Resumindo.
O post sobre o aborto, há dias, levou a uma longa discussão onde ficaram perdidas as ideias mais importantes. A primeira é o valor do abortado. Perde-se sempre muito tempo a discutir se o embrião ou feto têm estatuto de pessoa, se são humanos, se têm a mesma “natureza” que nós e assim por diante. Isto pode ter interesse para a semântica ou para a taxonomia, mas, para a ética, não importa.
Coisas como cogumelos, colheres e carraças, cuja existência é desprovida de qualquer subjectividade, valem apenas pelo valor que outros, sujeitos, lhes derem. Nesses casos, a classificação de “alimento”, “talher” e “peste” pode ser relevante. Mas a existência de um chimpanzé, golfinho ou H. sapiens é diferente. O valor dessa existência para esse sujeito é mais importante do que o valor que lhe seja imputado por outros. É esse valor intrínseco que está em causa no aborto, onde a escolha é entre matar ou deixar existir algo que, durante décadas, viverá como nós. O rótulo que lhe colamos, e toda a discussão do “estatuto” ou “natureza” do feto, são eticamente irrelevantes.
Uma objecção é que isto não conta porque, no instante do aborto, o abortado não tem subjectividade. Isto é um erro fundamental porque a ética não visa só o que é mas, principalmente, o que deve ser ou o que devia ter sido.
A melhor altura para avaliar um acto é antes de o cometer e, nesse momento, as consequências são todas potenciais. Estão todas no futuro. Se estimamos que daqui a duzentos anos os contentores de plutónio que atiramos ao lago vão vazar, não podemos alegar que o acto é eticamente neutro só porque as pessoas que isto vai matar ainda não nasceram. E mesmo quando avaliamos um acto em retrospectiva, a ética exige sempre a comparação de alternativas forçosamente hipotéticas. Para decidir se foi correcto desligar a máquina há que pensar no que aconteceria ao paciente se não o tivéssemos feito. Se nunca iria sair de coma, então não havia nada a fazer. Mas se era só questão de tempo até que saísse feliz da vida, então terá sido um erro matá-lo. O valor ético dessa alternativa não pode ser descartado só por o paciente estar morto depois de o matarmos ou em coma quando o fizemos.
Porque considero que qualquer sistema ético tem de incluir estes dois princípios – a subjectividade dos valores e a comparação das alternativas – tenho de concluir que a diferença entre abortar o feto e deixá-lo viver é um factor importante.
O que não implica que seja, necessariamente, o mais importante. Não há valores absolutos, e nem sequer a vida humana é um valor incondicionalmente superior aos outros. Pode ser legítimo matar em defesa da própria vida, da integridade física e da liberdade e, em muitas situações, o valor da liberdade da mãe é maior que o valor da vida do filho. Em casos de violação e problemas graves de saúde, por exemplo.
Na verdade, só me ocorre um caso em que o valor da vida do abortado é claramente superior aos restantes: quando a gravidez resulta de um acto voluntário e consciente. Nesse caso, a liberdade dos pais é condicionada pela sua responsabilidade. E se bem que, por limitações biológicas, só a mulher é que corra o risco de engravidar, este facto é suficientemente conhecido para não desresponsabilizar ninguém das consequências dos seus actos.
Finalmente, há a objecção de que esta forma de avaliar a vida humana leva a um resultado inconveniente quando aplicada à contracepção porque, nesse caso, a decisão também elimina uma vida que de outra forma iria existir e ter valor para quem a viveria. É verdade, mas a objecção confunde o valor subjectivo das consequências com o valor ético do acto.
Para avaliar eticamente um acto precisamos de considerar também quanto o acto contribui para as consequências que dele seguem. Matar uma criança não é eticamente equivalente a deixar uma criança morrer, apesar de, em ambos os casos, estar em jogo o valor que essa vida teria para quem a vivesse. Enquanto que matar uma criança é a causa principal da sua morte, não ir salvar nenhuma de seis milhões de crianças que vão morrer à fome este ano é apenas um dos muitos factores que contribuem para a morte de cada uma delas. A relação causal entre o preservativo e cada um dos filhos que eu poderia ter tido – todas as combinações dos meus espermatozóides com todos os óvulos de potenciais parceiras – é muitas ordens de grandeza mais ténue ainda. Em contraste, o aborto é, deliberadamente, a causa principal da morte do feto.
No entanto, é verdade que a minha abordagem tem implicações inconvenientes, pelo menos na sociedade que temos agora. A contracepção e a investigação em células estaminais não são problema mas, se avaliamos o valor de uma vida pelo seu valor para quem a vive, em vez de pelo rótulo que lhe colamos, então quem mata golfinhos ou chimpanzés por dinheiro merece um tratamento semelhante ao de um assassino a soldo, e a tortura de animais em touradas e matadouros também é inaceitável. Mas, como a ética não se guia pela mera conveniência, isto não contradiz os fundamentos em que me baseio – a subjectividade dos valores e a necessidade de comparar as consequências esperadas – e não é razão para os rejeitar. Até porque não vejo como se pode ter um sistema ético sem esses princípios.
clap clap clap
ResponderEliminarLudwig:
ResponderEliminarEstas a confundir cenarios hipoteticos de sofrimento com cenarios hipoteticos de... nada.
Quem não sente e morre antes de sentir não sofre.
Os tipos que morrerem intoxicados vão sofrer. Há previsão de sofriemento.
O embrião não sofre, não da significado à sua propria vida e nunca irá dar se for abortado.
Quanto à tua fuga dos espermatozoides e ovulos sem fecudação... É uma defesa parcial como tu sabes, mas o erro é caires naquilo que te disse que não há saida. Que é teres de definir um linha algures para dizer que a partir daqui já não conta. Tu apenas poes a linha umas celulas abaixo da minha, mas sem teres a justificação pratica e persuasiva de evitar o sofrimento. APenas dizes que te perdes em previsões e hipoteses. Mas isso ja acontecia antes, quer queiras quer não. Até pressupoes o sofrimento que o aborto causa a um individuo que não nasceu. E que se nascer é porque não foi abortado e portanto não sofreu com isso.
Quanto à cena dos animais, de acordo. Mas o feto não tem consciencia de estar vivo, muito menos do que isso significa para o proprio.
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ResponderEliminarHá aqui um ponto em relação ao qual ainda não tinha comentado.
ResponderEliminarA linguagem é uma convenção, e por si, não é por se convencionar chamar "mamífero" a uma melga que ela passa a merecer uma preocupação análoga à do gato.
Mas se eu disser "uma melga não é propriamente um mamífero" para alegar que merece menos preocupação que um gato, falha completamente o alvo responder "mamífero é uma mera palavra, e a ética não se guia por isso". Até é um pouco insultuoso, e frustrante para quem fez a primeira informação ter de esclarecer que o ponto chave não é a terminologia, mas o significado da mesma. Explicar que o relevante não é ter-se convencionado considerar que a melga não é um mamífero, mas sim as razões associadas a essa convenção - os mamíferos terem certas características que as melgas não têm, as quais são importantes para aferir que preocupações devem ser tidas, e as quais nos referirmos quando observamos que a melga não é um mamífero.
Quando alguém diz que um ovo não é um ser humano, o caso é muito semelhante.
Quanto ao resto (e ao essencial) das tuas alegações neste texto, já respondi antes.
João Vasco,
ResponderEliminar«Mas se eu disser "uma melga não é propriamente um mamífero" para alegar que merece menos preocupação que um gato, falha completamente o alvo responder "mamífero é uma mera palavra, e a ética não se guia por isso"»
Depende. Se eu souber exactamente o que te leva a distinguir entre a melga e o mamífero, e concordar que são esses os critérios eticamente relevantes para suportar a tua conclusão, e se tiver confiança de que é exactamente isso que tu queres dizer com “melga” e “mamífero”, então concordo, não vale a pena perder tempo a esclarecer aquilo que já está esclarecido.
Mas se me propões uma distinção que é mal definida (o que é uma “pessoa”? Inclui chimpanzés e golfinhos? extraterrestres conscientes?), que não está de acordo com o que me parece mais correcto (se é pessoa às 12 semanas é pessoa às 10 também, que ser pessoa não é função da idade) e que não deixa claro quais os critérios que consideras eticamente relevante, então é essencial pedir-te para não usares esse termo confuso e, em vez disso, focares o que interessa. Nomeadamente, quais são os atributos que faltam a um feto de 10 semanas que justificam desprezar o valor de toda a sua vida futura.
Como, ainda por cima, não me parece haver nenhum atributo que possa justificar tal coisa, acho bastante pertinente não deixar esconder a falta de fundamento atrás de jogos de palavras como “não é pessoa”.
«os mamíferos terem certas características que as melgas não têm […] Quando alguém diz que um ovo não é um ser humano, o caso é muito semelhante.»
Nem por isso. É que aquilo que falta à melga para ser como o gato é a capacidade para sentir, miar e assim por diante. O gato tem essa capacidade desde o momento da concepção, estando apenas necessitado de mais ou menos tempo para a demonstrar.
Tudo o que eu faço agora é a realização das capacidades que tenho desde que fui concebido. O espermatozóide do meu pai e o óvulo da minha mãe não tinham estas capacidades, por si. Mas o que geraram depois de se juntar foi um organismo capaz de se desenvolver naquilo que eu sou agora. Não foi preciso uma fada madrinha fazer milagres ou assim...
«Quanto ao resto (e ao essencial) das tuas alegações neste texto, já respondi antes.»
Nem por isso. Na verdade, nunca cheguei a perceber quais são as tuas alegações. Não me parece razoável rejeitares a ideia de que o valore de uma vida deve ser medido, principalmente, do ponto de vista de quem a vive. Nem me parece que rejeitas a necessidade de ponderar as consequências hipotéticas das várias alternativas de forma a avaliar qual delas é a melhor. Sem isso, ficavas com uma ética muito estranha.
E não me parece consistente que defendas aplicar esses princípios a tudo menos o aborto porque nesse caso não dá jeito.
A única coisa que sei da tua posição é a insistência em culpar-me mais pelos filhos que não tenho do que pelas crianças esfomeadas que não salvo, o que me parece também pouco justificável...
João,
ResponderEliminar«Quem não sente e morre antes de sentir não sofre.»
Mesmo quem sente e leva com uma bazucada na cabeça, ou é morto com CO enquanto dorme, também não sofre. Há muitas maneiras de matar sem causar sofrimento. No entanto, o problema ético de matar não está naqueles momentos de dor, mas sim na perda do resto da vida.
«Quanto à tua fuga dos espermatozoides e ovulos sem fecudação... É uma defesa parcial como tu sabes, mas o erro é caires naquilo que te disse que não há saida. Que é teres de definir um linha algures para dizer que a partir daqui já não conta.»
Não. O que tenho são vários factores e tenho de avaliar o peso deles. Tenho a liberdade da mãe de fazer o que quiser do seu corpo, a liberdade do pai de usar uma borracha na pila, o valor da vida do feto, o valor da vida de qualquer um dos milhões de milhões de milhões (etc) de potenciais filhos, a relação causal entre cada um desses valores subjectivos e os actos ou pressões sociais impostas, etc.
Ponderando tudo isso, sem traçar linhas arbitrárias, concluo que o direito de tomar a pílula ou usar preservativo tem mais valor ético do que o impacto na vida de qualquer um dos potenciais descendentes, e que o direito de tirar o feto do útero tem mais valor ético do que a vida futura desse feto. Excepto quando o útero pertence a um dos responsáveis pela situação do feto, caso esse em que se justifica limitar essa liberdade até que seja seguro tirá-lo de lá e dá-lo a alguém para cuidar dele (o que inclui também não o deitar ao caixote do lixo quando sair, alimentá-lo se não houver mais ninguém que o possa fazer, etc, basicamente os deveres típicos dos pais).
A linha arbitrária é uma treta desnecessária e injustificável. O problema ético, neste caso como em todos os outros, é avaliar os actos pelo seu impacto na subjectividade de todos os envolvidos.
Quando te dizem que um ovo não é uma pessoa, tal como no caso da melga e do mamífero, não estão a apontar para as convenções linguísticas, mas às diferenças entre o ovo e a pessoa, que te podem parecer pouco relevantes para esta discussão, mas são-no para a pessoa que faz essa afirmação.
ResponderEliminarTu podes perguntar "que características são essas?", mas há muito da resposta que já conheces. Podes depois apresentar os teus argumentos para defender que essas características não são relevantes para esta questão ética.
Mas isso é algo que deverias ter feito desde logo ao invés de fugir para a argumentação de que a linguagem não fabrica a realidade. É evidente que não fabrica, mas por vezes descreve-a.
Desde já posso dizer que se não acreditas que as diferenças entre um ovo e um embrião, entre um embrião e um feto, e entre um feto e um ser humano, não têm qualquer relevância para esta questão, eu acho que estás a cometer um equívoco. Um equívoco que resulta em acabares por te contradizer para alegares que existem diferenças éticas relevantes entre o espermatozoide e óvulo que se vão juntar, e o ovo a que darão origem; mas não entre esse ovo e a pessoa a que ele dará origem.
«Na verdade, nunca cheguei a perceber quais são as tuas alegações.»
Afirmas que não te respondi, mas depois admites não ter percebido a minha resposta...
A questão é esta: eu podia explicar-te agora as minhas alegações. Tu irias entendê-las, discordar, mas sentir uma sensação de Deja Vú. A isso já me respondeste. Mas repetirias o que escreveste, apenas para me veres repetir as objecções que já fiz a essas respostas. Às quais irias repetir objecções que já fizeste, e eu iria repetir objecções que já fiz, e por aí fora, até chegarmos novamente ao ponto em que em vez de me responderes decidiste voltar ao início.
Queres repetir isso tudo? A discussão vai parecer-te muito familiar...
João Vasco,
ResponderEliminar«Quando te dizem que um ovo não é uma pessoa, tal como no caso da melga e do mamífero, não estão a apontar para as convenções linguísticas, mas às diferenças entre o ovo e a pessoa,»
O problema é que não fica claro que diferenças são essas. Por exemplo, entre a melga e um humano posso apontar que a melga nunca será consciente, enquanto que o humano pode estar inconsciente temporariamente mas retém essa capacidade para ficar consciente no futuro.
