sábado, novembro 11, 2006

O Debate sobre a IVG

O debate de ontem foi um experiência interessante, mas sinto que não consegui mostrar porque defendo o «não» no referendo. Fui interrompido várias vezes, e a certa altura até a moderadora do debate se manifestou a favor do «sim», mas não terá sido por isto. O debate foi agradável e informal, e estes detalhes não foram significativos.

A razão do meu insucesso ficou clara quando um membro da audiência me criticou por ter filosofias bonitas mas não convencer ninguém. E eu que pensava que o debate era para suscitar dúvidas e promover reflexão. Afinal era para convencer, e para convencer é má ideia explicar.

Muito mais convincente é a repetição de fórmulas curtas com significado aparentemente profundo. É uma questão de cidadania. O embrião não é pessoa. As mulheres são humilhadas. É culpa do dogma católico, o direito ao corpo, e assim por diante. Quando disparadas em rápida sequência (de preferência a meio da explicação da posição contrária) não deixam que a audiência questione a sua relevância para a escolha entre levar uma gravidez a termo ou matar um ser humano. Mas é preciso convicção para ser convincente, e eu não quero estar convencido. Sei bem como a convicção afecta a capacidade de autocrítica, e é a dúvida que me salva de encalhar em preconceitos.

Felizmente não convenci ninguém. Infelizmente, também não me parece que tenha levantado dúvidas. Acho que todos os que lá entraram convictos da sua posição saíram exactamente na mesma. A esses peço desculpa. Mas gostei do debate. Alguns comentários da audiência mostraram-me problemas na minha posição que não tinha considerado. Poderá a despenalização reduzir o recurso ao aborto? Parece contraditório, mas as aparências por vezes iludem. Se houver razão para concluir que sim posso ter que alterar a minha intenção de voto.

Por outro lado, o debate reforçou a minha suspeita que neste tema o que está a contar é a convicção e não a razão, e o resultado do referendo pode ser convincente com ou sem razão. Se assim for, um resultado que nos faça pensar no problema tem muitas vantagens sobre um que nos convença que é solução.

Penso que fui um dos que mais beneficiou do debate, pois levantou-me dúvidas e deu-me coisas para pensar. Por isso aqui fica o muito obrigado à Associação República e Laicidade, ao Centro Escolar Republicano Almirante Reis, e a todos que organizaram, assistiram, e participaram neste encontro.

18 comentários:

  1. «Acho que todos os que lá entraram convictos da sua posição saíram exactamente na mesma. »

    Isso não é verdade, a minha namorada não tinha posição definida antes do debate, e sente que não saiu de lá na mesma :p.


    O Ludwig fez um excelente trabalho de exposição da sua posição, mesmo apesar de ter sido, de certa forma "entregue às feras", visto que a audiência estaria (como seria de esperar) quase toda discordante da sua posição. Parabéns pela coragem de aceitar o convite e por manter a pose dadas as circustâncias. Ficámos todos a ganhar!

    (Na opinião dela o Ludwig foi, apesar de tudo o que escreve, mais convincente que quem defendeu a opinião contrária - mas, tal como o Ludiwg, será convencida se eu encontrar os dados que tinha ouvido referidos no parlamento no anterior referedo que aludiam para estimativas que apontavam para uma diminuição do número de abortos total nos países em que foram aprovadas leis análogas)

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  2. «Acho que todos os que lá entraram convictos da sua posição saíram exactamente na mesma. »

    Isso não é verdade, a minha namorada não tinha posição definida antes do debate, e sente que não saiu de lá na mesma :p.


    O Ludwig fez um excelente trabalho de exposição da sua posição, mesmo apesar de ter sido, de certa forma "entregue às feras", visto que a audiência estaria (como seria de esperar) quase toda discordante da sua posição. Parabéns pela coragem de aceitar o convite e por manter a pose dadas as circustâncias. Ficámos todos a ganhar!

    (Na opinião dela o Ludwig foi, apesar de tudo o que escreve, mais convincente que quem defendeu a opinião contrária - mas, tal como o Ludiwg, será convencida se eu encontrar os dados que tinha ouvido referidos no parlamento no anterior referedo que aludiam para estimativas que apontavam para uma diminuição do número de abortos total nos países em que foram aprovadas leis análogas)

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  3. João: se a tua namorada não tinha posição definida (ou definitiva?) então não era das que entraram convictas :)

    Obrigado pelos comentários, quer aqui no blog quer no debate. Infelizmente no debate não pude responder às questões que puseste, mas estão no papel e prometo que lá chegarei.

    Oi mana:

    É, perguntam sempre se sou parente dele. Mas à parte disso até achei que o artigo ficou porreiro, e é preciso ver que o verdadeiro objectivo não é falar de mim mas vender os espaço para anúncios que està à volta.

    Beijinhos.

