sexta-feira, dezembro 02, 2011

A (i)moralidade do free ride.

Numa discussão enterrada em comentários, o Wyrm e o João Vasco defenderam que a copiar de graça obras sob exploração comercial é imoral por ser free riding, aproveitar-se do investimento de outros sem dar qualquer contributo. Acrescentou também o João Vasco que, se é preciso ponderar vários direitos, há margem para discordar legitimamente acerca da moralidade da cópia: «Se admites que há dois pratos na balança e só é imoral quando um prato pesa mais que o outro, e que a tua percepção é que este pesa muito e o outro pesa pouco, é fácil discordar, basta ter a percepção de que aquele que dizes pesar pouco pesa bastante mais.»(1) Mas o problema é mais claro do que isto.

Vou assumir que as consequências de um acto são importantes para avaliar a sua moralidade, de tal forma que, se um certo acto é moralmente aceitável, então um outro acto que tenha as mesmas consequências será também moralmente aceitável. Se alguém defender o contrário, que dois actos com as mesmas consequências podem ter valores morais muito diferentes, tenho de exigir uma boa justificação para isso. À partida, não faz sentido que assim seja, e penso que o João Vasco, pelo menos, concordará com este princípio.

Isto ajuda a compreender porquê, e quando, é que o free riding é imoral. Penso ser consensual que cancelar o contrato com a EDP e, às escondidas, ligar a minha casa à rede eléctrica seria um exemplo de free riding e seria imoral. A questão interessante é porquê. Muitos dirão que isto é imoral porque, se muita gente o fizer, a distribuição de electricidade deixa de ser rentável. O problema económico do free riding é esta perda de um bem útil por haver poucos que o paguem. A premissa é que esta consequência faz pender o tal “prato da balança” e justifica classificar o acto de imoral. Mas este raciocínio tem de estar errado porque reconhecemos a qualquer pessoa o direito moral de não ter contrato com a EDP. Até mesmo se, no limite, o exercício desse direito por parte de muitas pessoas destruir a rentabilidade comercial da distribuição. Por isso, a imoralidade de usar electricidade da rede sem pagar tem de se justificar por outras consequências que distingam este acto do simples cancelamento do contrato. Neste caso, o problema moral vem de usar aquela electricidade, um bem escasso, aumentando os custos de produção e reduzindo a disponibilidade de energia para os outros que pagam por ela. É isto, e não o perigo do colapso do sistema, que torna este acto imoral.

Podemos aplicar os mesmos critérios à cópia privada de obras sob exploração comercial. É preciso pesar os “pratos da balança”, mas tanto o João Vasco como o Wyrm (e qualquer pessoa que conheço) reconhecem ser um direito moral de cada individuo não comprar um CD ou DVD, mesmo que o exercício desse direito por parte de muita gente leve as editoras à falência. Assumindo que dois actos com as mesmas consequências são moralmente equivalentes, só podemos considerar imoral o acto de copiar um DVD ou CD para usufruir gratuitamente da obra se esse acto tiver consequências para além de não se comprar o CD ou DVD. Mas, ao contrário do exemplo da electricidade, neste caso não há outras consequências. Copiar um CD, mp3, avi ou algo do género não consome nenhum bem escasso nem encarece a produção, nem tem qualquer efeito para além da eventual venda perdida. Por isso, não é razoável classificar de imoral a decisão de não comprar tendo copiado se aceitamos como moralmente legítimo não comprar sem ter copiado.

Além disso, se não comprar é um direito moral quer se copie quer não, visto as consequências serem as mesmas, então é imoral coagir a compra restringindo a cópia. Medidas como “regular” a cópia privada, proibir a partilha ou proteger pela lei as restrições digitais não são uma forma aceitável de resolver o suposto problema de free riding. Digo "suposto" porque não me parece ser um problema a exploração comercial de uma obra ficar em risco por cada um só comprar o que quer. Mas se o free riding puser em causa a criação de algo que queremos incentivar, então a solução mais justa é usar o dinheiro dos impostos. É o que se faz com muitos problemas deste tipo, desde bibliotecas públicas e escolas de arte até à defesa nacional. Imoral é tentar obrigar as pessoas a comprar, seja por via legal seja inventando obrigações morais.

1- O argumento moral.

126 comentários:

  1. «Por isso, a imoralidade de usar electricidade da rede sem pagar tem de se justificar por outras consequências que distingam este acto do simples cancelamento do contrato. Neste caso, o problema moral vem de usar aquela electricidade, um bem escasso, aumentando os custos de produção e reduzindo a disponibilidade de energia para os outros que pagam por ela.»

    Começas por errar aqui. Um bom exemplo é o metropolitano às 23h. As carruagens estão quase vazias, e o custo marginal de um passageiro numa das suas viagens é irrelevante.
    Se o António usar sempre o metropolitano a essa hora, no fim de cada mês fizer uma transferência ao metropolitano no valor de um euro, e evitar pagar o passe de 20e, saltando sempre pelas portas, ele está a oferecer à companhia muito mais do que aquilo que alegas que rouba - o custo marginal de transporte - e ainda assim está a ser imoral. Porque é evidente que não importa apenas o custo marginal.

    Na verdade a diferença ao nível das consequências entre todas as pessoas escolherem não pagar electricidade e não a terem, ou toda a gente roubar à rede é outra:

    No primeiro caso ninguém tem electricidade, mas isso é o cenário que maximiza a utilidade, visto que aquilo que as pessoas estariam dispostas a pagar por esse serviço seria inferior ao custo do mesmo.
    No segundo caso ninguém tem electricidade, mas isso é pior para todos. Cada uma das pessoas estaria disposta a pagar, mas como considerou que individualmente era melhor ter o serviço sem pagar, colectivamente ficaram todos a perder. É o cenário previsível e estúpido do jogo do prisioneiro - a ausência de cooperação.

    Aqui o relevante não é o custo marginal roubado, nem podia ser. Se assim fosse, cada pessoa queria ser o último cliente, cujo custo marginal é muito inferior ao dos restantes.
    O relevante é mais profundo e é mesma razão pela qual roubar é geralmente errado, é o dilema do prisioneiro: se cada um pode furtar, cada um vai furtar quando isso lhe é conveniente, e depois sujeita-se a que os outros lhe possam fazer o mesmo, e acaba por estar numa situação pior do que se ninguém pudesse roubar.


    Agora imagina que existe uma aldeia, e nessa aldeia o Matias propõe o seguinte aos companheiros: ele faz um belo espectáculo de fogo de artifício, e cobra 2 moedas a cada aldeão, mas só faz o espectáculo se todos os aldeões pagarem.
    Eles são 100 no total, e o espectáculo custa-lhe 50 moedas, pelo que ele ganha 150 moedas pelo seu esforço a organizar tudo. Nada mau.

    Os aldeões vêm um espectáculo lindo, e vamos supor que cada um estaria disposto a pagar até 5 moedas por espectáculo tão lindo. No seu total, ganharam 300 moedas com o evento. Todos estão a ganhar e não é pouco.

    Mas o Jeremias quer ganhar ainda mais, e no ano seguinte recusa-se a pagar. Sabe que verá o espectáculo à mesma, e assim ganhará 5 moedas em vez de 3.

    Conhecendo o exemplo do Jeremias, metade dos aldeões faz o mesmo. O Matias já só tem um lucro de 50 moedas, mas os aldeões dividem-se em dois grupos: os que estão a pagar o espectáculo, que ganham 150 moedas, e os que estão a vê-lo gratuitamente, que ganham 250 moedas.

    Outros 30 aldeões indignam-se com o facto de estarem a pagar o espectáculo aos outros que se recusam a contribuir. Dizem que eles também não pagam. Por tão poucas moedas de receita o Jeremias já não faz o seu espectáculo.


    Será a atitude do Jeremias imoral? Se a consequência previsível dessa escolha era prejudicar toda a aldeia, temos de considerar a hipótese. Tu pareces nem sequer a colocar.

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  2. O custo da electricidade é igual para qualquer cidadão embora os custos de distribuição sejam diferentes, um gajo expropriado pela barragem de Castelo de Bode, pagou nestes 60 anos o mesmo por kw/hora que um Lisboeta (isto apesar de nas horas em que é preciso descarregar a toda a força) muitas vezes (cada vez menos)o consumo não corresponde à capacidade de produção (e literalmente o consumidor dos bairros sociais de Ferreira do Zêzere transplantado há 60 anos e expropriado por meia dúzia de tostões (numa zona onde a precipitação de 1200 litros/ano leva a sobrecargas de custo zero ou quase) nem por isso beneficia de uma obra que o arruinou
    Logo isso da ex cassez e da i moralidade acho por bem que façam puxadas e se grelhem ocasionalmente nos cabos

    poder-se-ia talvez contrapor que a cópia de CD's e DVD's é um crime contra a propriedade que afecta menos vítimas
    (ou que a propriedade de algo mais virtual do que físico....e nisto uma corrente de electrões também é algo discutível para comparar

    Se todos deixassem de pagar a electricidade ela deixaria de ser produzida e distribuida
    Mas se todos deixarem de comprar CD's haverá sempre alguém que grave e divulgue música (nem que seja para oferecer em campanhas políticas

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  3. E tal como isto dos blogues, que se desfazem por tudo e por nada, tamém hágente que prefere comprar um bem físico
    (dá mais status e etc comprar um rolex e um cd e tê-lo em casa que comprar uma cópia-pirata de qualquer dos dois)
    logo o que diminui é o lucro das empresas discográficas
    (que imprimem labels e metem cd's em caixas ou os distribuem por um custo via net)
    Resumindo tanto uma como a outra defraudam essencialmente o fisco uma vez que uns pagam imposto pelo que adquirem (e cumprem a sua função sucial) e os restantes escapam ao pagamento das suas dívidas sociais

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  4. João Vasco,

    «Um bom exemplo é o metropolitano às 23h […] ainda assim está a ser imoral»

    Se assumes que andar de borla no metropolitano a essa hora tem as mesmas consequências de não andar no metropolitano (i.e. não pagar, mais nada) então não aceito, sem qualquer justificação adicional, que seja imoral. Venha de lá essa justificação.

    Se é imoral porque há diferença (ocupa espaço, desgasta o equipamento, entra em propriedade privada sem autorização) então tens de mostrar que essa diferença também existe no caso da cópia de CDs. De outra forma o exemplo é irrelevante. Seja como for, falta-te justificar aqui qualquer coisa...

    «No primeiro caso ninguém tem electricidade, mas isso é o cenário que maximiza a utilidade, visto que aquilo que as pessoas estariam dispostas a pagar por esse serviço seria inferior ao custo do mesmo. No segundo caso ninguém tem electricidade, mas isso é pior para todos.»

    Isto assume que é moralmente obrigatório agir de forma a maximizar a utilidade total. Discordo que assim seja. Por exemplo, supõe que a utilidade total para nós os dois é maximizada se ambos tivermos acordo com a mesma companhia distribuidora de electricidade. Mesmo assim eu defendo que qualquer um de nós continua a ter o direito de decidir se quer ou não comprar os serviços dessa empresa, e nenhum de nós é moralmente obrigado a fazê-lo.

    «É o cenário previsível e estúpido do jogo do prisioneiro - a ausência de cooperação.»

    Não discordo. Discordo apenas da premissa de que é sempre imoral agir de forma diferente daquela que optimiza a utilidade total. Por exemplo, se todos sairmos com os carros às 9:00 criamos um engarrafamento e a utilidade total é reduzida. Isto implica que é melhor que cada um saia a uma hora ligeiramente diferente, para minimizar esse efeito. Mas não implica que seja imoral sair com o carro às 9:00.

    «Será a atitude do Jeremias imoral? Se a consequência previsível dessa escolha era prejudicar toda a aldeia, temos de considerar a hipótese. Tu pareces nem sequer a colocar.»

    A consequência previsível da escolha do Jeremias é (por hipótese, mas pouco realista) que toda a gente acaba por desistir de pagar. No entanto, a responsabilidade moral por todas as decisões dos outros não pode ser imputada ao Jeremias. Cada um é responsável apenas pela sua decisão de pagar ou não. E, nessa perspectiva, não vejo como se pode considerar imoral da parte do Jeremias decidir que não quer pagar 2 moedas para ver fogo de artifício – independentemente do que o motiva a decidir dessa forma. No fundo, o Jeremias não está a agir de forma mais imoral do que todos os que decidam não pagar.

    Se decides imputar todo o custo ao Jeremias, e dizer que a escolha dele é imoral porque custa 500 moedas a todos os aldeões (o valor que eles dão ao fogo de artifício), mais sentido ainda faria culpar o Matias, e dizer que o Matias estava a agir de forma imoral por não pagar ele os foguetes do bolso e dar o espectáculo à borla.

    É por isso que digo que optimizar a utilidade total não é, por si só, uma obrigação moral. O Matias tem o direito moral de, se não quiser, não dar espectáculo nenhum, mesmo que isso custe 500 moedas de prazer aos aldeões. E o Jeremias tem também o direito moral de não pagar, mesmo que isso resulte em não haver espectáculo.

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  5. «Se assumes que andar de borla no metropolitano a essa hora tem as mesmas consequências de não andar no metropolitano (i.e. não pagar, mais nada) então não aceito, sem qualquer justificação adicional, que seja imoral. Venha de lá essa justificação.»

    Por acaso pensei que este exemplo seria tão intuitivo, que seria tão evidente a imoralidade do acto, que tu próprio tivesses de procurar forma de conciliar a tua moral com esta evidência: é imoral andar no metropolitano às 23h sem pagar. E realisticamente o custo por passageiro é mesmo nulo.

    «Isto assume que é moralmente obrigatório agir de forma a maximizar a utilidade total.»

    Não assume nada disso.
    Mas assume que existe relação entre as consequências (em particular a sua utilidade) e a moralidade.


    «A consequência previsível da escolha do Jeremias é (por hipótese, mas pouco realista) que toda a gente acaba por desistir de pagar.»

    A consequência provável deste tipo de decisões é contribuir para que toda a gente fique impossibilitada de pagar. Pelo processo cria-se uma situação de injustiça em que muitas vezes os menos egoístas pagam aos mais egoístas (neste exemplo o Matias não aumentou os preços, mas na vida real muitas vezes isso ocorre).

    É verdade que o Jeremias em si não causou um dano de 450 (500-50) moedas à sua comunidade. Mas deu um contributo significativo para esse dano.


    As pessoas costumam designar atitudes como as do Jeremias como sendo de «chico-esperto» e considera-las imorais. A nossa intuição moral é essa.


    Agora imagina que 10 amigos querem comprar uma antena parabólica para uma quinta de todos onde costumam fazer festas. Todos eles querem a antena, e estão mais do que dispostos a pagar por ela. Cada um pagaria até o seu custo integral, mas vão dividi-lo por 10.
    Mas não, porque o Jeremias, que quer tanto a antena como os seus amigos para ver os jogos de futebol com eles, sabe perfeitamente que não precisa de pagar um tostão. Diz que se recusa a pagar, pois sabe que o custo da antena será paga pelos seus amigos.

    Agora se isto para ti não é uma atitude indecente e imoral, tens uma moral tão bizarra que deverias suspeitar ter falhado alguma coisa algures.

    Se é uma atitude indecente e imoral, explica porquê, e creio que isso ajudará a compreender o problema.

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  6. A Questão é que se não existisse pirataria, as pessoas não iriam consumir o produto, porque quem tem dinheiro não se está a massar para andar a piratear a todo o tempo.
    As empresas discográficas apresentam a pirataria como prejuízo, mas como elas sabem que iriam vender? Deveria ser apresentada como não lucro.
    Não ganha a discográfica mas ganha a marca de cds virgens ou mais recentemente as empresas de dispositivos amovíveis, pens e discos externos.

    O artista ganha uma ninharia comparado com o lucro da editora, sai mais barato por o cd de borla na net e vender o concerto, porque quem gosta até vai ao concerto e acontece muita vez que quem pirateia algo comprar o original, pois o pessoal tem fracos recursos e não pode arriscar a apanhar barretes por ai, porque o que não falta é coisa de má qualidade.

    Imoral? Creio que a imoralidade está no sistema, bombardeiam-te com publicidade, para consumir, comprar e tudo mais, mas depois fixam preços proibitivo para as massas e ainda se queixam que as pessoas pirateiam!

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  7. Armando Quintas,

    Eu nem vou discutir a questão da música, porque conheço pouco.

    Mas em relação aos filmes de cinema, os preços não são excessivos, e se são ninguém é obrigado a ver os filmes.

    Mas acho que tudo isso passa um bocado ao lado do argumento do Ludwig e de porque é que é um mau argumento.

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  10. «bombardeiam-te com publicidade, para consumir, comprar e tudo mais, mas depois fixam preços proibitivo para as massas e ainda se queixam que as pessoas pirateiam»

    Sobre isto devo dizer o seguinte: se o Mário fizer umas pulseiras azuis banais que custem 1 moeda a produzir, e depois as publicitar de tal forma que tem milhares de pessoas a querer comprá-las por 50 moedas, é evidente que quem as rouba está a fazer algo imoral. Claro que o Mário se vai «queixar» se isso acontecer.

    Eu estou à vontade para falar, porque realmente lamento bastante a forma como as pessoas se deixam influenciar pela publicidade, não é de agora.
    Mas as pessoas têm de ser responsáveis pelas suas escolhas aprender a não se deixar manipular dessa forma. Isto não é só na música, é em relação a todo o consumo. É preciso que os consumidores sejam encorajados a sentir este «empowerment», esta responsabilidade.

    Por isso, se colocarmos a questão da publicidade de lado, resta a questão de saber se é imoral ou não actos como os do Jeremias do exemplo anterior.

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  11. João Vasco,

    «é imoral andar no metropolitano às 23h sem pagar. E realisticamente o custo por passageiro é mesmo nulo.»

    Intuitivamente, andar de metro sem pagar é diferente de não andar de metro porque afecta todas as outras pessoas que estão no metro. Intuitivamente, o pior de andar de metro é haver uma data de gente a fazer o mesmo. Por isso, intuitivamente é imoral andar de metro sem se pagar, porque se está a incomodar os outros sem contrapartidas. O problema do teu cenário é que é contra-intuitivo. Estás a partir do princípio de que, naquela situação, andar de metro sem pagar é o mesmo, para todas as outras pessoas, do que não andar de metro. Mas, nessas circunstâncias não pode ser imoral andar de metro sem pagar. Como justificas ser imoral fazer algo cujas consequências são exactamente as mesmas de um acto moralmente permissível? Essa é a questão fundamental da qual tentaste fugir com a tua intuição acerca de um cenário contra-intuitivo.

    «Agora imagina que 10 amigos querem comprar uma antena parabólica para uma quinta de todos onde costumam fazer festas. [...] o Jeremias, que quer tanto a antena como os seus amigos para ver os jogos de futebol com eles, sabe perfeitamente que não precisa de pagar um tostão. Diz que se recusa a pagar, pois sabe que o custo da antena será paga pelos seus amigos.

    Agora se isto para ti não é uma atitude indecente e imoral, tens uma moral tão bizarra que deverias suspeitar ter falhado alguma coisa algures.»


    Se por imoral referes fazer algo que não se tem o direito moral de fazer (ou seja, tendo uma obrigação moral de agir de outra forma) então tenho de concluir que o Jeremias não fez nada de imoral, porque neste cenário presumo que a participação na vaquinha é estritamente voluntária. Imoral seria que o Jeremias, só porque os amigos tivessem esta ideia, ficasse obrigado a participar.

    Se por imoral referes fazer algo que não é tão moralmente louvável quanto a opção mais moralmente louvável, então concordo. Nesse sentido, para não ser imoral, o Jeremias teria de ter pago a antena e oferecido tudo aos amigos.

    A questão que te ponho, para esclarecer, é esta: se uma pessoa propõe aos amigos comprarem todos uma antena parabólica em conjunto, os outros têm a obrigação moral de concordar? Se não, então concordas comigo que o Jeremias agiu de acordo com os seus direitos morais.

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  12. «Intuitivamente, andar de metro sem pagar é diferente de não andar de metro porque afecta todas as outras pessoas que estão no metro.»

    Afecta directamente e indirectamente.
    Quando existe um custo marginal, a forma como os outros são prejudicados é evidente.
    Mas se todos pagarem os respectivos custos marginais, os custos fixos ficam por pagar.
    Tu dizes que as pessoas não têm obrigação moral de viabilizar um negócio, e que portanto não é por terem uma atitude que, se generalizada, impede esse serviço de funcionar (dispondo-se a pagar apenas custos marginais e não custos fixos) que estão a ter uma atitude imoral.
    Para dizeres que esta obrigação não existe dás exemplos de casos em é evidente que essa obrigação não existe: alguém quer vender sardinhas com morango, e ninguém lhe compra o produto.
    Mas aí, as consequências de não comprar o produto são positivas no seu global. Que uma escolha com consequências positivas no seu global não seja imoral é diferente de uma escolha que no global tem consequências negativas e que prejudica terceiros.


    «A questão que te ponho, para esclarecer, é esta: se uma pessoa propõe aos amigos comprarem todos uma antena parabólica em conjunto, os outros têm a obrigação moral de concordar? Se não, então concordas comigo que o Jeremias agiu de acordo com os seus direitos morais.»

    Depende. Novamente aplica-se a distinção anterior.

    Supõe que o custo por amigo (dividindo pelos restantes interessados) é 1 moeda, e a pessoa não estaria disposta a pagar uma moeda por esse serviço. Nesse caso não existiria nada de imoral em escolher não participar.

    Supõe, por outro lado, que se pessoa só pudesse ter acesso a esse serviço pagando uma moeda, ela aceitaria sem hesitar. Mas como ela sabe que mesmo que não pague os amigos vão comprar a parabólica e ela vai poder usufruir do serviço, percebe que não perde nada com esta opção, e por essa razão não paga.

    Esta segunda situação é imoral. Aliás é tão imoral que realisticamente quando algo semelhante acontece pode realmente ocorrer a discussão «pois, pois, não pagaste a parabólica, mas não perdes um jogo», uma crítica ao comportamento como claramente imoral, geralmente defendido desta forma «já que a parabólica está paga seria parvo não ver o jogo. Mas acredita, eu nunca pagaria uma moeda do meu bolso para ver esses jogos. Para mim é muito caro.»

    Ou seja, o comportamento é visto como imoral ou não consoante a recusa em pagar a sua parte dependeu da «chico-espertice» de imputar os custos fixos aos outros, ou da preferência pessoal (não estar disposto a pagar uma moeda pelo serviço).

    Neste ponto não me parece nada que a nossa intuição moral falhe.
    Uma atitude que prejudica os outros mais do que beneficia o próprio muitas vezes ultrapassa um limiar: além de não ser a moralmente mais correcta, é mesmo moralmente errada. Podem existir excepções, mas são estas que devem ser justificadas.

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  13. João Vasco,

    «Tu dizes que as pessoas não têm obrigação moral de viabilizar um negócio, e que portanto não é por terem uma atitude que, se generalizada, impede esse serviço de funcionar (dispondo-se a pagar apenas custos marginais e não custos fixos) que estão a ter uma atitude imoral.
    Para dizeres que esta obrigação não existe dás exemplos de casos em é evidente que essa obrigação não existe»


    Não é bem esse o meu argumento. A generalização que proponho é que se presuma como moralmente aceitável um acto que tem apenas as consequências iguais às de outro acto que consideramos moralmente aceitável. Tu aoi

    Quanto a não haver esta obrigação, eu proponho que não há nos casos que interessam para esta discussão: compra de CDs, bilhetes de cinema, etc.

    «Mas aí, as consequências de não comprar o produto são positivas no seu global.»

    Supõe que um saco de flgrp custa 20 moedas, que eu e tu só temos 10 moedas cada um e que o valor total desse saco, para nós, é de 30 moedas. Em que situações propões que eu tenho a obrigação moral de contribuir 10 moedas para que possamos comprar essa coisa (supõe que mais ninguém pode ajudar-te a comprá-la):

    A- Meio saco de flgrp vale 25 moedas para ti e 5 moedas para mim, por isso eu não quero participar neste negócio visto que saía a perder 5 moedas.
    B- Meio saco de flgrp vale 15 moedas para cada um de nós mas eu não gosto de fazer negócios contigo e por isso não quero participar na vaquinha.
    C- Meio saco de flgrp vale 15 moedas para cada um de nós mas eu sou da opinião que flgrp devia ser gratuito para todos e, não querendo ir contra os meus princípios, não quero participar na vaquinha.
    D- Eu tenho uma máquina de replicar flgrp que produz um saco a cada transacção. Por isso basta-me que alguém compre flgrp algures para eu ganhar um saco. Assim, não tenho interesse em fazer esta vaquinha contigo e prefiro esperar que alguém, algures, compre flgrp.

    Sendo as consequências para os outros iguais em todos estes casos (tu ficas impossibilitado de adquirir o meio saco de flgrp que querias), explica-me, caso consideres que há diferenças morais na minha recusa entre os vários cenários, de onde é que vem essa diferença.

    «Supõe que o custo por amigo (dividindo pelos restantes interessados) é 1 moeda, e a pessoa não estaria disposta a pagar uma moeda por esse serviço. Nesse caso não existiria nada de imoral em escolher não participar.»