Entre o embrião, feto, recém nascido ou adulto desmaiado não posso apontar uma diferença assim. E a alternativa, que é estarem a defender que só sou pessoa quando estou acordado mas deixo de ser se levar uma pancada na cabeça ou estiver anestesiado, parece pouco provável.
«Tu podes perguntar "que características são essas?", mas há muito da resposta que já conheces. Podes depois apresentar os teus argumentos para defender que essas características não são relevantes para esta questão ética.
Mas isso é algo que deverias ter feito desde logo»
Isso é algo que fiz no início, e muitas vezes. E com muitas pessoas. Não adianta de nada, porque acaba-se em coisas como “uma pessoa é um ser humano que já tem neurónios” ou tretas assim... Por isso decidi deixar de perder tempo com essa coisa da pessoa. Se querem apontar alguma característica eticamente relevante, força. Se não, passo à frente.
«Um equívoco que resulta em acabares por te contradizer para alegares que existem diferenças éticas relevantes entre o espermatozoide e óvulo que se vão juntar, e o ovo a que darão origem; mas não entre esse ovo e a pessoa a que ele dará origem.»
Essa diferença é fácil de explicar. A subjectividade, na nossa espécie, é propriedade de colónias de células que colaboram para criar os tais sujeitos. Por si só, uma célula dessa colónia não faz nada de jeito nem é eticamente relevante. Por isso não há problema em matar óvulos ou espermatozóides, pois esses são parte do sujeito e não sujeitos em si.
Mas quando juntas gâmetas, fica algo capaz de ser sujeito. É isso que considero pessoa, eticamente: um ser capaz de ser sujeito (o que, admito, faz com que inclua organismos de outras espécies, o que complica o uso deste termo nestas discussões). Nesse caso é preciso ver se está em condições de vir a manifestar essa capacidade. Se está numa caixa de Petri condenado a morrer em poucos dias, azar. Se está num útero a desenvolver-se e saudável, então tem um futuro de grande valor pela frente, durante o qual será um sujeito. Coisa que um óvulo ou espermatozóide não têm, em geral.
Mas isto foi uma coisa que, em tempos, concordámos: ser pessoa, no sentido eticamente relevante, é ter a capacidade de manifestar consciência, sentir, etc. Mas “capacidade” não é algo que tenha de ser no instante. É algo que se considera ter se esperamos poder manifestá-lo no futuro. Mais semana menos semana é indiferente.
«Isso é algo que fiz no início, e muitas vezes. E com muitas pessoas. Não adianta de nada, porque acaba-se em coisas como»
ResponderEliminarExacto. Coisas que não concordas. Mas de quaçquer dos casos percebes que a divergência não está numa divinização da linguagem, mas sim numa divergência substantiva de perspectivas. Mesmo que acredites que as restantes não fazem sentido ou são incoerentes, como eu acho que é o caso da tua, não coloques o problema onde ele não existe: no papel da linguagem.
«Essa diferença é fácil de explicar. A subjectividade, na nossa espécie, é propriedade de colónias de células que colaboram para criar os tais sujeitos. Por si só, uma célula dessa colónia não faz nada de jeito nem é eticamente relevante. Por isso não há problema em matar óvulos ou espermatozóides, pois esses são parte do sujeito e não sujeitos em si.
Mas quando juntas gâmetas, fica algo capaz de ser sujeito. É isso que considero pessoa, eticamente: um ser capaz de ser sujeito (o que, admito, faz com que inclua organismos de outras espécies, o que complica o uso deste termo nestas discussões). Nesse caso é preciso ver se está em condições de vir a manifestar essa capacidade»
É fácil de explicar, mas não de forma livre de objecções...
Um espermatozoide e um óvulo prestes a juntarem-se estão em condições de vir um dia a manifestar a capacidade de ser sujeito. Tal como o Ovo.
Não pode portanto ser esse o critério que justifique a diferença entre esse par de células e essa célula.
Ludwig,
ResponderEliminarMais uma vez o teu argumento central:
«a ética não visa só o que é mas, principalmente, o que deve ser ou o que devia ter sido»
e mais uma vez este argumento não é para aqui chamado. “Deve ser”, “é”, “ter sido”, “vir a ser” pertencem à distribuição temporal de uma mesma existência no seu universo próprio. Um sujeito na sua vidinha, do princípio ao fim. No que toca aos seres vivos não é isso que nos dizem as evidências apesar da tua abstracção extravagante.
Para tentar dizer alguma coisa nova, uma outra objecção que posso apontar à tua defesa de uma ética subjugada ao futuro em vez de subjugada aos factos é que, sendo esse o imperativo maior, ao teres um filho não lhes estás só a dar uma vida mas sobretudo uma morte. Ora... isso parece-te bem? (desculpa lá este pensamento terrorista mas estás mesmo a pedi-las) *
Portanto independentemente dos vários nomes que possa ter uma coisa, e da irrelevância que daí resulta para distinguir a gosma da criatura, mais importante para a defesa da tua posição é explicares aquilo que continua a ser uma desarticulação lógica: como é que embrião = ser humano? Parece-me que estás a tentar demonstrar esta igualdade apenas com o paralelismo fraudulento do adulto inconsciente ou anestesiado. São sujeitos diferentes.
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(*) Sugiro-te já outra reflexão para desenjoares desta. Se fores à faca por uma apendicite, o que te tirarem não vai para os cuidados intensivos. Vai para o lixo. Porquê? Porque é lixo. A questão do embrião ilude um pensamento tranquilo como este acrescentando-lhe apenas uma dimensão emocional. Daí a celeuma, mais emocional do que ética.
João Vasco,
ResponderEliminar«Exacto. Coisas que não concordas.»
Não é simplesmente não concordar. É serem circulares, e terem essa circularidade disfarçada pela retórica. Não me parece ser mero acaso que tu tenhas evitado tornar explícitas as condições que consideras necessárias e suficientes para que a existência de algo seja eticamente relevante.
«Um espermatozoide e um óvulo prestes a juntarem-se estão em condições de vir um dia a manifestar a capacidade de ser sujeito. Tal como o Ovo.»
Certo. Agora põe de parte a ideia de que tudo isto depende de traçar uma linha arbitrária algures. Adopta, em vez disso, a ideia de que qualquer avaliação ética consiste na ponderação do valor relativo das várias alternativas em causa.
Assim podes perceber que há aqui vários valores a variar gradualmente. A relação causal entre a decisão e a eliminação daquela vida futura em particular vai-se tornando mais forte quanto mais tarde se age. Se for não ter relações sexuais, a relação é muito ténue entre esse celibato e a vida de qualquer filho hipotético em particular. Se for usar preservativo também. Se for ver primeiro qual é o espermatozóide que lá ia chegar e, nessa altura, tirar de lá o óvulo a relação causal é mais forte. Se deixares implantar no útero, ou crescer uma semana, duas, três, vai ficando cada vez mais forte a relação entre o teu acto e a eliminação dessa vida.
Por outro lado, há outros valores que vão enfraquecendo. Por exemplo, tu és uma colónia de células, e parte da tua liberdade exige que tenhas algum controlo sobre essas células. Por isso a liberdade de fazeres o que entendes com os teus espermatozóides é também um valor em jogo aqui. Mas depois da concepção esse material biológico passou a pertencer a outra colónia. A concepção é, factualmente, o processo onde há a diferença mais clara entre o material biológico que és tu e o que era o teu pai e a tua mãe. Também aqui não há uma linha a traçar. Em detalhe, o processo é contínuo e gradual. Mas depois da concepção e antes há uma diferença grande entre a que colónia pertence cada célula.
«Não pode portanto ser esse o critério que justifique a diferença entre esse par de células e essa célula.»
E não é, nem precisa de ser. Não é preciso olhar só para um critério, e só o faço para não ter de repetir isto constantemente (mas acho que vou passar a copy-paste, que deve ser mais seguro :)
O que se passa é que quando estás em casa a preparar-te para a noitada o valor ético da tua liberdade de fazer o que queres com as tuas células é muito superior ao valor ético de qualquer filho hipotético. Conforme tens relações sexuais, os gametas se fundem, o embrião se implanta e começa a desenvolver, o equilíbrio destes valores éticos vai mudando (apesar do valor subjectivo ser o mesmo, vê o post). A minha posição é que ao fim de semanas de gestação já estamos muito para lá do ponto de equilíbrio, porque a partir daí tudo o que resta é secundário. Respirar, crescer, mielinar os neurónios, aprender a falar, desenvolver auto-consciência e ter idade para votar são apenas fases do mesmo desenvolvimento. Exactamente quando se atinge esse equilíbrio é difícil dizer, mas será algures entre a concepção e a implantação, provavelmente.
Mas esse equilíbrio não tem nada que ver com o estatuto ontológico disto ou daquilo. É mais um de muitos contínuos que se encontra na ética. Por exemplo, do homicídio premeditado à legítima defesa vai um contínuo de situações nas quais uns valores vão diminuindo e outros aumentando. Não faz sentido ir perguntar quando é que o estatuto ontológico da vítima passa a agressor e esta deixa de ser pessoa.
Bruce,
ResponderEliminar« “Deve ser”, “é”, “ter sido”, “vir a ser” pertencem à distribuição temporal de uma mesma existência no seu universo próprio. »
Não me digas que foste possuído pelo espírito do Miguel Panão. Isso é treta, e mais nada...
«ao teres um filho não lhes estás só a dar uma vida mas sobretudo uma morte. Ora... isso parece-te bem?»
Depende. Se a parte da vida compensar, sim, é bom. É eticamente bom que pais tentem ter filhos com uma vida que valha a pena viver. Se for para o tratar mal e lhe dar uma existência miserável, não. É eticamente mau que pais tenham filhos para lhes fazer a vida negra.
Isto não tem nada que ver com a distribuição temporal da existência e essas coisas.
«como é que embrião = ser humano?»
“Embrião” não quer dizer o mesmo que “ser humano”, e não estou a tentar definir os termos de forma a que sejam sinónimos. Nem me importa.
O relevante aqui é que o aborto é um processo que visa matar aquele organismo precisamente para que esse organismo não se desenvolva e não se torne num bebé chorão, num puto ranhoso, num adolescente irritante e num adulto ingrato. Daí que seja inconsistente a posição que defende que isso tudo, que é o objectivo do aborto, não conte para o outro lado por não estar na temporalidade do dom de si mesmo transcendente do espaço das possibilidades, ou o raio que o parta ;)
«Se fores à faca por uma apendicite, o que te tirarem não vai para os cuidados intensivos. Vai para o lixo. Porquê?»
Porque as alternativas não são melhores. Deixá-lo cá a apodrecer acabaria por me matar. E pô-lo na incubadora não lhe ia adiantar de nada, porque apodrecia à mesma. Assim, vai para o lixo.
Mas se, por um milagre de uma gaita qualquer, na ecografia se descobrisse que aquilo não me ia matar nem causar mais que um desconforto provisório, se ia desenvolver num ser consciente, senciente, inteligente e autónomo, e que ainda por cima estava lá porque eu, sabendo que corria esse risco, me tinha posto com uma brincadeira qualquer que tinha causado isto, então nem o devem tirar nem deitar para o lixo. Nesse caso tenho a obrigação de esperar umas semanas até que aquilo se aguente sozinho.
Lembra-te que não tem nada que ver com temporalidades da treta ou picuinhices semânticas. Tem que ver simplesmente com o peso dos vários valores éticos.
« Se for não ter relações sexuais, a relação é muito ténue entre esse celibato e a vida de qualquer filho hipotético em particular.»
ResponderEliminarNão és só tu que precisa de usar copy-paste... Mas eu avisei-te que repetir os mesmos argumentos deve levar naturalmente à repetição das suas refutações.
Eu tenho andado a evitar fazê-lo. Até agora tenho apenas escrito que vais repeindo aquilo que acredito ter mostrado serem asneiras, e que se esperas que te responda de maneira diferente quando o erro é indêntico, isso não vai acontecer.
Tu tens uma discussão de várias páginas de texto comigo sobre um assunto, no fim a discussão vai-se centrando mais e mais, e quando, a meu ver, estavas encurralado, fazes um resumo geral da tua posição repetindo aquilo que já tinha alegado serem erros.
Quando disse que responder a esse resumo implicava repetir tudo, fazes um post em que aos erros que já tinha apontado acrescentas outro que ainda não tinha comentado.
Já agora:
«Não me parece ser mero acaso que tu tenhas evitado tornar explícitas as condições que consideras necessárias e suficientes para que a existência de algo seja eticamente relevante.»
Não é mero acaso.
Quando discuto com o Mats a inconsistência entre ele acreditar que o beijo na boca não é imoral, mas usar a mão do homem para dar prazer à vagina da mulher já é, sei bem qual é a regra de ouro: não desviar a conversa nem por um segundo. Ele bem vai querer a minha opinião sobre o aborto e o casamento homossexual, para poder fugir à constatação óbvia das suas contradições com discussões paralelas. Em vez de dizer o que penso sobre esses assuntos, que a discutir com ele nunca haveria qualquer acordo, e bem mais complicados que a simples contradição em discussão, centro-me na inconsistência da posição dele. Quando ele a reconhecer (nunca...) então poderei passar para outros assuntos bem mais complicados.
Ora apesar da inconsistência ser simples, e de a ter mostrado com muita clareza umas boas dezenas de vezes, ele nunca a identificou.
Mas, com um laivo de esperança que tive neste preciso momento de que esta conversa possa avançar sem ser aos círculos, deixa-me fazer-te uma pergunta:
O Joaquim desafia o Abel a ir numa aventura para salvar uma criança, o Quim, que o Abel não conhece e não sabe nada a seu respeito. O Abel rejeita o desafio.
O Pedro desafia o André a ir numa aventura para salvar uma criança, escolhida aleatoriamente entre milhares que necessitam de ser salvas. O André rejeita o desafio.
Há alguma diferença ética entre estes dois actos? Entre a escolha do André e do Abel? É mesmo relevante para aferir a "força da relação causal", ou completamente irrelevante?
Clap, clap, clap
ResponderEliminarJoão Vasco,
ResponderEliminar«Não és só tu que precisa de usar copy-paste... Mas eu avisei-te que repetir os mesmos argumentos deve levar naturalmente à repetição das suas refutações.»
Vamos por partes, então.
