quarta-feira, agosto 13, 2014

O problema da indiferença.

Os teólogos chamam-lhe o problema filosófico do mal. O termo é enganador porque o problema a que se refere não está no mal em si. Está na hipótese de existir um ser infinitamente bondoso que tudo sabe e tudo pode. É essa hipótese que claramente não encaixa no que observamos. Mas como nas religiões não fica bem admitir erros, muita gente se tem dedicado, durante milénios, à tarefa fútil de arranjar desculpas para que um deus infinitamente bondoso permita tanta desgraça. Neste momento, a racionalização mais popular parece ser é a de que o mal existe porque Deus respeita a vontade de cada um e a liberdade é incompatível com a garantia de que só há bem e não há mal*.

Mesmo restringindo o problema ao mal – actos intencionais da vontade humana – esta justificação é inconsistente com o que observamos nos conflitos entre vontades diferentes. Se A tem vontade de fazer mal a B e B tem muita vontade de que não lhe façam mal, o que determina o resultado não é a justiça nem o respeito por quem tem mais vontade. É simplesmente a força física ou a arma mais eficaz. O que as evidências demonstram é que os deuses, se algum existir, respeitam mais a Kalashnikov do que a vontade livre de cada um.

No entanto, o problema é muito mais vasto do que o mal enquanto acto com intenção. Todos os anos morrem mais de seis milhões de crianças pequenas, de até cinco anos de idade. Morrem principalmente de pneumonia, complicações na gravidez, asfixia durante o parto, diarreia e malária (1). Não morrem por alguém ter desejado que morressem. Não é a maldade que as mata. São bactérias e protozoários, falta de alimentos e termos evoluído bípedes de crânio grande a partir de antepassados quadrúpedes, resultando na passagem de um feto cabeçudo por dentro de uma pélvis que tem de ser estreita para a mãe conseguir andar. As tragédias que ocorrem sem qualquer intenção, maldade ou culpa, como doenças e acidentes, são muito mais numerosas do que aquelas que se pode atribuir a um mal intencional. Seja como for, perante qualquer tragédia, a Natureza comporta-se exactamente como se não fosse governada com bondade, inteligência ou vontade. Para o universo, morrer o filho nos braços da mãe é o mesmo que cair uma gota de chuva num charco. Se alguma emoção governasse isto tudo não seria amor nem ódio. Seria a indiferença absoluta.

A tragédia é muito maior do que o sofrimento dos humanos de hoje. A nossa espécie já sofre há centenas de milhares de anos, os primatas há cinquenta milhões e os mamíferos há trezentos milhões de anos. E sabe-se lá quantas espécies capazes de sofrimento existiram nos quatro mil milhões de anos de vida neste planeta e em quantos outros planetas nos treze mil milhões de anos que dura este universo, imensamente mais vasto do que qualquer coisa que as religiões puderam imaginar. A indiferença do universo perante toda esta tragédia é um problema muito maior para a hipótese do deus bondoso do que os humanos serem mauzinhos de vez em quando, que não passa de um detalhe insignificante na história do sofrimento. No entanto, nada disto configura o problema filosófico que os teólogos apregoam. Distinguir entre o bem e o mal é um problema filosófico importante mas o mero facto de existir sofrimento e de ser possível agir com bondade ou maldade é filosoficamente tão misterioso como a existência da pedra-pomes ou a possibilidade de fazer croché.

O “problema do mal” é apenas o problema de insistir, contra as evidências, que este universo é governado por um ser infinitamente bondoso. A alegação não só é obviamente falsa como até é moralmente repugnante. Sem um deus desses, muita da tragédia que enfrentamos é simplesmente algo que acontece. Uma doença incurável, um acidente imprevisível. Um azar, sem maldade nem culpa. Mas se acreditarmos num deus desses temos de acreditar que toda a tragédia é maldade porque temos de acreditar que toda a doença tem cura, que todos os acidentes são evitáveis e que a tragédia só acontece porque o ser supremo não se importa com quem sofre. A indiferença natural de um universo que não pensa nem sente torna-se na indiferença cruel de um deus que se limita a apreciar o sofrimento quando o poderia evitar sem qualquer esforço. Isto não é um problema filosófico do mal. É um problema psiquiátrico da fé.