    Agora supõe que a razão pela qual a pessoa não está disposta a pagar 1 moeda é porque antecipa uma probabilidade grande de conseguir um resultado equivalente de graça. Segundo o teu critério, isso é moralmente aceitável porque a pessoa não está disposta a pagar mas, ao mesmo tempo, moralmente reprovável porque «ela vai poder usufruir do serviço, percebe que não perde nada com esta opção, e por essa razão não paga.» Em que ficamos? Temos formas moralmente aceitáveis de estimar a relação custo/benefício mas outras que são imorais?

    O problema parece-me derivar de tu, por um lado, quereres avaliar a moralidade apenas pelas consequências mas, por outro, quereres que actos com as mesmas consequências tenham valores morais diferentes conforme a motivação. Isto resulta em inconsistências.

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  14. João Vasco,

    «Uma atitude que prejudica os outros mais do que beneficia o próprio muitas vezes ultrapassa um limiar: além de não ser a moralmente mais correcta, é mesmo moralmente errada. Podem existir excepções, mas são estas que devem ser justificadas.»

    Concordo. Mas não é isso que está em causa aqui.

    Vamos assumir que se eu não comprar um certo CD a editora vai à falência e todos sabemos disso. Nesse caso, penso que concordamos, ainda assim eu tenho o direito de não comprar o CD. Num mercado livre a compra deve ser opcional, e não moralmente obrigatória, e parece-me injusto dizer que é imoral da minha parte não comprar.

    Se concordamos nisto, então concordamos que não foi ultrapassado o limiar neste caso, com estas consequências que prejudicam os outros. Mesmo a falência da editora não justifica uma obrigação moral de comprar os seus CDs.

    O problema, e o que queria que justificasses, é porque é que consideras imoral eu não comprar o CD se o fizer por ter acesso a uma cópia, quando o prejuízo causado aos outros é exactamente o mesmo (e o benefício ao próprio é ainda maior o que, pelos teus cálculos, até devia tornar a opção moralmente mais aceitável, visto que nesse caso se justifica eu considerar a compra do CD como menos vantajosa para mim, e não o avaliar em tantas moedas).

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  15. Ludwig:

    Importam as consequências, mas importam as consequências directas e indirectas.

    A motivação é importante para aferir as consequências directas e as consequências indirectas.

    Um exemplo é o dos foguetes. Se ninguém compra o bilhete porque o espectáculo não lhe interessa, as consequências são positivas no global. Se ninguém compra o bilhete porque espera que os vizinhos paguem, as consequências são negativas no global.
    A um nível superficial, as consequências são iguais com ambas as motivações - não há fogo de artifício. Mas basta ir um bocadinho apenas mais longe para ver a diferença.

    Há casos em que a motivação influencia as consequências de forma um pouco mais indirecta.
    Por exemplo, é muito mais imoral um deputado votar de uma forma porque quer ir trabalhar para a empresa X a receber milhões quando sair do seu cargo, do que votar exactamente da mesma forma porque acredita genuinamente que é melhor para o país.

    Uma boa moralidade está cheia de heurísticas, precisamente porque existem inúmeros casos em que as consequências directas podem ser fáceis de avaliar, mas o problema está nas consequências indirectas e subtis. É por isso que a nossa intuição diz que a intenção importa, e existem muitas situações em que esse é o caso - a intenção afecta as consequências prováveis.

    ---

    Agora antes de eu responder às tuas perguntas sobre o saco, que me levará a escrever uns bons testamentos. Mas isto leva à mesma situação que já tivemos quando discuti contigo o problema do Direito Internacional e o Princípio de não Ingerência.

    Tu propões uma ideia, e eu critico-a como inválida. Mas tu desvias a discussão para uma crítica a qualquer alternativa que eu possa apresentar.
    Só que mesmo que eu não tivesse nenhuma alternativa, eu poderia identificar contradições na tua proposta moral.

    Imagina que propunhas que não há imoralidade no roubo. Uma forma de mostrar que estás errado seria mostrar-te a minha proposta moral, os princípios de base e deduzir daí essa imoralidade, sem que encontrasses qualquer falha.
    Outra forma seria mostrar que essa afirmação teria como implicação algo que não aceitas. Para esta forma, eu não precisaria de ter qualquer alternativa moral sólida, bastaria encontrar falhas na tua.

    Assim, antes de entrar por um testamento qualquer e tu à procura de falhas possas encontrar qualquer coisa que expliquei menos bem, ou que exija mais esclarecimento, e desviarmos-nos completamente do assunto, peço-te que me digas se não consideras imoral no exemplo que dei da parabólica o comportamento do Jeremias.

    Começamos pelo mais simples.

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  16. João Vasco,

    «A motivação é importante para aferir as consequências directas e as consequências indirectas.»

    Considera estes dois cenários:

    A- Eu não compro um CD porque não gosto.
    B- Eu não compro um CD porque sei que sempre que quiser ouvir posso pedir emprestado ao meu irmão.
    C- Eu não compro um CD porque sei que posso descarregar o mp3 do rapidshare.

    Há diferenças nas consequências directas e indirectas para terceiros?
    Algum destes é um acto imoral da minha parte?

    «Tu propões uma ideia, e eu critico-a como inválida.»

    A ideia que eu propus -- que se dois actos têm as mesmas consequências e um deles é moralmente aceitável, o outro também deve ser -- tu não criticaste. Nem sequer mencionaste isso, dedicando-te apenas a exemplos "intuitivos".

    E os exemplos que deste não refutam a minha ideia. Se amigos querem comprar uma parabólica e um deles tem o direito de recusar porque não gosta de TV também tem o direito de recusar por outra razão qualquer. Se os vizinhos querem organizar um espectáculo e um deles tem o direito de recusar participar por não gostar de espectáculos também tem o direito de recusar por outra razão qualquer. Analogamente, se uma pessoa tem o direito de não comprar um CD porque não gosta da música também tem o direito de não o comprar porque pode ouvir emprestado, porque lhe vão oferecer nos anos ou porque consegue obter uma cópia.

    Quanto ao deputado, é imoral aceitar subornos para prejudicar os seus eleitores mas não é imoral auferir benefícios se fizer o seu trabalho como deve ser. Podemos querer tornar isso ilegal só para garantir que não há maroscas, mas numa situação hipotética ideal, em que o deputado faz tudo o que era apropriado fazer, não faz sentido que isso se torne imoral só porque recebe algo em troca (pode ter menos mérito, mas não passa a ser condenável por isso).

    A única coisa que os teus exemplos demonstraram foi inconsistência. Isto porque dizes ser moralmente aceitável recusar a vaquinha se o valor dessa participação for inferior ao de não participar. Mas, ao mesmo tempo, dizes ser imoral recusar a vaquinha se, por se poder obter o mesmo resultado de borla, o valor dessa participação for inferior ao de não participar...

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  17. João Vasco,

    «peço-te que me digas se não consideras imoral no exemplo que dei da parabólica o comportamento do Jeremias.»

    Não. No sentido de “imoral” ser agir contra uma obrigação moral, tenho de aceitar que o Jeremias estava no seu direito ao recusar participar na vaquinha da parabólica porque não vejo razão para concluir que o Jeremias era moralmente obrigado a participar nisso só porque os amigos se lembraram que queriam.

    E até posso justificar pelos teus critérios. Se bem percebo, mesmo que os amigos estimem grande benefício da parabólica, se o Jeremias estimar que a diferença entre participar e não participar é negativa, ou seja, se perde mais moedas participando do que se não participar, então é moralmente aceitável que não participe. Como o ganho estimado tem de entrar em conta com todos os factores (gostar de TV, a probabilidade de lhe oferecerem uma subscrição por cabo, pensar em mudar de casa, etc) tem de contabilizar também a probabilidade de ter parabólica à borla se os amigos a comprarem. Assim, contabilizando esse factor também no retorno esperado, enquadra-se naquilo que tu consideras moral.

    O problema do teu cenário é que tu queres, ao mesmo tempo, que seja do interesse do Jeremias participar na vaquinha (i.e. estime um retorno positivo) mas, por outro lado, que se recuse porque é interesseiro (i.e. estime um retorno negativo). Isto dá, obviamente, asneira.

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  18. «Há diferenças nas consequências directas e indirectas para terceiros?»

    Sim.


    «E os exemplos que deste não refutam a minha ideia. Se amigos querem comprar uma parabólica e um deles tem o direito de recusar porque não gosta de TV também tem o direito de recusar por outra razão qualquer. »

    Eu expliquei em que medida é que as consequências importam para aferir a moralidade do acto.


    «Quanto ao deputado, é imoral aceitar subornos para prejudicar os seus eleitores mas não é imoral auferir benefícios se fizer o seu trabalho como deve ser. Podemos querer tornar isso ilegal só para garantir que não há maroscas, mas numa situação hipotética ideal, em que o deputado faz tudo o que era apropriado fazer, não faz sentido que isso se torne imoral só porque recebe algo em troca (pode ter menos mérito, mas não passa a ser condenável por isso).»

    O meu exemplo era simples, e agora estou mesmo impressionado com essa resposta, por isso vou repetir o exemplo.


    O deputado A vai votar se a propriedade y é vendida à empresa z por j valor.

    Na primeira situação ele vota sim, porque está com a expectativa de ser contratado pela empresa z depois de sair do cargo. Aquilo que convém ao país é irrelevante para ele, visto que o que motiva o seu voto é o seu interesse pessoal em ir para essa empresa.

    Na segunda situação ele acredita genuinamente que um voto afirmativo é o que melhor defende o interesse público. Onde vai trabalhar no futuro não afecta a sua decisão.

    Tu defendes que a moralidade destas duas situações é igual??
    É isso que defendes?

    Nota como as consequências directas são iguais: um voto afirmativo.

    Antes de passarmos à frente isto tem de ser tirado a limpo.

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  19. Sobre o Jeremias, eu ia explicar-te em detalhe aquilo que pareces não compreender na (adequada, a meu ver) censura social ao comportamento «chico-esperto» do Jeremias, e em que circunstâncias é que é imoral.

    Mas depois de ler o que escreveste sobre o político, considerei esse problema irrelevante.

    Temos de tirar aquilo a limpo antes de falar de qualquer outro assunto.

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  20. João Vasco,

    «Tu defendes que a moralidade destas duas situações é igual?? »

    Não igual. Eu fazer um grande sacrifício para te ajudar será moralmente mais louvável do que se te ajudar precisamente na mesma medida mas sem fazer sacrifício nenhum.

    O que não aceito, sem justificação adequada, é que um acto moralmente aceitável passe a imoral sem qualquer alteração nas suas consequências para terceiros. Ou seja, se eu ganhar muito em ajudar-te, não passa subitamente a ser imoral ajudar-te só por causa disso. Essa mudança surpreendente de moralmente aceitável para imoral é que me faria exigir uma justificação.

    No caso do deputado, é assim que penso. Supõe que ele tem uma opção X moralmente aceitável e outra Y que é imoral. Se ele, por suborno, opta por Y está a cometer uma imoralidade. Se ele, com grande sacrifício, opta por X, está a ser moralmente louvável. Mas se opta por X antecipando um ganho pessoal, não é por isso que a opção de X se torna imoral. Podemos dizer que ele não merece louvor por ter enchido os bolsos com isso, mas se X é moralmente aceitável à partida não deixa de ser só por isso.

    É essa parte que tens de justificar. Por exemplo, essa tua regra parece implicar que se um médico trata um doente de borla e com isso faz algo moralmente louvável, há um valor de salário a partir do qual o mesmo tratamento se torna imoral mesmo assumindo todas as consequências iguais. Isto parece-me um disparate.

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  21. João Vasco,

    «Sobre o Jeremias, eu ia explicar-te em detalhe aquilo que pareces não compreender na (adequada, a meu ver) censura social ao comportamento «chico-esperto» do Jeremias, e em que circunstâncias é que é imoral.»

    Não é uma censura social. Entre estranhos isso nunca seria sequer um problema porque ninguém estaria à espera de fazer uma vaquinha dessas com pessoas que não conhece de lado nenhum. Nem haveria qualquer censura a quem recusasse. É um direito moral recusar a vaquinha da parabólica.

    O que se passa no teu cenário é que tu especificas que são amigos – o tipo de grupo onde tal vaquinha seria sequer considerada – e, nesse caso, a questão não é apenas uma de direitos morais mas daquela reciprocidade que os torna amigos. Se um estranho te telefona a pedir onde passar a noite porque se zangou com a mulher, tu tens o direito moral de dizer que não. Se o teu melhor amigo te pede esse favor e tu dizes não, apesar de teres exactamente o mesmo direito, é provável que ele retalie deixando de ser teu amigo, e entretanto te mande a algum sítio pelo telefone.

    O que a tua intuição te está a dizer no caso do Jeremias tem que ver com a forma como nós seleccionamos e fiscalizamos a reciprocidade numa relação de amizade e não com questões mais gerais de direitos morais.

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  23. «O que não aceito, sem justificação adequada, é que um acto moralmente aceitável passe a imoral sem qualquer alteração nas suas consequências para terceiros. Ou seja, se eu ganhar muito em ajudar-te, não passa subitamente a ser imoral ajudar-te só por causa disso. Essa mudança surpreendente de moralmente aceitável para imoral é que me faria exigir uma justificação.»

    Deixa lá esclarecer.

    Supondo que o negócio é pernicioso para o interesse público, mas é muito difícil chegar a essa conclusão de forma inequívoca.

    Supondo que numa situação o político em causa procurou informar-se profundamente, reflectir profundamente, fazer tudo o que estava ao seu alcance para fazer um bom julgamento, motivado pela vontade de defender o interesse público. Supondo que votou a favor do negócio.

    Supondo que noutra situação o político votou exactamente o mesmo, mas apenas porque esperava recolher dividendos pessoais, e lhe foi irrelevante o bem comum.

    Tu negas que da primeira para a segunda situação não se passa para um acto moralmente aceitável para um acto moralmente inaceitável. É isso?

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  24. «Entre estranhos isso nunca seria sequer um problema porque ninguém estaria à espera de fazer uma vaquinha dessas com pessoas que não conhece de lado nenhum. Nem haveria qualquer censura a quem recusasse»

    Haveria a quem recusasse esperando ter acesso à antena, e recusasse na expectativa de serem os outros a pagar por um serviço que ele pagaria se não se pudesse aproveitar dos outros.
    Aliás, tanto haveria, que ninguém seria capaz de revelar tais intenções publicamente «eu não pago. Até pagaria, mas espero que os outros paguem, e depois usufruo à mesma, só que de borla.»
    Se acreditas que tal atitude seria aceite, mesmo em relação a estranhos, estás profundamente equivocado.

    Essa é uma atitude que se considera imoral, e usa-se até a expressão «acha que é mais que os outros» ou «é chico-esperto».
    Se 40 pessoas podem pagar a antena - assumindo que todas vão usufruir, existe uma justificação perfeitamente válida para recusar pagar: é ter menos vontade de usufruir que os outros (quantificada no dinheiro que se pagaria para ter acesso ao serviço). Se todos tivessem igual vontade, mas bastassem 5 para pagar os custos, a forma justa de proceder ao pagamento seria dividir por todos, ou sortear os pagantes. Quem, com igual vontade de usufruir do serviço, se recusasse a pagar, estaria a ser injusto.
    Se não compreendes que é essa a intuição moral dominante, creio que estás muito equivocado quanto ao mundo onde vives.

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  25. João Vasco,

    «Supondo que o negócio é pernicioso para o interesse público, mas é muito difícil chegar a essa conclusão de forma inequívoca.»

    Então o acto do político é imoral quer receba luvas quer não, por ser pernicioso, e o problema passa a ser outro, o de nós sabermos o que é que ele anda afazer. Por isso concordo que é uma boa regra os políticos não receberem recompensas extra pelas suas decisões. Não porque a recompensa torne uma decisão moralmente aceitável numa decisão imoral – isso não me parece fazer sentido – mas porque nós temos muita incerteza acerca dos detalhes e, não sabendo bem o que eles fazem, é melhor jogar pelo seguro. Mas isto é um problema de incerteza e falta de informação, e não um problema moral.

    «Haveria a quem recusasse esperando ter acesso à antena, e recusasse na expectativa de serem os outros a pagar por um serviço que ele pagaria se não se pudesse aproveitar dos outros.»

    Como tu já concordaste, há casos em que o valor das consequências é maior do que o valor da liberdade de escolher. Nesses casos, há uma obrigação moral. Por exemplo, se está uma criança a afogar-se à tua frente, tens a obrigação moral de a ajudar. Se alguém se esqueceu do guarda-chuva no café, não tens a obrigação moral de ir a correr buscá-lo. Isto porque, no segundo caso, o valor moral da tua liberdade de decidir o que queres fazer é maior do que o valor moral das consequências da escolha, enquanto que no primeiro caso não.

    Também concordamos que esta ponderação não é trivial e pode haver dissensão acerca disto.

    Mas o que eu proponho parece-me bastante mais claro. Se concordamos que, num caso, a liberdade de escolher tem mais valor moral do que as consequências – e, por isso, dizemos que não há obrigação moral de escolher uma opção em vez das alternativas – então temos de aceitar que o individuo exerça essa liberdade seja por que motivos for.

    Por isso, eticamente, se todos concordam que todos são livres de escolher se contribuem ou não para a antena, então não é consistente com esta posição dizer que alguém agiu de forma imoral por exercer o seu direito moral por motivos que desagradam aos outros. Ou porque não gosta do bigode do tipo que propôs a compra, ou porque tem um amigo rico que o deixa ir a casa dele ver os jogos, ou porque, se não pagar, pode ver de borla à mesma. Tanto faz.

    «Aliás, tanto haveria, que ninguém seria capaz de revelar tais intenções publicamente «eu não pago. Até pagaria, mas espero que os outros paguem, e depois usufruo à mesma, só que de borla.»

    Claro. Também haveria muita relutância em dizer “Eu até pagava, mas o bigode do Fernando irrita-me e, por isso, não quero ter nada que ver com esta coisa”. Mas isso não vem de qualquer obrigação moral. Isso deriva simplesmente da conveniência de dissimular as nossas intenções para que os outros nos vejam de forma mais favorável para nós. Dizer “neste momento é-me difícil estar a pagar isso, porque tenho tido muitas despesas” é melhor do que “estás maluco? alguma vez me vou meter numa coisa dessas com vocês, que são uns chatos do caraças?”. Mas não há nada de imoral em recusar a participação por não gostar das pessoas.

    Nestes cenários tu estás a confundir o problema ético com os problemas da incerteza e o problema de termos de trocar sinceridade por relações mais fáceis de gerir. Mas, eticamente, se uma pessoa tem o direito de escolher a opção A, então tem o direito moral de a escolher seja por que motivo for. Não é legítimo negar-lhe esse direito só porque alguém não gosta do motivo.

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  26. João Vasco,

    Já agora, os vendedores usam também essa confusão entre a ética e os costumes e dissimulações a que nos habituamos para conviver melhor uns com os outros. Quando me batem à porta e dizem que querem falar comigo, a expectativa é que lhes abra a porta. Quando estendem a mão para me cumprimentar, a expectativa é que os cumprimente. A muita gente nem ocorre que tem o direito moral de não abrir a porta, não cumprimentar, não dizer porque não está interessado, etc.

    Eu consegui já vencer esses hábitos e nem sequer abro a porta. Digo que não estou interessado. Quando me perguntam porquê, digo que não estou interessado em explicar. E quando me perguntam “não está interessado como, se não sabe ainda o que é?” digo que nem estou interessado em saber. Isto, diz-me a minha mulher, é má educação. E concordo. Tal como dizer “não vou pagar para a antena se depois posso ver de borla”, é algo que não agrada aos outros. Mas é um direito meu não abrir a porta, não perder tempo com conversas e não estar a apertar a mesma mão que dezenas de outras pessoas já apertaram nesse dia, com a mesma mão com que tapam a boca ao espirrar. E seja por que motivo for.

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  27. Ludwig,

    Alegas que o político que procura fazer a melhor decisão possível e não se poupa a esforços de estudo e reflexão para a fazer, mas que por equívoco (afinal não é omnisciente) tem um voto que apesar de honesto não é o que mais convém ao país, faz algo moralmente inaceitável.

    Se não é o caso, corrige-me. Mas foi essa a pergunta que te fiz, e foi isto que percebi pela tua resposta, que não foi tão clara como desejaria, daí este pedido de confirmação.

    O indivíduo que quer usufruir de um serviço como os outros, mas motivado por um desejo de ganhar mais à custa deles, não paga a antena, o que lhes causa um prejuízo que na melhor das hipóteses é igual ao seu benefício, e na pior das hipóteses é superior, esse já faz algo que é moralmente aceitável.

    É verdade que nesses exemplos que dás do bigode e não sei quê o problema é a a educação, não é a moralidade. Mas estás mesmo enganado quando pensas que é a mesma coisa. A rejeição que as pessoas sentem por quem anuncia que está à espera que os vizinhos comprem para usufruir gratuitamente é precisamente a mesma que sentem por quem foge aos impostos, ou tenta passar à frente da fila. É a de rejeição por alguém que se sente acima dos outros. Que tem um comportamento egoísta e imoral. Aliás, eu creio que é muito difícil encontrar quem concorde contigo que a atitude do político do exemplo, que faz o melhor que está ao seu alcance é «moralmente inaceitável» (inaceitável foi o termo exacto em discussão, e por isso aquele que usei na pergunta que te fiz), mas que o indivíduo que não participa na vaquinha dos 40 - não porque não estaria disposto a pagar pelo serviço se não houvesse alternativa de acesso ao mesmo, pois estaria disposto a tal despesa - porque espera que se não o fizer os outros 39 paguem e ele usufrua do serviço gratuitamente já faz algo que é «moralmente aceitável».

    Podes alegar que a intuição moral de toda a gente está errada - e neste caso concreto creio que não, de todo - mas não negues que a intuição moral é absolutamente diferente da tua neste ponto.

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  28. João Vasco,

    «Alegas que o político que procura fazer a melhor decisão possível e não se poupa a esforços de estudo e reflexão para a fazer, mas que por equívoco (afinal não é omnisciente) tem um voto que apesar de honesto não é o que mais convém ao país, faz algo moralmente inaceitável.»

    Quando tu disseste que o acto era moralmente aceitável presumi que era porque o acto em si, conhecendo todos os detalhes, era moralmente aceitável. Não considerei a possibilidade do político estar a agir sob o efeito de drogas, ter quatro anos de idade ou desconhecer as consequências do que faz sem ter culpa por isso. Nesses casos, o acto pode ser moralmente aceitável apenas por ele não ter responsabilidade moral, mas ser imoral agir assim para um agente com conhecimento e responsabilidade moral. No entanto, essa complicação adicional é desnecessária. Da minha parte da discussão estou a focar apenas o aspecto moral assumindo que os agentes têm informação completa, são moralmente responsáveis pelo que fazem, etc. Como no exemplo da antena.

    Por isso a minha alegação é esta: seja quem for, seja político ou vizinho, se reconhecemos a um agente moral responsável (sabe quais são as consequências, tem liberdade para agir, etc) o direito moral de optar por X, então não podemos considerar que é imoral ele optar por X só porque lhe apetece, porque ganha com isso, porque a mulher mandou, etc. Se X é um direito moral, não é imoral optar por X seja porque razão for que esse agente prefere X.

    Se queres refutar esta regra, tens de me apresentar um contra-exemplo relevante, mas não um que entre com complicações estranhas a isto, como não querer ofender os vizinhos, não conhecer as consequências, não sabermos o que o agente anda a fazer mas desconfiarmos que nos pode aldrabar, etc.

    «É verdade que nesses exemplos que dás do bigode e não sei quê o problema é a a educação, não é a moralidade. Mas estás mesmo enganado quando pensas que é a mesma coisa. A rejeição que as pessoas sentem por quem anuncia que está à espera que os vizinhos comprem para usufruir gratuitamente é precisamente a mesma que sentem por quem foge aos impostos, ou tenta passar à frente da fila.»

    No meu caso não seria. Mas, seja como for, isso é apenas uma alegação acerca de como as pessoas se sentem. Em muitos sítios também se sentem revoltados se dois homens se beijarem. Isso não implica que seja imoral dois homens se beijarem.

    O que eu quero que respondas é como justificas ser imoral não participar na vaquinha por se antever mais vantagem em ficar de fora quando aceitas ser moralmente permissível não participar na vaquinha porque não se gosta das pessoas, porque o bigode do vizinho irrita ou até mesmo só para chatear os outros. Supõe que o meu objectivo era que ninguém tivesse parabólica só porque não gosto deles e não quero que tenham parabólica. Se até nesse caso é moralmente permissível eu recusar participar na vaquinha (“Não gosto de vocês por isso não contem com o meu dinheiro”; isto seria imoral?) é preciso uma boa justificação para que a mesma opção, com as mesmas consequências, se torne subitamente imoral só porque me sai mais barato.

    «Podes alegar que a intuição moral de toda a gente está errada»

    Nem sequer é a intuição moral de toda a gente. A maioria das pessoas, julgo eu, se pensar no problema admitirá que ninguém tem obrigação moral de participar na vaquinha, pelo que a recusa não é imoral. Pode ser um cabrão que se quer aproveitar dos outros, não merecer respeito dos vizinhos, ninguém querer falar com ele. Mas está no seu direito.

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  29. Ludwig:

    Desculpa, mas parece que te fazes de desentendido. E digo isto por duas razões.
    Sobre o político, disse desde início o seguinte:

    «Supondo que o negócio é pernicioso para o interesse público, mas é muito difícil chegar a essa conclusão de forma inequívoca.