Primeiro, supõe que tu estabeleces que a relação causal entre não ter relações sexuais e a inexistência daquele possível filho em particular, que teria existido mas não existe, é tão forte como a relação causal entre o assassinato e a morte daquela vítima, que teria continuado a viver se não tivesse sido assassinada. Mesmo que assim seja, proponho que isso não tem nada que ver com o fundamento ético da minha posição. Apenas implicaria que, nessas condições, o acto era eticamente equivalente a um assassinato e exigiria uma justificação muito forte para ser permissível.
Mas acho que estás muito longe de estabelecer essa equivalência. Não me parece nada razoável defender que a relação causal que vai do avô do assassino ao assassinato seja tão forte como a que vai da decisão de puxar o gatilho à morte da vítima.
Por isso começa por aí. A relação causal entre a morte de uma criança esfomeada específica em África e a minha decisão de não ir lá salvar essa criança em particular é menos forte do que seria a relação causal entre a morte dessa criança e o meu acto de a estrangular, ou não?
Se sim, não te parece razoável que o acto de matar um feto no útero tenha uma relação causal mais forte com a eliminação dessa vida do que o acto de não ter relações sexuais?
Além disso, mesmo que esta diferença não te convença, não achas que o direito de não ter relações sexuais tem um valor ético muito superior ao direito de estrangular crianças? É que se sim, mesmo que não consigas encontrar diferença na relação causal, encontras diferença nos valores éticos em jogo do outro lado...
em jogo do outro lado...(não dos outros lados)
ResponderEliminarlado...visão dualista do mundo, quiçá do universo
Vejamos então o teu exemplo:
ResponderEliminar«O Joaquim desafia o Abel a ir numa aventura para salvar uma criança, o Quim, que o Abel não conhece e não sabe nada a seu respeito. O Abel rejeita o desafio.
O Pedro desafia o André a ir numa aventura para salvar uma criança, escolhida aleatoriamente entre milhares que necessitam de ser salvas. O André rejeita o desafio.
Há alguma diferença ética entre estes dois actos? Entre a escolha do André e do Abel? É mesmo relevante para aferir a "força da relação causal", ou completamente irrelevante?»
Depende. Se a única diferença é o processo de selecção, então penso que não há diferença relevante (mas pode depender dos detalhes; não é trivial aferir se uma causa está mais ligada a um efeito ou não).
Mas supõe que o Quim era a única criança a morrer e o Abel a única pessoa que a poderia salvar. Por exemplo, o Abel é a única pessoa com o sangue do grupo correcto. O Joaquim telefona ao Abel, diz-lhe que só o Abel pode salvar essa criança. O Abel diz que não.
No segundo cenário há um enorme acidente numa escola, montes de crianças perdem sangue, e o Pedro aparece nas notícias a pedir voluntários para dar sangue. O Abel não vai.
Proponho que o acto do Abel no primeiro caso é eticamente mais condenável precisamente porque se pode apontar uma relação causal mais forte entre a decisão do Abel e a morte do Quim.
Mais ainda, proponho que, mesmo no primeiro cenário, o Abel tem direito de dizer que não. Ou seja, é eticamente preferível que dê sangue, mas eticamente condenável que seja coagido a fazê-lo. Excepto se o Quim está naquela situação por causa de algo que o Abel fez, ou se o Quim é filho do Abel, ou se o Abel é de qualquer forma responsável pelo Quim. Nesse caso, o acto do Abel é inaceitável.
O que nos traz a várias diferenças entre o aborto e a contracepção. Em ambos os casos o que está em jogo é o valor de uma vida. No entanto, na contracepção não se pode estabelecer uma relação causal clara entre qualquer uma das possíveis vidas e o acto de contracepção. Tal como o Abel não ir dar sangue para as crianças todas que estão feridas, não podes dizer qual delas morreu por causa do Abel, só que no caso da contracepção multiplica isso por milhões de milhões.
Outra diferença importante é que o estado dos filhos por conceber permanece o mesmo na contracepção, tal como o estado das crianças sinistradas permanece o mesmo se o Abel não as ajudar. Isto faz com que o acto do Abel, não ajudar, em ambos os casos, seja muito menos condenável do que ir tirar sangue a uma criança até ela morrer. Nesse caso a relação causal é muito mais forte porque o acto do Abel alterou o que se passava com a criança. Com o aborto é o mesmo, porque se vai mudar o estado do feto de vivo para morto, enquanto que a contracepção deixa os hipotéticos filhos no mesmo estado em que estão desde antes do universo surgir.
E entre a concepção e o aborto tens também, do outro lado, os deveres dos pais. Eu não tenho dever de conceber nenhum dos filhos potenciais que estão por conceber porque o seu estado de potencial não é responsabilidade minha. Já estavam assim quando eu nasci. Mas se engravido uma mulher tenho responsabilidades para com aquele ser que está a desenvolver-se, porque a situação em que esse se encontra se deve, 50%, à minha escolha de arriscar a sua concepção.
Todas estas diferenças, e provavelmente outras das quais me estou a esquecer, têm de ser consideradas quando comparamos a contracepção com o aborto. Por isso não é correcto tentares reduzir tudo a um só factor. Isso pode dar-te a ilusão de teres refutado alguma coisa, mas será mera ilusão (o tal boneco de palha de que tanto se fala :)
«Um espermatozoide e um óvulo prestes a juntarem-se estão em condições de vir um dia a manifestar a capacidade de ser sujeito. Tal como o Ovo.»
ResponderEliminarAcha mesmo, João Vasco? Um espermatozóide ou um óvulo podem vir a manifestar a capacidade de ser muitos sujeitos diferentes. O ovo não pode ser outro. Onde é que está a diferença entre rebentar com um ovo e dar-lhe com uma marreta na cabeça enquanto você está a dormir?
«Acha mesmo, João Vasco? Um espermatozóide ou um óvulo podem vir a manifestar a capacidade de ser muitos sujeitos diferentes. O ovo não pode ser outro. Onde é que está a diferença entre rebentar com um ovo e dar-lhe com uma marreta na cabeça enquanto você está a dormir? »
ResponderEliminarO espermatozoide e o óvulo podem vir a combinar-se em ADNs muito diferentes. Se fizermos corresponder o ADN à identidade, o argumento do Nuno faz sentido - o espermatozoide e o óvulo podem corresponder a indivíduos diferentes, mas o ovo não.
O corolário dessa correspondência é dizer que os gémeos verdadeiros são a mesma pessoa, visto que têm o mesmo ADN. O absurdo dessa correspondência fica assim evidente.
O ovo poderia resultar em muitos indivíduos diferentes, todos com o mesmo ADN - mas no fim será apenas um indivíduo (gémeos à parte). O espermatozoide e o óvulo também resultarão num indivíduo apenas (gémeos à parte), mas poderia resultar em muitos indivíduos diferentes, com os diferentes ADNs possíveis para aquela combinação de gâmetas, e com as inúmeras diferenças que podem existir mesmo com igual código genético.
«Mas supõe que o Quim era a única criança a morrer e o Abel a única pessoa que a poderia salvar. Por exemplo, o Abel é a única pessoa com o sangue do grupo correcto. O Joaquim telefona ao Abel, diz-lhe que só o Abel pode salvar essa criança. O Abel diz que não.»
ResponderEliminarEu posso supor o que quiseres.
Mas a minha pergunta era para o cenário ao qual me referia, e não para esse alternativo.
Tu dizes que escolher não ter um filho é análogo a abdicar de salvar uma vida. Mas estás sempre a referir, como se fosse importante, a questão de não se saber que código genético o filho de que se abdica vai ter, por oposição ao aborto, em que - alegas - a pessoa será aquela e não nenhuma outra.
Agora, tu alegas que a diferença fundamental não é essa, é a escolha ser activa ou passiva, matar ou abdicar de salvar. Mas não só continuas sempre a mencionar como se fosse relevante a questão do código genético ainda não estar definido quando alguém opta por não ter um filho; como quando quero mostrar a dimensão "activa" da escolha de não ter um filho a tua alegação de que não o é passa muitas vezes por esta incerteza em que pessoa é que sairá dali.
Por isso, quero discutir isto em duas partes. Uma coisa é discutir aquilo que tu achas fundamental - se a escolha de não ter filho é activa ou passiva.
Mas antes de discutir isso, eu quero discutir a relevância da questão de não se saber que filho é que será.
Portanto: se escolher não ter um filho é análogo a abdicar de salvar uma vida, e se para aferir a "força da relação causal" é irrelevante saber se o Abel vai salvar uma criança em concreto sobre a qual não sabe nada, ou se o André vai salvar uma concreta entre inúmeras possíveis crianças; como pode ser relevante saber se o filho que a pessoa escolhe não ter é alguém em específico ou uma entre inúmeras possíveis pessoas?
Parece-me que te contradizes aqui.
Por fim, não alegues que eu afirmo isto ou aquilo. Tenho tido muito cuidado em não expor o que penso sobre este assunto, para não desviar a discussão do ponto essencial.
A minha alegação nesta conversa é a de que a tua posição é inconsistente. Não apresentei nenhuma alternativa, nem tenho esse ónus. Tu fizeste uma proposta e eu acredito que essa proposta é inconsistente.
Acredito que existe uma alternativa com pés e cabeça, mas nem tentei apresentá-la, pelo contrário.
Temos de ser contra o aborto, em todas as situações. Abortar é matar um ser humano. Se não temos o direito de matar um adulto humano pela sua existência ser fruto de uma violação, também não podemos matar um feto humano por ele ser fruto de uma violação. Ninguém pode esperar que agir eticamente seja emotivamente fácil. É errado matar um ser humano inocente. Sobre os casos de risco de vida para a mãe, toda a gravidez é um risco de vida para a mãe; todo o aborto também, e não há nenhuma doença que se cure matando o bebé em desenvolvimento. O que há a fazer é tentar salvar vidas. Se, por exemplo, estancar uma hemorragia numa senhora levar à morte do bebé, quem faz o acto médico não é responsável pela morte. Tentou salvar os dois, se nada fizesse,os dois morreriam.
ResponderEliminarCoisa diferente é achar que se cura alguma doença, matando directa e propositadamente um ser humano em desenvolvimento no útero materno.
Não há um único argumento eticamente válido para defender a nojeira do aborto; o domínio do forte homicida sobre o fraco indefeso.
Abortar é matar um ser humano.
Eticamente, o aborto é indefensável.
"O corolário dessa correspondência é dizer que os gémeos verdadeiros são a mesma pessoa, visto que têm o mesmo ADN. O absurdo dessa correspondência fica assim evidente"
ResponderEliminarNão. Essa comparação é que é absurda. O DNA até pode ser igual ao de outro indivíduo. Já não pode é ser diferente daquele que é. Um espermatozóide ou um óvulo, por si só, não condicionam o indivíduo, dependem da outra parte. Um ovo sim. E em que é que é diferente dar-lhe com uma marreta ao fim de umas semanas ou ao fim de vários anos?
Ludwig,
ResponderEliminar«Não me digas que foste possuído pelo espírito do Miguel Panão. Isso é treta, e mais nada...»
Concede-me que eu não preciso da má influência do Miguel Panão para dizer as minhas próprias asneiras... Agora, se eu traduzo em palavras aquilo que me parece ser uma evidência imediata, como “as fases de um sujeito pertencem-lhe a ele e não a outro sujeito”, terás melhores razões do que a má influência do Miguel Panão para me corrigir se propões o contrário :) E se continuas a querer driblar assim a questão da descontinuidade gosma → criatura para preservares um argumentário que de outra forma não faz sentido nenhum corres um risco sério de ser mais católico do que ele.
fim dos insultos envolvendo comparações ao espírito insidioso do Miguel Panão –
À questão da ética subjugada ao imperativo futuro respondes-me:
«Depende. Se a parte da vida compensar(...)»
Resposta de esferovite? Sendo o futuro o maior imperativo de um sistema ético, conforme tens proposto em defesa daquele outro sujeito e não do que tens à frente, o que produzes num recém-nascido é por antecipação lógica o seu próprio cadáver. Coisa que não «depende» de nada para além de o fazeres nascer, tal como «se a parte da vida compensar» não depende de uma avaliação tua, mas sua. Penso que tens aqui umas arestas para resolver antes de fazeres desta ética uma referência para a decisão de ter filhos em vez de aspirar embriões.
Mas no fundo isto não passa de um pormenor do quadro alargado (naïve) em que desenhas o embrião como um homenzinho de 8 semanas. E mau por mau prefiro o tecto da capela Sistina.
OS DISPARATES QUE O LUDWIG DIZ:
ResponderEliminar"É esse valor intrínseco que está em causa no aborto, onde a escolha é entre matar ou deixar existir algo que, durante décadas, viverá como nós."
Como é que algo que não passa do produto de uma sequência de acidentes físicos e químicos e de erros genéticos, amorais, cegos e irracionais, tem valor intrínseco?
Onde é que está escrito que os acidentes cósmicos têm valor intrínseco...? Quem lhes atribui esse valor? Em que é que ele consiste?
Não será a afirmação do Ludwig um acidente cósmico sem valor intrínseco?
Gostariamos de conhecer todo o raciocínio...
Sem ele, trata-se apenas de uma afirmação irracional e arbitrária, que viola as leis da lógica e o dever de racionalidade.
De valor intrínseco do ser humano podem falar lógica e racionalmente aqueles que acreditam que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, com capacidade racional e moral, autonomia e responsabilidade.
De valor intrínseco do ser humano podem falar aqueles que acreditam que Deus se fez homem para morrer por causa dos pecados do ser humano...
Se ambas as coisas forem verdade, então o ser humano tem realmente valor intrínseco.
Se a teoria da evolução for verdade, o ser humano simplesmente não tem valor intrínseco...
Não basta afirmar arbitrariamente o valor intrínseco do ser humano.
É necessário mostrar como é que ele surge objectivamente e em que é que ele consiste objectivamente...
É necessário mostrar como é que das premissas naturalistas e irracionais do evolucionismo se chega ao valor intrínseco do ser humano...
Um autoproclamado especialista em pensamento crítico deveria saber isso e fundamentar melhor as suas afirmações...
O Ludwig já se enterrou demasiado na irracionalidade e não consegue voltar atrás, porque considera que isso seria demasiado humilhante...
Resta-lhe a fuga para a frente, fazendo afirmações arbitrárias e irracionais e esperando não ter que prestar contas a ninguém da sua irracionalidade e arbitrariadade...