* Isto é inconsistente com a tese de que Deus e todas as almas no paraíso têm vontade livre mas são incapazes de praticar o mal. A própria teologia exige que a vontade livre seja compatível com a bondade perfeita. Mas como é melhor refutar disparates com factos do que com outros disparates remeti esta objecção para o rodapé.

1- OMS, Children: reducing mortality

16 comentários:

  1. Para o Ludwig não existe mal. Está tudo bem. Nem o problema psiquiátrico da fé, nem as religiões...O mal é um problema filosófico introduzido pela crença num Deus infinitamente bondoso.
    Mas, para mim, o mal é esse, é pensar e admitir e bater-se, por sistema e por princípio, em defesa de que o mal é uma invenção de uns fanáticos doentes do foro psiquiátrico.

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  2. Quem veio confundir tudo foram os teólogos da idade média.

    O velho Jeová do VT não era complicado por aí além.

    Quando se pegava de razões com o o Moisés partia para a porrada mesma. Lutavam toda a noite e Jeová ganhava com um certeiro pontapé nos tomates.

    Exigia adoração e sacrifícios é certo mas nunca disse que era o único deus. Gostava do culto da personalidade.

    Para provar ao diabo que o pobre do Job o ia adorar de qualquer modo não se ensaiou nada para limpar o sebo à família toda.

    Tinha senso de humor uns dias e fazia crescer hemorróidas, outros estava particularmente irritado e matava mesmo os próprios profetas por dá cá aquela palha.

    Enfim um deus um bocado bipolar.

    Não era omni nada na altura.

    Os padres da igreja é que criaram a confusão de ser omni tudo, necessário infinitamente isto e mais uma série de atributos que o próprio Jeová certamente nunca se lembraria de reivindicar.

    Depois sai uma confusão medonha.

    Não era mais fácil perguntar ao Jeová o que tem a dizer sobre isso tudo ?

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  3. «Está na hipótese de existir um ser infinitamente bondoso que tudo sabe e tudo pode» - O deus da Bíblia não parece nada infinitamente bondoso (os crentes é que acreditam que sim), tem até algumas tendências narcisistas (ele precisa de ser adorado, venerado, a todo o custo...). Isso também tem implicações, claro. Como é que um deus que quer ser venerado e que acreditem nele (e até visto como bondoso) vai usar algo como o processo evolutivo, em que não dá para deixar evidências da sua existência e actividade (tanto que não as há)? Nada inteligente. Nem seria coerente com o deus descrito na Bíblia. E, em ciência, se não há evidências... não temos como aceitar a hipótese.

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    1. Também pode ser infinitamente maléfico, basta olhar para o conto do dilúvio. Na Índia também Shiva pode queimar todo o universo apenas com uma mirada. Esso sim, a do terceiro olho.
      Parece que não necessito evidencias para ter uma hipótese, mas sim que são elas a que confirmam as mesmas. Se estiver errado aceito o puxão de orelhas do Ludwig...

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    2. «Parece que não necessito evidencias para ter uma hipótese, mas sim que são elas a que confirmam as mesmas.» - É isso mesmo que eu quero dizer quando digo "aceitar a hipótese" (é isso que dizemos em estatística, etc.). sem as evidencias não podemos confirmar (aceitar) a hipótese.