    Supondo que numa situação o político em causa procurou informar-se profundamente, reflectir profundamente, fazer tudo o que estava ao seu alcance para fazer um bom julgamento, motivado pela vontade de defender o interesse público. Supondo que votou a favor do negócio.»

    Foi a isto que respondeste.
    Dizes agora que respondeste sem saber que o político desconhecia que esse voto seria pernicioso??
    Ora lê lá o que está acima.
    Não menciono drogas nem nada desses exemplos que deste para ridicularizar uma situação perfeitamente realista.

    Se dizes que só te interessam situações em que as pessoas estão perfeitamente conscientes das consequências das suas decisões, então é capaz de ser uma das razões pelas quais a tua intuição moral está completamente trocada ao ponto de não reconhecer a importância das motivações.
    É que realisticamente é difícil avaliar as consequências das decisões em muitas situações - mais a mais quando tenho insistido em consequências indirectas e subtis - mas certas motivações tornam mais provável que se faça uma avaliação adequada.
    Por outro lado, um acto que tenha consequências negativas pode ser aceitável se em determinado contexto, com determinadas motivações, como as do político do exemplo, porque comportar-se dessa forma tende a ter consequências positivas (probabilisticamente) mesmo que nesse caso concreto, por razões que o agente moral foi incapaz de avaliar, tenham tido consequências negativas.

    Um bom sistema moral reconhece que os agentes não são omniscientes, e por isso mesmo integra questões como a «motivação» no seu sistema moral, mesmo com fundamentos consequencialistas.
    Ao desconsiderares a motivação cometes logo um erro importante.


    «A maioria das pessoas, julgo eu, se pensar no problema admitirá que ninguém tem obrigação moral de participar na vaquinha, pelo que a recusa não é imoral.»

    Mas porque é que insistes em distorcer a minha posição?? Bem sei que para ti a motivação não é relevante. Mas como para mim é, como já tenho repetido, não a caracterizes como se não fosse. Já te expliquei várias vezes que há várias situações em que não existe mal em recusar a vaquinha. Na dúvida, não penso mal de quem a recuse, pois assumo que é uma pessoa decente, e não pretende «chular» os vizinhos. Simplesmente não tem interesse suficiente na parabólica para pagar o dinheiro. Tu podes não compreender a diferença, mas reconhece que para mim ela existe, ou então fazes uma caracterização desonesta da minha posição.

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  30. João Vasco,

    Quando tu propuseste «é muito mais imoral um deputado votar de uma forma porque quer ir trabalhar para a empresa X a receber milhões quando sair do seu cargo, do que votar exactamente da mesma forma porque acredita genuinamente que é melhor para o país.» eu assumi que estavas a considerar algo análogo ao problema da parabólica ou da cópia dos CDs. Ou seja, que o agente sabe o que está a fazer e é moralmente responsável por isso. Nessa situação, defendi, e continuo a defender, que se uma opção é moralmente permissível não deixa de o ser só por a motivação ser esta ou aquela. Se é o mesmo acto, pelo mesmo agente, com a mesma responsabilidade moral e as mesmas consequências, tem de ser igualmente permissível.

    Se queres propor cenários diferentes para explorar a relevância moral de ele não saber as consequências do que faz ou algo assim, proponho deixar isso para mais tarde porque é irrelevante para o post. E se queres discutir se me faço desentendido nem vou ligar a isso porque é pura perda de tempo.

    Um problema, como já te apontei noutras discussões, é que tu usas estas experiências conceptuais sem lhes dar o contexto de alguma afirmação concreta que queiras defender. Assim, apelando apenas para noções vagas de “intuição” e afins, fica tudo dependente de detalhes que deixas implícitos e não são nada claros. Se o deputado sabe bem as consequências do que faz, se estamos a avaliar a moralidade do seu voto sabendo bem o que ele fez ou se inferindo apenas o que ele deve ter feito a partir de conflitos de interesse ou afins, se a vaquinha da parabólica é entre amigos, vizinhos ou estranhos que nunca se vão ver outra vez, etc.

    «Um bom sistema moral reconhece que os agentes não são omniscientes, e por isso mesmo integra questões como a «motivação» no seu sistema moral, mesmo com fundamentos consequencialistas.»

    Concordo. Mas isso só é relevante quando a informação em falta faz diferença. Não é o caso do copyright ou da parabólica. Mesmo que o agente saiba exactamente as consequências do seu acto, tem o direito de não comprar o cd ou recusar a vaquinha.

    A minha proposta é que, se isso é um direito seu, tem de ser moralmente permissível exercê-lo qualquer que seja a motivação.

    «Mas porque é que insistes em distorcer a minha posição?»

    Eu não estou a distorcer a tua posição, mas a apontar os problemas de decidir que uma pessoa tem o direito de não participar na vaquinha mas só pelas motivações certas, e que perde esse direito se a motivação for outra. Isto não só carece de justificação (nunca explicaste porquê, apenas afirmas que sim) e é contraditório. Por exemplo, se a pessoa «Simplesmente não tem interesse suficiente na parabólica para pagar o dinheiro.» consideras moralmente permissível não pagar. Isto mesmo que a pessoa adore a parabólica mas saiba que o primo rico vai comprar uma da qual ele pode beneficiar. Mas não se a pessoa adorar a parabólica e souber que os vizinhos vão comprar uma da qual ela pode beneficiar.

    O meu problema é que isto é absurdo. Não se justifica negar a essa pessoa o direito moral de recusar a vaquinha só porque a parabólica da qual ela pode usufruir é a dos vizinhos a não a do primo.

    Se isto é uma caracterização desonesta da tua posição a culpa é tua porque tens sistematicamente evitado enunciar com clareza a tua posição. Limitas-te a inventar cenários dependentes de premissas implícitas e a discordar da minha avaliação deles sem explicar porquê.

    Resumindo: se o Asdrúbal tem o direito moral de não participar na vaquinha da parabólica, então tem esse direito moral seja por que razão queira exercer esse direito. E nem tem a obrigação de dar satisfações a ninguém. Se não quer, não quer e pronto. Esta é a minha posição.

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  31. «Quando tu propuseste «é muito mais imoral um deputado votar de uma forma porque quer ir trabalhar para a empresa X a receber milhões quando sair do seu cargo, do que votar exactamente da mesma forma porque acredita genuinamente que é melhor para o país.» eu assumi que estavas a considerar algo análogo ao problema da parabólica ou da cópia dos CDs.»

    Assumiste mal, porque eu estava mais concretamente a falar sobre como a motivação podia ter importância para aferir a moralidade de um acto, coisa que negaste e agora aceitas. Graças a este exemplo do político, que pelos vistos cumpriu o seu papel.

    Não só assumiste mal, como realmente passaste ao lado dos vários esclarecimentos que fiz.
    Desculpa, mas é inequívoco que deste uma resposta depois de ter esclarecido de forma muito clara que o político não tinha acesso à informação toda, para depois alegares que deste essa resposta inconsciente dessa condição, tão clara e detalhadamente expressa.
    Certamente foi um erro de interpretação que devias assumir.


    «Eu não estou a distorcer a tua posição, mas a apontar os problemas de decidir que uma pessoa tem o direito de não participar na vaquinha mas só pelas motivações certas,»

    Isso é falso.

    Bem sei que alegas que existe um problema nisso, quando para mim é claro que o problema é teu em não reconhecer a importância da motivação em várias situações.

    Mas não foi disso que me queixei. Isso é a tua posição e tens direito a enunciá-la.

    O que me parece errado é que caracterizes a minha posição como «estou contra que alguém não participe na vaquinha», quando isso sim seria uma posição absurda.
    E essa caracterização não foi um resumo para despachar, tu fizeste uma afirmação que é muito acertada se fosse essa a minha posição: que a maioria das pessoas não achariam mal alguém recusar a vaquinha.
    Mas a minha afirmação era que a maioria das pessoas achariam mal alguém recusar a vaquinha por aquelas razões. O termo «chular» seria possivelmente usado por quem não usasse a expressão «aproveitar-se». Portanto essa confusão, essa forma errada de expores a minha posição, foi essencial para o teu argumento. Se isso não é a falácia do espantalho, não sei o que é.

    ---

    Tu queres que eu explique porque é que é imoral. Sugiro que expliques porque é que o furto é geralmente imoral, e terei uma excelente base para responder à tua pergunta.

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  32. João Vasco,

    «Assumiste mal, porque eu estava mais concretamente a falar sobre como a motivação podia ter importância para aferir a moralidade de um acto»

    OK. Era bom teres começado por aí. A motivação é relevante para aferir o valor moral de um acto. No entanto, não me parece justificável que um acto moralmente permissível (ou seja, algo que um agente tenha o direito moral de fazer) deixe de ser permissível apenas por causa da motivação. Nota que não estou a falar de ser mais ou menos louvável, mas da tal ponderação entre o peso das consequências e o peso da liberdade de agir. Se aquelas consequências não justificam restringir a liberdade de agir daquela forma, não vejo porque é que a motivação há de o fazer para as mesmas consequências.

    O exemplo do político não é relevante para isto porque faz variar outros factores, como o conhecimento e a responsabilidade moral, e não contribui nada para estabelecer que a motivação, por si só, pode tornar imoral o exercício de um direito moral.

    «Mas a minha afirmação era que a maioria das pessoas achariam mal alguém recusar a vaquinha por aquelas razões.»

    Não concordo com essa afirmação, mas não acho suficientemente importante determinar o que “a maioria das pessoa” acha neste caso para perder mais tempo com isso.

    «Sugiro que expliques porque é que o furto é geralmente imoral, e terei uma excelente base para responder à tua pergunta.»

    O furto é imoral nas condições em que o valor moral das consequências do furto tem mais peso que o valor moral da liberdade de furtar. Tendo em conta que a liberdade de eu te roubar a camisola vai custar não só o sofrimento que isso te causa mas também a tua liberdade de ficar com a camisola, é razoável que se considere que, moralmente, eu não tenho o direito de te levar a camisola.

    Mas se tu queres fazer uma vaquinha para comprar uma parabólica, o valor moral das consequências de eu não aceitar participar é inferior ao valor moral da minha liberdade de decidir em que vaquinha participo. Isto pode não ser sempre válido. Por exemplo, se em vez de parabólica estivermos a falar em educação para todos, pode ser moralmente obrigatório que cada um contribua na medida dos seus rendimentos (pagando impostos). Não te posso dizer com precisão exactamente onde é que a balança pende para um lado ou para o outro. Mas no caso da parabólica penso que podemos concordar que não há uma obrigação moral de participar.

    Agora o que quero que me expliques é o raciocínio que te leva a concluir que o direito moral de não participar na vaquinha da parabólica, apesar de se manter mesmo que a motivação seja não gostar do bigodo do vizinho ou querer simplesmente chatear os outros, desaparece quando a motivação é querer usar a parabólica de borla. Como é que isso faz pender o prato da balança de forma a que as consequências passem a valer mais do que a liberdade de escolha. Tendo em conta que as consequências são exactamente as mesmas, não vejo como isso pode ser possível...

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  33. Ludwig,

    Confesso que estou algo confuso. Diz que só não cancela o contrato com a EDP e faz uma ligação directa à rede porque isso iria aumentar os gastos de produção e com isso afectar toda a gente? Se se supusesse que o dinheiro nunca seria um problema e que a EDP possuísse reservas infinitas para que fossem desprezados os tais custos de produção, já seria moralmente válido desistir de um serviço mas usufruir dele na mesma fazendo uma ligação directa a equipamento que não é seu?

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  34. Nuno,

    «Diz que só não cancela o contrato com a EDP e faz uma ligação directa à rede porque isso iria aumentar os gastos de produção e com isso afectar toda a gente?»

    Há muita coisa que me motiva a não fazer isso. Mas, do ponto de vista moral, proponho que só se justifica que usufruir da rede sem contrato seja imoral, sendo moralmente permissível cancelar o contrato, se usufruir da rede sem contrato tiver consequências diferentes para outras pessoas.

    «Se se supusesse que o dinheiro nunca seria um problema e que a EDP possuísse reservas infinitas para que fossem desprezados os tais custos de produção, já seria moralmente válido desistir de um serviço mas usufruir dele»

    Supondo que é moralmente permissível desistir do serviço e supondo que usufruir desse serviço tem exactamente as mesmas consequências de desistir do serviço, então sim.

    «na mesma fazendo uma ligação directa a equipamento que não é seu?»

    Aqui a coisa complica-se se o dono do equipamento não autorizar essa ligação.

    Vamos imaginar que alguém inventava um programa de PC que conseguia copiar electricidade da mesma forma que se copia mp3. É fantasia, eu sei, mas suspenda a descrença por uns instantes e pense nas implicações morais.

    Eu comprava à EDP 1 kWH de electricidade, e depois copiava-o e punha-o à disposição de quem quisesse no meu computador. Como tinha as cópias que quisesse, cancelava o serviço da EDP. Depois, quem quisesse podia vir copiar a electricidade do meu computador e, em poucos dias, a EDP falia. Eu proponho que isto não teria nada de imoral.

    É claro que se, para usar a electricidade, eu tivesse de usar o equipamento da EDP em vez de usar só o meu, então as pessoas da EDP teriam o direito de me negar esse uso e as consequências já seriam diferentes de simplesmente cancelar o serviço, pois tinha de violar esse direito de propriedade sobre o equipamento.

    O que eu defendo é que, se é moralmente permissível que uma pessoa aja de forma a produzir certas consequências (por exemplo, decidir não comprar um CD e assim não contribuir para a sua produção ou sucesso comercial), não faz sentido invocar essas consequências para classificar de imoral aquilo que essa mesma pessoa faz (por exemplo, dizer que é imoral copiar o mp3 porque assim não compra o CD e não contribui para a sua produção ou sucesso comercial). Isto não faz sentido porque equivale a negar a alguém um direito moral só porque essa pessoa o quer exercer...

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  35. Nuno,

    Se a EDP pudesse produzir energia a um custo nulo (que é basicamente o que estás a propor), acho que o imoral aqui seria não a distribuir de forma grátis a todos.

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  36. Ludwig,

    Julgo que percebo onde quer chegar, mas não acha que há algo de fundamentalmente errado no que defende?

    Claro que a EDP não tem recursos infinitos, mas mesmo que tivesse, se esta tivesse estipulado que só quem tem contrato é que pode usufruir do serviço - o que é razoável, por exemplo, quanto mais não fosse para efeitos de controlo e níveis de qualidade do serviço - o Ludwig acharia moralmente aceitável cancelar o contrato e usufruir de um serviço que não pagou (e que ainda por cima outros pagam)? Imagine que o acesso aos equipamentos da EDP não é monitorizado, permitindo-lhe perfeitamente fazer essa ligação directa sem melindres. Acharia moralmente correcto este comportamento?

    Nesse cenário fantasioso vamos supor que a EDP descobriu a electricidade e que levou 30 anos a consegui-lo - vamos considerar que é algo complexo de atingir e que toma imensos recursos, se não o próprio Ludwig chegava lá com facilidade - e a aperfeiçoar a técnica para que toda a gente pudesse usufruir do serviço. Vem o Ludwig e descobre como copiá-la em, digamos, uma semana. Não investiu 30 anos de investigação e recursos, apenas gastou uma semana mal dormida. Neste cenário, acharia moralmente correcto vender estes serviço copiado como se fosse seu? E disponibilizá-lo de graça?

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  37. Nuno,

    «Claro que a EDP não tem recursos infinitos, mas mesmo que tivesse, se esta tivesse estipulado que só quem tem contrato é que pode usufruir do serviço [...] o Ludwig acharia moralmente aceitável cancelar o contrato e usufruir de um serviço que não pagou»

    Se por serviço quer dizer a EDP estar a despender tempo e recursos a fazer algo por mim que não despenderia se eu não usufruísse do serviço, então seria imoral fazê-lo contra vontade da EDP. No entanto, se o serviço já foi feito no passado, e se agora a EDP já não estiver a fazer nada por isso quer eu usufrua quer não (por exemplo, se eu pudesse copiar a electricidade) então não há nada de imoral nisso.

    Vou dar um exemplo mais realista. Descobrir que microorganismos causam doenças demorou anos de investigação e deu muito trabalho a muita gente. Isto permitiu inventar a técnica de lavar as mãos para reduzir contaminações e contágios. Eu defendo que é imoral estar a usar sabonete ou água dos outros sem pagar, mas defendo que é moralmente aceitável usufruir dessa técnica e lavar as mãos com o meu sabonete e a água que eu pago para me proteger de doenças sem ter de pagar nada pelo esforço que tantos médicos e investigadores fizeram no passado. Isto porque esse serviço que eles prestaram já está concluido.

    «Neste cenário, acharia moralmente correcto vender estes serviço copiado como se fosse seu?»

    Como se fosse meu, não. Isso seria mentir. Também acho imoral fazer-me passar pelo autor da teoria microbiológica das doenças ou o inventor da lavagem de mãos como forma de prevenir doenças.

    «E disponibilizá-lo de graça?»

    Sim. Apesar do enorme esforço para descobrir que lavar as mãos ajuda a prevenir doenças, sou 100% a favor que se ensine isso até aos miúdos na escola, de graça. Tal como acho que se deve poder usufruir dos poemas de Camões, das histórias de Shakespeare, de receitas culinárias, do Xadrez e futebol, etc, sem ter de pagar pelo serviço de inventar estas coisas. Porque esse serviço já foi feito.

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  38. Ludwig,

    Dizer "como se fosse seu" era uma forma de expressão, queria dizer montar um sistema de venda paralelo ao da EDP, simplesmente vendendo cópias do original (não admitindo necessariamente que fosse o autor).

    Tanto quanto sei nem tudo pode ser objecto de propriedade intelectual (fórmulas matemáticas, linguagens de programação são alguns exemplos). Já os exemplos literários/lúdicos que falou abordam criações com centenas ou milhares de anos. Acha que esse factor temporal é determinante ou irrelevante para que sejam protegidas?

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  39. Nuno,

    «Dizer "como se fosse seu" era uma forma de expressão, queria dizer montar um sistema de venda paralelo ao da EDP, simplesmente vendendo cópias do original»

    Não vejo problema moral nisso. Pode haver convenientes económicos em regular o comércio, mas isso não é propriamente uma questão moral. Por exemplo, é moralmente aceitável eu vender pastéis de nata mesmo não tendo inventado a receita.

    «Tanto quanto sei nem tudo pode ser objecto de propriedade intelectual»

    Tanto quanto sei, ser proprietário de coisas do intelecto é um disparate. Ideias e informação podem ser privadas ou públicas, mas não propriedade. O termo “propriedade intelectual” serve apenas para evitar o termo mais correcto de “monopólio comercial”, dadas as conotações justificadamente negativas de “monopólio”.

    «Acha que esse factor temporal é determinante ou irrelevante para que sejam protegidas?»

    “Protegidas” é outra treta. A concessão de monopólios comerciais não faz nada para proteger a obra (proteger de quê? de quem a aprecie?)

    Se as ideias, os pensamentos e a informação fossem susceptíveis de ser propriedade, então sim, copiar ficheiros implicaria a violação de direitos de propriedade e por isso teria consequências adicionais. Mas essa premissa é falsa. Basta ver que eu posso proibir as pessoas de emprestar as minhas coisas mas ninguém me reconhece o direito moral de proibir que emprestem CDs com músicas que eu compus.

    (Esta conversa da “propriedade intelectual” já foi muito batida aqui. Por exemplo, neste post.)

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  40. Eu gostaria de contribuir para o vosso dilema com uma situação mais próxima do que se está a discutir.

    Tendo eu vontade de ouvir o álbum X, posso:

    a) comprar X, novo, na Fnac;

    b) comprar X numa loja de usados, mais barato;

    c) como vivo perto da Biblioteca Almeida Garrett, posso ir ouvir X para lá, enquanto preparo aulas ou faço outra coisa qualquer;

    d) copiar X de alguém ou da internet.

    Eu sei que com a) contribuo directamente para compensar o investimento da editora e indirectamente para a remuneração do artista, enquanto que com b), c) ou d) não o faço. As consequências de qualquer uma destas três opções, para as editoras e os autores, são as mesmas, e a minha motivação para optar por qualquer uma delas é também igual: ouvir X sem ter de pagar por X o preço que me pedem na Fnac.

    Parece-me que toda a linha de argumentação que determina a imoralidade da cópia ilegal determinaria a imoralidade da venda de usados, das bibliotecas ou de muitas outras situações (o amigo que se cansou de X e me deixou levá-lo para casa "indefinidamente", por exemplo), mas não me parece que haja alguém aqui que defenda que as bibliotecas são imorais.

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  41. Reproduzir inteira e fielmente um filme através da cópia digital pouco tem a ver com pastéis de nata. A arte cinematográfica vive da sua própria indústria. Se um Dark Knight pode ter orçamentos da ordem dos 200 milhões é porque gerará comércio que o suporte.

    Se a arte fosse subsidiada pelo estado, e se toda a gente com os seus impostos contribuísse com uma pequena parte para que todas as criações pudessem circular livremente como se estas fossem de todos, o caso mudaria de figura.

    Agora se a qualidade das produções depende de grandes investimentos que se apoiam nas cadeias de distribuição, nas salas de cinemas, nos dvd's e todo o merchandising, como é que espera que esta indústria se auto-financie se toda a gente copiar, ninguém puser os pés no cinema ou comprar seja o que for ?

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  42. Nuno,

    «Reproduzir inteira e fielmente um filme através da cópia digital pouco tem a ver com pastéis de nata.»

    Quando descarrego um pdf da receita e um avi do filme, em ambos os casos estou a obter gratuitamente, e sem encargos ou incómodo para os autores, sequências de números que quando correctamente interpretadas me permitem recriar obra alheia para proveito próprio. Nisto são bastante semelhantes.

    «A arte cinematográfica vive da sua própria indústria. Se um Dark Knight pode ter orçamentos da ordem dos 200 milhões é porque gerará comércio que o suporte.»

    Pode ser. Mas isso não justifica nem a concessão de monopólios legais nem que a cópia seja imoral.

    «Se a arte fosse subsidiada pelo estado»

    Na medida em que a educação é importante para a criatividade intelectual, a arte já é subsidiada pelo Estado. Se é muito ou pouco é outra questão, mas uma que não me parece ser pertinente para determinar se é moral ou imoral copiar informação disponibilizada ao público.

    «Agora se a qualidade das produções depende de grandes investimentos que se apoiam nas cadeias de distribuição, nas salas de cinemas, nos dvd's e todo o merchandising, como é que espera que esta indústria se auto-financie se toda a gente copiar, ninguém puser os pés no cinema ou comprar seja o que for ?»

    Se querem fazer negócio e ganhar dinheiro com bilhetes, merchandising e afins, pois que o façam. Mas num mercado livre, sem medidas legais que visem coagir as pessoas a comprar. A proibição da cópia tem como objectivo forçar a compra, e isso considero imoral e contrário aos princípios de um mercado decente.

    De resto, se deixar de ser viável gastar centenas de milhões a produzir filmes, paciência. Também não se gasta centenas de milhões a produzir receitas de pastéis e não é por isso que vamos proibir que as pessoas partilhem receitas. Se for uma actividade que merece sucesso comercial, então terá sucesso comercial sem precisar de monopólios. Caso contrário, então é questão de vermos se queremos subsidiá-la ou se deixamos o mercado decidir. Esta treta de proibir a cópia para obrigar a comprar não faz sentido nem é moralmente aceitável.

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  43. A história das receitas abre outra porta: a dos restaurantes. Eu posso comprar montes de livros de culinária, abrir um restaurante e limitar-me a confeccionar pratos que encontrei nesses livros, isto sem ter de pagar aos autores desses livros, mas ao fazê-lo não faço nada de ilegal ou imoral.

    Vários pesos e várias medidas, portanto.

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  44. Ludwig,

    Alguma sala de cinema coage o espectador a entrar? Só entra se quiser...ver o filme. Como é que a proibição da cópia força a comprar seja o que for? A mim ninguém me obriga a comprar só porque me dizem que não devo copiar o trabalho dos outros. E uma coisa é pedir emprestado a um amigo, ir a uma biblioteca requisitar uma cópia, ou utilizar qualquer outra via para obter o material de borla - meios que estarão sempre presentes, e ainda bem - outra é institucionalizar tais meios, criando, sei lá eu por exemplo, sites de distribuição online massificada, de forma gratuita, o que, segundo o que diz, seria perfeitamente legítimo.

    E um filme não é só um produto acabado do qual se colhem frutos. Tais frutos suportarão obras futuras, da mesma forma que as obras actuais só puderam ser feitas pelos frutos colhidos anteriormente, já que os financiamentos não caíram da estratosfera. Se é com o intuito de criar mais ou se é para encher os bolsos aos artistas e distribuidoras, a intenção é irrelevante, a máquina progride desta maneira independentemente das intenções dos intervenientes, e a prova está precisamente nos frutos.

    Na verdade penso que acaba por ser bastante simples, os filmes custam dinheiro, se eu quero ver um filme, terei que pagar um preço (justo ou não, não interessa, um preço). Parece-me irreal ver um investimento milionário numa película para depois ser distribuída livremente pelo globo sem qualquer contrapartida.

    Portanto, para si o fundamental seria a disseminação livre de todas produções, deixando-se bem explícito que tal acto não é ilegal nem tão pouco imoral, pelo contrário, seria encorajado. Nesse caso, pagaria para quê, e porquê? Eu sou um dos contribuintes da wikipedia por exemplo, quantas pessoas conhece que fazem o mesmo? Quantos avisos o fundador não tem de mandar de três em três meses a lembrar as pessoas que o serviço de que usufruem custa dinheiro (e mesmo assim sobrevive porque o grosso do mesmo é criado pela boa-vontade e trabalho voluntário de toda a comunidade interveniente)?