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  4. Ludi,
    eu acho que conseguiste mostrar porque defendes o que defendes, mas realmente há um excesso de abstracção filosófica em alguns dos teus argumentos. E as pessoas já pensam sobre a IVG/aborto há mesmo muito tempo. Pensaram em 1998, pensam cada vez que o assunto vem à baila, pensam porque conheceram alguém que abortou, etc.

    Agora, eu continuo à espera que me expliques quando é que um crime de aborto deve passar a ser homicídio... ;)

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  5. Oi Ricardo,

    Acho que nunca vou considerar o aborto como homicidio, nem a burla como roubo à mão armada. Mas não por terem diferentes fundamentos morais; apenas por razões práticas de implementação legal que tornam conveniente distingui-los.

    E é aqui que acho que tem um papel importante a tal abstração filosófica. É que sem ela acabamos por guiar o nosso comportamento por regras ad hoc, disconexas e muitas vezes incoerentes.

    E sei que há muita gente que pensa nisto há muito tempo. Mas não é o tempo que conta, mas sim o número diferente de maneiras como pensaram o problema :)

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  6. Ainda não percebi bem a opinião do Ludwig em relação ao aborto em caso de violação. Não será possível que o futuro filho considere que o crime de violação não se sobrepõe aos seus direitos individuais?

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  7. É perfeitamente possível, e a questão ética de o matar é semelhante à dos outros casos.

    O problema é confundir duas decisões: a decisão da mãe de matar o filho, e a decisão da sociedade de a impedir que o faça.

    A primeira é moralmente semelhante em caso de violação ou sexo consensual, mas a segunda depende da legitimidade de atribuir à mulher responsabilidade pelo feto.

    Eu sou contra que se mate o feto em qualquer dos casos, mas só sou a favor de obrigar a mulher no caso dela ser responsável pelo feto. Tal como sou contra que uma criança viva sem abrigo mas só sou a favor de obrigar uma pessoa em particular a dar-lhe abrigo se essa pessoa for responsável pela criança. A diferença não está na criança (ou feto), nem na moralidade de lhe dar abrigo (ou não abortar), mas na moralidade de obrigar alguém a dar-lhe abrigo.

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  8. Então na opinião do Ludwig não é legítimo proibir de abortar uma mulher que tenha sido vítima de violação, ainda que esse aborto devesse ser evitado tanto quanto possível?

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  9. Sim. Em caso de violação deve-se a mulher deve ter a possibilidade de decidir se assume responsabilidade pela criança ou não, pois responsabilidade deve sempre depender de um acto voluntário.

    No caso do sexo consensual é esse o acto voluntário que responsabiliza o praticante, quer homem quer mulher.

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  10. Então nesse caso a pílula do dia seguinte será também um método a proibir?

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  11. Reformulando: será o recurso à pílula do dia seguinte uma prática legitimamente condenável tanto quanto o aborto?

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  12. Penso que não. Uma coisa é condenar o acto deliberado de matar um feto ou embrião saudável, implantado, e que quase de certeza vai ter uma vida longa se for poupado.

    Outra bem diferente é condenar um acto que pode matar um embrião mas que ninguém, nem a mulher, sabe se mata ou não um embrião ou, se matar, se esse embrião iria vingar. Não me parece razoável condenar um acto que nem sabemos se teve algum efeito.

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  13. A mulher sabe que o que está a fazer fá-lo porque não quer engravidar. Sabe que está, conscientemente, a tentar impedir que uma nova consciência se forme. Consciência essa que pode, um dia, vir a considerar o recurso à pilula do dia seguinte um atentado contra a vida.

    Que diferença há entre um ovo e um embrião alojado na placenta? A mulher sabe que existe uma grande possibilidade desse ovo dar origem a um filho.

    A mulher também se pode atirar das escadas abaixo às 12 semanas? Também não sabe se vai ou não matar o embrião.

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  14. Mais uma vez a dificuldade está em confundir as duas decisões.

    Destruir um organismo como nós com um futuro pela frente é imoral em qualquer fase. Mas a moralidade de punir um acto com este efeito depende também de outros factores, entre os quais a relação causal entre o acto e o efeito.

    No caso do aborto temos um conflito entre grandes valores fundamentais: a vida e o domínio do próprio corpo. E não basta considerar a moralidade da mulher pôr o segundo à frente do primeiro. O que temos que considerar é a moralidade de a impedir de o fazer. E se bem que haja muitas situaçãoes em que a escolha moral é favorecer a vida, há muito poucas em que é moralmente aceitável obrigar essa escolha.

    No caso da pílula do dia seguinte a incerteza não torna mais moral matar, mas torna mais imoral punir.

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  15. Então é igualmente imoral punir uma mulher que se atira das escadas na tentativa de abortar?

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  16. Não sei... mas se essa mulher sofre de perturbações psicológicas certamente que a lei deve tomar isso em consideração.

    Mas não me parece que esse tipo de ocorrência seja suficientemente relevante ou significativo para votar sim neste referendo.

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  17. Já agora, há algum caso desses em Portugal, em que a lei tenha punido uma mulher por tentar abortar dessa forma?

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  18. Que eu saiba não.

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