COMO PODEMOS TER A CERTEZA ABSOLUTA DE QUE O LUDWIG HÁ MUITO QUE PERDEU O SEU DEBATE COM OS CRIACIONISTAS?
ResponderEliminarÉ muito simples:
1) Para defender a ciência, o Ludwig tem que postular que o Universo funciona racionalmente e pode ser compreendido racional, lógica e matematicamente.
A Bíblia ensina isso. A teoria da evolução (com a sua ênfase na irracionalidade dos processos), não.
A Bíblia ganha, porque o Ludwig tem que postular a visão bíblica do mundo para defender as possibilidades da ciência.
2) Para poder criticar o comportamento dos religiosos, ou defender o valor intrínseco do ser humano, o Ludwig tem que pressupor a existência de valores morais objectivos.
Caso contrário, são as suas próprias preferências morais subjectivas contra a dos religiosos.
A Bíblia ensina que existem valores morais objectivos. A teoria da evolução (com a sua ênfase no carácter amoral e predatório dos processos), não.
A Bíblia ganha, porque o Ludwig tem que postular a visão bíblica do mundo para as suas condenações morais serem plausíveis...
3) A Bíblia ensina que a vida foi criada por uma (super-)inteligência.
A existência de códigos e de informação codificada é a marca, por excelência, da inteligência e de racionalidade (v.g. computadores, ATM’s, GPS’s., Ipads).
A vida depende de códigos e informação codificada, com uma densidade e complexidade que a comunidade científica não consegue compreender e reproduzir.
Para aspirar a ganhar o debate, o Ludwig teria de a) mostrar um processo físico que crie códigos e informação codificada ou b) demonstrar que a vida não depende de códigos nem de informação codificada.
Como ambas as coisas são cientificamente impossíveis, a Bíblia ganha.
É por isso que é errado afastar a Bíblia deste debate, como alguns pretendem. Ela dirige e vence o debate.
Sempre que tenta negar a Bíblia e condenar a conduta dos cristãos o Ludwig tem que postular a visão bíblica do mundo.
Ludwig:
ResponderEliminar"No entanto, o problema ético de matar não está naqueles momentos de dor, mas sim na perda do resto da vida."
De alguem que ja a desejava e ja deixa saudades. Ja tinha coberto isso. O embrião nem por isso, não deixa saudades, não tem valor da vida subjectiva, 1 em cada 3 nem chega a nascer.
Não tem vida (no sentido de escolhas, experiencia pessoal, sentimentos,, etc) para perder....
Ha! Tambem não estas a tirar o que não esta la. Não estas a impedir a vida do Zezinho como dizia um futbolista conhecido. Esse embrião não tem identidade.
"O que tenho são vários factores e tenho de avaliar o peso deles. "
Sim, e depois poes linhas arbitrarias menos justificaveis que as minhas, pois posso usar os teus argumentos (de defender a mãe e o pai, etc) e mais alguns (não haver nenhuma alteração que justifique haver mais siubjectividade no embrião que no espermatozoide) para o momento em que eu escolho.
Injustificavel? Ó Ludwig, desculpa, mas ate podes não concordar, mas dizer que é injustificavel é cegueira da tua parte. O meu argumento é um conjunto que inclui o teu em grande parte e exclui cenarios de fantasia (de perder o que nunca se teve - todos os teus contra-exemplos falam de perder o que se tem). De facto não estas a matar ninguem se impedes o embrião de ser sujeito. Pelo teu proprio argumento anterior.
Sabias que 1/3 a 2/3 dos embriões nem são viaveis?
Sabias que não há superpopulação e dificuldades em manter os numeros actuais?
Sabias que um bebe indesejado reprensenta sofrimento para os pais e para o próprio? De acordo com o Levitt do freakonommics muitos dão em marginais?
Sabias que ele considera que o aborto foi o que permitiu tornar Nova York uma cidade segura? ( E sustenta a sua opinião em estatistica.)
Injustificavel? So se fores cego.
O LUDWIG ERRA: VIOLA O DEVER DE RACIONALIDADE SEMPRE QUE AFIRMA A SUA EXISTÊNCIA
ResponderEliminarA certa altura, o Ludwig referiu-se a um dever de racionalidade a que, alegadamente, todos estamos subordinados.
O problema do Ludwig é que, por causa da sua visão ateísta e naturalista do mundo, não consegue justificar racionalmente a existência desse dever de racionalidade.
Em primeiro lugar, se o nosso cérebro é o resultado acidental de coincidências físicas e químicas torna-se difícil ter certezas sobre a nossa própria racionalidade.
Não é por acaso que o Ludwig se autodescreveu como “macaco tagarela” quando é certo que o próprio Charles Darwin punha em causa a fiabilidade das convicções que os seres humanos teriam se fossem descendentes dos macacos.
Em segundo lugar, se Universo, a vida e o homem são fruto de processos cegos, aleatórios e irracionais, não se vê como é que de uma sucessão naturalista de acasos cósmicos pode surgir qualquer dever, e muito menos um dever de racionalidade.
Já David Hume notava o que há de falacioso em deduzir valores e deveres (que são entidades imateriais) a partir de processos físicos.
O Ludwig é o primeiro a dizer que não existem deveres objectivos e que toda a moralidade é o resultado, em última análise, de preferências subjectivas arbitrárias.
Depois, de forma irracional e arbitrária, diz que o ser humano tem valor intrínseco!!
Na verdade, se a visão ateísta do mundo estiver correcta, quando afirma que o Universo, a vida e o homem foram o resultado de processos irracionais, a ideia de que existe um dever de racionalidade é, em si mesma, totalmente arbitrária, porque destituída de qualquer fundamento racional.
Ou seja, o Ludwig mostra a sua irracionalidade porque sempre que afirma o dever de racionalidade o faz sem qualquer fundamento racional.
Ele viola o dever de racionalidade sempre que afirma a sua existência.
O dever de racionalidade existe apenas se for verdade que o Universo e a vida foram criados de forma racional por um Deus racional que nos criou à sua imagem e semelhança e nos dotou de racionalidade.
Apesar da corrupção moral e racional do ser humano, por causa do pecado, continuamos vinculados por deveres morais e racionais porque eles reflectem a natureza do Criador.
Daí a existência do dever de racionalidade.
Daí o valor intrínseco do ser humano...
João Vasco:
ResponderEliminarNão esta tudo nos genes. Ainda há muita coisa para mudar depois de chegar a ovo. Na realidade gemeos identicos podem manter uma divergencia para muitas caracteristicas a vida toda.
Jonatas Machado:
ResponderEliminar"O problema do Ludwig é que, por causa da sua visão ateísta e naturalista do mundo, não consegue justificar racionalmente a existência desse dever de racionalidade. "
Melhor do que dizer que é por causa de um deus inventado é explicar que a racionalidade permite vidas mais confortaveis e seguras.
Palhaço.
« O DNA até pode ser igual ao de outro indivíduo. Já não pode é ser diferente daquele que é. Um espermatozóide ou um óvulo, por si só, não condicionam o indivíduo, dependem da outra parte. Um ovo sim. »
ResponderEliminarUm ovo não.
A única coisa que o ovo determina a mais que o par de gâmetas é o DNA do indivíduo. Tudo o resto está em aberto, de igual forma.
O tudo o resto só fica reduzido a nada se fizermos a correspondência ADN<->indivíduo que espero que ambos consideremos absurda.
O LUDWIG, A RESISTÊNCIA DAS BACTÉRIAS AOS ANTIBIÓTICOS E A EVOLUÇÃO: ACTUALIZAÇÃO DE ÚLTIMA HORA!
ResponderEliminarHá uns meses atrás, o Ludwig defendeu que a síntese de betalactamase, uma enzima que ataca a penicilina destruindo o anel de beta-lactam, é uma evidência de evolução.
Nesse caso, o antibiótico deixa de ser funcional, pelo que os microorganismos que sintetizam betalactamase passam a ser resistentes a todos os antibióticos.
A betalactamase é fabricada por um conjunto de genes chamados plasmidos R (resistência) que podem ser transmitidos a outras bactérias.
Em 1982 mais de 90% de todas as infecções clínicas de staphylococcus eram resistentes à penicilina, contra perto de 0% em 1952.
Este aumento de resistência ficou-se a dever, em boa parte, à rápida transferência por conjugação do plasmido da betalactamase.
Neste exemplo está-se perante síntese de uma enzima de banda larga com perda de especificidade e, consequentemente, com perda de informação.
A rápida obtenção de resistência conseguiu-se por circulação de informação.
Em caso algum estamos perante a criação de informação genética nova, codificadora de novas estruturas e funções.
Na verdade, na generalidade dos casos conhecidos em que uma bactéria desenvolve resistência a antibióticos acontece uma de três coisas:
1) a resistência já existe nos genes e acaba por triunfar por selecção natural, embora não se crie informação genética nova.
Um exemplo de Janeiro de 2011 pode ver-se na bactéria “Streptococcus pneumoniae” e na sua resistência às vacinas.
Aí se verificou que a resistência já existia nalgumas variedades, antes de introduzida a vacina.
A selecção natural eliminou as variedades sem resistência, não criando nada de novo.
Neste caso, a bactéria “Streptococcus pneumoniae” “evoluiu” para… bactéria “Streptococcus pneumoniae”.
2) a resistência é conseguida através de uma mutação que destrói a funcionalidade de um gene de controlo ou reduz a especificidade (e a informação) das enzimas ou proteínas;
3) a resistência é adquirida mediante a transferência de informação genética pré-existente entre bactérias, sem que se crie informação genética nova (o que sucedeu no exemplo do Ludwig). Um exemplo é o da bactéria Staphylococcus aureus
Nenhuma destas hipóteses corrobora a criação naturalista de informação codificada inovadora necessária à transformação de partículas em pessoas.
Referências:
1) How Bacteria Keep Ahead of Vaccines and Antibiotics
ScienceDaily (Jan. 28, 2011) , sobre a bactéria Streptococcus pneumonia. Aí se diz, “The research suggests that variants that allowed some bacteria to escape the new vaccine were present before the vaccine was introduced.”
2) Gene 'Relocation' Key to Most Evolutionary Change in Bacteria
ScienceDaily (Jan. 27, 2011), sobre a bactéria Staphylococcus aureus, onde se lê: “bacteria evolve new abilities, such as antibiotic resistance, predominantly by acquiring genes from other bacteria”.
RESPOSTA AO JOÃO:
ResponderEliminar"Melhor do que dizer que é por causa de um deus inventado..."
Afirmação arbitrária, sem qualquer fundamento racional.
"...é explicar que a racionalidade permite vidas mais confortaveis e seguras."
Se o nosso cérebro é apenas o produto de processos químicos, genético e neurológicos aleatórios nem sequer podemos falar em racionalidade...
É irracional deduzir a racionalidade de processos irracionais...
«e que ainda por cima estava lá porque eu, sabendo que corria esse risco, me tinha posto com uma brincadeira qualquer que tinha causado isto,»
ResponderEliminarEntão o busílis da questão é esta: o aborto deve ser proibido porque as jovens crianças que se metem na brincadeira deviam-se comportar melhor, e assim este é um bom castigo! Vão aprender, nem que seja da pior maneira. Quer dizer, a questão não pode ser definida assim. A ilegalização do aborto não pode depender da questão de ter sido "uma brincadeira" ou não, porque assim estamos a questionar a ética do sexo, e não a ética do aborto. O que me parece completamente estúpido, mas muito fácil de aqui chegar.
Porque o Bruce tem razão, 95% desta discussão é emotiva, não racional. E se há coisa que a gente não gosta é ver aqueles jovens no auge da sua vida a espalhar sexo por todo o lado, e depois quando certas coisas acontecem, recusam-se a aceitar o "castigo" de ter de levar com a gravidez até ao fim. Os sacaninhas! Onde irá parar a sociedade?!..
Por outro lado, também me parece indefensável esta coisa de igualar valores de consequências previstas num futuro razoavelmente distante com valores de consequências inevitáveis num futuro razoavelmente próximo. Qualquer análise temporal deste tipo nunca pode igualar uma vida presente a uma vida possível futura. Este tipo de ignomínias lógicas são monstruosas e os seus proponentes devem ser mortos. A tiro. De caçadeira. Ficam já avisados ;).
ResponderEliminarEste tipo de ignomínias lógicas são monstruosas
ResponderEliminarAtão nã são
Deviam ter-vos exterminado a todos de nascença
Afogar-vos como gatos
Estripá-los como suínos
Nuvens de fumo=altos kumulos castellanos?
não entende o que ?
eu explico, no sistema público de escola existem carreiras e ordenados que são atribuídos de forma cohecida, publica etc
no privado não
tenho imensas pessoas amigas que estão a dar aulas em regine de recibo verde , que não podiam leccionar no público mas podem no privado, fantástico não é ?
isso é concorrência desleal =>
é poder ir buscar pessoas a preços de saldo numa altura de crise e recebe do estado o resultado de dividir carreiras a sério pelo número de alunos, é comparar laranjas com maças.
quanto ao resto nem vale a pena, a ideia que existe direito de escolher a VIDA é verdade: depende do dinheiro que se pode pagar
"Um ovo não.
ResponderEliminarA única coisa que o ovo determina "
Eu não disse "determina", João Vasco. Disse "condiciona". (por acaso tinha escrito "determina" à primeira mas percebi que você não iria desperdiçar). Há uma certa diferença, não?
Nuno Gaspar:
ResponderEliminar«Um ovo não.
A única coisa que o ovo condiciona a mais que o par de gâmetas é o DNA do indivíduo. Tudo o resto está em aberto, de igual forma.
O tudo o resto só fica reduzido a nada se fizermos a correspondência ADN<->indivíduo que espero que ambos consideremos absurda.»
"Afirmação arbitrária, sem qualquer fundamento racional."
ResponderEliminarCompletamente racional. Se deus é suposto estar em todo o lado mas não se encontra em lado nenhum, tudo acontecendo como se ele não existisse, é racional dizer que deus não existe. O contrário é que é um golpe de fé para quem confunde a fantasia com a realidade e nem sabe propor como distinguir a crença em deus da sua existencia.
KO!
A vantagem de dizer que deus não existe em relação a um unicornio é que Deus era suposto estar em todo o lado. Por isso não preciso de conhecer todo o universo e toda a historia da terra. Basta o conhecimento da cosmologia e biologia actuais para saber isso.