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  45. «OK. Era bom teres começado por aí. A motivação é relevante para aferir o valor moral de um acto. No entanto, não me parece justificável que um acto moralmente permissível (ou seja, algo que um agente tenha o direito moral de fazer) deixe de ser permissível apenas por causa da motivação.»

    Novamente enganado.

    Roubar um medicamento é admissível se a motivação for usá-lo para salvar a vida de um terceiro, mas inadmissível se a motivação for poupar uns tostões.

    Claro que podes notar que aqui as consequências são diferentes.

    Mas, como fiz notar, as motivações alteram as consequências.
    Em termos estatísticos, se as pessoas não compram os livros de que não gostam, as consequências dessa decisão são positivas para todos.
    Mas se não compram os livros de que gostam à espera que outros o façam, e isso tem como implicação que livros que as pessoas gostariam de pagar para ter acabam por não ser escritos, as consequências dessa decisão são negativas para todos.

    Agora não te confundas novamente. Isto é um exemplo de como motivações diferentes têm estatisticamente consequências diferentes, e portanto importam para a avaliação da moralidade dos actos.


    «O furto é imoral nas condições em que o valor moral das consequências do furto tem mais peso que o valor moral da liberdade de furtar. Tendo em conta que a liberdade de eu te roubar a camisola vai custar não só o sofrimento que isso te causa mas também a tua liberdade de ficar com a camisola, é razoável que se considere que, moralmente, eu não tenho o direito de te levar a camisola.»

    Pena que passes directamente para a vaquinha, sem esclarecer isto mais profundamente.

    Peço-te que expliques porque é que a liberdade de «ficar com a camisola» é mais importante que a «liberdade de a furtar», e o que é que te leva a concluir que o sofrimento associado a perder a camisola é superior ao prazer de a adquirir.
    E por fim, porque é que essas coisas implicam que o acto de roubar seja imoral. Como é que concluis que um acto é moralmente inaceitável.

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  46. Leandro Ribeiro:

    O facto de ser permitido por lei revender um livro faz aumentar o seu preço de mercado.
    Consultar a música na biblioteca ou comprá-la numa loja de usados beneficia a editora indirectamente (em termos estatísticos).

    Mais do que sacar a música na internet.

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  47. João Vasco,

    «Roubar um medicamento é admissível se a motivação for usá-lo para salvar a vida de um terceiro, mas inadmissível se a motivação for poupar uns tostões.»

    Estás a confundir motivação com consequências. Por exemplo, supõe que tu me deves 5 tostões, mas estás a morrer. A única maneira de salvar a tua vida e eu receber os cinco tostões que me deves é eu roubar um medicamento e dar-to. Eu proponho que, se roubar o medicamento, salvar a tua vida e receber os 5 tostões for moralmente permissível quando o motivo for salvar a tua vida, não será imoral fazer exactamente o mesmo, com exactamente as mesmas consequências, se o motivo for reaver os cinco tostões.

    Se discordas, explica-me como é que os cinco tostões tornam imoral salvar a tua vida.

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  48. João Vasco,

    Este é outro problema, por isso vai em separado:

    «Em termos estatísticos, se as pessoas não compram os livros de que não gostam, as consequências dessa decisão são positivas para todos. Mas se não compram os livros de que gostam à espera que outros o façam, e isso tem como implicação que livros que as pessoas gostariam de pagar para ter acabam por não ser escritos, as consequências dessa decisão são negativas para todos.»

    Tu estás sempre a omitir o valor da liberdade de escolher. Se as pessoas de um prédio saem da garagem todas às 9:00 fazem uma fila e demoram mais tempo a saír. Se um saísse às 8:50, outro às 8:51, etc, poupavam gasolina e tempo. Era melhor para todos regulamentar as horas de saída. Mas se queremos avaliar a moralidade desta situação, temos de pesar esse ganho com o valor moral de cada morador poder decidir a que horas sai, mesmo que isso resulte num decréscimo na utilidade das consequências. A liberdade de escolha também tem utilidade, e a utilidade pode ser maximizada permitindo a escolha livre e aceitando as consequências.

    Por isso, o simples facto de não comprar os livros de que se gosta levar a que menos livros sejam escritos e reduzir os ganhos de todos (assumindo que isso é verdade; não concordo que seja mas deixo isso por agora) não permite inferir que seja imoral fazê-lo. Só será imoral se a perda de utilidade pelas consequências não for compensada pela utilidade de ser livre de não comprar os livros de que se gosta.

    No caso geral, esta decisão nem sempre é clara. Mas neste caso particular é consensual que, mesmo que eu goste do livro X, e mesmo que não comprar o livro X leve a que menos livros de que todos gostamos sejam escritos, eu ainda assim tenho o direito moral de não comprar o livro X porque a minha liberdade de decidir se o compro ou não vale mais do que aquilo que se perde com essas consequências.

    E agora vem o passo mais importante do raciocínio. Se a minha liberdade de escolher se compro ou não o livro X tem mais valor moral (ou utilidade, como queiras) do que as consequências de não comprar o livro X, então essas consequências não podem justificar restringir a minha liberdade de escolher se compro ou não o livro X. Daqui se conclui que mesmo que « se não compram os livros de que gostam à espera que outros o façam, e isso tem como implicação que livros que as pessoas gostariam de pagar para ter acabam por não ser escritos» continua a ser moralmente permissível que não comprem porque o valor moral dessa liberdade é superior ao valor moral dos livros. Se não fosse, então seriam moralmente obrigados a comprar os livros de que gostam qualquer que fosse a motivação para não os comprar.

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  49. João Vasco,

    «O facto de ser permitido por lei revender um livro faz aumentar o seu preço de mercado.»

    Por outro lado, o facto de ser permitido por lei comprar um livro em segunda mão, mais barato, faz baixar o preço de mercado dos novos devido á concorrência. Pela insistência constante das editoras em que se proíba a revenda eu diria que o efeito global é baixar o preço, e não aumentá-lo.

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  50. «por outro lado, o facto de ser permitido por lei comprar um livro em segunda mão, mais barato, faz baixar o preço de mercado dos novos devido á concorrência. Pela insistência constante das editoras em que se proíba a revenda eu diria que o efeito global é baixar o preço, e não aumentá-lo. »

    É evidente que as editoras ganham mais dinheiro se ninguém pedir livros emprestados, comprar livros usados, ou for a bibliotecas.

    Mas ganham mais dinheiro se as pessoas fizerem qualquer destas três coisas do que sacarem o livro gratuitamente. O efeito sobre a concorrência é o mesmo nos 4 casos, mas o outro é diferente, por isso o balanço é um aumento do preço numa situação face à outra.

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  51. «Estás a confundir motivação com consequências.»

    «Tu estás sempre a omitir o valor da liberdade de escolher.»


    Tu é que não estás a ler o que escrevi:

    «Claro que podes notar que aqui as consequências são diferentes.

    Mas, como fiz notar, as motivações alteram as consequências.
    Em termos estatísticos, se as pessoas não compram os livros de que não gostam, as consequências dessa decisão são positivas para todos.
    Mas se não compram os livros de que gostam à espera que outros o façam, e isso tem como implicação que livros que as pessoas gostariam de pagar para ter acabam por não ser escritos, as consequências dessa decisão são negativas para todos.

    Agora não te confundas novamente. Isto é um exemplo de como motivações diferentes têm estatisticamente consequências diferentes, e portanto importam para a avaliação da moralidade dos actos.»

    Isto responde a ambas as observações.


    E isto ficou por responder:

    «Peço-te que expliques porque é que a liberdade de «ficar com a camisola» é mais importante que a «liberdade de a furtar», e o que é que te leva a concluir que o sofrimento associado a perder a camisola é superior ao prazer de a adquirir.
    E por fim, porque é que essas coisas implicam que o acto de roubar seja imoral. Como é que concluis que um acto é moralmente inaceitável. »

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  52. João,

    «O facto de ser permitido por lei revender um livro faz aumentar o seu preço de mercado.»

    Os eBooks e os álbuns em formato digital, no início, não tinham preços diferentes do formato físico (alguns eram mais caros, vá-se lá perceber porquê). As editoras alegavam que os custos por edição eram os mesmos, e que a impressão era, de facto, um valor quase residual. Só após a onda de protestos e alguma pressão por parte da Amazon é que alguns preços desceram, nomeadamente os preços associados a pequenas editoras. Isto aponta para que o cálculo do melhor preço para um produto não esteja tão relacionado assim com a possibilidade de o vender depois. O método de cálculo de um preço é um assunto interessante, mas é outro assunto, e está mais relacionado com uma equação simples para onde se atiram vários preços e o número de unidades vendidas estimadas para cada preço. A relação preço/unidade vendida que preveja um maior lucro é a escolhida. Isto remete-nos para a questão dos livros e os CDs serem muito caros: de facto, não são.

    Também há aqui outra questão interessante: dizes que a venda de usados é legítima porque é prevista e o seu efeito influencia o preço final. Então se a cópia gratuita for prevista e influenciar o preço final, já se torna moral?

    «Consultar a música na biblioteca ou comprá-la numa loja de usados beneficia a editora indirectamente (em termos estatísticos).»

    Deixas-me curioso: em que medida isso acontece e como foi determinado?

    Parece-me que o único motivo pelo qual aceitam as bibliotecas mais que a cópia pirata é, simplesmente, o volume: não há tanta gente assim a depender das bibliotecas para o seu consumo cultural.

    Mas deixa-me realçar que a tua resposta foge ao que está a ser discutido: a moralidade da minha escolha. Ora, supõe que eu considero os possíveis efeitos positivos da existência de bibliotecas não superiores aos possíveis efeitos positivos da cópia pirata, e que considero os efeitos negativos semelhantes. Para mim, como agente moral e individual, cada obra X sacada ou consumida numa biblioteca é uma obra X não comprada, mas disfrutada à mesma. Após a criação da biblioteca e das obras lá estarem, eu posso escolher nunca mais comprar um livro/CD/DVD na vida porque sei que, mais cedo ou mais tarde, vou aceder-lhes na Biblioteca. Em qual das duas situações eu serei mais ou menos moral?

    Mas existem outras situações que certamente não beneficiam as editoras:

    - Um amigo cansou-se de X ou achava que ia gostar e já não gosta. É imoral aceitar X desse amigo, gratuitamente?

    - Três casais amigos gostam de ler, mas andam sem dinheiro. Decidem que cada um deles vai comprar dois livros e que, ao longo do ano, rodam esses livros entre si. Isto é imoral?

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  53. Leandro Ribeiro:

    A liberdade de escolher é importante, mas nota que há liberdades que são restringidas, tal como a liberdade de furtar.

    Aquilo que te quis mostrar é que as consequências de comprar um livro usado ou ir a uma biblioteca são diferentes de sacar o livro na internet.

    Se justificam a limitação da liberdade de, por exemplo, fotocopiar um livro e vende-lo, isso já depende da avaliação das consequências, e do acordo social em relação à melhor forma de implementar um sistema favorável.

    Uma razão importante para impedir o furto é o reconhecimento de que se essa prática fosse generalizada, as consequências seriam muito negativas para todos.
    Será que o mesmo acontece com os livros? E com as músicas? E com os filmes?

    Por hipótese imagina um mundo em que o mero empréstimo de filmes teria como consequência a impossibilidade de produzir filmes que as pessoas gostassem. Nesse mundo a venda de filmes correspondia a um contrato em que o comprador se comprometia a não o emprestar a ninguém. Seria imoral violar esse contrato? Parece-me possível...

    Se as pessoas protegessem por lei esses contratos, estariam a revelar uma preferência por abdicar do direito de emprestar filmes aos amigos, mas poder desfrutar de filmes que gostassem.
    Quem sabotasse essa lei emprestando filmes, estaria a ter uma atitude imoral.

    Na realidade o problema é mais complicado: não só as actuais leis de protecção dos direitos de autor têm pouca legitimidade democrática (são resultado da influência ilegítima das editoras sobre os representantes dos cidadãos), como é difícil efectivar a lei sem invadir a privacidade das pessoas, que é mais importante.
    Mas isso é o problema legal.

    O problema moral é diferente. E por isso pergunto se concordas com o Ludwig em relação ao problema da vaquinha.

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  54. O problema da vaquinha:

    «Agora imagina que 10 amigos querem comprar uma antena parabólica para uma quinta de todos onde costumam fazer festas. Todos eles querem a antena, e estão mais do que dispostos a pagar por ela. Cada um pagaria até o seu custo integral, mas vão dividi-lo por 10.

    Mas não, porque o Jeremias, que quer tanto a antena como os seus amigos para ver os jogos de futebol com eles, sabe perfeitamente que não precisa de pagar um tostão. Diz que se recusa a pagar, pois sabe que o custo da antena será paga pelos seus amigos.»

    Dadas estas motivações (o Jeremias não recusa participar na vaquinha por não estar interessado, ou não estar disposto a pagar 1/10 do custo por aquele serviço se não tivesse outra oportunidade, mas sim porque tem oportunidade de usufruir do mesmo ganho sem ter de pagar nada) a atitude do Jeremias é imoral ou não?

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  55. João Vasco,

    «Mas, como fiz notar, as motivações alteram as consequências.»

    Isto parece-me um mal-entendido com os termos. As consequências são o que acontece por causa do acto. Se eu te espetar uma faca na barriga, sangras. As consequências não são função da motivação pela qual te espeto a faca. Desde que espete daquela maneira, naquela situação, as consequências serão aquelas. E a comparação não é entre não comprar o livro do qual não se gosta e não comprar o livro de que se gosta. Neste caso dos livros, o que eu quero dizer é:

    O acto é o acto de não comprar um livro do qual a pessoa gosta.

    As consequências são haver menos dinheiro para livros como esse, e eventualmente a falência de editoras, etc.

    A motivação é aquilo que levou essa pessoa a decidir não comprar o livro do qual ela gosta.

    Eu digo que o acto é moralmente permissível porque a pessoa tem o direito de não comprar o livro, independentemente daquilo que a motivar a optar por não comprar o livro (não tem dinheiro, prefere gastar noutras coisas, não gosta do vendedor, etc, tanto faz).

    O que tu afirmas parece ser que é moralmente permissível não comprar o livro do qual se gostas por antipatizar com o vendedor, ou por qualquer outra razão, excepto se for porque já se tem uma cópia do livro. Porquê? Porque é que a cópia faz perder o direito moral de não comprar?

    «Isto é um exemplo de como motivações diferentes têm estatisticamente consequências diferentes»

    Não. Isso é um exemplo de como pessoas com gostos diferentes têm probabilidades diferentes de optar por A ou B. Mas isso é irrelevante para decidir se as pessoas têm o direito de optar por A ou B.

    «E isto ficou por responder:»

    E quando não for isso será outra coisa qualquer, porque tu insistes em só inventar cenários e pedir esclarecimentos sem enunciar nada com clareza. Mas vou tentar de novo.

    O problema da propriedade privada sobre bens materiais não tem nada que ver com o que estamos aqui a discutir. Esse problema é um de ponderar o valor de liberdades e outras utilidades, e determinar assim se temos ou não o direito moral de agir de certa forma (e.g. reforma agrária, roubar roupa, etc). O problema que aponto neste post é diferente. Neste caso, já concordamos à partida que a liberdade de não comprar o livro tem o valor maior. O problema é só a inconsistência de defender, apesar disso, que não comprar o livro por ter uma cópia é imoral, apesar de não comprar o livro ser um direito moral. É como dizer que um homem tem o direito moral de beijar outro a menos que seja homossexual, porque nesse caso aumenta a probabilidade de beijar outros homens, ou algo do género...

    No caso de só uma pessoa poder ter o usufruto exclusivo desse bem, conceder essa liberdade a um ou a outro vai resultar no mesmo valor moral. Apenas muda a pessoa, mas no total é indiferente. Assim, precisamos só considerar o contributo dos outros factores para a utilidade (reduzir conflitos, estabilidade social, comércio, etc). Isto a menos que as restrições da liberdade sejam excessivas. Por exemplo, uma pessoa ser dona de um terreno grande e não deixar ninguém lá passar pode já prejudicar a liberdade dos outros para além do que é inevitável. Nesse caso obriga-se aos donos de propriedades ceder passagem a quem queira aceder a terrenos vizinhos.

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  58. «O acto é o acto de não comprar um livro do qual a pessoa gosta.

    As consequências são haver menos dinheiro para livros como esse, e eventualmente a falência de editoras, etc.

    A motivação é aquilo que levou essa pessoa a decidir não comprar o livro do qual ela gosta.»

    Eis como a motivação altera as consequências. Já expliquei isto, mas agora tentarei ser ainda mais claro.

    A situação:

    O músico XPTO tenta ganhar dinheiro da forma que sugeres: põe uns mp3 de música sua, na esperança que as pessoas gostem.
    Depois diz que se as doações chegarem às 20 moedas, ele irá fazer uma música que colocará na internet, livre para o o mundo. As pessoas podem copiar e tudo o mais.
    20 pessoas tomam contacto com a proposta do autor.
    Vou supor que cada uma destas 20 pessoas se recusa a pagar o que quer que seja.

    Motivação A:
    A pessoa considera que a música não presta, ou até é boa, mas não vale uma moeda.

    Motivação B:
    A pessoa considera que a música é óptima. Pagaria até 2 moedas por ela. Mas para quê pagar, se depois provavelmente a posso obter gratuitamente?

    Consequências independentes das motivações de cada uma das pessoas:
    -O músico XPTO arranja outra profissão qualquer, e deixa de fazer música.

    Consequências para a motivação A:
    -O músico XPTO ter arranjado outra profissão foi o resultado melhor para todos.

    Consequências para a motivação B:
    -O músico XPTO ter arranjado outra profissão foi um resultado péssimo para todos.

    ----

    «E quando não for isso será outra coisa qualquer, porque tu insistes em só inventar cenários e pedir esclarecimentos sem enunciar nada com clareza. Mas vou tentar de novo.»

    Discordo dessa acusação, mas também a considero irrelevante.
    Este é o teu blogue, eu também tenho os meus. Quando escrevo um post, respondo por ele, sei que está sob escrutínio.
    Mesmo que esse post seja a criticar a posição de alguém, sei que nesse post é a minha crítica que está sob escrutínio.

    «O problema da propriedade privada sobre bens materiais não tem nada que ver com o que estamos aqui a discutir.» Tem a ver com aquilo que te estou a perguntar.
    Eu quero saber qual os teus critérios para chegares a algo em que ambos concordamos. Depois de os conhecer, poderei avaliar se a diferença que apontas justifica outra avaliação, como dizes ser o caso, ou não.


    «Apenas muda a pessoa, mas no total é indiferente. Assim, precisamos só considerar o contributo dos outros factores para a utilidade (reduzir conflitos, estabilidade social, comércio, etc).»

    Estás a dizer que o que importa é a utilidade, certo?
    Portanto consideras que a liberdade tem uma utilidade X, esses factores todos têm a sua utilidade, o usufruto do bem tem outra utilidade (discorde que seja independente de quem a usufrui, mas isso é outra discussão), e que é imoral roubar porque considerando tudo o valor previsível de utilidade é negativo. É isso?

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  59. Tanta conversa para dizer uma coisa tão simples: o Ludwig é um crava.

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  60. João Vasco,

    «Aquilo que te quis mostrar é que as consequências de comprar um livro usado ou ir a uma biblioteca são diferentes de sacar o livro na internet.»

    Mas não mostraste, só disseste que assim era, e eu até discordei.

    «Uma razão importante para impedir o furto é o reconhecimento de que se essa prática fosse generalizada, as consequências seriam muito negativas para todos.»

    Não: a razão para impedir o furto é o reconhecimento de que essa prática é (quase) sempre negativa e socialmente prejudicial, mesmo quando feita por apenas uma pessoa. Não concordo que algo possa considerar-se imoral porque a situação limite (quando todos o fizerem) resulta em coisinhas desagradáveis para a maioria. Aliás, bem vistas as coisas, quase todas as situações limite descambam em chatice. Se todos formos para a mesma praia, no mesmo dia, à mesma hora, isso torna aquela praia uma bosta, mas a escolha de o fazer não é imoral por causa disso.

    Voltemos à biblioteca: se toda a gente passar a usar bibliotecas para o seu consumo cultural, então isso é mau para as editoras. Poderás dizer que não, pois as bibliotecas teriam de arranjar mais exemplares, ao que eu responderia que a) as pessoas poderiam aceder apenas ao que estivesse disponível e essa necessidade não se levantaria; b) nunca as bibliotecas iriam adquirir exemplares em número suficiente para manter a margem de lucro que as editoras tentam manter - e é isso que está em causa, as margens de lucro das editoras, não é a subsistência das livrarias ou das lojas de CDs, senão eras contra a generalização dos downloads legais - não és, pois não?

    Ambas os casos (bibliotecas e downloads ilegais) resultam em consequências chatas para as editoras quando consideramos as situações limite, mas acusas apenas uma das práticas de imoral e eu ainda não percebi porquê.

    (o resto vai a seguir)

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  61. (continuando)

    «O problema moral é diferente. E por isso pergunto se concordas com o Ludwig em relação ao problema da vaquinha.»

    O problema da vaquinha é complexo, e, pessoalmente, ainda não "decidi" se a motivação é ou não um factor a ter em conta na avaliação de uma decisão moral. Tu já decidiste que sim; o Ludwig já decidiu que não. Eu não sei (eu adoro não saber, já agora), mas vamos assumir que sim só para ver no que dá:

    O Jeremias diz aos amigos que não quer participar na vaquinha. A partir daqui há vários cenários no que diz respeito à motivação. Imagina que o Jeremias até queria ter a parabólica desde o início, mas foi despedido recentemente e anda fraco de tostões, no entanto tinha vergonha de o admitir. Agora imagina que o Jeremias até tinha dinheiro, mas não tinha interesse em ver parabólica todos os dias, como os amigos, no entanto pede-lhes para ver um programa específico de vez em quando. Outra hipótese é o Jeremias achar que não vai querer a parabólica para nada, no início, mas depois dela comprada fica viciado sem contar. Ainda outro cenário, o Jeremias não paga nada, mas não paga porque vai muitas vezes a casa de um outro amigo que tem parabólica, a pagou por inteiro, não lhe pediu nada e deixa o Jeremias ir para lá sempre que quiser. É claro que o cenário que te interessa é a do Jeremias querer manipular os amigos de modo a ter uma parabólica de borla, mas não é o único cenário, há muitos, e resultam sempre no Jeremias a não pagar e a ver.

    Quando atiras as motivações para o saco, tens cenários até dar com um pau. E agora uma escala moral para isto tudo? Como avalias a moralidade do Jeremias em cada cenário? E como transpões as tuas conclusões para os downloads ilegais, se encontras todas aquelas motivações em quem os faz? Se eu fizer download de um álbum de que gosto mesmo mesmo mesmo muito, isso é menos moral se o fizer porque não tenho mesmo dinheiro nenhum, do que se tiver dinheiro, mas preferir usá-lo num restaurante com a professora de psicologia?

    E agora tens uma chatice:

    A - Se a motivação for relevante para determinar a moralidade de um acto, então muitos downloads ilegais não podem ser considerados imorais, logo o download ilegal por si só não pode ser considerado imoral.

    B - Se considerares que todos aqueles cenários são imorais, então a motivação é irrelevante para determinar a moralidade de uma acção, e os downloads ilegais não são mais imorais que a não compra de um CD.

    Qual é qual?

    Para complicar ainda mais as coisas, que eu detesto-as simples, peguemos no exemplo da Wikipédia que o Nuno usou. É imoral eu usar a Wikipédia sem alguma vez ter contribuído financeiramente? E usar a Enciclopédia Britânica sem pagar? As consequências são semelhantes: os serviços podem fechar; as motivações as mesmas: quero aceder a informação sem pagar. A única coisa que muda é que a primeira torna as contribuições facultativas e a outra não. É isto o suficiente para transformar um gesto moral num imoral? Ou ambos são imorais?

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  62. Leandro:

    Por acaso concordo com o teu primeiro ponto. Creio que foi um lapso da minha parte ter dado a entender que um comportamento que só tenha consequências negativas se todos o tiverem é mau se alguém o tiver. Nunca acreditei nisso.
    Aquilo a que me referia é que há casos em que as consequências negativas mais indirectas de um acto são visíveis apenas quando imaginamos o acto como generalizado. Só aí compreendemos a contribuição de cada acto individual para esse desfecho.

    Sacar um filme na internet parece não afectar ninguém a não ser a produtora. Mas quando percebemos que esse comportamento generalizado pode fazer com que certos filmes que as pessoas gostariam de ver já não são viáveis, então é mais fácil identificar o contributo de cada download para esse desfecho, que não prejudicou apenas a produtora.

    Sobre o dilema que me colocas, já várias vezes (antes de leres o blogue, se calhar) dei a resposta A. Se não pagarias pela música de qualquer forma, então sacá-la não prejudica ninguém.
    MAS, é preciso ter em atenção que nós somos maus juízes em causa própria. Quando o nosso interesse está em jogo, podemos ter uma percepção enviesada.
    Assim, não é necessariamente igual sacar um filme quando não se iria efectivamente pagá-lo caso não houvesse alternativa, ou sacá-lo porque se julga que não se iria pagá-lo. É preciso ter cuidado para fazer um julgamento justo a esse respeito.

