Estado mínimo.
Eu defendo que o propósito do Estado é maximizar a liberdade e que, por isso, deve intervir apenas quando a intervenção torna as pessoas mais livres. Apesar de favorecer políticas de esquerda em quase tudo, isto põe-me com a direita no que toca ao capitalismo e ao mercado livre. Não é que me convença a propaganda de que o capitalismo é o melhor sistema. É bom numas coisas mas é mau noutras. Simplesmente considero que é um direito de cada um comprar, vender e acumular o que lhe apetecer, apenas com a restrição de que não prive os outros de direitos igualmente importantes. Por isso, sou a favor de um Estado mínimo que garanta apenas a infraestrutura sobre a qual os indivíduos depois possam fazer as suas escolhas e não concordo que o Estado se deva imiscuir nos negócios privados, gerir empresas semi-públicas ou fazer parcerias económicas com entidades privadas. Por exemplo, há umas semanas o Banco de Portugal deu o seu aval à venda de mil milhões de euros de dívida subordinada do BES e quem confiou no regulador perdeu tudo. Não é isto que o Estado deve fazer.
Infelizmente, à direita custa aceitar o tamanho que o Estado mínimo tem de ter para poder dar liberdade à iniciativa privada. Para os privados poderem fazer e desfazer os seus negócios quando entenderem sem prejudicar a sociedade é preciso que o Estado garanta a prestação dos serviços mais importantes. Por exemplo, para que os donos das clínicas privadas possam oferecer os serviços que quiserem aos preços que quiserem, ou mudar de ramo quando quiserem, é preciso serviços públicos de saúde suficientes para servir quem deles precisar independentemente do que os privados decidam. Passa-se o mesmo com as escolas, universidades e a investigação científica e devia ser assim também com os serviços postais, telecomunicações, transportes e até com a banca. A alternativa é criar relações promiscuas entre o público e o privado que apenas juntam o que há de pior nas duas abordagens.
Os transportes colectivos são um de muitos exemplos deste problema. Ao contrário das pastelarias ou cabeleireiros, os transportes colectivos beneficiam mesmo quem não seja cliente, reduzindo a poluição, o tráfego, as necessidades de estacionamento e o consumo de combustível, e são uma peça importante na gestão de qualquer cidade. Isto não permite que se deixe estas empresas competir num mercado livre porque se uma vai à falência muita gente fica prejudicada até que outra a substitua. Se queremos que o Estado interfira o menos possível no sector privado o grosso dos transportes colectivos tem de ser um serviço público, fora das instabilidades do mercado, para que os privados possam explorar à vontade as oportunidades de negócio que surgirem sem prejudicar terceiros. Infelizmente, o que temos por cá é um molho de empresas privadas de transportes colectivos cuja actividade é controlada pelo Estado que, entre outras coisas, concede a cada uma direitos exclusivos de exploração de certos percursos. Isto nem é um serviço público nem é iniciativa privada. É uma aberração na qual os contribuintes pagam a infraestrutura – estradas e túneis do Metro, por exemplo – os accionistas recolhem os proveitos da exploração de monopólios e o Estado tem de estar constantemente a policiar tudo, o que além de ineficiente é um incentivo à corrupção.
Acontece o mesmo com a banca. Para permitir que os bancos privados actuem livremente o Estado teria de controlar uma percentagem grande do sistema financeiro. Isto não seria difícil se o Estado garantisse apenas os depósitos na banca pública, deixando os privados por sua conta. Quem quisesse segurança nos seus depósitos e tivesse garantias sólidas para obter crédito preferiria a banca pública e ficaria a banca privada com os investimentos de maior risco e mais especulativos. Dessa forma a falência de um banco privado não oneraria o Estado e afectaria apenas a parte mais volátil do sistema financeiro. Não digo que fosse um sistema perfeito, mas seria certamente melhor do que a trapalhada que agora temos, com os privados a fazer asneira, os contribuintes a pagar e um regulador que não regula.
O Estado mínimo deve ser o Estado que interfere o menos possível na actividade privada e que está claramente separado desta. É um Estado que não se mete nos detalhes dos negócios. Não faz contratos com colégios privados, não concede direitos exclusivos a transportadoras, não faz parcerias com construtoras, não diz aos bancos quando podem emitir dívida nem recomenda aos accionistas que a comprem. O que for preciso regular, da poluição às relações laborais, regula de forma genérica, transparente e sem decisões ad hoc. O Estado mínimo estipula as regras e garante a infraestrutura, seja em estradas, educação, justiça ou finanças, e o resto fica com o sector privado. Mas para o Estado ser mínimo neste sentido não pode ser pequeno. Como o lastro, tem de ter o peso que for preciso para manter o barco direito.
Uma das maiores aldrabices políticas dos últimos tempos é a propaganda do Estado sem “gorduras”, que entrega coisas importantes ao sector privado e depois confia na regulação para manter o mercado na linha. Isto só é bom para quem tem cunhas. Da certificação energética à televisão digital terrestre e da banca aos transportes colectivos é evidente a facilidade com que alguns interesses privados tomam conta da regulação. Não só pelos políticos que fazem carreira desta promiscuidade entre o público e o privado mas também porque a complexidade dos problemas muitas vezes obriga a delegar a regulação nos próprios regulados, ficando a raposa a cuidar do galinheiro. O Estado deve ser mínimo, sim, mas esse mínimo é maior do que o Estado que temos agora.
Concordo com tudo.
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