ResponderEliminarClaro que quem é criacionista esta a anos luz de compreender seja o que for. Até acreditas que deus criou a terra antes das estrelas. 4 dias.
Deu-Lhe a dor de barriga?
"Deu-Lhe a dor de barriga? "
ResponderEliminarSim, porque quando deus tem vontade de se aliviar deve ser uma coisa logo para 4 ou 5 dias.
Barba Rija:
ResponderEliminarPara variar tens razão. Excepto na parte mais importante, claro. A da violencia gratuito. Eu proponho antes que levem com bilhas de gas das antigas nos dedos grandes dos pés. :P
Ludwig:
ResponderEliminarAcho que daqui não levas nada.
Olha que eu tenho muita consideração pelos cegos. Eu proprio ja não vejo tão bem como antes.
Mas lembra-te, ja dizia o velho Herodes, "o mais cego é aquele que não quer ver..."
Vários em um:
ResponderEliminarJoão, esses problemas sociais, económicos e afins existem. Mas não justificam destruir vidas como as nossas.
Barba, não tem nada que ver com castigo. Se eu bato com o carro noutros estacionados é eticamente condenável, e deve ser ilegal, ir me embora sem pagar os estragos. Não por castigo, mas porque sou responsável pelo que fiz, ainda que tenha sido sem intenção. O mesmo se passa quando se tem relações sexuais e a mulher engravida (tanto o homem como a mulher são responsáveis, e não é aceitável safarem-se prejudicando terceiros).
Bruce, o meu ponto não é que o futuro é um imperativo. É simplesmente que a ética não tem prazos de prescrição. Se sabes que os barris de plutónio vão vazar e matar castores, vacas e gente, então tens responsabilidade ética por isso quer seja daqui a dois meses quer seja daqui a duzentos anos. A desculpa da vitima ainda não ter nascido não serve de nada. E sim, toda a gente acaba por morrer, mas o que conta é os anos de vida que lhes tiras.
Finalmente, João Vasco, os teus exemplos assumem, em regra, que eu só considero um único factor. Por isso tendem a omitir detalhes que são cruciais. Mas nota que a nossa discussão já não é ética. É simplesmente acerca de como determinar se uma relação causal é forte ou fraca.
Vou dar uns exemplos para mostrar como há vários factores em causa. Não pretendem ser exaustivos, o objectivo é apenas evitar que tu embiques em algo como « tu alegas que a diferença fundamental não é essa, é a escolha ser activa ou passiva, matar ou abdicar de salvar.» Não proponho um único factor como sendo aquele que distingue todas as relações causais fortes de todas as relações causais fracas. É um problema multi-factorial.
Agora os exemplos.
A- Despejas contentores de plutónio, sabendo que vão vazar e que isso vai matar 200 pessoas.
B- Conduzes um automóvel em dia de nevoeiro, sabendo que o smog vai matar 200 pessoas.
C- Há um acidente de comboio e há 200 pessoas a morrer e a precisar de sangue, e tu não vais dar sangue.
D- Tu estiveste num acidente com um colega teu, por culpa de outrem, ele precisa de sangue e só o teu sangue é compatível. Tu não dás sangue e ele morre.
E- Tu estiveste num acidente com um colega teu, por culpa tua, ele precisa de sangue e só o teu sangue é compatível. Tu não dás sangue e ele morre.
Em A, para qualquer uma das pessoas que morra com o plutónio, é evidente que a culpa foi tua. O teu acto foi a causa principal disto. Seja daqui a dois meses seja daqui a duzentos anos, a tua responsabilidade ética é a mesma. És culpado por essas mortes.
Em B a ligação entre qualquer uma das mortes e a tua decisão de conduzir é muito ténue, visto que há muitos condutores a contribuir para o smog. Por isso não és condenado por homicídio. Nota que aqui é irrelevante a escolha ser activa ou passiva, ou saberes os nomes das pessoas.
Em C, a ligação entre cada morte e a tua decisão é ténue, mas em D é mais forte. Por isso em D o teu acto é eticamente mais condenável. No entanto, não o suficiente para que seja imoral; ou seja, não se justifica uma regra que vise coagir-te a dar sangue. Em E, penso que já se justifica porque nesse caso a relação causal entre os teus actos e a morte do teu colega é ainda mais forte, não só porque optaste por não lhe dar sangue quando precisava, mas porque a situação em que ele se encontrava nessa altura era também responsabilidade tua.
Escolher não ter um filho não é “análogo a abdicar de salvar uma vida” no sentido de ser a mesma coisa. Mas a diferença entre o aborto e a contracepção é, tal como a diferença entre matar e não salvar uma vida, uma diferença na relação causal entre o acto e as consequências e não uma diferença no valor subjectivo daquilo que se perde ou ganha numa alternativa em relação à outra. Ou seja, reiterando, não estou a insistir que a causalidade dependa apenas de um factor e que seja sempre o mesmo. Apenas estou a apontar que a relação causal entre acto e consequência é eticamente relevante.
Ludwig:
ResponderEliminarDizes que não é um factor, mas sim vários.
Eu escolho um dos factores - que alegas ser importante - para discutir, e tu foges a essa discussão.
Vais continuar a ignorar as contradições que te aponto, e quando as coisas estão mais concretas, não respondes e voltas a falar sobre o problema no geral.
Assim é muito difícil.
João Vasco,
ResponderEliminar«Eu escolho um dos factores - que alegas ser importante - para discutir, e tu foges a essa discussão.»
Não "fugi". Ainda aqui estou (se bem que, admito, por vezes tenho outras coisas que tenho de fazer ;)
Mas qualquer um desses factores apenas é o mais importante nos casos em que os outros não o são.
Além disso, os factores que tu dizes que eu considero importantes não são, realmente, os que eu considero importantes. Por exemplo, não é a indeterminação genética do futuro filho que é importante. No caso de eu usar preservativo, os factores mais salientes são o estado de "não concebido" ser o mesmo que já era antes de eu ser responsável por o que quer que fosse -- e que por isso não é culpa minha -- e o número enorme de factores que têm de contribuir para que qualquer um filho específico venha a ser concebido, factores esses que não estão sob meu controlo (a trajectória dos espermatozoides, compatibilidade com o óvulo, a posição do óvulo, etc) e que também não são responsabilidade minha.
Mas é perfeitamente possível que consigas inventar um cenário no qual estes factores já não são relevantes. Por exemplo, se eu fosse omnipotente, omnisciente e tivesse sido eu a criar todo o universo de propósito, então penso que poderíamos dizer que eu seria eticamente tão responsável por uma certa pessoa não ser concebida como seria por ser abortada às 11 semanas ou estrangulada à nascença. Mas isso, parece-me, é um problema pouco relevante, excepto para alguns dos nossos colegas aqui ;)
«e o número enorme de factores que têm de contribuir para que qualquer um filho específico venha a ser concebido»
ResponderEliminarMas para já é este o problema que estou a querer discutir. Apenas este.
É que existem dois tipos de factores. Uns factores são aqueles que podem fazer com que nenhum filho nasça. Tu sabes que não te podes referir apenas a estes, pois eles continuam a existir mesmo depois da fecundação, e por aí fora.
Por isso estás sempre a referir-te a outro tipo de factores, como sendo relevantes, que são os factores que fazem com que o filho futuro seja um e não outro.
Já por várias vezes reparei para o resto da discussão tu te referiste a este ponto como essencial. Até mesmo no texto que estamos a comentar isso aconteceu.
Se para ti este ponto não fosse importante, não estarias sempre a voltar a ele.
Mas é este ponto que estou a discutir. Quero começar por discutir este ponto específico, antes de voltar para a discussão da ética do aborto. Por isso peço-te que não voltes a ignorar o ponto da discussão em que estivermos para expô-la do início, resumindo-a à tua maneira.
Onde está a tua contradição?
Por um lado dizes que os factores que levam a que seja um filho e não outro criam uma menor "força da relação causal" entre a decisão de não ter um filho e a existência do hipotético filho.
Mas isso quer dizer que olhas para o hipotético filho não da perspectiva que temos supondo que ele nasceu - nesse caso o filho é o Eduardo e não nenhum outro - mas ao invés olhas da perspectiva de quem não sabe quem é que será "salvo", tanto pode ser o Eduardo como inúmeras outras pessoas, e isso justifica a "fraqueza" da relação causal.
Já não fizeste o mesmo em relação à pessoa que decide salvar alguém baseando-se num gerador de números aleatórios.
Aí dizes que existe uma relação causal muito mais forte, pois invertes o critério. Ele salvou o Eduardo e não nenhum outro, e não te importa que tanto poderia ter salvo o Eduardo como o Joaquim.
Se esta troca flagrante e contraditória de critérios não fosse importante para todo o teu edifício argumentativo, não estarias constantemente a insistir nela, e a desviar o assunto cada vez que ta mostro de forma inequívoca.
JV,
ResponderEliminar"A única coisa que o ovo condiciona a mais que o par de gâmetas é o DNA do indivíduo."
isto é, a primeira condição para que possa ter uma existência distinta.
Essa alusão a DNA = identidade do indivíduo não vem a propósito. Fala nisso para baralhar.
«isto é, a primeira condição para que possa ter uma existência distinta.»
ResponderEliminarNão, não é.
Consoante o código genético do óvulo, por exemplo, podem existir inúmeras existências distintas.
O espaço de possibilidades é gigantesco antes dos gâmetas se fundirem, e, mesmo que diminua, continua gigantesco depois dos gâmetas darem origem ao ovo.
E continua a diminuir pela gravidez fora consoante uma miríade de factores, desde a alimentação e estilo de vida da mãe até outros tantos que escuso de enumerar.
João Vasco,
ResponderEliminar«Por um lado dizes que os factores que levam a que seja um filho e não outro criam uma menor "força da relação causal" entre a decisão de não ter um filho e a existência do hipotético filho.»
Sim.
«Mas isso quer dizer que olhas para o hipotético filho não da perspectiva que temos supondo que ele nasceu»
Pois não. Nesse caso olho da perspectiva que supõe que ele não nasceu. Não te esqueças que estamos a avaliar os diferentes futuros possíveis de forma a compará-los e encontrar a opção de maior valor ético.
«ao invés olhas da perspectiva de quem não sabe quem é que será "salvo", tanto pode ser o Eduardo como inúmeras outras pessoas»
Não se saber é outro factor eticamente relevante, mas penso que não era isso que aqui estava em causa.
«Já não fizeste o mesmo em relação à pessoa que decide salvar alguém baseando-se num gerador de números aleatórios.»
OK, vejamos então esse exemplo. Há mil pessoas a afogar-se e tu tens várias alternativas. Podes salvar o Eduardo que é teu amigo, o Joaquim que é teu primo, usar um gerador de números aleatórios e salvar o que calhar, etc, etc, ou não salvar ninguém, ou pegar no Eduardo pelo cabelo e segurá-lo debaixo de água até ele morrer, ou escolher um ao calhas para matares.
O primeiro passo é avaliar os valores subjectivos em causa. Em todos estes cenários, ou morrem mil pessoas ou morrem 999, conforme o caso.
Agora temos de avaliar a relação causal entre a tua decisão e cada um destes desfechos. Vou fazer isso por categorias. Nos futuros hipotéticos em que salvas alguém, há uma relação causal forte entre essa pessoa salvar-se e o teu acto de o salvar. E isto não depende dos números aleatórios, amizade, proximidade, etc (que talvez possam ser relevantes, eticamente, mas não para aferir a relação causal). Quando salvas alguém és a causa principal do seu salvamento; o factor mais saliente que contribuiu para esse resultado. Mas não és a causa principal do afogamento dos outros. Não é correcto dizer “afogaram-se 999 pessoas porque o João Vasco salvou o Eduardo!” As causas principais dos afogamentos dos outros são não saberem nadar, o mar estar revolto, etc, etc, que não tem nada que ver contigo.
(continuação)
ResponderEliminarSe optas por afogar alguém, o raciocínio é o mesmo, mas com o resultado contrário. O teu acto é o factor causal principal da morte daquele que escolheste como tua vítima, seja por que razão for. No entanto, és inocente dos afogamentos dos restantes. E, se algum dos outros se salvar, também não se pode aplaudir-te dizendo que se salvou porque não foi esse que tu decidiste matar.
Se não fazes nada, então és tão inocente dos afogamentos de todos quanto serias daqueles que sobravam quer salvasses um quer matasses um. Os factores principais são coisas que não têm nada que ver contigo.
Se fosse só uma pessoa, então deixá-la afogar seria eticamente pior do que sendo mil, isto porque há menos alternativas e menos outros factores, o que leva a uma ligação mais forte entre a tua inacção e o resultado. Um exemplo extremo: estás num comboio desgovernado que, se não travares, mata mil pessoas que estão na linha. Se não travares és menos responsável por essas mortes do que se fosses tu a matá-las com o comboio deliberadamente, mas mesmo assim és muito mais responsável do que no caso do afogamento, porque aqui há muito menos factores adicionais. Seria até correcto dizer “morrem mil pessoas porque o “#$%!$! do João Vasco não travou o comboio”.
Finalmente, o problema de não saber. Estás numa doca às escuras, ouves barulhos estranhos na água, e não sabes se é alguém a afogar-se ou na reinação. Se não salvas ninguém, a relação causal é idêntica ao exemplo acima, mas tens a atenuante adicional de não saber se estava alguém em perigo ou não, e isso é eticamente relevante também.
Ou seja, se decides ter um filho é correcto dizer que essa decisão foi um factor importante para a vida desse filho. Mas se decides não ter filhos, é incorrecto apontar para qualquer um dos milhões de filhos que poderias ter tido e dizer que foi por culpa tua que esse nunca foi concebido. Como esse estão todos os outros, e são muitos os factores relevantes para que não fossem concebidos. E se decides matar um feto, essa decisão é o factor mais importante para a eliminação daquela vida. Em contraste, se não fazes nada e ele se desenvolve, não é correcto dizer que foi graças a ti que ele viveu. Foi graças a uma data de coisas, entre as quais essa decisão de não abortar.
E se, além disso, não sabes se aquele acto sexual ia dar gravidez ou não, ou se não é preferível teres outro filho mais tarde em vez deste, etc, então ainda mais atenuada fica a tua responsabilidade ética.
É claro que, se fores omnipotente, omnisciente e criador de todo o universo, então ou isto é mesmo o melhor universo possível ou então és directamente culpado por todo o mal que existe. Aí não há desculpas.