    Sobre a wikipedia, eu sinto alguma obrigação de contribuir em dinheiro (além de conteúdo), às vezes custa-me e não me apetece, mas já perdi a conta de quantas vezes o fiz.
    Novamente a moralidade do acto de não contribuir também depende da motivação.
    Eu certamente não contribuiria para a wikipedia em português, que me parece uma boa treta. Mas não para me aproveitar gratuitamente do trabalho dos outros.

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  63. Peço desculpa pelos erros gramaticais :s

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  65. Sobre as bibliotecas, vejamos assim: comecemos por imaginar que sacar livros da internet é perfeitamente legal.

    Imagina que em resultado de sacar livros da internet, algumas pessoas compram o livro quando não o comprariam de outra forma (não tomariam contacto com ele, ou algo assim). Chamemos a esse valor x1. Imagina que em resultado de poderem sacar livros, as editoras perdem clientes, e chamemos a esse valor y1.

    Agora imagina que em resultado de poder usar bibliotecas, um número de pessoas deixa de comprar o livro, quando de outra forma o compraria y2.
    Agora temos de contar o fenómeno análogo ao ponto anterior (pessoas que compram os livros devido ao facto de terem tomado contacto com ele, devido ao facto de estar disponível nas bibliotecas), correspondente ao número x2.
    E por fim, o número total de livros comprados pelas bibliotecas, w2.

    Se y2/(x2+w2) = y1/x1, então concordo que a moralidade dos actos é igual.
    E, obviamente, se a diferença for pequena, não se justifica dizer que um é moral e outro não.



    Não creio que seja o caso. Além da diferença da legalidade (em que medida é que isso deve ser considerado para a questão moral desvia um bocado a discussão) existe -a meu ver - uma significativa diferença nos quocientes, que leva a uma significativa diferença nas consequências. Em tal medida que um acto pode pôr em causa a viabilidade de certas criações, e o outro não (ou muito mais dificilmente).

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  66. João,

    «Se y2/(x2+w2) = y1/x1, então concordo que a moralidade dos actos é igual.»

    Acho que simplificas muito os parâmetros da tua "equação das bibliotecas". Faltam aí coisas como festivais de cinema mais à pinha, concertos e festivais de verão com cada vez mais participantes, etc, tudo coisas em que os downloads são mais fortes que as bibliotecas (w1?). De qualquer modo, o valor real dos teus parâmetros é uma discussão diferente desta. Tens um problema operativo. Vamos atirar uma constante para a equação (e w1, para sermos justos):

    y2/(x2+w2) = k y1/(x1+w1)

    A partir de que valor de k é que considerarias os downloads morais? E porquê?
    Para além disso, se k for igual a 1, são os downloads que deixam de ser imorais ou são as bibliotecas que passam a ser?

    De qualquer modo, a equação não reflecte o problema tal como o apresentaste. Esta equação só dá o tal resultado chungoso se assumirmos que, por algum motivo, há diferenças nas pessoas que vão às bibliotecas e nas pessoas que fazem downloads ilegais, de tal modo que y2/x2 seja muito superior a y1/x1, mas não diz nada de haver diferenças entre o acto de não comprar um CD porque o vou sacar ou o acto de não comprar um CD porque vou ouvi-li para a biblioteca. Nada impede as pessoas de se comportarem, em massa, de modo a que y2/x2 >> y1/x1, o que remete outra vez o problema para a questão do volume - é mau se todos o fizermos. Esta questão do volume chateia-me enquanto requisito para avaliar a moralidade de uma acção.

    A equação também não resolve o meu problema moral, enquanto indivíduo. Se eu for à biblioteca ler livros para não ter de os pagar, mesmo tendo dinheiro para isso, estou a ser menos imoral que se os sacasse em PDF?

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  67. «Acho que simplificas muito os parâmetros»

    O problema destas discussões é que frequentemente têm de existir simplificações. Não só porque o meu tempo para escrever é limitado, mas porque a tua disposição para ler também.. Ninguém quer os testamentos que nem eu quero escrever, mas teria se quisesse evitar ao máximo as simplificações.


    «A partir de que valor de k é que considerarias os downloads morais? E porquê?»

    Não tenho resposta para essa pergunta.

    E por isso mesmo admito a possibilidade de estar equivocado.

    Aquilo que me parece é que cada download individual (numa situação em que quem o faz iria comprar o produto se não tivesse alternativa) tem um impacto significativo no sentido de desincentivar a criação das obras em causa, coisa que não me parece que aconteça nas consultas à biblioteca. Aliás penso que isso é que justificou o quadro legal actual, se bem que entretanto já tenha sido distorcido por factores alheios ao processo democrático...

    «A equação também não resolve o meu problema moral, enquanto indivíduo. Se eu for à biblioteca ler livros para não ter de os pagar, mesmo tendo dinheiro para isso, estou a ser menos imoral que se os sacasse em PDF?»

    Resolve por causa do divisor do quociente. Antecipando consultas como a tua, a biblioteca comprou o livro. Se não tivesses sacado o pdf, esse livro mais dificilmente teria sido comprado.

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  68. João Vasco,

    Mais uma vez, forças cenários confusos que só baralham as coisas. Agora ou todos gostam ou ninguém gosta, e nem se percebe de onde vem a moralidade.

    Proponho que faças assim: propões uma regra clara que queres ilustrar ou refutar com o cenário, e explicas porque o cenário ilustra a regra, justificando.

    Por exemplo, a minha regra é que a motivação, por si só, mantendo o resto constante, não pode tornar imoral algo que seria moralmente aceitável se a motivação fosse outra. A justificação para isto é que algo é moralmente aceitável quando o valor moral da liberdade de escolha é superior ao valor moral das consequências, e se as consequências são as mesmas essa relação não pode mudar com a motivação.

    O exemplo que ilustra isto é o de uma data de pessoas terem várias opiniões acerca da música – opiniões essas que são independentes da minha motivação ou decisão, portanto constantes – e eu decidir não comprar essa música, com consequências nefastas para os apreciadores da música.

    É moralmente aceitável eu não comprar a música porque não gosto, porque não quero gastar dinheiro, porque não quero perder tempo a ouvir música, apesar de gostar, porque gosto muito da música mas gosto ainda mais de chocolate e prefiro comprar chocolate, e mais uma data de situações em que as consequências e os gostos da restante população mundial são sempre exactamente os mesmas. Em todos estes casos eu tenho o direito moral de não comprar a música porque, independentemente da minha motivação ou do meu gosto pela música, o valor moral da liberdade de decidir isso por mim é superior ao valor moral das consequências que isso possa ter para os outros.

    Pela mesma razão, nesse cenário (em que as consequências são iguais, os gostos dos outros são constantes e não são assunto da minha responsabilidade, etc) é moralmente permissível que eu não compre a música porque o meu irmão me oferece o CD, porque sei que vai dar na rádio mil vezes, porque o meu vizinho está sempre a ouvi-la aos altos berros ou porque descarreguei o mp3 do rapidshare.

    Se não concordas com isto, explica (justificando a regra em que te baseias) porque é que no caso de descarregar o mp3 do rapidshare a minha decisão de não comprar se torna imoral **quando tudo o resto é constante** (não mudes os gostos das outras pessoas porque, mesmo que os gostos delas mudem, isso não é culpa minha)

    «Portanto consideras que a liberdade tem uma utilidade X, esses factores todos têm a sua utilidade, o usufruto do bem tem outra utilidade (discorde que seja independente de quem a usufrui, mas isso é outra discussão), e que é imoral roubar porque considerando tudo o valor previsível de utilidade é negativo. É isso?»

    Pode ser. Desde que não te esqueças de incluir o valor da liberdade na utilidade, funciona. Assim, seja U o valor moral das consequências para os outros por eu não comprar o livro em vez de o comprar. U depende dos gostos dos outros, mas não depende de eu decidir assim por me emprestarem ou por fazer uma cópia. As consequências para os outros são as mesmas. Seja L o valor moral da minha liberdade de escolher se compro ou não o livro. Este valor é igual para todos nós, independentemente de gostarmos do livro, termos o livro, nos emprestarem, etc, porque é o valor de poder decidir. Se U+L>0 no caso de me emprestarem o livro e, por isso, nesse caso, eu tenho o direito moral de não comprar o livro, então U+L>0 também no caso de descarregar o pdf, e também nesse caso tenho o direito moral de não comprar o livro.

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  69. Leandro,

    «O problema da vaquinha é complexo, e, pessoalmente, ainda não "decidi" se a motivação é ou não um factor a ter em conta na avaliação de uma decisão moral.»

    O valor moral da decisão depende da motivação. A motivação pode tornar um acto moralmente permissível mais louvável (por exemplo, se alimentas crianças esfomeadas porque é justo é mais louvável do que se o fizeres só para aparecer na televisão), ou um acto imoral mais condenável (se partiste a perna a um tipo porque te irritaste é menos condenável do que se for porque te dá gozo ver outros sofrer).

    Mas a motivação, por si própria, não pode tornar um acto moralmente aceitável num acto imoral. A partir do momento que tu admites ser moralmente aceitável, por exemplo, recusar a vaquinha, estás a dizer que qualquer pessoa tem o direito moral de recusar a vaquinha. E não faz sentido dizer que tem esse direito, mas se o quiser exercer porque pensa que vai beneficiar da parabólica à mesma então já não tem esse direito. Ou tem o direito, e pode exercê-lo pela razão que bem entender, ou então não tem esse direito.

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  70. João Vasco,

    «Aquilo que me parece é que cada download individual (numa situação em que quem o faz iria comprar o produto se não tivesse alternativa) tem um impacto significativo no sentido de desincentivar a criação das obras»

    Se a critica negativa tiver um impacto significativo na redução da compra e, assim, na criação das obras, consideras imoral criticar negativamente uma obra?

    E, se não, se achas que cada um tem o direito moral de transmitir a outros informação acerca da obra mesmo que isso possa desincentivar a criação das obras quando a informação é uma crítica negativa, como justificas classificar de imoral a transmissão de uma representação digital da obra apenas por ter a mesma consequência de uma crítica negativa?

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  71. Nuno Gaspar,

    «Tanta conversa para dizer uma coisa tão simples: o Ludwig é um crava.»

    Claro. É por isso que disponibilizo gratuitamente os textos que escrevo, as aulas que preparo, os artigos que publico e o software que vou fazendo. Não sou como os que exigem monopólios para poder ganhar dinheiro com rodelas de plástico.

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  72. Ludwig:

    «Por exemplo, a minha regra é que a motivação, por si só, mantendo o resto constante, não pode tornar imoral algo que seria moralmente aceitável se a motivação fosse outra.»

    Já reconheceste que isso era errado no caso do político.

    «Se a critica negativa tiver um impacto significativo na redução da compra e, assim, na criação das obras, consideras imoral criticar negativamente uma obra?»

    Já respondi tantas vezes a isso.


    Venceste-me por fatiga. Novamente.

    Continuo absolutamente convencido que não és capaz de caracterizar correctamente a minha posição, que a tua posição é errada e os teus princípios morais mesmo muito defeituosos.

    Isto pareceu-me claro na discussão sobre o aborto (principalmente na parte estatística em que te trocaste todo com contradições que apontei várias vezes), na discussão sobre o direito internacional, e nesta discussão sobre o copyright.

    Outra coisa que também é clara é que andamos aos círculos. Tu dizes que eu sou pouco claro, mas eu tenho uma posição que é realmente muito complicada e tu és incapaz de entender uma coisa tão simples como a forma como as motivações afectam as consequências depois de a ter explicado de três formas diferentes. Como o Mats, parece que te esqueces de tudo aquilo que já antes tinha demonstrado.

    Outro dia pode ser que escrevas sobre este assunto e eu volte a estar com paciência e disposição para discutir isso. Ou até voltar a esta caixa de comentários e explicar-te novamente, tentando ser mais claro AINDA aquilo que já expliquei.

    Mas hoje não.
    Espero ter deixado claro para qualquer outro leitor a razão pela qual defendo que a motivação importa. Contigo sinto que não queres entender, e és muito criativo a encontrar formas de não perceber.

    Não te quero mesmo ofender (e sei que tens casca grossa, felizmente) até porque gosto muito de ler os textos e de discuti-los, mas há situações de bloqueio em que eu deixei de acreditar que vale a pena. Só valeria para um terceiro, e para esse a minha posição (quanto à importância da motivação) já terá ficado clara, e se não tiver posso responder-lhe a ele.

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  73. João Vasco,

    «Já reconheceste que isso era errado no caso do político.»

    Não. No teu cenário do politico tu acrescentaste que ele julgava estar a fazer algo bem mas estava na realidade a fazer algo mal por equívoco. Isto não é o mesmo do que mudar só a motivação.

    E ainda não te vi a explicar como é que a motivação torna imoral o exercício de um direito moral. Dá-me um exemplo de um direito que eu tenha -- algo que eu tenho o direito moral de fazer se quiser -- mas que se justifique negar-me em função apenas da motivação mantendo tudo o resto constante. Sem essas coisas de pensar que faz bem e faz mal ou todos passarem a gostar muito da música, etc.

    «Já respondi tantas vezes a isso.»

    Faz copy-paste, porque, na verdade, não me lembro.

    Pelo que percebo do teu argumento, dizes que é imoral copiar ficheiros porque isso faz diminuir a percentagem de pessoas que compra e isso prejudica todos. Isto implica, sendo o resto constante, que também é imoral criticar negativamente uma música se isso faz diminuir a percentagem de pessoas que a compra.

    Já agora, é moralmente aceitável eu sacar da net ficheiros de músicas que eu detesto e que nunca compraria? É que parece ser isto que tu defendes, mas, por outro lado, também me parece ser disparatado que eu só tenha o direito moral de sacar ficheiros de músicas das quais não gosto, mas que perca esse direito se gostar da música. É como reconhecer o direito moral de casar com alguém do mesmo sexo mas apenas se a pessoa não gostar...

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  74. João Vasco,

    «uma coisa tão simples como a forma como as motivações afectam as consequências»

    As motivações não afectam as consequências. Tu é que estás a invocar cenários em que as consequências mudam. Por exemplo:

    «20 pessoas tomam contacto com a proposta do autor.
    Vou supor que cada uma destas 20 pessoas se recusa a pagar o que quer que seja.

    Motivação A:
    A pessoa considera que a música não presta, ou até é boa, mas não vale uma moeda.

    Motivação B:
    A pessoa considera que a música é óptima. Pagaria até 2 moedas por ela. Mas para quê pagar, se depois provavelmente a posso obter gratuitamente?»


    O que tu mudaste aqui não foi a motivação mas o valor das consequências. Se consideras que consequências e motivação são o mesmo, é claro que não percebes como se pode variar uma mantendo a outra constante.

    Mas considera isto:

    Para a pessoa X a música vale 2 moedas. Para cada um dos outros 10,000 fãs a música vale 10 moedas. A pessoa X decide não comprar a música, e isso resulta, por alguma razão estranha, em o artista não querer compor mais.

    O que é que motivou a pessoa X a não comprar a música? Tanto faz. Não lhe apeteceu sair de casa. Preferiu comprar um chocolate. Preferiu esperar uns tempos a ver se o CD ficava mais barato. Decidiu chatear os fãs. Seja como for, a consequência é a mesma. O artista não compôs mais.

    Agora se eu disser:

    Motivação 1: não compra a música porque vai matar o artista à facada e torturar os 10,000 fãs.
    Motivação 2: compra a música porque vai acabar com a fome no mundo e curar todos os que sofrem de SIDA

    Aí já dá para ver alguma diferença, mas isso é porque estou a misturar a mudança na motivação com a mudança no valor das consequências.

    Ou então:

    Motivação 1: não compra a música porque julga que isso é a melhor maneira de motivar o artista, quando na verdade não é.
    Motivação 2: compra a música porque sabe que isso é a melhor maneira de incentivar o artista

    Neste caso baralha-se a motivação com um equívoco, o que altera a responsabilidade moral.

    Este é o tipo de confusão que tens feito com as moedas, o político, os amigos da parabólica, etc. E nunca explicaste como se justifica negar a alguém um direito moral só por causa da motivação pela qual essa pessoa o quer exercer.

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  75. Uma última tentativa breve:

    As consequências de violar a regra «participas na vaquinha se estarias disposto a pagar a tua parte para ter aquele serviço» são diferentes das consequências de violar a regra «participas em qualquer vaquinha que te proponham», por isso pode ser imoral violar uma sem ser imoral violar outra.
    Por isso, confundir as regras alegando que a motivação é irrelevante é um erro.

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  76. João Vasco,

    Tu podes inventar regras arbitrárias de forma a que, conforme a motivação, a regra seja violada ou não. Por exemplo "és obrigado a beijar um homem a menos que queiras beijar um homem".

    Mas o que eu estou a propor é que um direito moral não se transforma em imoralidade apenas por causa da motivação. Ou seja, estou a falar de regras que têm uma justificação ética, e não regras quaisquer.

    É essa parte que te falta. Estás a dizer que, tudo o resto sendo igual, eu perco o direito moral de recusar a vaquinha se me interessar o resultado. Agora falta dares-me o fundamento ético para isso. Como é que as minhas preferências me tiram direitos morais?

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  77. Ludwig, creio que continuarás sem entender a minha posição. Desculpa, mas creio que expliquei o suficiente.

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  78. Ludwig,

    "É por isso que disponibilizo gratuitamente os textos que escrevo..."

    Partilhas com os outros aquilo que entenderes. Não podes obrigar que os outros partilhem gratuitamente contigo aquilo que não querem.

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  79. Post e comentários muito interessantes, em tendo oportunidade irei com mais cuidado comentar.

    Mas não concordo com a lógica apresentada no post, e isso explico já porquê: nos CDs "não tem efeito a não ser na eventual venda perdida" é muito diferente de não ter efeito, nos casos em que há venda perdida. Se um músico edita um CD numa tiragem de 500 exemplares e não os conseguir vender, terá dificuldade em financiar o seu próximo CD, principalmente numa tiragem de 500 exemplares. E se o CD seguinte tem uma tiragem inferior, o custo de produção é superior por unidade.

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  80. Mind booster noori,

    Esse efeito é o que estou a considerar como consequência da venda perdida. O meu argumento é diferente.

    Se tu editas um CD, eu tenho o direito moral de não comprar. Pode ter esse efeito. Até podes ir à falência por isso. Mas é um negócio, num mercado livre, e ninguém tem a obrigação moral de comprar o que tu vendes.

    O meu argumento é que se é um direito moral não te comprar o CD, então não deixa de ser um direito moral seja por que razão eu decido não comprar o CD. Pode ser porque não gosto da música, pode ser porque te quero chatear, pode ser porque me emprestaram o CD ou pode ser porque saquei do rapidshare. Se reconheces que eu tenho o direito moral de não comprar, não podes dizer que ajo de forma imoral só porque não compro.

    Este argumento visa a posição que diz que copiar é imoral porque se a pessoa copia depois não vai comprar (sendo moralmente aceitável que copie se comprar também). Eu rejeito esse argumento porque uma conduta não pode ser imoral apenas pelo facto de incluir o exercício de um direito moral. Isso é uma contradição.

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  81. João Vasco,

    «Ludwig, creio que continuarás sem entender a minha posição. Desculpa, mas creio que expliquei o suficiente.»

    Não tens nada que pedir desculpa, mas eu acho que não explicaste nada. Apenas inventaste vários cenários, mas nunca explicaste o fundamento ético dessa tua posição. Disseste apenas que era muito complicado.

    A minha explicação é simples. Se admitimos que o valor moral da liberdade de fazer X é mais alto do que o valor moral das consequências de X, então dizemos que é um direito moral (moralmente permissível) fazer X. Nesse caso, para essas consequências, independentemente do motivo pelo qual o agente exerce o seu direito moral de fazer X, não é consistente afirmar que o agente age de forma imoral apenas por fazer X. Isto porque a motivação não altera o facto de o valor moral das consequências ter menos peso do que o valor moral da liberdade de fazer X.

    Os teus cenários não refutam isto e não apresentas nenhum fundamento para que se considere imoral o exercício de um direito moral. "Pode-se fazer; mas é proibido" ;)

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  82. Nuno Gaspar,

    «Partilhas com os outros aquilo que entenderes. Não podes obrigar que os outros partilhem gratuitamente contigo aquilo que não querem.»

    Estou inteiramente de acordo. As confissões de ateísmo que tu escreves no teu diário secreto, por exemplo, são material privado e sou contra que as divulguem sem a tua autorização. Não quero obrigar ninguém a partilhar gratuitamente comigo aquilo que não queiram partilhar.

    Mas, tal como o autor que publica e vende livros com os seus textos abdica do direito moral de proibir os outros de divulgar essa obra -- contando a história, lendo em voz alta, emprestando, etc -- também não tem fundamento moral para proibir que as pessoas, por sua conta, com os seus computadores e a electricidade que elas pagam, copiem representações digitais do texto que ele decidiu tornar público.

    Não me podem obrigar a publicar coisas aqui. Mas, uma vez que eu decido publicá-las, já não vos posso proibir de falar delas, de as criticar, de as copiar, etc.

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  83. Ludwig,
    Confundes. Meras opiniões e trabalho para sustentar a família. Julgas que todos chegam ao fim do mês sem pensar se têm trabalho para o mês seguinte?

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  84. Nuno Gaspar,

    Não confundo nada disso. Há quem ganhe o seu dando opiniões. Consultores, colunistas, etc. A diferença é que, num mercado livre, só tem a obrigação moral de pagar por um trabalho aquele que se comprometeu a isso com quem faz o trabalho. Se me prometeres 100€ por te dar uma opinião, tens a obrigação moral de me pagar 100€ quando ta der. Mas se não me prometeste nada e eu ponho a minha opinião à venda, num mercado livre não tens obrigação nenhuma de sustentar a minha família só por causa disso.

    (E esta é a razão principal para que o sustento da família não fique a cargo do mercado livre... não passar fome devia ser reconhecido pela sociedade como um direito fundamental e não um extra para quem tenha dinheiro).

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  85. João Vasco e Marcos,

    Imaginem (não é difícil) que há problemas económicos e cada eleitor pode escolher de vota à esquerda ou direita. A esquerda equivale à “vaquinha”, repartindo o esforço de forma a proteger os que têm menos. A direita equivale aos mais ricos escaparem da vaquinha, baixando salários, reduzindo impostos às empresas, e dando ainda oportunidades de negócio com privatizações. Vamos supor que todos os eleitores sabem exactamente o que se passa e quais as consequências.

    Se assumirmos que o valor moral mais alto numa eleição democrática é a liberdade de cada um votar como entender, então temos de concluir que os eleitores têm o direito moral de votar à direita apesar da utilidade dessa opção ser menor. Por outras palavras, o valor moral da liberdade de voto é superior ao valor moral da diferença entre a esquerda e a direita, pelo que não se pode considerar imoral que alguém vote na direita. Seja qual for o motivo que o leva a isso. Aliás, o eleitor não tem a obrigação moral de dizer sequer em quem votou, quanto mais dizer o que o motivou a votar assim.

    Se, pelo contrário, assumirmos que há um dever moral de votar à esquerda então estamos a considerar que o valor das consequências é maior do que o da liberdade de escolha. Nesse caso, não pode ser algo que se decida por voto democrático. Tem de ser algo como a escravatura ou a liberdade religiosa, acerca das quais se estabelece não ser legítimo votar.

    É isto que se passa com o mercado livre. Se, no caso de um CD ou livro, consideramos que o valor moral da liberdade de comprar ou não comprar é maior do que o valor moral das consequências (falências, menos livros editados, etc) então não podemos dizer que é imoral agir de certa forma só porque isso resultou em não comprar. O maior valor foi preservado: a liberdade de escolher. Por outro lado, se decidimos que o valor dessa obra é tal que é moralmente obrigatório financiá-la, então não estamos nas condições necessárias para um mercado livre. Nesse caso temos de optar por impostos e assim, como fazemos com outros bens e serviços nessa situação (justiça, medicamentos, educação, etc).

    O que eu aponto como inconsistente é defender que cada pessoa tem o direito moral de optar entre A e B (esquerda e direita, comprar e não comprar, etc...) mas, ao mesmo tempo, dizer que é imoral – no sentido de ser uma violação de uma obrigação moral – optar por uma destas em detrimento da outra. Isso não faz sentido. Numas dadas circunstâncias, ou se tem o direito de escolher ou nãos e tem o direito de escolher. As duas ao mesmo tempo é contraditório.

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  86. Ludwig,

    Cheguei tarde à discussão mas não tenho muito mais a acrescentart pois o João Vasco foi claríssimo nos exemplos que deu.

    O exemplo da vaquinha e do politico são excelentes.

    Se eu não dou dinheiro porque não quero usifruir da televisão e até sou contra a televisão então não é imoral eu não pagar. Mas se eu pretendo ver televisão e decido não pagar seja porque razão for então isso é imoral porque estou a causar mais esforço naqueles que pagam pois cada um deles terá de pagar mais para que eu saia beneficiado.

    O politico é apenas uma ilustração de como a intenção pode influenciar a moralidade de um acto mesmo que as consequencias práticas sejam as mesmas.

    Outra ilustração é um atropelamento mortal. Imagina que tu atropelas um desconhecido. No máximo serias condenado por manslaughter (aquele momento estranho em que conheces melhor o codigo penal americano que o do teu país) mas se depois se se viesse a constatar que o desconhecido andava a dormir com a tua mulher poderias a vir ser acusado de homicidio em primeiro grau. A mesma consequência, motivações diferentes, crimes diferentes.

