas coisas diferentes neste tema, mas defendendo muitas posições diferentes. Não só diferentes de pessoa para pessoa mas diferentes ao longo do tempo. Por isso eu não estou a argumentar contra uma oposição monolítica mas sim a tentar encontrar os fundamentos mais persuasivos da minha.

    Por exemplo, há pessoas que defendem que é um direito de quem cria algo proibir os outros de usufruir disso sem pagar. Nem todos defendem isto, mas é um ponto importante mostrar que isto está errado.

    Há quem defenda que quando pessoas pagariam X para ter acesso a algo se o acesso lhes fosse vedado, mas não se tiverem acesso livre, isto justifica vedar o acesso para que paguem X. Também é importante que, como regra geral, isto não faz sentido (o exemplo dos restaurantes).

    E assim por diante. A minha posição assenta em várias premissas que têm de ser defendidas, umas por causa de uns opositores e outras por causa de outros.

    «Ok. É aqui que discordo, e espero que concordes que isto não é uma discussão sobre valores morais. É uma discussão sobre a realidade.»

    Não sobre valores morais, mas sobre valores estéticos. A questão é se a qualidade artística de algo como o cinema ou o futebol, por exemplo, onde os preços são brutalmente inflaccionados (In Hollywood, the saying goes, the really creative folks are the accountants.) sofrerá significativamente por uma variação mesmo de 50% ou 90% no investimento financeiro. E isso, mais uma vez, junta factos com valores.

    Por exemplo, um dos melhores filmes de ficção científica que vi nos últimos anos foi o The Man from Earth, que teve um orçamento de §200,000.

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  38. (Continuação)

    «Explico o que defende quem discorda de ti quanto à necessidade de protecção da propriedade intelectual, e explicando esse ponto de vista esclareço quais os pontos com os quais podes discordar.»

    OK.

    Discordo que o acesso gratuito a conteúdos digitais reduza o investimento em entretenimento. Como prova apresento o crescimento estável tanto da indústria da música como do cinema nestes anos de crescimento exponencial de largura de banda e P2P.

    Discordo que uma redução, mesmo substancial, do investimento em filmes e música resulte numa redução da qualidade porque as fortunas que os melhores artistas ganham estão muito para além dos valores que influenciam a qualidade do seu trabalho.

    Finalmente, discordo da avaliação da cultura unicamente na perspectiva da sua produção cultural. O amadorismo, as obras derivadas e o acesso em si têm grande valor.

    Posto isto, defendo que ficamos melhor em abolir as restrições à cópia e criação de obras derivadas, por eliminar os custos de manter o copyright e pelas vantagens que nos traz por permitir aproveitar a tecnologia que temos. Não é apenas um mal necessário mas um bem desejável.

    Eu sei que isto mistura factos e valores, mas recordo o nosso ponto de discórdia:

    «Se vai ser melhor ou pior para a cultura e entretenimento não sei.»

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  39. Oops.

    «unicamente na perspectiva da sua produção cultural.»

    Era para ser «unicamente na perspectiva da sua produção industrial».

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