Ó João Vasco,
ResponderEliminarA epigenética, o comportamento e a cultura vêem depois da genética, entendeu?
O DNA é o alicerce do indivíduo, é a sua condição primeira. Não a segunda ou terceira. Por isso, rebentar com ela mais cedo ou mais tarde tem o mesmo efeito.
É claro que, se fores omnipotente, omnisciente e criador de todo o universo, então ou isto é mesmo o melhor universo possível
ResponderEliminarou então és directamente culpado por todo o mal que existe
De resto o Freddy mercury e os seus Zoroastrianos antepassados
Acreditam na dualidade do Mundo
mesmo que assi nã seja
se Deus surgiu de algures também o mal
são acontecimentos independentes
na cosmogonia
Ludwig:
ResponderEliminar"João, esses problemas sociais, económicos e afins existem. Mas não justificam destruir vidas como as nossas."
Nem espantalho é. Ninguem falou em destruir vidas como as nossas. Nem perto disso.
Mas se vires para aí algum embrião a dar pontapés... Ha pois eles não têm pes... Mas se vires alguma pedir mama...
ResponderEliminarOlha, esquece.
O que é que tu dizias mesmo?
Nuno Gaspar:
ResponderEliminar"O DNA é o alicerce do indivíduo"
Não, isso é o esqueleto dos membros inferiores.
Mas se o individuo fosse uma casa, o DNA seria mais parecido com a ideia do arquitecto enquanto desenvolve o projecto. Nem com a planta ou projecto a analogia é verdadeira. Esse é um erro que dá considerar que aquilo é um codigo ou uma linguagem. Nesse sentido, não é de todo codigo ou linguagem que descrevam um produto. O DNa diz como as celulas se devem comportar e isso resulta no indivduo, sem que exista plano em lado nenhum. O plano é local.
E no embrião essas regras locais não deram origem a nada ainda que se parece-se com um individuo. Não está la nem plano nem sujeito. Na realidade uma data de casos, dada a fragilidade do processo de criação, não da mesmo em nada. Abortam expontaneamente.
O DNA leva ao individuo atraves de um processo dinamico.
Ludwig:
ResponderEliminar"Mas se decides não ter filhos, é incorrecto apontar para qualquer um dos milhões de filhos que poderias ter tido e dizer que foi por culpa tua que esse nunca foi concebido. "
Então como é que queres por a responsabilidade de teres destruido um embrião que é para todos os efeitos qualquer um desses filhos possiveis?
"O DNA leva ao individuo atraves de um processo dinamico."
ResponderEliminarSim. Sem DNA não processo nenhum. E, ou bem que há um princípio, sagrado, ou, se não há princípio e é contínuo, começamos na água e acabamos na Scarlet Johansson, tudo o que vai para a fogueira tem o mesmo valor.
João,
ResponderEliminar«Ninguem falou em destruir vidas como as nossas.»
Se eu tivesse sido abortado às 10 semanas (ou aos nove meses, ou estrangulado à nascença, que, subjectivamente, ia dar ao mesmo, que esse período da minha vida não foi muito significativo) isso teria destruído a minha vida toda.
E é esse o propósito do aborto. É impedir que aquele feto tenha o resto da sua vida, evitando assim ter de lhe mudar a fralda, levar à escola, ir buscá-lo à cadeia quando roubar carros, etc.
Ludwig:
ResponderEliminarObrigado por repetires a tua posição toda do início com o teu novo exemplo, mas é escusado. Eu quis centrar o problema apenas num aspecto específico da tua posição em que a contradição é evidente, para não ter de discutir tudo novamente.
Por isso, não vou responder ao novo exemplo que me deste, mas apenas mostrar porque é que a resposta que deste à pergunta precisa e concreta que te fiz falha redondamente.
Citando-a:
«"Mas isso quer dizer que olhas para o hipotético filho não da perspectiva que temos supondo que ele nasceu"
Pois não. Nesse caso olho da perspectiva que supõe que ele não nasceu. Não te esqueças que estamos a avaliar os diferentes futuros possíveis de forma a compará-los e encontrar a opção de maior valor ético.
"ao invés olhas da perspectiva de quem não sabe quem é que será 'salvo', tanto pode ser o Eduardo como inúmeras outras pessoas"»
Porque é que esta resposta é desadequada?
Quando eu falei em perspectivas, sempre me referi a uma comparação de alternativas: estão presentes duas alternativas, uma em que o rapaz vive, e outra em que não. Nunca escolhi uma delas em detrimento de outra, pois se o fizesse não estaria a considerar as duas alternativas.
A diferença de perspectiva era portanto temporal ou informativa. Num caso comparas as alternativas sabendo que o foi o Eduardo que deixou de nascer. Noutro caso comparas as alternativas ignorando se quem vai nascer é o Eduardo, o Miguel ou a Maria.
Nota bem que eu não defendi uma das perspectivas como sendo superior à outra. Apontei a tua contradição em usares um critério nuns casos como sendo o correcto, e o critério oposto noutros casos como sendo o correcto, sem qualquer justificação para esta inversão dos critérios.
Quando to mostro de forma muito objectiva, essa contradição, dizes (repito-o):
«Nesse caso olho da perspectiva que supõe que ele não nasceu.»
Ora isso nem faz sentido!
Como é que consideras duas alternativas da perspectiva de uma delas? Eu falei em comparar A e B no instante antes da decisão ou depois da decisão; num caso considerando consequências possíveis de A e B, e noutro considerando consequências concretas de A e B. Digo que invertes os critérios de uma situação para a outra, e tu negas alegando que a tua perspectiva é a situação B??? Isso nem faz sentido, repito-o.
«A epigenética, o comportamento e a cultura vêem depois da genética, entendeu?
ResponderEliminarO DNA é o alicerce do indivíduo, é a sua condição primeira. Não a segunda ou terceira. Por isso, rebentar com ela mais cedo ou mais tarde tem o mesmo efeito.»
Isso é falso.
Um edifício é projectado, depois terraplana-se o terreno, depois as amatérias primas são transportadas para o local de construção, escava-se o chão, constroiem-se os alicerces. Depois temos os tijolos, o estuque, os acabamentos, etc...
Dizer que o edicício "passou a existir" quando os alicerces foram concluídos é um absurdo. Na verdade, aquilo que ocorre é um processo gradual, que pode ter momentos em que ocorre mais rapidamente, e outras mais lentamente.
Os alicerces, assumindo que o ADN o é (...), não são a condição "primeira" do edifício, são uma de muitas.
Antes do ovo, já existem condicionantes, que impedem que certas pessoas nasçam. Se considerarmos todas as possíveis pessoas que podem nascer, este valor começa logo a ser mais limitado se considerarmos que pai e que mãe é que vão ter relações sexuais. Depois, fica mais limitado se considerarmos que óvulo e que espermatozoide é que se vão juntar. Depois fica mais limitado se considerarmos que ADN é que resultou dessa junção. E depois fica mais limitado à medida que a gravidez decorre. Ou seja, a criação do ovo é uma etapa entre muitas, não é a primeira nem a última.
João Vasco,
ResponderEliminarParece-me que continuas a ver contradições onde não as há por não considerares as diferentes alternativas devidamente. Ou isso, ou estou a escrever em chinês....
Imagina que estás a decidir se vais usar preservativo ou não. Há um enorme (milhões de milhões de milhões) número de possibilidades para filhos que possam ou não vir a nascer, dependendo desta decisão. Vamos focar um deles, não esquecendo que é um entre muitos milhões de casos equivalentes e mutuamente exclusivos.
Uma possibilidade é não usares o preservativo, teres o teu filho Manel, cuidares dele e fazeres tudo durante décadas para que ele tenha uma vida feliz e realizada. Nesse caso, vamos ver a coisa da perspectiva do Manel existir, feliz e realizado. E, nesse caso, podemos dizer que o que fizeste foi eticamente louvável.
Outra possibilidade é engravidares a mulher e desapareceres. O teu filho Manuel nasce, cresce feliz e realizado, mas muito pouco disso foi graças a ti. Nesse caso, o que fizeste é até reprovável pela responsabilidade que tinhas e da qual te safaste. A relação causal entre o teu acto e a felicidade do Manel é muito fraca, pelo que não mereces louvores por isso, e o abandono é eticamente reprovável.
Outra possibilidade é usares preservativo. Quando vamos considerar essa não vamos considerar a perspectiva do Manel como filho que tu criaste, nem a perspectiva do Manel como filho que tu abandonaste. Temos de considerar o futuro no qual o Manuel nunca chega a ser concebido (e, tal como o Manuel, os outros milhões de milhões também). É esse que vamos comparar com os outros.
Nesse futuro, a relação causal entre a tua escolha e o estado do Manuel será muito fraca. Não podemos dizer que foi por causa do preservativo que o Manuel não foi concebido, dado o número de possibilidades alternativas fora do teu controlo, incluindo a forte possibilidade de não haver concepção. E o estado de não-concebido, do Manel e dos outros, já vem desde antes de tu nasceres. Não tens qualquer responsabilidade por isso nem dever de alterar essa situação. Neste caso, não tendo tu responsabilidade de ter alterado o estado do Manuel nem sendo possível apontar que a razão principal pela qual Manuel não nasceu foi o preservativo, não se justifica considerar o teu acto como reprovável. Certamente não tão reprovável que se deva restringir a tua liberdade de agir desta forma.
Comparando as três, é moralmente louvável cuidares bem dos teus filhos, permissível que decidas não conceber nenhum, e reprovável que, tendo concebido um, o abandones.
Em suma, para cada futuro possível tens de considerar a relação causal entre esse futuro e a decisão que estás a avaliar (além de outros factores, como a responsabilidade que deriva de decisões anteriores). Se o Manel é concebido, esta relação é forte porque podemos ver que foi concebido, principalmente, porque tiveste relações sexuais. Mas se não é concebido a relação é fraca porque não podemos dizer que aquele Manel em particular não nasceu por causa daquele uso do preservativo, e não por causa de muitos outros factores igualmente impeditivos. Se afogares o Manel à nascença a relação entre a sua morte e o teu acto é muito forte, porque podemos dizer que, nesse futuro em que o Manel vai estar morto para sempre, estará morto por tua causa (enquanto que no futuro em que não é concebido, esse estado já o tinha sem ser culpa tua; a tal diferença entre matar e não salvar).
Além disso (e não é contradição porque é além disso, não e exclusão disso), nenhum de nós é responsável, à partida, por ninguém que ainda não tenha sido concebido. Mas somos responsáveis pelos embriões que concebemos, se esses resultam de um acto voluntário e consciente dessa consequência possíveis.
Repetindo, reiterando e reforçando, apesar de suspeitar que vais ignorar isto tudo e continuar a bater no mesmo:
ResponderEliminar«Como é que consideras duas alternativas da perspectiva de uma delas?»
Tu consideras cada alternativa na sua perspectiva. Consideras o futuro no qual o abortado não vive porque foi abortado, o futuro no qual não há aborto e esse ser tem uma vida como a nossa, e o futuro no qual ele continuou sem estar concebido. Assim vês que a segunda tem o maior valor subjectivo, na primeira quem o aborta não só está a faltar à sua responsabilidade como está a ser a causa principal da morte do abortado, e na terceira ele não vive mas ninguém tem propriamente culpa disso, visto que esse estado de inexistente é o estado que esse ser sempre teve.
«Repetindo, reiterando e reforçando, apesar de suspeitar que vais ignorar isto tudo e continuar a bater no mesmo:»
ResponderEliminarComo queres que não bata no mesmo?
Eu pergunto-te algo sobre A e B e tu contantemente evitas responder e centrar o assunto nessa questão para falar em C e D.
Vê uma coisa Ludwig: eu não estou a falar sobre aborto. Eu quero falar sobre aborto, o objectivo da minha pergunta é mais tarde vir falar sobre aborto. Mas eu quero que nos entendamos sobre algo que não tem nada a ver com o aborto antes de irmos para essa discussão.
Eu estou a falar sobre contracepção, sobre comparação de alternativas. Neste caso a minha argumentação é que existe uma contradição na forma como avalias as alternativas, nos critérios que usas para as avaliar, e estou a dar uma prova muito específica.
Cada vez que desvias a conversa em vez de te centrares no meu argumento específico, eu vou ter de repetir que não é isso que estou a discutir.
Agora nota o seguinte: eu não falei na hipótese de abortar por um lado, contracepção por outro, e ter o filho por outro. Não é nada disso.
Eu estou a colocar a hipótese em que uma pessoa tem uma decisão a tomar.
Vamos tomar o exemplo da decisão de salvar alguém. E só a de salvar alguém, não venhas com as comparações com matar, que eu não estou a discutir nada disso. Se chegarmos a acordo sobre esta questão mais específica em que eu alego que te contradizes, podemos partir para as mais gerais.
Olha, vou simplificar ainda mais.
O Tobias vê o Miguel e o José a afogarem-se, pode salvar ou não salvar. Só tem tempo para salvar um, lança uma moeda ao ar (vamos ignorar o tempo que isso leva) e salva o José.
Quando avaliamos esta decisão de salvar, e a força da relação causal, avaliamos as consequências destas duas alternativas. Não salvar morrem ambas. E salvar? Tomamos em consideração a vida do José? Ou tomamos em consideração uma vida que tanto pode ser do José como do Miguel?
Em qualquer dos casos estamos a avaliar ambas alternativas sem assumir a perspectiva de nenhuma delas. Estamos simplesmente a avaliar as consequências das alternativas em questão (sem considerar alternativas tais como ele aproveitar a ocasião para se suicidar, ou matar o gato que está ao lado...).
Mas temos de adoptar um critério, para decidir se quando comparamos as alternativas falamos como quem já conhece o desfecho - e aí ele salvou o José e mais ninguém - ou falamos como quem prevê as diferentes possibilidades da sua decisão de salvar quem a moeda ditar, que podem ser salvar o José ou salvar o Miguel.
É face a isto que podemos avaliar a força da relação causal.
Mas se escolhes um critério, é este critério que tens de usar nas diferentes situações em que avalias a força da relação causal. Não podes inverter o critério em cada ocasião.
Quando dizes que a força da relação causal entre a decisão de salvar e a vida do José é máxima, não estás a avaliar essa força da relação causal da perspectiva de quem não sabe ainda o que é que a moeda ditar. De quem não sabe se o seu acto vai resultar no salvamento do José ou do Miguel.