    Mas, como sempre, foge-se da questão fundamental. A imoralidade do free riding prende-se com o aproveitamento do esforço de outros, tornanto esse esforço maior, com o objectivo de usufruir de algo sem esforço pessoal. Tipo: eu não pagar nada porque quero beneficiar de algo que outros pagarão.

    "Numas dadas circunstâncias, ou se tem o direito de escolher ou nãos e tem o direito de escolher. As duas ao mesmo tempo é contraditório. "

    Novamente confundes a questão propositadamente. Porque a dicotomia não é entre "comprar e não comprar" mas sim entre "comprar e abusar." A primeira é pacífico para qualquer pessoa. A segunda já pede um rodrguinho à ludwig com um exemplo pateta à mistura.

    Seja como for, o João Vasco cansou-se, mas eu estou fresquinho portanto podemos continuar o debate em que tu tentas justificar a moralidade dos teus almoços gratis. :)

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  87. "Imaginem (não é difícil) que há problemas económicos e cada eleitor pode escolher de vota à esquerda ou direita. A esquerda equivale à “vaquinha”, repartindo o esforço de forma a proteger os que têm menos. A direita equivale aos mais ricos escaparem da vaquinha, baixando salários, reduzindo impostos às empresas, e dando ainda oportunidades de negócio com privatizações."

    Um pouco pateta o exemplo (como sempre). A dinâmica de uma eleição é completamente diferente da venda de um produto. Seria mais realista se no teu exemplo, o partido que vendesse mais rifas fosse a governo. Aí sim, seria relevante para o nosso debate mas claro que seria menos vantajoso para os teus argumentos.

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  88. Wyrm,

    Se tu e o João Vasco querem fazer uma vaquinha para comprar uma parabólica, o valor moral mais importante é a liberdade de cada um de nós decidir o que faz com o seu dinheiro. Os custos e benefícios da parabólica são secundários. Por isso, é incorrecto afirmar que qualquer um de nós tem a obrigação moral de ajudar os outros a pagar a parabólica. Independentemente de usufruir do resultado porque, se comprarem a parabólica, será porque querem, voluntariamente, sem que ninguém vos deva nada por isso.

    O que resta é apenas uma questão de diplomacia. Se eu me rir de vocês, vos chamar tansos e dizer que não pago porque vejo à mesma vão ficar chateados comigo. Se eu disser que é uma ideia excelente, gostaria imenso de participar, e acho que vale mesmo a pena, mas tenho uma filha com 5 meses e tenho gasto tanto em papas e fraldas que não posso ajudar na parabólica, vocês dirão tudo bem, não te preocupes, não se fala mais nisso. Mas o custo da parabólica para vocês e o seu benefício para mim é o mesmo.

    Tu podes dizer que é moralmente mais louvável escapar-me à vaquinha por ter uma filha para cuidar do que por vos considerar otários, e até concordo. Mas isso ignora o ponto mais importante aqui. O valor moral destes detalhes é muito inferior ao valor moral do meu direito de decidir se pago a parabólica ou não. E se reconhecem que eu tenho o direito de decidir isso por mim, pelas minhas razões, não podem dizer que violo uma obrigação moral apenas por exercer esse direito. Acima de tudo, não são vocês que mandam no meu dinheiro.

    (ou no meu voto, que era o ponto da analogia com as eleições, que infelizmente também te escapou)

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  89. Ludwig, dizes num comentário:

    "Já agora, os vendedores usam também essa confusão entre a ética e os costumes e dissimulações a que nos habituamos para conviver melhor uns com os outros. Quando me batem à porta e dizem que querem falar comigo, a expectativa é que lhes abra a porta. Quando estendem a mão para me cumprimentar, a expectativa é que os cumprimente. A muita gente nem ocorre que tem o direito moral de não abrir a porta, não cumprimentar, não dizer porque não está interessado, etc.

    Eu consegui já vencer esses hábitos e nem sequer abro a porta. Digo que não estou interessado. Quando me perguntam porquê, digo que não estou interessado em explicar. E quando me perguntam “não está interessado como, se não sabe ainda o que é?” digo que nem estou interessado em saber. Isto, diz-me a minha mulher, é má educação. E concordo. Tal como dizer “não vou pagar para a antena se depois posso ver de borla”, é algo que não agrada aos outros. Mas é um direito meu não abrir a porta, não perder tempo com conversas e não estar a apertar a mesma mão que dezenas de outras pessoas já apertaram nesse dia, com a mesma mão com que tapam a boca ao espirrar. E seja por que motivo for."

    É verdade que tens esse direito mas já te perguntaste qual é o teu dever? Já pensaste que um desses vendedores pode estar numa situação de desemprego e tem que tentar vender alguma coisa para sustentar a família? Já pensaste que o respeito pelas outras pessoas, que se traduz pela delicadeza é o simples reconhecer da dignidade humana inerente a qualquer ser humano?

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  90. O meu comentário/perguntas anterior está relacionado com outro traço da tua personalidade, a eterna visão da realidade a preto e branco, a incapacidade de reconhecer gradações e nuances que se expressa quando dizes:

    "O que eu aponto como inconsistente é defender que cada pessoa tem o direito moral de optar entre A e B (esquerda e direita, comprar e não comprar, etc...) mas, ao mesmo tempo, dizer que é imoral – no sentido de ser uma violação de uma obrigação moral – optar por uma destas em detrimento da outra. Isso não faz sentido."

    Ao contrário do que pensas, uma pessoa pode considerar que é um importante valor moral a liberdade, tal como pode ser um importante valor moral afirmar certas escolhas.

    A existência humana não é felizmente baseada apenas nem sobretudo numa lógica de sim ou sopas.

    E isto tem que ver com o meu anterior comentário: recusar certos comportamentos não significa necessariamente tratar os outros como seres infra-humanos.

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  91. Sofrologista,

    «É verdade que tens esse direito mas já te perguntaste qual é o teu dever?»

    Esta parece ser uma confusão fundamental nesta discussão. No sentido em que eu uso "direito" e "dever" (ou "obrigação") neste contexto de direitos e obrigações morais, numa dada situação só pode ser verdade que:

    1- Eu tenho o direito de escolher A ou B, conforme prefira ou
    2- Eu tenho o dever de escolher A em vez de B.

    É inconsistente defender que, nas mesmas circunstâncias, eu tenha o direito de optar por A ou por B e, ao mesmo tempo, tenha o dever de optar por A em vez de B.

    Por exemplo, ou tenho o direito de decidir se compro o CD ou não compro, ou então tenho o dever de comprar. Ou tenho o direito de decidir se abro a porta ou não abro, ou então tenho o dever de abrir a porta. Não é consistente defender, ao mesmo tempo, que eu tenho o direito de não abrir a porta a vendedores mas tenho o dever de abrir a porta aos vendedores.

    «O meu comentário/perguntas anterior está relacionado com outro traço da tua personalidade, a eterna visão da realidade a preto e branco, a incapacidade de reconhecer gradações e nuances que se expressa quando dizes:»

    Eu sou capaz de reconhecer gradações e nuances. Eu reconheço que, apesar de ter o direito de não pagar por um CD se não quiser, tenho o dever moral de contribuir para o sistema público de educação para que todas as crianças possam ir à escola. O que estou a dizer é que, pelo significado dos termos, isto implica necessariamente que eu não tenho o dever moral de pagar por um CD se não o quiser comprar, e que não tenho o direito moral de fugir aos impostos para não dar o meu contributo para o sistema público de educação.

    Não sou eu que tenho o problema de não conseguir ponderar valores diferentes num contínuo de valores morais. Isso consigo fazer. O problema é não perceberem que quando o valor moral da liberdade de escolha é o valor superior temos um direito -- i.e. é moralmente permissível escolher qualquer uma de um conjunto de opções -- e quando o valor moral dessa liberdade é inferior temos a obrigação de escolher uma das opções. I.e é moralmente obrigatório fazer isso em vez de qualquer alternativa. Os dois ao mesmo tempo para a mesma situação é uma contradição.

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  92. Wyrm,

    «Um pouco pateta o exemplo (como sempre). A dinâmica de uma eleição é completamente diferente da venda de um produto.»

    Claro. Em contraste, o político corrupto é um perfeito análogo da pessoa que não quer comprar um CD. Mesmíssima coisa...

    Por falar em analogias, a da parabólica que o João Vasco fez é boa, mas não exactamente para o problema do copyright. No cenário dele, propõem a vaquinha antes de fazer o trabalho. Isto é um análogo melhor do que se passa no Kickstarter, onde os artistas propõem um trabalho, as pessoas (voluntariamente) financiam e no fim, normalmente, fica tudo disponível para todos. Pelo que vocês defendem, têm a obrigação moral de contribuir para todos os projectos que vos possam beneficiar, não só neste site mas em qualquer site presente ou futuro que ofereça as mesmas possibilidades. Não me parece que ponham em prática esse princípio.

    Uma analogia melhor para as obras sob copyright, e o que estamos aqui a discutir, seria eu montar a parabólica sem ninguém me encomendar o serviço, ligar à antena do prédio e depois dizer a todos os moradores que estão proibidos de ver os canais de satélite a menos que me paguem pela parabólica, pelo meu trabalho, um extra de lucro merecido e que o façam durante uns anos (75, por exemplo) para que eu possa continuar a viver disto.

    Para que seja imoral da parte dos moradores ver canais de satélite sem me pagar é necessário que o valor moral dos direitos de propriedade de cada morador sobre a sua televisão seja inferior ao valor moral desta minha exigência. Só nesse caso é que eles têm a obrigação moral de fazer o que eu digo. Essa é a parte fundamental que nem tu nem o João Vasco demonstraram ser verdade. Falam num “imoral” vago que vai desde as motivações ao amigo mais sacana e o político corrupto, mas não demonstram que o direito moral de cada um usar como entender o seu dinheiro e os seus electrodomésticos se torna numa imoralidade só porque o tipo da parabólica o diz.

    Este cenário é que é análogo a alguém gravar um CD, pô-lo à venda, e proibir toda a gente de usar o seu computador para descarregar o mp3. Só há uma obrigação moral de fazer o que ele quer se o valor moral desta exigência valer mais do que os direito morais de propriedade. Mas, e aqui está a contradição, se o valor moral dos meus direitos de propriedade sobre o meu dinheiro ou computador for menor do que o valor moral da exigência do músico, eu tenho o dever moral de pagar quer goste da música quer não goste. É precisamente isso que acontece com o sistema de saúde ou o sistema público de ensino. Mesmo que eu não goste dessas coisas e não as queira usar, ainda assim tenho a obrigação moral de pagar impostos para isso porque, nesse caso, o valor moral dessas coisas é superior ao meu direito moral de não pagar. Isto, penso que até vocês concordam, não é o caso com os CDs de música que por aí se vende.

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  93. "Uma analogia melhor para as obras sob copyright, e o que estamos aqui a discutir, seria eu montar a parabólica sem ninguém me encomendar o serviço, ligar à antena do prédio e depois dizer a todos os moradores que estão proibidos de ver os canais de satélite a menos que me paguem pela parabólica, pelo meu trabalho, um extra de lucro merecido e que o façam durante uns anos (75, por exemplo) para que eu possa continuar a viver disto."

    Não. A analogia é eu montar uma parabólica no meu prédio e tu instalares um cabo para puxar o sinal. Eu continuo com os meus canais, não me tiraste nada. Mas desconfio que o que fizeste é imoral.

    Em relação às eleições, se os votos fossem rifas tu eras o gajo que, como é obvio que a esquerda vai ganhar, não me vou dar ao trabalho de comprar a rifa e vou usufruir do governo que me convém. Se todos pensarem assim a direita ganha.

    E por fim

    "A imoralidade do free riding prende-se com o aproveitamento do esforço de outros, tornanto esse esforço maior, com o objectivo de usufruir de algo sem esforço pessoal. Tipo: eu não pagar nada porque quero beneficiar de algo que outros pagarão."

    Não me parece que isto seja vago.

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  94. João,

    (desculpa a demora)

    «Resolve por causa do divisor do quociente. Antecipando consultas como a tua, a biblioteca comprou o livro. Se não tivesses sacado o pdf, esse livro mais dificilmente teria sido comprado.»

    É aqui que discordamos em absoluto, porque tu defendes que o comportamento de outros condiciona a avaliação do meu comportamento. Ora, eu defendo que o meu comportamento é ou não é moral, independentemente do comportamento de outros, dado que o contrário nos levava - outra vez! - para a questão das situações-limite.

    Por isso proponho que se avalie apenas o meu comportamento, ou seja, as suas consequências e motivações:

    Eu quero ler o Senhor das Moscas (olha, foi o que me veio à cabeça!), mas não quero pagar o Senhor das Moscas e não faço qualquer intenção de alguma vez o comprar. Para isso vou para a bilioteca e fico lá uma tarde a ler o livro. Estou consciente de que não beneficio nem a editora nem o autor (quer dizer, o Golding já está morto matado, mas tu percebes) e consciente de que se toda a gente fizesse este mesmo uso de uma biblioteca, e para todo o seu consumo cultural, então aquele tal k da equação seria 1 ou próximo disso.

    Diz-me em que é que este comportamento é moralmente diferente de sacar o livro em PDF e lê-lo em casa? É que se condenas uma coisa, mas não outra, então já não são só as consequências e as motivações que importam para avaliar a moralidade de uma acção, mas também os meios que uso para o fazer. E isso, a meu ver, já é atirar coisas a mais para a definição de moralidade.

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  95. Leandro,

    Permite, por favor, que dê a minha opinião:

    "E isso, a meu ver, já é atirar coisas a mais para a definição de moralidade."

    Matar um ser humano é moral ou imoral? Como deves imaginar há tanta coisa, tanto factor que pode tornar a acção moral ou imoral. Não é "atirar coisas a mais" é "a vida não é a preto e branco."


    "Diz-me em que é que este comportamento é moralmente diferente de sacar o livro em PDF e lê-lo em casa?"

    Novamente depende. O autor doou a obra livremente para usufruto dos utentes da biblioteca. Ele não doou a sua obra para ser ripada e "torrentada."

    Relembro uma coisa que me parece estar a ser perdida na discussão. Um acto pode ser imoral mas ser ainda mais imoral proíbi-lo. A imoralidade não é digital, é analógica. E ninguém quer proibir ninguém de ler, ouvir, ver obras puxadas da net sem o consentimento dos criadores. Não há aqui uma agenda secreta em que se os Guardiões da Partilha Livre de Ficheiros concederem que há alguma imoralidade em não compensar os autores pelas obras que gostamos logo a Conspiração Global irá pegar nisso para proibir e criar legislação que proiba a troca de ficheiros o que levará o Sol a entrar em supernova 4 biliões de anos mais cedo... :)

    Eu, e acho que o João Vasco também, acho apenas que se uma obra, seja ela qual for te agradar/inspirar/provocar borboletas no estomago então haverá alguma imoralidade em recusares-te a compensar o autor. E essa compensação nem tem de ser a compra da obra: merchandising, uma doacção, ir ao concerto, qualquer coisa... Em suma, aquilo que muita gente que é contra a propriedade intelectual alega.

    Nunca pensei que isto fosse tão polémico/problemático.

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  96. Wyrm,

    Sabes o que eu gostava, Wyrm? Gostava que vocês se entendessem numa definição de acção moral. Depois disso, sim, dava para conversar em condições :)

    É que estar a falar com o João de uma coisa e vires tu falar de outra completamente diferente torna-se cansativo.

    Posto isto, acho que, pelo que percebi, para ti imoral é ir contra a vontade do autor de uma determinada obra, no que diz respeito às condições de utilização e compensação dessa obra, certo? Ora, um dia eu vi num livro, naquela folhinha da descrição do copyright, que era expressamente proibida a "cópia, reprodução, (...) e empréstimo" da obra. Sim, até fiquei parvo quando li, mas estava lá, e se estava lá é porque representava a vontade do autor*, e se era a vontade do autor passou a ser imoral eu emprestar-te o livro. É isto que defendes?

    «O autor doou a obra livremente para usufruto dos utentes da biblioteca.»

    Tecnicamente, não.

    As editoras são obrigadas por lei a ceder um determinado número de exemplares ao depósito legal (em Portugal, são 11), que são depois distribuídos por várias bibliotecas. Para além disso, as bibliotecas podem adquirir os livros que quiserem, e qualquer pessoa pode doar o que quiser a uma biblioteca. Se o autor não quiser o seu livro numa biblioteca, está com azar. E isso, não é imoral? Afinal, vai contra a vontade do autor, e ele pode alegar que aquelas 11 cópias podem traduzir-se num pequeno prejuízo que ele não aceita.

    «Eu, e acho que o João Vasco também, acho apenas que se uma obra, seja ela qual for te agradar/inspirar/provocar borboletas no estomago então haverá alguma imoralidade em recusares-te a compensar o autor.»

    O Ludwig já contribuiu para o nosso bem-estar, intelecto, etc (mesmo que discordemos, os textos dele levam-nos a estas discussões, certo?), mas nunca nos pediu nada, pelo que presumo que não seja imoral eu não lhe enviar notas pelo correio. Até aqui concordas?

    Imagina agora que ele, amanhã, abre um post a dizer que todos os que já foram agradados/inspirados/sentiram borboletas no estômago devido a algum texto dele, devem compensá-lo com 10€ (uma pechincha, diria eu, bem mais barato que um livro). Será imoral de minha parte recusar-me a fazê-lo? Porquê? Só porque ele pediu o dinheiro depois, e não antes? É que todos os requisitos que tu enunciaste estão lá. A não ser que falte alguma coisa, é a única conclusão que posso tirar.

    «Nunca pensei que isto fosse tão polémico/problemático.»

    Se fosse simples, todos estávamos de acordo. De qualquer modo eu detesto coisas simples, mas irrito-me ainda mais quando me querem convencer que assuntos complexos, com muitas nuances e incertezas, são simples. Tu não? :)

    É que já estás a ver que até a tua "simples" definição de moral (o autor tem direito a recusar uma determinada utilização da sua obra) levanta sérios problemas.

    * Para sermos correctos temos de falar da vontade da editora, que nisto do copyright os autores têm pouco ou nada a dizer. Exemplo: nenhuma editora tradicional em Portugal lança um livro com uma licença Creative Commons, mesmo que seja a vontade do autor. Levanta-se a questão: é imoral uma editora fazer isto?

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  97. Ps.: Ontem lembrei-me de outra questão gira para complicar as coisas: se eu for à biblioteca e alguém estiver a ler o livro que eu queria ler, se eu me sentar nos computadores da biblioteca e sacar o PDF, se eu ficar lá a tarde a ler o livro em PDF, isso é moral ou imoral?

    8-)

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  98. Wyrm,

    « A analogia é eu montar uma parabólica no meu prédio e tu instalares um cabo para puxar o sinal.»

    Isso seria análogo de eu instalar um cabo do meu computador ao do músico para lhe sacar as músicas. Isso concordo que não seria aceitável, contra a vontade dele. Mas não é isso que acontece. O músico usa a infraestrutura existente para se promover e até para distribuir as suas músicas, ou alguém compra o CD e usa essa infraestrutura para distribuir cópias daquilo que comprou. Nesse caso, se alguém descarrega a música do rapidshare, está a fazer o análogo de ver os canais de satélite na sua televisão sem ter de instalar cabo nenhum.

    «Em relação às eleições, se os votos fossem rifas»

    Estás a fugir ao problema fundamental. Se admites ser um direito moral de cada pessoa votar no partido que quiser, então não podes dizer que é imoral votar neste ou naquele partido. Mesmo que o faça por ganância e sabendo que prejudica os outros. Porque se disseres que é imoral votar neste partido por ganância sabendo que prejudica os outros, então estás a dizer que não tem o direito moral de o fazer.

    Outro exemplo, acerca disto. Uma actriz sensual recebe uma oferta para pousar nua para uma revista. A utilidade disso (pelo prazer) será muito grande para todos os homens que querem ver as fotos. Mas ela tem o direito de recusar. Mais, tem o direito de recusar mesmo que não se importe nada de pousar nua mas veja que pode fazer ainda mais dinheiro se não pousar nua para essa revista e aproveitar os desejos sexuais desses homens para os levar a pagar mais para ver os seus filmes, etc. Se ela tem o direito moral de não se despir para a revista, tem o direito moral de não se despir mesmo que seja para sacar mais dinheiro aos tipos. Defender que nesse caso já não tem esse direito é negar-lhe o direito moral de decidir se pousa nua para as fotos ou não.

    Esse é o problema fundamental aqui. Se dizes que é imoral recusar a vaquinha, negas o direito moral de recusar a vaquinha. Se dizes que é imoral não comprar, negas o direito moral de decidir se compra ou não. Se dizes que é imoral copiar, negas o direito moral dessa pessoa sobre a sua propriedade privada. E assim por diante. Mas isso é contraditório com a tua própria posição.

    «A imoralidade do free riding prende-se com o aproveitamento do esforço de outros, tornanto esse esforço maior»

    Precisamente. O esforço do artista é exactamente o mesmo quer eu não compre o CD porque mo emprestaram ou não compre CD porque saquei do rapidshare. Logo, não há diferença moral entre os dois. É isso que eu digo no post: se as consequências são as mesmas em ambos os casos, e se num caso é moralmente permissível, no outro também tem de ser. Pode não ser tão louvável ou coisa do género, mas não pode ser imoral.

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  99. Wyrm,

    « Um acto pode ser imoral mas ser ainda mais imoral proíbi-lo.»

    Quase. Se um acto é imoral, então é moralmente proibido agir dessa forma. É essa a ideia aqui: tens a obrigação moral de agir de forma diferente, e moralmente não deves agir assim.

    O que pode ser ainda mais imoral é a aplicação de medidas coercivas que forcem a pessoa a agir de certa maneira. Por exemplo, é imoral plagiar mas é ainda mais imoral dar 50 chicotadas a quem copiar um post sem atribuição. Mas continua a haver uma proibição moral contra o plágio. Não há é medidas coercivas tão severas.

    «E ninguém quer proibir ninguém de ler, ouvir, ver obras puxadas da net sem o consentimento dos criadores.»

    Tu rejeitas uma proibição legal, pela imoralidade que isso acarreta em medidas coercivas, fiscalização, etc. E nisso estamos de acordo.

    Tu aceitas que é um direito moral cada um de nós decidir se compra ou não, mesmo que não comprar prejudique o negócio de alguém. E nisso estamos de acordo.

    Mas depois dizes que há uma proibição moral de copiar sempre que essa cópia faz com que não compremos o original. E isso eu proponho que é uma contradição, porque estás a dizer que um certo acto é imoral apenas porque leva ao exercício de um direito moral que tu reconheces: o direito de não comprar.

    Aí já entramos no tal “digital”, porque ou bem que não comprar certo produto é um direito, ou bem que não é. Agora ser um direito que é imoral exercer não faz sentido nenhum. É uma contradição.

    «então haverá alguma imoralidade em recusares-te a compensar o autor.»

    E esse é outro problema. Eu uso o termo “imoral” para se referir algo que o agente não tem o direito moral de fazer. Ou seja, algo que é moralmente proibido fazer. Matar, violar, roubar, etc, são actos imorais porque não se tem o direito de os fazer. Uso o termo “moralmente permissível” para aqueles que temos o direito de fazer. Não comprar um CD, por exemplo.

    É claro que, dentro do moralmente permissível, há muitas possibilidades de valor moral diferente. Concordo que é moralmente mais louvável doar dinheiro para incentivar a criatividade artística do que não doar dinheiro nenhum para isso. E, nesse sentido, podes dizer que “há alguma imoralidade” em não doar dinheiro aos artistas, correspondendo à diferença de valor moral entre isso e doar.

    Mas isso não quer dizer que a tua opção de não doar dinheiro aos artistas seja imoral. Tem menos valor moral, mas está dentro dos teus direitos morais.

    O que eu alego, acerca da “propriedade intelectual”, é que o direito moral de não comprar o que não queremos comprar e de usar o nosso equipamento como quisermos tem um valor superior ao valor moral dos monopólios comerciais sobre a cópia e as exigências dos artistas. Portanto, mesmo que dar dinheiro ao artista seja moralmente mais louvável, é um direito moral usarmos o nosso dinheiro e equipamento sem respeitar os monopólios comerciais sobre material publicado.

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  100. Leandro,

    "Se fosse simples, todos estávamos de acordo. De qualquer modo eu detesto coisas simples, mas irrito-me ainda mais quando me querem convencer que assuntos complexos, com muitas nuances e incertezas, são simples. Tu não? :)"

    Apesar de haver muitas nuances, o principio é simples. Trata-se de compensar alguém pelo bem que nos fez sentir. E felizmente que existem muitas maneiras de proceder a essa compensação. Eu de bom grado participaria num Kickstarter para o próximo album de Evoken. Mas tendo puxado o Anthitesis of Light e constatado que é, para mim, uma obra prima, senti-me na obrigação moral de os compensar de alguma forma. A forma mais simples para mim foi adquirir o CD.

    Sinceramente nem saberia agir de outro modo quer existam leis de copyright quer não. Para mim compensar à posteriori é na mesma pagar ao artista pelo seu trabalho. E, numa area diferente, achei o Calculus do Apostol tão bom, que resolvi adquirir os dois volumes e são uns dos poucos que adquiri ao longo do curso.