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  4. Ludwig,

    Em minha opinião, devias aplicar à tua reflexão sobre o mal o tipo de horizonte que é normalmente aplicado, por exemplo, na teoria da evolução: o da mastodôntica complexidade, a par da multiplicidade de cenários possíveis numa escala temporal que escapa à nossa percepção. A infinitude de cenários possíveis no drama da existência humana torna praticamente indecifrável a razão de ser das tragédias que nos assolam. De quantas tragédias pessoais se retiraram benefícios nalgum campo? (daí também a razão de ser da expressão popular “Deus escreve direito por linhas tortas”), e estas, são as que, no curtíssimo espaço temporal de uma vida, somos capazes de entender, quantas não existirão, numa complexíssima trama interligada que se distribuem por séculos, milénios, todas exactamente com uma razão de ser?

    Poderás argumentar que tamanha complexidade é e será incognoscível, mas não é relevante para a afirmação que fazes no fim da tua análise, a de que um deus infinitamente bondoso que permite a tragédia adopta uma postura moralmente repugnante. Não tens dados suficientes para afirmar isto, porque não te é possível visionar toda a massiva cadeia de eventos que lhe está associada na origem e no resultado para lhe afectar um efeito moral negativo, exactamente da mesma forma que não consegues, para citar um exemplo sobejamente conhecido, determinar quando e como um bater de asas de uma borboleta algures no norte da Europa irá despoletar um ciclone no Japão.

    E, bem, não me parece um exercício assim tão fútil tentar entrever, dentro da condição de possibilidade do conhecimento humano, o sentido da permissão de tais eventos por parte de um ser que não pode ser mau. Mas isto agora, cada um escolherá os seus exercícios de acordo com os respectivos apetites :)

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  5. Se Deus não existe, não existe "problema no mal".

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  6. Caro Ludwig,

    Se os ateus (eu creio que se define como ateu, certo?) não acreditam num ou mais deuses, o mal existe porque existem pessoas que classificam bem e mal, é assim tipo princípio antrópico. Não percebi qual o motivo deste post...

    Quanto à dificuldade de justificar o bem e mal e como os teólogos medievais eram muito originais, a minha favorita é do pensamento islâmico e diz respeito à história de 3 irmãos. Um era bom e quando morreu foi para o paraíso, outro eram mau e foi para o inferno e o terceiro morreu quando era criança e foi para um limbo.
    Este último queixou-se a Deus dizendo que ao não ter tido a possibilidade de crescer, também perdeu a possibilidade de ganhar o paraíso como o primeiro irmão, ao que Deus respondeu que se ele tivesse vivido mais tempo ter-se-ia tornado mau; aí o irmão que foi para o inferno queixou-se pois, se Deus o tivesse morto quando criança, também tinha evitado o inferno.
    A resposta dos teólogos islâmicos é que ao argumentar que nada pode ser imposto a um Deus omnipotente e por isso nenhuma acusação de injustiça pode ser levantada contra Deus.
    Esta história e outras sobre outras religiões pode ser encontrada num livro de Trevor Ling publicado em Portugal pela Editorial Presença com o título "História das religiões".
    De resto, outra argumentação bem mais antiga e também interessante é o chamado Dilema de Eutífron que foi formulado por Platão, aparentemente a citar o seu mestre Sócrates. Na net há descrições aos pontapés deste dilema e de como as religiões o evitaram.

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  7. Nuno,

    «A infinitude de cenários possíveis no drama da existência humana torna praticamente indecifrável a razão de ser das tragédias que nos assolam.»

    Essa é uma hipótese. No entanto, é uma hipótese pior do que pelo menos uma alternativa que não depende de haver uma razão de ser indecifrável para as tragédias que nos assolam.

    A hipótese da teologia cristã é desnecessariamente complexa e, além disso, priva-nos da possibilidade de compreender as coisas. Porque postula que o universo é regido por um ser infinitamente sábio, poderoso e benevolente e depois tem de postular que esse ser age de formas totalmente misteriosas por razões indecifráveis para conciliar a primeira premissa com o que se observa. Mas é muito mais simples descartar ambas as premissas, ganhando não só uma explicação mais elegante mas também abrindo a possibilidade de investigar-mos o porquê das coisas, que agora deixam de ser mistérios indecifráveis.