Não, tu já sabes quais foram as consequências. E é esse critério que usas para avaliar a força da relação causal.
E até aí não existe incoerência nenhuma. É só uma questão de manteres sempre este critério.
Até aqui está certo?
Pr favor, centremo-nos neste assunto, antes de desviarmos para o aborto...
LK
ResponderEliminarSe aceitarmos que o aborto é um mal e verificarmos na prática que a sua proibição provoca ainda mais mal o que devemos fazer?
é apenas isso que eu digo desde o início , o aborto é um mal menor uma vez que probir ou limitar o aborto gera um mal maior.
qual a solução ?
gerar princípios éticos que não têm aderência à realidade não me parece que sirva para nada ; )
João Vasco,
ResponderEliminar«Tomamos em consideração a vida do José? Ou tomamos em consideração uma vida que tanto pode ser do José como do Miguel?»
Para considerar o valor subjectivo temos de considerar a vida de cada um em particular, e não uma vida em abstracto. Assim, temos de considerar que diferença faz ao José e ao Miguel, em particular, ser salvo ou morrer.
Se o Tobias pode escolher entre salvar o José, o Miguel, atirar a moeda ao ar e não salvar nenhum, tem de avaliar caso a caso o valor subjectivo e a sua responsabilidade (relação causal, etc). Se, por alguma razão não especificada, ele é obrigado a seguir o que a moeda diz se decidir salvar, então pode-se guiar pela média, assumindo que a moeda é equilibrada. Mas nota que isso reduz ainda mais a força da relação causal entre o acto do Tobias e o salvamento daquela pessoa em particular que ele salvar (em grande parte, será por acaso que salvou aquele).
«Em qualquer dos casos estamos a avaliar ambas alternativas sem assumir a perspectiva de nenhuma delas.»
Não. Estamos a avaliar cada uma considerando essa dessa perspectiva. Por exemplo, se o José é um rapaz saudável com um filho bebé e o Miguel um doente de cancro em fase terminal que se atirou à água para acabar com o seu sofrimento, isto é eticamente relevante. Não podes simplesmente considerar uma vida como um valor abstracto omitindo a perspectiva subjectiva dos afectados em concreto.
«Estamos simplesmente a avaliar as consequências das alternativas em questão »
Se for simplesmente isso, então é simplesmente: não salva, morrem os dois, se decide salvar, há 50% de chances de se salvar um, 50% de chances de salvar o outro. No entanto, para avaliar eticamente a decisão é preciso ir além de apenas avaliar as alternativas.
«Mas temos de adoptar um critério, para decidir se quando comparamos as alternativas falamos como quem já conhece o desfecho - e aí ele salvou o José e mais ninguém - ou falamos como quem prevê as diferentes possibilidades da sua decisão de salvar quem a moeda ditar, que podem ser salvar o José ou salvar o Miguel.»
Não, porque não são mutuamente exclusivos. Seja M o valor subjectivo da vida do Miguel, e J o valor subjectivo da vida do José. Para avaliar cada um destes e o valor de não salvar cada um destes tens de comparar as perspectivas subjectivas relevantes assumindo, para cada um, que se salva ou não.
Mas se acrescentas como regra no teu cenário que o Tobias não sabe qual deles vai salvar no momento em que decide, então é preciso, além dessa avaliação, agora considerar o valor esperado por causa dessa incerteza. Incerteza essa que contribui também para diminuir a responsabilidade do Tobias pela morte de qualquer um deles.
(continuação)
ResponderEliminar«Mas se escolhes um critério, é este critério que tens de usar nas diferentes situações em que avalias a força da relação causal. Não podes inverter o critério em cada ocasião.»
Não, porque depende da situação. Por exemplo, depende de haver ou não a regra da moeda ao ar.
«Quando dizes que a força da relação causal entre a decisão de salvar e a vida do José é máxima»
Neste caso, a força da relação causal entre a decisão do Tobias e o salvamento do José é máxima se o Tobias decidir salvar o José (mesmo que isso implique deitar a moeda ao ar e depois decidir seguir o que a moeda lhe indicou).
É menor se o Tobias for obrigado a seguir o que sai na moeda e não puder agir de outra forma. Nesse caso, a sua decisão limita-se a “50% de salvar o José” pelo que, no futuro em que ele salva o José, é só parcialmente responsável por salvar o José. (Foi sorte, também, dirá o José com razão nesse caso).
«Não, tu já sabes quais foram as consequências. E é esse critério que usas para avaliar a força da relação causal.»
A relação causal que queremos avaliar é entre a decisão e o resultado. Além disso, queremos pesar isso com o valor subjectivo de cada resultado. Portanto, se quisermos fazer isto exaustivamente, temos de listar todos os resultados possíveis, e avaliar o valor subjectivo de cada um deles (o José salvar-se, o Miguel salvar-se, ninguém se salvar). E, depois, temos de medir o peso da decisão entre os factores que contribuíram para cada um desses resultados. Quanto menor for esse peso menor é a força da relação causal entre a decisão e o resultado. E quanto mais resultados diferentes podem vir da mesma opção, menor essa relação causal. Por exemplo, se em vez de dois afogados e uma moeda tens um milhão de afogados e o Tobias só pode decidir se atira uma bóia do avião, aquele que se salvar terá ainda menos que agradecer ao Tobias, e o Tobias ainda menos responsabilidade por aqueles que morrerem.
Não é uma inversão de critério. É que o valor subjectivo tem de ser avaliado em cada caso concreto, e a força da relação causal entre a decisão e os desfechos depende de quanto a decisão determina o desfecho.
Nuvens,
ResponderEliminar«Se aceitarmos que o aborto é um mal e verificarmos na prática que a sua proibição provoca ainda mais mal o que devemos fazer?»
Se isso fosse verdade, então deveríamos optar pelo mal menor. No entanto, o aborto pode ir desde a miúda de dez anos que foi violada à mulher que decidiu engravidar mas agora quer abortar porque não é o sexo que ela queria. E parece-me incorrecto assumir que em todos os casos de aborto a proibição provoca um mal pior do que o subsídio estatal.
Por isso, o que devemos fazer é considerar o problema como ele é na realidade em vez do conto de fadas no qual todos os abortos são exactamente iguais e em todos os casos é o mal menor. Esse é o objectivo da doutrina do feto=quisto, mas é uma posição incorrecta.
«gerar princípios éticos que não têm aderência à realidade não me parece que sirva para nada ; )»
Concordo. Mas descrever um problema tão diverso e complexo com “o aborto é um mal menor” parece-me ridiculamente irrealista também :)
Ludwig Krippahl
ResponderEliminarvoltamos ao mesmo : ))
Mas já se sabe que o problema é complexo , por isso mesmo é que a lei se aplica a todos os casos de forma igual. Se fossemos casos a caso ver o historial, investigar os motivos, aprofundar as causas , haveria o feto de passar a criança e esta a adulto e ainda se estava à espera que o conjunto de sábios chegasse a uma conclusão. Acredito que talvez essa ideia fosse para ti tentadora, mas acredita que as pessoas iriam resolver o problema de outra forma, à moda antiga e voltaríamos aos problemas sobejamente conhecidos
Ou se deixa o aborto ser feito ou não.
Neste caso não há lugar a pausas e reflexões prolongadas porque existem prazos a cumprir.
Podes ter toda a razaõ do mundo , que não tens, mas se não consegues apresentar uma solução prática pressinto que terás mesmo de viver com esta lei.
por muito má que possa parecer é muito melhor que a injustiça da anterior
notar o- que não tens, faltou um :))))
ResponderEliminarNuvens,
ResponderEliminarA minha posição é que não há diferença eticamente relevante entre o aborto às 10 semanas, às 20, aos 9 meses ou o infanticídio.
Se aceitares essa premissa, então penso que compreendes a irrelevância do argumento de que não podemos ter uma lei que só permita o aborto em casos como violação ou perigo para a saúde da mãe por ser uma lei muito complicada. E o problema de demorar tempo demais é só produto da posição absurda que diz que até às 10 semanas não conta mas a partir daí é pessoa. Se se justifica matar esse ser, tanto faz se é às 10, 20 ou 30 semanas.
Se não aceitas esta premissa, então compete-te justificar porque é que o direito à vida que aceitas temos às N semanas não é extensível às N-1 (escolhe o N que te der mais jeito).
«Se, por alguma razão não especificada, ele é obrigado a seguir o que a moeda diz se decidir salvar, então pode-se guiar pela média, assumindo que a moeda é equilibrada. Mas nota que isso reduz ainda mais a força da relação causal entre o acto do Tobias e o salvamento daquela pessoa em particular que ele salvar (em grande parte, será por acaso que salvou aquele).»
ResponderEliminarTeria alguns comentários a fazer sobre o resto do teu comentário, onde acredito que estão incorrecções e contradições, tais como dizer que uma afirmação e a sua negação são compatíveis...
Mas deixa-me ignorar tudo isso e centrar-me nesta resposta, para explorarmos as suas consequências.
Estão 5000 pessoas a morrer, e o Tobias é obrigado a seguir o gerador de números aleatórios se quiser salvar alguém. Salva o José. Pela tua lógica, a "força da relação causal" entre a sua decisão e o salvamento do José é bem reduzida, visto que em grande medida foi o acaso que ditou que fosse o José a ser salvo e não nenhum outro.
Estou concordas que aquilo que citei tem esta implicação?
João Vasco,
ResponderEliminar«Estão 5000 pessoas a morrer, e o Tobias é obrigado a seguir o gerador de números aleatórios se quiser salvar alguém. Salva o José. Pela tua lógica, a "força da relação causal" entre a sua decisão e o salvamento do José é bem reduzida, visto que em grande medida foi o acaso que ditou que fosse o José a ser salvo e não nenhum outro.»
Sim. Nesse caso a sorte foi muito mais determinante para o salvamento do José.
É como, por exemplo, um atirador está a 100m prestes a disparar contra o José, e o Tobias, em desespero, dispara para o meio dos dois e, por sorte, a sua bala bate na bala do atirador e salva-se o José. Ou algo assim do género.
Mas nota que já estamos aqui a discutir miudezas em exemplos rebuscados, quando o relevante para distinguir o aborto da contracepção é que num caso o feto é morto deliberadamente e, no outro, alguém que estava "não-concebido" continua exactamente na mesma. Por isso aviso-te já que me parece que as conclusões a que chegarmos acerca da diferença entre haver uma moeda ou um gerador de 5000 números vão ser basicamente irrelevantes.
Por isso é que era melhor discutirmos a diferença entre salvar, não salvar e matar. Sempre era um problema mais claro, e mais pertinente.
«Mas nota que já estamos aqui a discutir miudezas em exemplos rebuscados»
ResponderEliminarNão.
Estamos a chegar ao ponto em que a tua contradição será tão evidente, que até tu a verás.
Continua a acompanhar-me.
Vou pegar na tua resposta:
«Sim. Nesse caso a sorte foi muito mais determinante para o salvamento do José.»
Perfeito.
Então imagina duas situações diferentes. Numa o António vê 5000 pessoas e escolhe salvar o José, mesmo sem o conhecer. Simplesmente escolhe salvar o José.
Noutra o Tobias vê 5000 pessoas e escolhe salvar a que estiver mais perto. Para facilitar vamos supor que isso não altera a probabilidade de sucesso. É um critério como qualquer outro.
As águas são revoltas e é devido ao acaso que acontece ser o José quem está mais perto.
Se eu percebo bem, a "força da relação causal" entre a decisão do António e o salvamento do José foi muito maior que a "força da relação causal" entre a decisão do Tobias e a salvação do José.
Está ou não está correcto?
João Vasco,
ResponderEliminar«Então imagina duas situações diferentes. Numa o António vê 5000 pessoas e escolhe salvar o José, mesmo sem o conhecer. Simplesmente escolhe salvar o José.
Noutra o Tobias vê 5000 pessoas e escolhe salvar a que estiver mais perto. Para facilitar vamos supor que isso não altera a probabilidade de sucesso. É um critério como qualquer outro.
As águas são revoltas e é devido ao acaso que acontece ser o José quem está mais perto.
Se eu percebo bem, a "força da relação causal" entre a decisão do António e o salvamento do José foi muito maior que a "força da relação causal" entre a decisão do Tobias e a salvação do José.
Está ou não está correcto?»
Não. Nesse caso é o mesmo, porque ambos escolheram quem salvavam. Quanto mais o resultado for determinado pelas escolhas do agente, mais forte é a relação causal entre as escolhas do agente e o resultado. Enquanto que o Tobias do outro exemplo foi obrigado a seguir o gerador de números aleatórios, o Tobias deste exemplo decidiu por ele salvar quem estava mais perto.
Ludwig:
ResponderEliminarEntão deixa reformular a pergunta, que estamos a chegar perto.
O Tobias decidiu salvar quem estivesse mais perto quando ele chegasse ao mar. Mas sem saber quem é que estaria mais perto nessa altura.
Vamos supor que estando as águas revoltas, a pessoa que estava amis perto iria variando entre os 5000, mas por sorte no instante em que o Tobias chegou ao mar essa pessoa era o José.
Com esta clarificação, repito a pergunta anterior.
João Vasco,
ResponderEliminar«O Tobias decidiu salvar quem estivesse mais perto quando ele chegasse ao mar. Mas sem saber quem é que estaria mais perto nessa altura.
Vamos supor que estando as águas revoltas, a pessoa que estava amis perto iria variando entre os 5000, mas por sorte no instante em que o Tobias chegou ao mar essa pessoa era o José.»
OK. Vamos assumir que o Tobias, uma vez decidido o critério, ficou impossibilitado de o mudar. Fosse quem fosse que aparecesse, era esse e só esse que o Tobias iria salvar. Por exemplo, o Tobias está num bote salva vidas que só dá para duas pessoas, no meio da noite, e nota que há um náufrago ao pé dele. Estica a mão e ajuda-o a subir.
Nesse caso, a relação causal entre a decisão do Tobias e o salvamento do José é mais fraca do que se o Tobias estivesse à procura do José e, sabendo que só podia salvar uma pessoa, só puxasse para o bote o José quando o encontrasse.