    Ludwig,

    "Eu uso o termo “imoral” para se referir algo que o agente não tem o direito moral de fazer. Ou seja, algo que é moralmente proibido fazer."

    E eu uso o termo moral neste contexto por oposição a legal. Ou seja, estamos ambos a debater em função do nosso conceito de moral em que ambos, formalmente, estão correctos. Matar é imoral, soltar gazes no elevador cheiro é imoral. Mas o primeiro é ilegal e o segundo (ainda) não. Acho que na tua definição é mais correcto usar a palavra "legal." E aí dou-te toda a razão. Na minha definição, apesar de discordares, quem tem razão, NMHO, sou eu.


    "O esforço do artista é exactamente o mesmo quer eu não compre o CD porque mo emprestaram ou não compre CD porque saquei do rapidshare. Logo, não há diferença moral entre os dois."

    Não é o esforço do artista que é maior ou menor, é o esforço dos restantes e isto veio no seguimento da vaquinha. Os problemas do freeriding prendem-se não só com a falta de compensação para o criador como também toda a gente acaba por perder. Os que estão dispostos a pagar acabam por ter que pagar mais que o que teriam se todos os que pretendem usufruir da obra contribuissem com algo mais do que simples parasitismo.

    Tu ao recusares a vaquinha estás a tornar a vida mais dificil para os que a querem fazer pois vão ter que gastar mais. Se tu não pretendes ver a parabólica, então azar para os outros. És livre de não participar. Mas se pretendes usufruir e simplesmente não participas pois sabes que os outros vão gastar na mesma então isso é imoral.


    "É claro que, dentro do moralmente permissível, há muitas possibilidades de valor moral diferente. Concordo que é moralmente mais louvável doar dinheiro para incentivar a criatividade artística do que não doar dinheiro nenhum para isso. E, nesse sentido, podes dizer que “há alguma imoralidade” em não doar dinheiro aos artistas, correspondendo à diferença de valor moral entre isso e doar."

    Basicamente dizes o mesmo que eu mas para não te melindrares dizes "menos moral." Perfeito, estamos de acordo. :)

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  101. Wyrm,

    «E eu uso o termo moral neste contexto por oposição a legal.»

    OK. Legalmente proibido quer dizer que há um papel escrito a proibir e, provavelmente, a prescrever sanções. Moralmente proibido quer dizer que não há direito moral de agir dessa forma. É essa a diferença. Se dizes que não se tem o direito moral de soltar gazes no elevador, então estás a dizer que é moralmente proibido soltar gazes no elevador. Ou, por outras palavras, que é imoral soltar gazes no elevador.

    «Basicamente dizes o mesmo que eu mas para não te melindrares dizes "menos moral." Perfeito, estamos de acordo. :)»

    Não me parece. Por exemplo, dar 1€ de esmola a um pobre tem menos valor moral do que dar 10€ ao pobre, sendo o resto igual. Mas não é correcto dizer que é imoral dar 1€ ao pobre, porque é um direito moral dar 1€ ao pobre, se quiser. É essa a diferença.

    «Tu ao recusares a vaquinha estás a tornar a vida mais dificil para os que a querem fazer»

    Verdade. Mas isso é verdade independentemente de eu gostar daquilo que eles vão comprar ou não. Se avaliamos a moralidade do free ride por essa dificuldade extra, então recusar a vaquinha numa coisa da qual não gosto tem o mesmo valor moral de recusar a vaquinha numa da qual gosto.

    Se for uma coisa muito importante, essa dificuldade torna-se moralmente mais relevante do que a minha liberdade de recusar a vaquinha e temos impostos. É o que se passa com a educação, saúde, etc.

    Se for uma coisa menos importante, essa dificuldade é menos relevante do que a liberdade de recusar e temos o comércio livre. Os CDs, a parabólica, etc, que quem não quer não compra mesmo que isso resulte em mais custos para os outros.

    «Mas se pretendes usufruir e simplesmente não participas pois sabes que os outros vão gastar na mesma então isso é imoral.»

    Se por imoral queres dizer imoral como dar 1€ de esmola em vez de 10€, tudo bem. Se por imoral queres dizer moralmente proibido, então discordo, porque se eu tenho o direito de não participar então tem de ser moralmente permissível exercer esse direito.

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  102. Mmh e que tal o argumento inverso? Se por causa da percepção por parte dos artistas de que o free riding das suas obras é imoral (e os artistas não terão direito, eles mesmos, de definirem qual a sua própria moral?), e, em consequência disso, desistirem da sua actividade como artistas, eliminando a arte da nossa sociedade, quem sai a perder mais com isso? Uma mão cheia de artistas como percepções supostamente erradas e com pouca capacidade de argumentação lógica — mas convictos de que a sua moralidade é a mais justa — ou uma sociedade capaz de argumentar muito melhor, mas que ficará privada de arte?

    Seríamos então a primeira civilização deste planeta sem arte, mas que se podia regozijar de ter uma moral cuja lógica e argumentação é impecável. Não me parece uma boa solução :)

    Lamento, mas não tive paciência para ler os restantes 101 comentários. Apenas comento que uma boa solução é, isso sim, aquilo que sugeres no último parágrafo: «Mas se o free riding puser em causa a criação de algo que queremos incentivar, então a solução mais justa é usar o dinheiro dos impostos. É o que se faz com muitos problemas deste tipo, desde bibliotecas públicas e escolas de arte até à defesa nacional. Imoral é tentar obrigar as pessoas a comprar, seja por via legal seja inventando obrigações morais.» Yep. Concordo em absoluto: aumente-se os impostos e distribua-se arte gratuitamente, pagando-se aos artistas um salário para produzirem as suas obras para o bem comum de todos.

    Claro que sei que isto cria um novo problema, que é o de definir quem é um artista e quem não é, mas acho que se deve resolver um problema de cada vez :)

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  103. Miguel,

    «Se por causa da percepção por parte dos artistas de que o free riding das suas obras é imoral (e os artistas não terão direito, eles mesmos, de definirem qual a sua própria moral?), e, em consequência disso, desistirem da sua actividade como artistas, eliminando a arte da nossa sociedade, quem sai a perder mais com isso?»

    Se a moral é um conjunto de regras fundamentado na ética e a ética procura valores universais, então não, não pode cada um definir a sua moral com igual legitimidade. Por outro lado, se rejeitas isto e consideras que cada um pode definir a sua moral, então o caso está arrumado. Eu defino que, na minha moral, copiar ficheiros representando material publicado é um direito e pronto :)

    Mas vamos supor que há essa consequência. A questão é se essa consequência é suficiente para privar as pessoas dos seus direitos de propriedade. Em alguns casos sim. Se privatizamos todo o ensino, muita gente não vai pagar e muitas crianças vão ficar sem educação. Isso é suficientemente mau para justificar obrigar as pessoas a pagar impostos para o ensino. Mas, precisamente por isso, o ensino fica fora do mercado livre (que se chama livre por alguma razão...).

    Esse não é o caso com os CDs. Imagina que há um artista que, se não vender muitos CDs, desiste de ser artista. Independentemente de sairmos a ganhar ou a perder com isso, é um direito de cada um de nós só comprar esses CDs se quiser.

    O meu ponto é este: nos casos em que o valor moral de cada um ser livre se compra ou não compra ser maior do que o valor moral das consequências de não comprar – e CDs de música parece ser um desses casos – é uma contradição alegar que alguém comete uma imoralidade só por não comprar.

    «Seríamos então a primeira civilização deste planeta sem arte, mas que se podia regozijar de ter uma moral cuja lógica e argumentação é impecável. Não me parece uma boa solução :) »

    Nota que passámos cerca de 60 mil anos sem conceder a ninguém direitos exclusivos sobre a cópia, uns poucos séculos com esse sistema aplicado apenas à actividade comercial, e somente uns 10-15 anos em que essas regras invadiram a esfera das decisões privadas. Não me parece razoável concluir que vamos ficar sem arte por rejeitar a concessão desses monopólios.

    Mas mesmo que seja esse o resultado, isso só quer dizer que a arte não pode ser deixada a cargo do mercado livre. E este é o ponto mais importante. Ou damos as pessoas o direito de comprar e vender como quiserem, e nesse caso também é legítimo copiar (mais legítimo isso do que tirar direitos de propriedade sobre os nossos computadores só para conceder monopólios às editoras), ou então concluímos que isso não funciona, como acontece com a educação e a saúde, e pagamos o que for preciso dos impostos. Mas não é consistente defender que deve haver um mercado livre e, ao mesmo tempo, que as pessoas têm a obrigação moral de comprar.

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  104. Acho que o que estás é a dizer que «a minha moral é melhor que a dos artistas porque eu argumento melhor do que eles», mas pronto, pode ser apenas a minha percepção do que tu estás a dizer :)

    Por outro lado, estou a achar curioso este teu "novo" argumento (vá lá que há inovação na argumentação! Torna tudo mais interessante) de que a remoção dos direitos dos artistas a serem remunerados pelo seu trabalho legítimo assenta no princípio de que as pessoas não podem ser forçadas a ter uma obrigação moral de comprar os seus trabalhos, porque isso seria uma falácia lógica. E realmente é falacioso, não posso dizer o contrário :) Mas tenho de te admirar pela tua capacidade de argumentação brilhante; com argumentos desses penso que se consegue até justificar logicamente a eugenia (por ex. as pessoas não devem ter a obrigação moral de sustentar humanos deficientes pelo facto de se recusarem a abortar, já que hoje em dia temos tecnologia para a) detectar deficiências durante o período de gestação; b) o aborto é um processo quase 100% seguro desde que realizado em ambientes controlados). Ou seja, não estou de todo a refutar a tua argumentação. Estou a dizer que a tua argumentação baseada no princípio de que as pessoas não têm obrigações morais de fazer X ou Y — o que pode ser demonstrado logicamente — implica, como consequência, que se possam fazer uma série de coisas que são actualmente ilegais. O salto argumentativo está em passar do que é "logicamente moral" (fácil de argumentar) do que é "legal" (que nem sempre é moral, mas não deixa de definir os princípios pelos quais uma sociedade é gerida na prática).

    Seja como for, a questão não é saber se se pode argumentar logicamente para deixar de pagar aos artistas pelo seu trabalho ou não; acho que tens bons argumentos para demonstrar que estes não devem, de facto, ser pagos. A questão, isso sim, de uma perspectiva humanista, saber como eles vão sobreviver numa sociedade que deseja os frutos do seu trabalho mas que conseguiu argumentar logicamente que não precisa de pagar por eles.

    A única solução que apresentas para isso é subir os impostos. E eu não discordei dessa medida.

    Também já concordei que o actual modelo é artificial, pois substituiu o modelo de patronato que existia antes do século XIX, e que era a única forma conhecida de sustentar os artistas para podermos usufruir dos frutos do seu trabalho. E era muito limitada. Os modelos de distribuição introduzidos no século XIX permitiram um alargamento (quase universal) do trabalho dos artistas, mas tiveram de introduzir um novo modelo de renumeração que não dependia do patronato. No século XXI temos um modelo de distribuição completamente diferente, muito mais universal, e, para mais, sem custos (ou com custos negligíveis). Qual é, para ti, no século XXI, o modelo de remuneração que propões? Ficas-te pelo aumento dos impostos ou tens outras sugestões?

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  105. ... isto veio lembrar-me de um livro de uma amiga minha, sobre Estratégias de Poupança, em que ela propunha que, para cortar nos custos da Internet, o melhor era ver, entre os vizinhos, quem é que tinha o router wireless desprotegido e aceder à 'net do vizinho de borla. A explicação que ela colocava era que o vizinho pagava a 'net, quer a usasse ou não (ou seja, ninguém estava a ser prejudicado), pelo que o acto era moralmente justificável e encontrava-se num vazio legal (não há ainda lei nenhuma que não nos permita "aproveitar" a 'net dos vizinhos de borla).

    Eu apenas comentei que, de uma perspectiva de moralidade (mas não de legalidade), todo o acto de nos apropriarmos de algo que legitimamente não nos pertence e que não nos tenha sido oferecido, e que tenha pelo menos algum valor (mesmo que simbólico), é uma forma de "roubo", mesmo que a Lei não o considere como tal.

    Ela depois explicou-me que o texto estava um pouco infeliz e o que ela queria sugerir era que grupos de amigos se juntassem — fizessem uma vaquinha — para instalarem um acesso wireless na casa de um deles, mas que todos depois partilhassem o mesmo acesso, dividindo a factura por todos. Isso já é outra conversa — no fundo, é a mesma coisa que um grupo de amigos que paga uns Euros para alugar um vídeo ou um jogo de computador e vão todos à mesma casa assistir ao filme/jogar o jogo, para poupar custos. Da mesma forma, grupos de amigos que comprem em conjunto um CD ou um livro, com o objectivo de partilharem a experiência em conjunto e poupando assim dinheiro, é algo de moralmente aceitável (mesmo que existam, de facto, algumas empresas que vêm essa "partilha" como uma forma de terem menos receita; mas duvido que alguma vez consigam impedir isso — significaria acabar com as bibliotecas e hemerotecas públicas, por exemplo).

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  106. Leandro,


    O comportamento de outros pode condicionar a moralidade do teu comportamento pelo menos na medida em que possa alterar as consequências do mesmo.
    Disparar uma arma contra a cabeça de alguém torna-se muito menos imoral se tu acabaste de ver um terceiro a tirar todas as balas dessa arma...
    Da mesma forma, pode ser implementada uma regra que funcione e seja capaz de providenciar incentivo suficiente aos autores, permitindo ainda alguma fruição gratuita. Nesse sentido, se essa regra é conveniente para todos, agir de acordo com ela não é imoral. O acto isolado de ir à biblioteca consultar um livro tem como consequência que o livro é comprado. Claro que o livro é comprado antes da pessoa ir lá à biblioteca, mas é comprado na perspectiva de que alguém o fará, e se ninguém o fizer as bibliotecas passarão a comprar menos livros, pelo que ao ir lá contribui-se para vendas futuras mais do que o sacar do pdf (era isso que a diferença do quociente reflectia).

    Agora, se todas as pessoas fizessem o mesmo - fossem à biblioteca e não comprassem o livro, as editoras passariam a cobrar preços muito elevados pelos livros, e a ser sustentadas pelas bibliotecas.
    Claro que isso tinha uma enorme desvantagem: os livros seriam escritos consoante os anseios dos donos/gestores das bibliotecas, e não segundo a vontade do público em geral. Se viesse a verificar-se que isto era um problema grave para a produção literária e livresca em geral, talvez pudesse vir a considerar os actos individuais que contribuíssem para essa situação como imorais, talvez fosse até legítima uma lei que impedisse as bibliotecas de funcionar da mesma forma. Mas não é o caso.

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  107. Miguel,

    «Acho que o que estás é a dizer que «a minha moral é melhor que a dos artistas porque eu argumento melhor do que eles»»

    Não. O que estou a dizer é que, ou a moral é um conjunto de regras universais (é essa a minha opinião) e não se pode dizer que os artistas possam definir a deles, ou então a moral é algo que cada um inventa a gosto (parece ser a implicação do teu comentário original) e nesse caso eu também posso inventar a minha.

    «a remoção dos direitos dos artistas a serem remunerados pelo seu trabalho legítimo assenta no princípio de que as pessoas não podem ser forçadas a ter uma obrigação moral de comprar os seus trabalhos»

    Não. O artista tem exactamente o mesmo direito a ser remunerado pelo seu trabalho que tem qualquer outra pessoa. Nomeadamente, o direito a receber a remuneração que lhe foi prometida em troca do seu trabalho. Mas, também como qualquer outra pessoa, se o artista trabalha por iniciativa própria sem que ninguém lhe tenha prometido qualquer contrapartida por esse esforço, então não pode reclamar um direito a ser remunerado. Se eu for a tua casa e te lavar a loiça, só tenho legitimidade para te exigir dinheiro por isso se tiver havido um acordo prévio entre nós nesse sentido. Caso contrário, não tenho o direito de ser remunerado porque esta transacção, de trabalho por dinheiro, tem de ser voluntária para ambas as partes.

    «com argumentos desses penso que se consegue até justificar logicamente a eugenia»

    Penso que não percebeste bem o meu argumento. O meu argumento é este:

    A) se todos temos o direito moral de fazer X, então nenhum de nós pode estar a agir de forma imoral só porque vai fazer X. Por exemplo, se temos o direito moral de não comprar o CD, não pode ser imoral copiar só por resultar em não comprar o CD.

    B) se um acto é imoral só porque se faz X, então não é verdade que tenhamos o direito moral de fazer X. Por exemplo, se dizemos que é imoral copiar só porque assim não se compra o CD, então estamos a dizer que não se tem o direito moral de não comprar o CD.

    O teu exemplo do aborto não me parece ter nada que ver com isto.

    «se se pode argumentar logicamente para deixar de pagar aos artistas pelo seu trabalho ou não»

    Não é isso que estou a argumentar. Todos os artistas – como todas as pessoas – têm o direito moral de receber pelo seu trabalho quando há um acordo prévio nesse sentido, e todas as pessoas que se comprometam a pagar têm o dever moral de o fazer. Se fores ao Kickstarter e prometeres 10€ ao artista, tens a obrigação moral (e até legal, diria eu) de pagar 10€ quando o artista entregar o trabalho. O que estou a argumentar é que ninguém – nem o artista – tem a obrigação moral de pagar por algo só porque alguém teve a ideia de o fazer. Se eu fizer pastéis de nata e me tiver dado muito trabalho não é por isso que agora tens a obrigação moral de me pagar. Nem mesmo se te cheirar a pastéis, pensares “grande ideia!” e fores a correr fazer pastéis de nata para ti.

    «A única solução que apresentas para isso é subir os impostos.»

    Não. Isso é uma possibilidade no caso (extremo) de julgarmos que vamos ficar sem cultura só por não aplicar o copyright à vida privada. Não me parece, nem de longe, que se chegue a tal. A melhor solução é deixar os artistas negociarem directamente com os seus fãs a remuneração pelo seu trabalho (sim, eu sei que isto não é bom para um artista desconhecido, bla bla bla, mas qualquer pessoa que queira ser um profissional especializado tem de estar disposta a investir alguns anos de trabalho até ser reconhecida como tal).

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  108. João Vasco,

    Concordo que o que os outros fazem pode alterar as consequências e, por isso, a moralidade do acto. Mas essa parte está incluida no meu argumento.

    Imagina que uma grande parte das pessoas decidia não comprar mais livros porque os podia pedir emprestado. Era uma chatice para todos porque os livros começavam a subir de preço. Mas imagina que, ponderando os prós e os contras, e considerando os subsídios do Estado à cultura (por exemplo, pagar toda a formação dos escritores e editores, que já é bastante), concluímos que, mesmo assim, a liberdade de não comprar livros e de os emprestar é mais valiosa, moralmente. Ou seja, concluímos que mesmo com essas consequências, as pessoas têm o direito moral de não comprar livros e de os emprestar.

    Nessas condições, é contraditório dizer que é imoral fazer X só porque X resulta em não comprar o livro ou em emprestá-lo. Isto porque, uma vez reconhecido o direito moral de fazer estas coisas, o exercício desse direito não pode, por si só, tornar o acto imoral.

    Por isso, se alguém argumentar que é imoral eu passar meses sem comprar CDs (independentemente de os ouvir, gostar da música, ou seja o que for) porque isso afecta a indústria discográfica e prejudica muitas pessoas, eu terei de contra-argumentar com base nessas tais considerações que tu estás a fazer: avaliar as consequências, o valor das liberdades, considerar alternativas como subsídios, etc.

    Mas se alguém admite que eu tenho o direito moral de passar o resto da vida sem comprar CDs, então essa pessoa está a ser inconsistente se disser que um acto meu é imoral apenas porque resulta em eu não comprar CDs. Porque, nesse caso, está a dizer que é imoral da minha parte exercer um direito moral que tenho, e isto é uma contradição.

    É isto que se passa com o vosso argumento. Se admitem que eu tenho o direito de não comprar os CDs ou livros que não quero comprar, não é consistente da vossa parte considerar um acto meu imoral apenas por não comprar. Se querem argumentar que o meu acto é imoral porque resulta em não comprar CDs, têm de explicar porque é que é imoral eu não comprar CDs quando não quero comprar CDs.

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  110. Ludwig,

    «Ou seja, concluímos que mesmo com essas consequências, as pessoas têm o direito moral de não comprar livros e de os emprestar.»

    Isso é verdade para as consequências actuais do acto de pedir um livro emprestado (geralmente resulta em maior leitura e num mundo melhor e pouco mais).

    Não é necessariamente verdade para as consequências hipotéticas em que esse hábito colocava em risco a produção de livros.



    «Mas se alguém admite que eu tenho o direito moral de passar o resto da vida sem comprar CDs, então essa pessoa está a ser inconsistente se disser que um acto meu é imoral apenas porque resulta em eu não comprar CDs. »

    Se acreditas que a minha posição é inconsistente, discordamos. Mas pára de descrever a minha posição erradamente.

    O Mats acredita que os evolucionistas acreditam no crocopato. Nós explicamos que não, que não é essa a nossa posição, mas ele ignora todas essas explicações porque alega que é incoerente acreditarmos no que acreditamos e não acreditar no crocopato. Vai daí, contra todos os esclarecimentos, continua a descrever a posição evolucionista como uma crença no crocopato.

    E perante isto, eu já desisti de discutir com ele. Não é em teoria, se reparares eu escrevia verdadeiros testamentos e perdia muito tempo da minha vida em discussão com ele. É muito raro que algo do tipo aconteça hoje.

    Sobre os CDs:

    Se tu passares a vida toda sem comprar CDs, porque é que o fazes? Por crueldade? Há alguém nas editoras que queres prejudicar, e então fazes o sacrifício de não ouvires a música que queres para prejudicar essa pessoa? Se calhar faz sentido apontar essa crueldade como imoral pelas consequências negativas que tem. Mas talvez não, talvez tenhas as tuas razões, e há vinganças pedagógicas, quem sabe.

    O importante aqui é que quando se fala numa pessoa que decide não comprar CDs até ao fim da vida não se fala num pessoa que o faz por crueldade, ou alguma destas motivações obscuras. Fala-se na pessoa que até ao fim da vida considera que o dinheiro que o CD custa vale mais do que o CD (e no teu exemplo assume-se que ela não tem outra forma de acesso à música). Como já expliquei, neste caso é moral que ela não os compre.

    Um acto teu não é imoral por resultar em não comprares CDs. Se o acto for igual - resultar em não comprares CDs que não comprarias se o teu único acesso fosse a pagar - o acto não é imoral. Já sabes que é esta a minha posição.

    O acto e imoral quando resulta em não comprares um CD que de outra forma comprarias.
    Se não entendes que é esta a minha posição, tudo bem. Não percebes que as motivações em certos casos têm impacto nas consequências, lamento. Mas por favor sê capaz de a descrever correctamente. Não insistas em descrever mal a minha posição, que é como se eu lesse de cada vez que acredito no crocopato depois de todo o esclarecimento.

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  111. João Vasco,

    «Isso é verdade para as consequências actuais do acto de pedir um livro emprestado (geralmente resulta em maior leitura e num mundo melhor e pouco mais). Não é necessariamente verdade para as consequências hipotéticas em que esse hábito colocava em risco a produção de livros.»

    Vamos assumir então que o valor dos livros é maior do que o valor da liberdade de decidir se compro ou não compro livros, de tal forma que sou moralmente obrigado a comprar livros. Um ponto importante é que, nesse caso, a minha obrigação moral não depende de gostar ou não gostar do livro. Este é um ponto fundamental, por isso vou esmiuçá-lo.

    Se o valor do livro para todas as outras pessoas for maior do que o valor da minha liberdade de não comprar, então, mesmo que eu não goste do livro, tenho de o comprar pelos outros. Isto é o que se passa com os impostos que eu pago, e que devo pagar mesmo para coisas de que não goste.

    Se o valor do livro só for maior do que o valor da minha liberdade por causa do meu gosto pelo livro, sendo o total das outras pessoas todas insuficiente (pouco provável), então eu só tenho uma obrigação moral de comprar o livro enquanto tiver uma obrigação moral para comigo mesmo. Mas como eu posso exonerar-me dessa obrigação moral, apenas o valor do livro para os outros será moralmente relevante e, se esse não bastar para se sobrepor à minha liberdade de não comprar, eu terei o direito moral de não comprar os livros.

    Ou seja, se eu tiver o direito moral de não comprar, tenho quer goste quer não goste do livro. Se eu tiver a obrigação moral de o comprar, tenho-a quer goste quer não goste do livro também, porque terei essa obrigação apenas pelo valor que o livro tem para os outros, nunca pelo valor que o livro tem para comigo porque eu posso exonerar-me dessa obrigação moral que eu tenha para comigo (razão pela qual esta noção de ter uma obrigação moral para comigo mesmo não faz muito sentido).

    Concordas com isto? Se não explica como é que eu gostar do livro (só eu, tudo o resto sendo constante) faz-me incorrer numa obrigação moral que eu não teria se não gostasse do livro (só eu, tudo o resto constante).

    Se perceberes que as minhas obrigações morais não são função dos meus gostos, penso que facilmente perceberás a inconsistência de dizer que sou moralmente obrigado a comprar um CD se gostar dele mas não se não gostar.

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  112. O teu problema Ludwig é que confundes a avaliação moral de uma situação - o que é que devo fazer no caso X - com a avaliação moral de uma regra - será moralmente aceitável desobedecer à regra Y.