    «Poderás argumentar que tamanha complexidade é e será incognoscível, mas não é relevante para a afirmação que fazes no fim da tua análise, a de que um deus infinitamente bondoso que permite a tragédia adopta uma postura moralmente repugnante. Não tens dados suficientes para afirmar isto, porque não te é possível visionar toda a massiva cadeia de eventos que lhe está associada na origem»

    Não é relevante. Se o médico tratou o doente o melhor que pode mas o doente ainda assim morreu, não há nada aqui moralmente condenável. Mas se o médico podia ter curado o doente e não o fez, é-me legítimo concluir que o médico agiu de forma reprovável porque devia ter curado o doente. Se tu tiveres o poder de curar todas as doenças do mundo estalando os dedos eu concluo que será imoral da tua parte não o fazeres. Alegar que há razões incognoscíveis para isto é que é irrelevante para as minhas conclusões, tal como o assassino alegar que há razões incognoscíveis que justificam o que fez não vai convencer o juiz a declará-lo inocente.

    Se há um deus omnipotente e omnisciente, então tudo o que acontece acontece porque ele o permite quando poderia ter evitado. Ou seja, tudo é parcialmente responsabilidade dele e muito – o que não acontece por vontade de mais ninguém – é da inteira responsabilidade dele. Enquanto que um tsunami que acontece sem que ninguém o possa impedir é um acontecimento moralmente neutro, se alguém sabia que ia acontecer, podia impedir mas nem sequer impediu nem avisou ninguém, então esse alguém é moralmente responsável e o sucedido passou a ser algo moralmente condenável.

    «não consegues, para citar um exemplo sobejamente conhecido, determinar quando e como um bater de asas de uma borboleta algures no norte da Europa irá despoletar um ciclone no Japão.»

    Certo. Por isso é que nem a borboleta pode ser moralmente culpada pelo ciclone nem eu sou responsável por não ter soprado a seguir para evitar esse mal. Mas um ser omnisciente e omnipotente já é responsável por não ter agido de forma a evitar o ciclone porque podia fazê-lo e sabia exactamente o que iria acontecer.

    A única hipótese que resolve este problema é a de que este universo que temos é o melhor universo possível, em que tudo o que acontece acontece exactamente da forma a resultar nas melhores consequências, considerando todos os tempos e todos os envolvidos. Mas essa forma de pensar implica descartar por completo a ética, precisamente porque declara irrelevante o problema de tentarmos nós decidir o que é melhor ou pior.

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  8. Lucas,

    O problema ético de decidirmos o se há bem e mal, o que são e como isso deve condicionar o que fazemos é um problema independente de qualquer deus ou deuses que existam ou não existam. Porque mesmo que deus exista e me manda matar o meu filho, eu terei o problema de decidir por mim se isso é uma ordem boa ou má.

    Aquilo que os teólogos chamam “problema do mal” não tem nada que ver com isto. É simplesmente o problema de assumir que isto tudo é governado por um ser infinitamente poderoso, sábio e bondoso e mesmo assim ser o que se vê. Mas esse problema é simplesmente o problema de assumir a premissa errada. Se eu assumir que a Lua é feita de queijo também vou ter um “problema da poeira e rochas” quando alguém me mostrar do que é que a Lua é mesmo feita, e vou ter de invocar factores incognoscíveis para explicar porque é que aquilo que parece poeira e rocha afinal é realmente queijo.

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    1. Ludwig, tu disseste:

      " à tarefa fútil de arranjar desculpas para que um deus infinitamente bondoso permita tanta desgraça."

      Eu digo, se Deus não existe, não existem "desgraças"

      "O problema ético de decidirmos o se há bem e mal, o que são e como isso deve condicionar o que fazemos é um problema independente de qualquer deus ou deuses que existam ou não existam."

