Treta da semana (passada): maus professores.
Alexandre Homem Cristo, «mestre em ciência política e especialista em políticas de educação»(1), concluiu que «Temos maus professores» e que «São alguns dos piores das gerações do presente que estão nas escolas a preparar as gerações do futuro.»(2) A metodologia é fascinante. Para avaliar cerca de cem mil professores do quadro, Cristo considerou os resultados que dez mil professores contratados obtiveram numa prova para se candidatarem a umas centenas de vagas (3). E este é um dos problemas menores da análise.
Com cem mil profissionais, seja do que for, é inevitável que uns sejam maus. Eu até encontrei alguns. Por exemplo, uma professora que tive no sétimo ano ensinou-nos que os animais nos pólos são brancos para reflectir a luz e baixar a temperatura ambiente. Quando eu perguntei se não seria para se confundirem com a neve descartou a minha pergunta e seguiu com a matéria. Essa senhora era má professora, mas o problema dela não era a ortografia, a interpretação de ditos populares ou sequer ter dito aquele disparate. Também tive professores que se baralhavam e diziam coisas erradas mas eram bons professores porque corrigiam os erros e ajudavam os alunos a aprender. E tive uma professora no mestrado que sabia a matéria mas dava as aulas lendo devagarinho umas transparências escritas à mão. A ortografia, que me lembre, era perfeita, mas aquelas aulas eram piores que estudar sozinho, com sono e em câmara lenta.
O que quero dizer com isto é que a diferença entre um bom professor e um mau professor não se mede pelos factores que Cristo considerou. Ele concluiu que os professores são maus porque «14% reprovou [...] 63% cometeu erros ortográficos (15% fez 5 ou mais erros) [...] 67% cometeu erros de pontuação» e «quem hoje frequenta os cursos da área da educação são, em média, os que têm níveis socioeconómicos mais baixos». No total, eu tive aulas com cerca de duzentos professores, uma amostra próxima do número de vagas a que concorrem os examinados nesta prova e mais representativa do que a de Cristo porque não se restringiu apenas a professores contratados. Mas nunca encontrei um professor que fosse mau por dar erros ortográficos, por dar erros de pontuação ou por ser pobre. Os maus professores foram sempre aqueles que não tinham aptidão para o ensino. O resto nunca fez tanta diferença.
Esta aptidão é uma combinação variável de características difíceis de definir e que depende da idade dos alunos, da matéria a leccionar e da personalidade do professor. Inclui a empatia necessária para compreender as dúvidas dos alunos porque, além da matéria, o professor precisa também de perceber que obstáculos cada aluno está a encontrar. Inclui a simpatia, porque aprender exige esforço e se o professor é chato ou irritante é difícil que os alunos lhe prestem atenção. Inclui a capacidade de se explicar com clareza, o que não implica uma prosa polida e gramaticalmente correcta. Há professores que conseguem melhores resultados com um “Faz assim, pá!” do que outros com a verbiagem mais erudita. Acima de tudo, exige que o professor crie uma relação de colaboração com os alunos. Por muito que saiba, um professor sem esta aptidão é menos útil do que o livro. Um problema da análise de Cristo, e da abordagem do Ministério, é que nenhuma das características que distinguem entre bons e maus professores pode ser aferida cotando erros ortográficos e perguntas da treta numa prova escrita.
Cristo diz que temos maus professores porque «é fácil tornar-se professor». A julgar pelo texto dele e pela proporção entre candidatos e vagas, suspeito que seja mais fácil tornar-se «especialista em políticas de educação» do que professor. Seja como for, para seleccionar os melhores professores é preciso avaliar as aulas e isso é que é difícil. Com cem mil professores leccionando matérias diferentes a alunos muito diferentes, seria preciso um corpo grande de avaliadores capazes não só de avaliar cada aula mas também de uniformizar os critérios para seriar professores leccionando em condições diferentes. Não é uma tarefa viável. Se o objectivo for melhorar a educação e não apenas cortar nos serviços públicos, tem de se atacar primeiro onde compensa mais. E, neste momento, o que daria mais proveito com menos custo seria acabar com as avaliações e com a propaganda contra os professores. A burocracia das avaliações consome recursos preciosos, porque são professores a tratar da papelada, e não se avalia o mais importante, que é a qualidade das aulas. O efeito da avaliação que agora temos é motivar os professores a dispersar-se por tretas em detrimento daquilo que interessa. Além disso, o problema principal do ensino em Portugal não é a qualidade dos professores. Antes de alguém propor “políticas de educação” devia passar umas horas com os alunos do ensino básico para perceber a percentagem assustadora de crianças desprovidas da educação mínima necessária para estar numa sala de aula. Estas crianças resistem a qualquer tentativa de ensino, gabando-se até do suposto feito de não aprender nada, e dificultam a aprendizagem às restantes. O expediente político de fazer dos professores bode expiatório não só lhes retira autoridade no combate a este problema como faz muitos pais pensarem que ser “encarregado de educação” é como ser o encarregado da obra, que nada faz senão mandar fazer.
Para termos melhores professores era preciso uma avaliação correcta, em vez da fantochada de avaliar por critérios sem correlação com a aptidão para o ensino, e era preciso a profissão atrair melhores profissionais do que aqueles que já a exercem. Com as condições que temos, isto exigiria um investimento enorme em avaliadores e salários. Neste momento, o mais rentável é melhorar as condições de trabalho dos professores. Quanto mais fácil for ensinar melhor será o ensino. E isso pode-se começar já a fazer, a custo zero, simplesmente descartando as medidas parvas dos últimos anos. É que mesmo que alguns professores sejam maus, os maiores estragos têm sido obra dos “especialistas em políticas educativas”.
1- Expresso, Não temos uma Educação com futuro
2- Observador, Temos maus professores.
3- Parlamento Global, Temos maus especialistas, Alexandre Homem Cristo?
Eres muy buen profesor...
ResponderEliminarY a Cristo, no sé ¿habría que volver a crucificarlo?
Olá Sérgio,
ResponderEliminarObrigado. Mas, quanto a Cristo, penso que só metaforicamente. O outro crucificaram-no mesmo, supostamente para redimir os nossos pecados, mas não parece ter adiantado de nada e eu sou sempre a favor de adaptar as metodologias conforme os resultado :)
Acrescentaria apenas que nem o facto de termos maus professores, neste contexto, é relevante, considerando que esses, como aliás a maioria dos "candidatos" a professores (candidato e professor é uma distinção bico de obra...) não vão leccionar. Que necessidade havia de ter o Secretário de vir com a sua inteligência criar um problema onde ele nem sequer existia? É sintomático, é típico dos nossos tempos de políticos possidentes... E qual é a responsabilidade desse membro do aparelho? Isto é que é grave. Quem está na mó de baixo bem pode extravasar, que não lhe faltam razões, mas quem já está na mó de cima...Vale a pena pensar no significado de mó de baixo e mó de cima. Alguém sabe o que é uma mó?
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