    Perante uma situação concreta, com consequências definidas e conhecidas o consequencialismo tem a resposta: faça-se aquilo que tem melhores consequências para os outros.
    Pode ser abdicar de ir ao cinema ou ao jantar dos amigos para poupar dinheiro e salvar a vida de estranhos a morrer em África, pode ser muitas outras coisas. Não interessa nada a conversa do quão responsável tu és: importa as consequências de escolher A face Às consequências de escolher B - a tua responsabilidade já se materializa na diferença entre as consequências.
    Quando sobre o aborto tentaste introduzir aqui a responsabilidade para fazer ponderações entraste em inúmeras contradições.

    Mas isto não te diz nada sobre o que é moralmente «aceitável». Isto apenas te diz, na situação impossível de se conhecer e avaliar perfeitamente as consequências dos actos, directas e indirecta, o que é que é melhor. Ponto final.

    Para falarmos naquilo que é moralmente aceitável temos de nos aproximar da realidade: não conhecemos as consequências de cada acção, não somos capazes de as avaliar na perfeição, temos inúmeras limitações.
    Por isso, geralmente construímos regras morais. Claro que uma regra moral tem a mesma relação com a melhor escolha moral que um mapa tem com a realidade: há sempre algo que se perde. Por muito detalhado que seja um mapa, só com a própria realidade não envolve perda de informação. Mas o mapa é útil, e quanto mais detalhado, menos informação perdes.

    Assim, as regras morais devem, a meu ver, ser avaliadas à luz do consequencialismo. Que regras é que, se postas em prática, são melhores para todos? E elas podem ser muito detalhadas. Podemos discutir se uma regra é boa ou não.

    E depois, além das regras ainda temos leis, mas não confundas. Isso é só quando certas regras são muito importantes e não são cumpridas, e nós preferimos dar a certos agentes o poder de unir quem não as cumpre do que simplesmente sofrer as consequências do incumprimento generalizado.

    Mas, em relação às regras, temos de olhar para as consequências da sua aplicação. E eu alego que a aplicação da regra «não saques A caso fosses pagar A se não tivesses alternativa» é positiva, ou pode ser positiva.
    «Entra na vaquinha se, caso preferisses pagar o que te cabe para ter acesso ao serviço do que não ter acesso ao serviço, ta propõem» é outra regra benéfica.

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  113. João Vasco,

    « E eu alego que a aplicação da regra «não saques A caso fosses pagar A se não tivesses alternativa» é positiva, ou pode ser positiva.»

    Continuamos na questão que evitaste responder. Aqui vai de novo, passinho por passinho. Diz-me, por favor, qual é a parte de que discordas e porquê (não vale a pena continuares a alegar sem explicar).

    Vamos supor que, na situação S, é uma obrigação moral «pagar por A caso pagasse por A se não pudesse ter acesso a A sem pagar esse valor». Isso implica que o valor moral do efeito desta regra é superior ao valor moral da liberdade de não pagar por A mesmo quando A é tal que eu pagaria por A se não tivesse acesso a A de outra forma.

    Mas o único efeito desta regra é pagar por A. Logo, isto implica que o valor moral de eu pagar por A é superior ao valor moral da minha liberdade de decidir se pago ou não. Caso contrário, seria moralmente preferível preservar a minha liberdade de decidir e, nesse caso, se pagava ou não era comigo e não tinha obrigação moral de respeitar a regra.

    Além disso, o valor moral de pagar por A tem de vir dos benefícios que pagar por A traga a outras pessoas, não dos benefícios que traga a mim, visto que eu não tenho obrigações morais para comigo próprio (se tiver, posso exonerar-me delas).

    Portanto, na situação S, é necessariamente verdade que o benefício para os outros de eu pagar por A é tão grande que tem um valor moral maior do que o da minha liberdade de decidir se pago por A.

    Mas isto é igual quer eu pagasse por A quer não pagasse por A caso não pudesse ter acesso a A de outra forma.

    Ou seja, só é obrigação moral respeitar essa regra nas situações em que é obrigação moral pagar por A quer se quisesse A quer não.

    Portanto, dizer que não tens obrigação moral de pagar por A se não gostares mas tens se gostares é uma contradição.

    A ética e a moral visam ir além dos nossos gostos e preferências e procurar regras universais de direitos e deveres que sejam independentes dos gostos do agente. Assim, uma regra moral não pode ser “Faz X se gostares de Y”. Tem de ser algo como “Na situação S1 tens a liberdade de escolher entre X e Y, como preferires, mas na situação S2 tens a obrigação moral de fazer Y quer gostes quer não”. Uma regra como “só tens a obrigação de fazer X se gostares muito de Y” não é uma regra moral, e leva a inconsistências quando pensamos no seu fundamento ético.

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  114. «Mas o único efeito desta regra é pagar por A.»

    O primeiro erro está aqui.
    O efeito de pagar depende se é bom pagar por A, ou se não é bom pagar por A. E se as pessoas gostam de A, então é bom pagar por A, e se as pessoas não gostam não é.


    «Além disso, o valor moral de pagar por A tem de vir dos benefícios que pagar por A traga a outras pessoas, não dos benefícios que traga a mim, visto que eu não tenho obrigações morais para comigo próprio (se tiver, posso exonerar-me delas).»

    Errado de novo.
    É diferente julgar uma regra e julgar uma acção.

    Por exemplo, furtares 5 ao Pedro ou não furtares tem para o Pedro as mesmas consequências que seres generoso e não dares 5 ao Pedro ou dares.
    No entanto, a regra «não furtes» tem consequências diferentes da regra «dá».
    E quando boas regras são construídas pensamos nos efeitos destas regras para todos. Pensamos no resultado que tem ela ser aplicada, ou não ser aplicada.

    Ora a regra «não sacas algo que fosses pagar se houvesse alternativa» (ou até a regra «não sacas nada») tem efectivamente consequências muito diferentes da regra «pagas tudo o que te proponham».

    Ou no caso da electricidade, a regra «se queres o serviço pagas», ela tem consequências muito diferentes da regra «és obrigado a pagar electricidade».


    «Uma regra como "só tens a obrigação de fazer X se gostares muito de Y" não é uma regra moral, e leva a inconsistências quando pensamos no seu fundamento ético. »

    Isso parece-me um erro flagrante. A moral e a ética servem para melhor conciliar as diferentes vontades.

    Escolher regras morais ignorando a vontade dos agentes é meio caminho andado para falhar esse objectivo.

    Acho que confundes a escolha da melhor acção moral, com a escolha das melhores regras morais.

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  115. João Vasco,

    «O efeito de pagar depende se é bom pagar por A, ou se não é bom pagar por A. E se as pessoas gostam de A, então é bom pagar por A, e se as pessoas não gostam não é.»

    Certo. Mas se estamos na situação S em que a tua regra é moralmente obrigatória, então as pessoas gostam tanto dos efeitos de eu pagar por A que esse valor para elas é superior ao valor moral da minha liberdade de decidir se acato a tua regra ou se a ignoro. Caso contrário não teria obrigação moral de a acatar.

    «É diferente julgar uma regra e julgar uma acção.»

    Seja. O que estou a considerar são as características da situação em que a tua regra é moralmente obrigatória. E a minha conclusão, para a qual isto que aqui apontas é mais uma irrelevância, é de que a tua regra só é moralmente obrigatória nas situações em que eu tenho a obrigação moral de pagar por A quer goste de A quer não goste (mantendo constantes os gostos dos outros).

    «Escolher regras morais ignorando a vontade dos agentes é meio caminho andado para falhar esse objectivo.»

    A regra moral não ignora a vontade do agente. Pelo contrário, a vontade do agente é um valor moral a preservar, e que só se deve ceder perante valores maiores. O que não se faz é ter uma regra para quem gosta de baunilha e outra para quem gosta de chocolate. Não faz sentido dizer “quem gosta de baunilha tem o direito de fazer X, mas quem prefere chocolate tem a obrigação moral de fazer Y”. Se o que gosta de baunilha tem o direito de fazer X, o que prefere chocolate também deve ter esse direito.

    «Acho que confundes a escolha da melhor acção moral, com a escolha das melhores regras morais.»

    Eu não estou a falar da melhor isto ou aquilo. Eu estou a falar da situação em que um agente é moralmente obrigado a agir de certa forma (e.g. seguir uma regra). Ou seja, quando o valor do efeito é superior ao valor moral da liberdade de escolher.

    Resumindo, só é moralmente obrigatório eu seguir a tua regra quando o valor moral do efeito de eu seguir a tua regra for superior ao valor moral da minha liberdade de decidir se a sigo ou não. Mas como o efeito da tua regra, para todas as outras pessoas, é apenas o efeito de eu comprar – eu gostar ou não, por si só, só tem efeito em mim, e eu não tenho obrigações morais para comigo – então só é moralmente obrigatório seguir a tua regra quando for moralmente obrigatório comprar.

    As tuas objecções – de que o efeito depende dos outros gostarem, de avaliar regras ser diferente de avaliar acções, da moral visar conciliar diferentes vontades – são irrelevantes para isto. Ou o efeito de comprar tem maior valor moral do que a liberdade de não comprar, ou não tem. Se não tem, não sou moralmente obrigado a seguir a tua regra. Se tem, então sou moralmente obrigado a comprar quer goste quer não.

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  116. «A regra moral não ignora a vontade do agente. Pelo contrário, a vontade do agente é um valor moral a preservar, e que só se deve ceder perante valores maiores. O que não se faz é ter uma regra para quem gosta de baunilha e outra para quem gosta de chocolate. Não faz sentido dizer “quem gosta de baunilha tem o direito de fazer X, mas quem prefere chocolate tem a obrigação moral de fazer Y”. Se o que gosta de baunilha tem o direito de fazer X, o que prefere chocolate também deve ter esse direito.»

    Estás enganado.
    Existe um problema em fazê-lo, que é o facto de sermos maus juízes em causa própria. Se ganhamos ou perdemos direitos consoante os nossos gostos, então facilmente podemos acreditar que temos gostos diferentes para ganhar direitos ou não sentir certos deveres. Por isso, existe um certo perigo em aplicar uma regra que possa ser aplicada com esse grau de subjectividade: por exemplo as pessoas podem sacar tudo e mais alguma coisa sem qualquer sentimento de culpa caso se convençam a si próprias que nunca estariam dispostas a pagar um tostão.

    Não obstante este perigo, que reconheço, é fácil compreender como aquilo que dizes é falso.

    Toma o exemplo de um indivíduo que, não tendo dinheiro, furta um conjunto de analgésicos de um supermercado. Este acto é perfeitamente imoral se ele o fez para evitar um ligeiro desconforto, mas é bem mais compreensível se ele estivesse a sofrer dores atrozes.

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  117. João Vasco,

    Esse exemplo mais uma vez baralha várias coisas. Não só ignoras o problema de algo ser uma obrigação moral ou teres o direito moral de fazer o contrário, como introduzes também o efeito da dor na autonomia e responsabilidade do agente, etc.

    Se considerares o caso de ires a uma loja roubar um CD, verás que o acto é imoral (tens a obrigação moral de não agir assim) quer gostes da música quer não gostes.

    Mas, mais uma vez, estás a fugir ao problema. Considera as seguintes regras:

    X: tens o direito de obter A gratuitamente desde que o prejuízo que causas a terceiros não seja maior do que aquele que causas simplesmente por não comprar A.

    Y: tens a obrigação moral de pagar por A no caso de gostares de A o suficiente para pagar se não puderes obter A de graça.

    Z: tens a obrigação moral de pagar por A.

    Só será moralmente preferível aplicar a regra Y em vez de X nos casos em que o efeito dessa regra para terceiros – pagar A, e as consequências disso – seja moralmente mais precioso do que a liberdade de ignorar essa regra. Só conta o efeito para terceiros porque não faz sentido privar um indivíduo da sua liberdade apenas pelo seu interesse, a menos que seja incapaz de agir por si, caso esse em que não será um agente moral responsável.

    Mas, neste caso, a melhor regra será a Z, porque se o efeito de pagar A vale mais do que a liberdade de não pagar então é preferível que pague quer goste quer não.

    A regra de “se copias uma música e gostas tens a obrigação moral de pagar mas se não gostas não tens” é inconsistente porque não existe uma situação em que se tenha uma obrigação moral de contribuir para algo se se gostar sem que se tenha essa obrigação no caso de não gostar.

    Basicamente, quando dizes que alguém tem uma obrigação moral, é contraditório dizer que tem essa obrigação “mas só se gostar”.

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  118. Desculpa Ludwig, mas tu é que fizeste uma enorme confusão.

    Estás a falar no furto de um CD, como se a minha posição fosse a de que é ok roubar um CD desde que a pessoa não goste da música.
    Não, o caso do furto de um CD numa loja é um caso em que as preferências do ladrão dificilmente alteram a moralidade do acto.
    É possível imaginar uma situação em que tal furto não fosse inequivocamente imoral (certamente não seria pelo facto do indivíduo não gostar da música... para isso deixe o CD quietinho para quem gosta), mas é preciso alguma imaginação e boa vontade.

    Eu encontrei um exemplo muito mais simples onde as preferências do agente moral são relevantes para a regra moral, e tu ignoras esse exemplo e escolhes um exemplo onde é mais difícil reconhecer esse impacto.

    Mas se basta um exemplo para refutar um universal, por muitos exemplos que me dês não vais provar que as preferências do agente oral são sempre irrelevantes. Mais a mais fugindo do exemplo que encontrei e que desmente essa regra.

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  119. agente moral e não agente oral, obviamente

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  120. João Vasco,

    «Estás a falar no furto de um CD, como se a minha posição fosse a de que é ok roubar um CD desde que a pessoa não goste da música.»

    Não. Estou a falar do furto de um CD porque sei que a tua posição é a de que não é ok roubar um CD quer se goste ou não da música. Precisamente para mostrar que o teu exemplo das dores recorre a mais do que uma mera preferência destas de que estamos a falar (gostar de música, filmes, etc). Por exemplo, não me parece que um masoquista tenha menos direitos do que eu de se defender contra um agressor. Isto porque o relevante, moralmente, não é se ele gosta de dor ou não mas se tem a liberdade de lutar contra algo que lhe faz mal.

    Além disso, o teu exemplo apenas mostra como alguém que tenha muito a ganhar pode ficar isento de uma obrigação moral, ganhando o direito moral de agir de mais formas diferentes. O tipo que tem dores terríveis deixa de ter a obrigação moral de respeitar a propriedade alheia (supostamente, não quer dizer que concorde com isso, mas não quero perder mais tempo com isso).

    O que defendes com a música é precisamente o contrário. Quem tem mais a ganhar com a cópia gratuita, porque pagaria muito para ter a música se não a pudesse copiar, fica com *menos* direitos morais, ao incorrer na obrigação de pagar a música. É como se defendesses que o tipo que não tem dores tem mais legitimidade moral para roubar os analgésicos do que o desgraçado que está em sofrimento.

    Finalmente, continuas a não focar o ponto relevante. A tua regra “tens a obrigação moral de pagar por A se estivesse disposto a pagar por A caso não pudesses copiar” só se aplica nas situações em que se aplica a regra “tens a obrigação moral de pagar por A quer gostes de A quer não”, porque só quando pagar por A tiver mais valor moral do que a liberdade de decidir é que qualquer uma destas regras se aplica.

    Já agora, esclareço a minha posição. Como expliquei antes, não temos obrigações morais para connosco próprios. Isto quer dizer que não podes justificar que alguém tem a obrigação de fazer algo apenas porque isso o vai beneficiar. Por exemplo, dizer que tem a obrigação de pagar a música X porque isso vai incentivar mais músicas como X e beneficiar o agente. É neste contexto que tenho uma ideia clara: não podes dizer que eu tenho a obrigação de pagar uma música só porque, por gostar da música, isso me vai beneficiar a mim. Eu tenho sempre a liberdade de decidir não me beneficiar.

    Casos em que se passe o contrário são mais confusos porque são casos em que uma preferência forte concede ao agente um direito moral (e.g. de roubar) e não uma obrigação moral. Acerca desses parece-me que não será apenas por uma preferência (no sentido de gostar da música ou não) mas não tenho a certeza.

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  121. «Além disso, o teu exemplo apenas mostra como alguém que tenha muito a ganhar pode ficar isento de uma obrigação moral, ganhando o direito moral de agir de mais formas diferentes.»

    Isso é suficiente para desmentir o universal que enunciaste.


    «O que defendes com a música é precisamente o contrário. »

    O que defendo é que as regras devem ser julgadas tendo em contas as suas consequências para todos, incluindo os agentes morais.

    E se a regra «não saques nenhum mp3» tem consequências diferentes diferentes da regra «paga por qualquer mp3 que te proponham», então não é inconsistente considerar que uma é uma boa regra, cuja violação é imoral, e a outra não.

    Também é diferente a regra «não saques nenhum mp3 a menos que não fosses pagar por ele se não tivesses outra possibilidade» da regra «não saques nenhum mp3» e da regra «paga por qualquer mp3 que te proponham».

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  122. João Vasco,

    «O que defendo é que as regras devem ser julgadas tendo em contas as suas consequências para todos, incluindo os agentes morais. »

    De acordo. Mas nota que “preferências” não é sinónimo de “consequências”. Mas o problema não é esse princípio geral. O problema é a situação particular em que invocas uma vantagem para o agente como justificação para retirar liberdade ao agente. É isso que eu digo que não faz sentido. É esse tipo de regras: tens a obrigação moral de fazer X porque gostas de Y.

    Se concordas que o agente não tem obrigações morais para consigo próprio, concordas que não faz sentido que as acções do agente sejam moralmente restringidas pelos seus próprios interesses. Assim, não podes defender que o agente tem a obrigação moral de pagar pela música só porque é do seu interesse pagar pela música. Ou tem obrigação moral de pagar por causa dos interesses dos outros, ou então tem a liberdade de decidir se maximiza os seus interesses ou faz outra coisa qualquer.

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  123. Ludwig:

    Se 19 vizinhos querem encontrar mais um para a vaquinha e colocar lá a
    parabólica, o vizinho que recusa está a efectivamente a prejudicá-los
    em comparação com a situação em que aceitaria. Nesse sentido é igual ao indivíduo que furta o analgésico.
    No caso do indivíduo com dores, o prejuízo que causa a terceiros é o mesmo independentemente das dores que sofra, mas a gravidade e imoralidade do acto já não são independentes destas dores. Quando avaliamos regras temos de considerar diferente causar um prejuízo de 3 para receber um benefício de 30 ou causar um prejuízo de 3 para receber um benefício de 1, pois as consequências da generalização de uma regra ou outra são diferentes para todos.
    No caso da parabólica passa-se algo semelhante. Se o indivíduo (Pedro) não quer a parabólica para nada, então causa um determinado prejuízo, mas recebe benefício igual. Mas se dá valor à parabólica, então caso ela não seja colocada ele perde esse valor. Se ela for colocada, ele ganha tanto quanto tira, mas se não for, ele ganha menos do que o que tira. Nesse caso, se ele estivesse disposto a pagar caso não havendo alternativa, ele perde mais do que o que ganha caso ela não seja colocada.
    Mas o seu comportamento ainda afecta terceiros de outra forma mais indirecta. Se a parabólica foi colocada e ele não pagou, da próxima vez o Joel (outro vizinho) não vai ser o primeiro a avançar oferecendo-se para pagar o aquecimento centralizado, pois percebe que o comportamento do Pedro tem mais ganhos. Espera que os outros vizinhos avancem, e diz que não quer contribuir, na esperança de conseguir o aquecimento gratuito. E o José, que em ambos os casos está disposto a contribuir, fica sem aquecimento centralizado porque ninguém se chega à frente.
    Neste sentido o José é prejudicado pelo facto da acção do Pedro não ser considerada imoral de uma forma que não seria caso fosse óbvio para todos que o Pedro não gosta mesmo de ver parabólica.

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  124. João Vasco,

    «Quando avaliamos regras temos de considerar diferente causar um prejuízo de 3 para receber um benefício de 30 ou causar um prejuízo de 3 para receber um benefício de 1»

    Isso é bastante mais complexo do que essa conta que tu fazes (vê, por exemplo, a justiça de Rawls ou o monstro da utilidade de Nozick). Mas não é preciso entrar por esses problemas. Basta que reconheças uma coisa: por muita utilidade que roubar o analgésico traga ao paciente com dores, ele nunca será, por isso, moralmente obrigado a roubar o analgésico. Tem sempre o direito moral de optar pela dor e deixar estar o remédio. Se concordas com isto, não precisamos de mais nada.

    «Se o indivíduo (Pedro) não quer a parabólica para nada, então causa um determinado prejuízo, mas recebe benefício igual.»

    Vamos assumir que o Pedro tem de contribuir com 1 moeda e, para ele, ter parabólica vale 1 moeda. Nesse caso, é-lhe indiferente se tem parabólica ou não. Vamos assumir também que, nesse caso, tu reconheces que a liberdade do Pedro decidir se participa ou não na vaquinha tem mais valor moral do que o benefício da parabólica para os outros e que, por isso, é moralmente permissível ao Pedro recusar.

    Se ele dá valor à parabólica, então ele tem mais interesse em ter a parabólica. Tal como o tipo com muitas dores tem mais interesse em roubar o medicamento. Mas isso nunca tornará moralmente obrigatório que o Pedro participe na parabólica, porque a única diferença é no interesse dele. Este é um ponto importante: o Pedro não é moralmente obrigado a nada apenas pelo seu interesse; só pode ser obrigado pelo interesse de outros e esse, neste caso, assumimos que é insuficiente para tirar ao Pedro a liberdade moral de escolher.

    «Mas o seu comportamento ainda afecta terceiros de outra forma mais indirecta. Se a parabólica foi colocada e ele não pagou, da próxima vez o Joel (outro vizinho) não vai ser o primeiro a avançar oferecendo-se para pagar o aquecimento centralizado»

    Se o Joel for o filho de 4 anos do Pedro, então talvez isto possa ser imputável ao Pedro e justificar restringir-lhe a liberdade de acção. Mas se o Joel é um adulto responsável pelo que faz, não só o Pedro não tem responsabilidade moral pelo que o Joel faz, como o Joel está também a exercer um direito moral igual ao do Pedro. O resultado pode ser que ninguém fica com parabólica ou aquecimento centralizado, mas se o valor da liberdade de escolher for superior, esse resultado é moralmente preferível à regra de que são moralmente obrigados a participar na vaquinha.

    «Neste sentido o José é prejudicado pelo facto da acção do Pedro não ser considerada imoral de uma forma que não seria caso fosse óbvio para todos que o Pedro não gosta mesmo de ver parabólica.»

    Ou seja, mesmo reconhecendo que o Pedro e o José têm o direito moral de recusar as vaquinhas, tu queres considerar imoral o exercício desse direito por parte do Pedro para que o José também não exerça o seu direito de recusa. Moralmente, parece-me que a tua posição é que é imoral.

    Imagina que para o José e para o Pedro era indiferente se havia parabólica ou aquecimento central. Se, nesse caso, concordas que ambos têm o direito moral de recusar a vaquinha, então não é consistente defenderes que perdem esse direito só porque têm interesse no resultado. Isso é como dizer que há um nível de dor a partir do qual o paciente é moralmente obrigado a roubar os analgésicos. Não faz sentido tirar-lhe a liberdade de decidir só por isso.

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  125. Paralelo à discussão, é necessário lembrar a mudança de paradigma económico na propriedade intelectual: no modelo clássico cada usufrutuário paga o custo distribuído por aquele grupo alvo que tem acesso ao bem e/ou serviço mais uma margem de lucro que depende da elasticidade de preço de mercado.
    No novo paradigma global o bem é acessível a todos e pede-se uma contribuição (graciosa ou não) de baixo valor, o que em milhões de cópias assegura uma retribuição justa ao autor.
    Não é uma questão de moral mas de nos adaptarmos à nova realidade! Com a queda dos custos de distribuição temos exemplos de sucesso como as App Store's.

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  126. « Isso é como dizer que há um nível de dor a partir do qual o paciente é moralmente obrigado a roubar os analgésicos. Não faz sentido tirar-lhe a liberdade de decidir só por isso.»

    Mas se há um nível de dor a partir da qual o roubo é permissível, então também existe um nível de desinteresse na parabólica a partir do qual a não participação na vaquinha é permissível.
    Claro que o melhor seria sempre não roubar o analgésico, e o melhor seria sempre participar na vaquinha, mesmo sem querer a parabólica, se aquilo que interessa não é o bem comum mas sim o bem de todos à excepção do agente moral.

    Mas quando tu falas numa acção que não é a melhor para os agentes exteriores, mas que não deve incorrer na censura moral, convém que o bem que o bem que o agente moral obtenha por essa escolha seja inferior ao prejuízo que causa. E mais a mais, podendo o agente saber perfeitamente que assim é.
    A liberdade ele tem sempre, porque aqui ainda não estamos a falar de repressão legal, ou de coerção pela força. Mas se usa mal essa liberdade e se viola uma regra que, caso seja cumprida, é melhor para todos, e portanto causa um prejuízo superior ao benefício de recebe por ter violado essa regra, então tem uma atitude imoral.

    Claro que há excepções, e situações complicadas, porque na moralidade é tudo muito complexo. Mas regra geral, é imoral violar uma regra que resulte em prejudicar outros mais do que aquilo que somos beneficiados, com plena consciência de o fazer.

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