      Exacto. Cada ser humano/grupo/país/cultura decide por si o que é o "mal" e o "bem"

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  9. António,

    O motivo deste post era explicar que aquilo a que os teólogos chamam o problema do mal – explicar como é que um universo regido por um ser infinitamente sábio, poderoso e bondoso tem tanta tragédia – não é um problema filosófico mas mera consequência de insistirem numa premissa disparatada.

    Esses dilemas que mencionas revelam um problema diferente, que vem de assumir que a noção de bem e de mal provêm do deus. Basicamente, a questão de se é bem ou mal porque o deus diz que é bem ou mal ou se o que o deus diz é bem ou mal porque o deus também se rege por um princípio soberano que distingue entre o bem e o mal. No primeiro caso temos o problema do bem e do mal dependerem dos caprichos do deus. No segundo o problema de não ser preciso deus para nada. É claro que este segundo só é problema para quem quer um deus.

    Mas apesar de ser um problema diferente, concordo que a solução é semelhante. Se descartarmos os disparates religiosos o problema, como formulado pela teologia, desaparece. É claro que resta o problema de decidirmos como classificar actos de bem ou mal e como usar isso para guiar o que fazemos, mas esse problema temos sempre, mesmo que finjamos não o ter.

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  10. Lucas,

    Estás enganado acerca do que é a ética. O problema ético não é o de descobrir o que é que A, B ou C querem. Não é cada um decidir o que prefere nem cada grupo ou povo escolher arbitrariamente a sua moral. Nem sequer é um deus decidir o que é bom ou mau só porque é deus.

    O problema da ética é decidir o que é bom ou mau de uma forma universal, que seja válido independentemente dos costumes, hábitos ou preferencias de cada um.

    Esse problema persiste quer haja Deus ou não. Quando tu optas por deixar a alguém, seja deus ou pessoa, seja real ou imaginário, a tarefa de decidir o que é bom ou mau não estás a resolver o problema ético. Estás a fugir dele. Da mesma forma, se não existe deus nenhum continua a haver exactamente o mesmo problema ético.

    Uma grande chatice das religiões é que são anti-ética, obrigando os crentes a fechar os olhos ao verdadeiro problema porque esse problema exige que pensem por si em vez de apenas acreditar no que lhes dizem...

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  11. Este comentário foi removido pelo autor.

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  12. O problema da ética, mais do que filosófico, é prático, ou seja, é o das exigências da ética, é o da normatividade, que pode ser jurídica, meramente moral, ou religiosa.

    Dizer que as religiões são antiética não é nada ético, mas não cai na alçada jurídica, ou moral.

    Fabricar anticoncepcionais e usar anticoncepcionais, por exemplo, em condições normais, não levanta problemas éticos, morais ou jurídicos, mas levanta questões religiosas aos católicos.
    Não diria questões ético-religiosas, que também ocorrem na religião, mas tão simplesmente questões religiosas.

    O católico sabe que o problema, neste caso, não está em decidir o que é bom ou mau de uma forma universal, mas em aceitar e seguir a doutrina da Igreja, cujos critérios de bom ou mau, no exemplo apresentado, não são os mesmos, tendo a ver, talvez, com virtudes cristãs que, fora da Igreja, são desvalorizadas e que, numa visão ateísta, podem não fazer sentido.

    Neste caso, o católico sabe que tem uma exigência do foro pessoal que só se torna ética na medida em que ele pertence a uma comunidade a cujos preceitos se vinculou.

    De alguma forma a ética está ligada a um dever. Perante os outros, temos deveres éticos, coercíveis, mas perante Deus os nossos deveres são íntimos e pessoais e incoercíveis.

    Se há religiões que são antiéticas isso é um problema do (des)encontro de visões, concepções, entre éticas.

    Mais correcto seria, então, dizer que há éticas em conflito, ou seja, o Ludwig ao posicionar-se do lado da ética está a considerar que só existe uma ética, quiçá a dele, mas isso é obviamente falacioso.

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