Mas nota que o teu cenário cenário ainda deixa omisso um detalhe importante. Supõe que o Tobias decide salvar quem está mais perto mas, chegando lá, vê que quem está mais perto é o Manel, que o Tobias detesta, mas o José também está ao alcance. Se o Tobias pode mudar de ideias e salvar o José em vez de salvar o Manel, tens agora uma relação mais forte entre o acto voluntário do Tobias e o salvamento do José (ou do Manel, seja qual for a decisão do Tobias).
A questão é sempre a mesma: qual a importância da escolha como factor causal para o resultado.
Ok, então deixa-me reformular a pergunta novamente.
ResponderEliminarSuponho que não terei de reformular esta novamente, e parece-me que estamos a avançar.
O Tobias só é capaz de salvar quem está mais perto, e não mais ninguém. Quem acaba por estar mais perto é o José, e o Tobias salva-o.
Já o António, tem capacidade para salvar qualquer um, mas apenas um. Vê 5000 pessoas e escolhe salvar o José, mesmo sem o conhecer. Simplesmente escolhe salvar o José.
Concordas então que a "força da relação causal" entre a decisão do António e o salvamento do José é muito superior à força da relação causal entre a decisão do Tobias e o salvamento do José?
Concordas que isso decorre inevitavelmente de tudo o que escreveste?
João Vasco,
ResponderEliminar«Concordas então que a "força da relação causal" entre a decisão do António e o salvamento do José é muito superior à força da relação causal entre a decisão do Tobias e o salvamento do José?
Concordas que isso decorre inevitavelmente de tudo o que escreveste?»
"Muito superior" depende do que queres dizer com muito. Mas que é superior, concordo. No caso do Tobias a decisão dele teve menos relevância que no caso do António.
Nota, no entanto, que isto não é o único critério. Por exemplo, não te permite dizer que o João não é culpado de violar a Margarida só porque ele apenas tinha tempo de violar uma pessoa e foi a Margarida que apareceu. Estamos a assumir que a única diferença entre o Tobias e o António é esta questão da escolha. Isso torna este factor em que focamos o único importante apenas porque todos os outros são constantes.
Em geral, o problema aqui nem sequer é ético, mas simplesmente o de determinar a relação causal entre a decisão e o que acontece depois.
«"Muito superior" depende do que queres dizer com muito. Mas que é superior, concordo.»
ResponderEliminarFranzi o sobrolho, aqui.
Seria superior se estivessemos a falar de 2 pessoas, como na pergunta inicial.
Muito superior se fossem 5000. Penso que já tinhas concordado com este passo (no teu comentário das 16:45).
Quantas pessoas, e por consequência quanta "sorte" teve o José de ter para ter sido escolho, seriam necessárias para que fosse "muito superior"?
Isto não é uma questão essencial, mas estou curioso.
João Vasco,
ResponderEliminar«Quantas pessoas, e por consequência quanta "sorte" teve o José de ter para ter sido escolho, seriam necessárias para que fosse "muito superior"?»
Não faço ideia. Isso é como perguntar quantas gramas o Zé tem de ter a mais que o Miguel para ser "muito mais pesado" que o Miguel...
E nota que há tantos factores que podem influenciar a relação causal entre uma decisão e o que acontece depois que até é possível que, com uma definição razoável de "muito", um factor como o número de indivíduos, por si só, não chegue.
«Não faço ideia. Isso é como perguntar quantas gramas o Zé tem de ter a mais que o Miguel para ser "muito mais pesado" que o Miguel...»
ResponderEliminarNão é uma pergunta pouco razoável.
Se o Zé pesa 80kg e o Miguel 60kg, e eu te vejo a mostrar reservas para dizer que ele é muto mais pesado, posso perguntar quanto é que teria o Zé de pesar a mais que o Miguel para fazeres essa avaliação.
Tenta lá responder à pergunta. Este ponto não é essencial, mas se isto estiver esclarecido, pode aumentar a clareza daquilo que quero mostrar a seguir.
Depende do contexto.
ResponderEliminarSe estiver a comparar um que pesa 50Kg, outro 55 e outro 90, posso dizer que o de 90 pesa muito mais que os outros. Mas se estiver a comparar um de 50Kg, um de 90Kg e um porta-aviões, guardo o "muito" para o porta aviões.
Neste caso se, por exemplo, estiver a comparar o Tobias salvar o Zé com número aleatório, o Tobias salvar o Zé sem número aleatório e o Tobias matar o Zé, guardo o "muito" para a diferença entre o último e os outros dois casos.
«Neste caso se, por exemplo, estiver a comparar o Tobias salvar o Zé com número aleatório, o Tobias salvar o Zé sem número aleatório e o Tobias matar o Zé, guardo o "muito" para a diferença entre o último e os outros dois casos.»
ResponderEliminarah....
Mas se não fosse isso, ou seja, se estou a dizer que o José é muito mais pesado que o Miguel apenas no contexto de pesos humanos, quanto é que o José tem de pesar a mais?
Sem mencionar porta-aviões...
Ou, voltando à pergunta que me interessava, apenas no contexto dos salvamentos a que me refiro, podemos dizer que a força da relação causal da decisão do Tobias no acto de salvar o José é muito menor que aquela que existe no caso do António, certo?
João Vasco,
ResponderEliminar«Mas se não fosse isso, ou seja, se estou a dizer que o José é muito mais pesado que o Miguel apenas no contexto de pesos humanos, quanto é que o José tem de pesar a mais?
[...]
Ou, voltando à pergunta que me interessava, apenas no contexto dos salvamentos a que me refiro, podemos dizer que a força da relação causal da decisão do Tobias no acto de salvar o José é muito menor que aquela que existe no caso do António, certo?»
Se consideramos apenas aqueles dois salvamentos como os limites da escala, então, necessariamente, a diferença será a escala toda, pelo que dizer se é muito ou pouco não faz sequer sentido.
Se, usando a analogia com os pesos humanos, considerarmos que a escala é a gama de acções tipicamente ao alcance de um ser humano normal (não estamos a falar de genocídio e ao salvamento da galáxia, mas podemos chegar ao homicídio e ao salvamento de algumas pessoas com grande custo pessoal), então diria que a diferença entre esses dois exemplos que dás é praticamente insignificante.
Mas admito que, com algum esforço, e se for necessário para a conversa, devemos poder encontrar uma escala na qual essa diferença seja "muito". É preciso?
Não.
ResponderEliminarEu não esperava que a tua contradição fosse aqui. Pensava que ainda tinha de fazer umas perguntas para te apanhar em contradição e que a questão do "muito" era acessória.
Mas tu acabaste de me explicar perfeitamente porque é que não podes dizer que a força da relação causal é muito diferente, depois de no comentário das 16:45 teres considerado que era.
Relê estes dois comentários:
«"Se, por alguma razão não especificada, ele é obrigado a seguir o que a moeda diz se decidir salvar, então pode-se guiar pela média, assumindo que a moeda é equilibrada. Mas nota que isso reduz ainda mais a força da relação causal entre o acto do Tobias e o salvamento daquela pessoa em particular que ele salvar (em grande parte, será por acaso que salvou aquele)."
[...]
Estão 5000 pessoas a morrer, e o Tobias é obrigado a seguir o gerador de números aleatórios se quiser salvar alguém. Salva o José. Pela tua lógica, a "força da relação causal" entre a sua decisão e o salvamento do José é bem reduzida, visto que em grande medida foi o acaso que ditou que fosse o José a ser salvo e não nenhum outro.
Estou concordas que aquilo que citei tem esta implicação?»
A tua resposta, com ênfase meu:
«Sim. Nesse caso a sorte foi MUITO mais determinante para o salvamento do José.»
Se perante isto não consegues ver que acabaste de caír em contradição...
Podes dizer que é uma coisa pouco relevante, e dizeres que estavas errado numa das situações. Eu acredito que a tua contradição essencial é outra.
Mas caramba, esta dificilmente poderia ser mais evidente. Será que a reconheces?
«Se, usando a analogia com os pesos humanos, considerarmos que a escala é a gama de acções tipicamente ao alcance de um ser humano normal [...], então diria que a diferença entre esses dois exemplos que dás é praticamente insignificante.»
De, "muito mais determinante" para "praticamente insignificante"...
João Vasco,
ResponderEliminarQue raio de coisa para discutir, essa do muito.
O “muito”, como já expliquei, é vago, subjectivo e depende do contexto. No contexto de um escolher quem salva e outro ser obrigado a seguir um gerador de números aleatórios, depois de vir do outro que era uma moda e só dois afogados, saíu-me um “muito” pela comparação com os restantes. Nessa escala de picuinhice, pareceu-me muito. Na escala que vai de não salvar a matar, ou de não conceber a abortar, é uma diferença insignificante.
Mas se essa “contradição” te consola tanto, leva-a lá e fica à vontade. Peço-te é que arranjes algo mais pertinente do que esse tipo de críticas às palavras que uso, porque só me dá a impressão que isto é pura perda de tempo...
"Antes do ovo, já existem condicionantes, que impedem que certas pessoas nasçam."
ResponderEliminarJoão Vasco,
Você é hábil a elaborar frases sem sentido e discussões sem trambelho. O que vale é que vai dividindo a dose. Entretenha-se com o Ludwig.
Nuno Gaspar:
ResponderEliminarPoderia antes ter dito "estou sem argumentos, mas não quero reconhecê-lo". Ia dar ao mesmo.
Ludwig:
ResponderEliminarComo disse, essa questão não era uma questão fundamental, nem era lá que eu queria chegar.
Mas eu fiz bem em deter-me neste detalhe, e explico porquê.
Quando li uns livros de Platão em que Sócrates usa o seu método de ir fazendo perguntas até mostrar como as posições que outros defendem, parecendo razoáveis, encerram contradições, achei admirável.
Mas muito pouco realista.
Os personagens desses diálogos são extremamente colaborantes. Sem anteciparem a armadilha de Sócrates, ou sem temerem a humilhação de ser apanhados em contradição, eles avaliam cada passo de Sócrates de uma forma neutra, como qualquer terceiro que não esteja envolvido emocionalmente na discussão. E assim vão lentamente caindo na "armadilha". No fim, ficam felizes e fascinados com a sabedoria de Sócrates.
Qualuqer semelhança entre esta discussão e uma discussão real é pura coincidência.
Uma pessoa real, pode ser o Jónatas o Mats ou o Miguel Panão, mas também podes ser tu ou eu, começa por responder às primeiras perguntas de forma semelhante. Acredita que a sua posição é consistente, e expõe-na com prazer. Mas ao ver que o outro continua alegremente a fazer perguntas como se estivesse perto de provar algo, torna-se mais cauteloso, mais minuncioso, e depois deixa de responder da forma que responderia se não estivesse envolvido emocionalmente.
Tu discordarás, mas eu creio que aqui o "picuinhas" foste tu. Eu várias vezes insisti para pores o aborto de lado e discutirmos apenas a questão dos salvamentos.
Antes da "picuinhice" reconheceste logo que se o Tobias era "menos responsável"* que o António no caso de ter salvo um de dois, então seria "muito menos responsável" no caso de ter salvo um de cinco mil.
(*"menos responsável" foi uma forma de dizer, havia uma menor força da relação causal entre a sua decisão e o salvamento do José.)
Mas agora que estou perto de chegar à conclusão já foste mais picuinhas. Ah e tal, mas comparado com o homicídio a diferença já não é muita. Mas ninguém falou nisso. Eu só estou a falar em salvamentos.
Na verdade eu vou mostrar a tua contradição sem falar em aborto ou homicídio, nem terei de abandonar este contexto.
Portanto, acompanha-me que estou perto do fim.
Concordas que, no contexto a que te referias antes, dos salvamentos, a força da relação causal entre a decisão do Tobias e o salvamento do José é muito menor que a força da relação causal entre a decisão do António e o salvamento do José?
João Vasco,
ResponderEliminarO método socrático é uma boa forma de testar ideias. Mas tu estás a cometer dois erros na sua aplicação. Primeiro, ao insistir “para pores o aborto de lado e discutirmos apenas a questão dos salvamentos”, obrigas a discussão a focar algo que não é óbvio que seja relevante. Nós concordamos que a contracepção não é eticamente tão condenável que justifique medidas coercivas para a desencorajar, e concordamos que o infanticídio é tão condenável que justifica medidas coercivas para o desencorajar. Onde discordamos é onde uma coisa se torna na outra.
Eu proponho que se meça o valor subjectivo em causa – a vida de um ser humano, entendida com essas décadas de subjectividade humana – e que se pese esse valor pela relação causal entre esse valor e a decisão, ou decisões, que conduzem a esse resultado. No caso do infanticídio, o acto é a causa principal para que essa vida futura não se realize, que de outra forma se iria realizar. No caso da contracepção, para cada vida que não se realiza há um grande número de factores impeditivos, e o acto em si é um factor causal muito pouco significante. Compreendo que, estando num impasse neste problema, queiras discutir um problema equivalente onde possamos progredir. Mas tem de ser um problema equivalente. Se queres discutir a diferença entre salvar sujeito a números aleatórios ou não, e deliberadamente excluis de consideração o caso em que o acto mata, então estás a aldrabar toda a discussão. E é mentira que “ninguém falou nisso”. Eu falei nisso, e é esse o meu ponto principal: que matar um feto é um problema eticamente análogo a matar um recém nascido.
O outro erro é que estás a implicar com expressões como “muito” que são irrelevantes aqui. Antes da tua picuinhice falei em muito, sim, porque me pareceu uma expressão inofensiva para dar ênfase a uma diferença pouco relevante à escala das coisas que eu quero discutir, mas que acabava por abranger quase tudo na escala que tu artificialmente impões como limite para esta discussão. Mas agora que já percebi esse teu esquema, prometo ter mais cuidado.
«Concordas que, no contexto a que te referias antes, dos salvamentos, a força da relação causal entre a decisão do Tobias e o salvamento do José é muito menor que a força da relação causal entre a decisão do António e o salvamento do José?»
Não. Posso dar-te uma ordenação parcial da relevância causal de cada acto, ou conjunto de actos, para os efeitos que se segue. Mas enquanto não estabeleceres de forma objectiva o que entendes por “muito”, não vou usar mais essa expressão porque já sei que vais fingir que essa expressão é independente do contexto e acusar-me de contradição quando forçares o contexto a mudar de novo.
Se um deles salvou de livre vontade, então o seu acto tem uma relação mais forte com o salvamento do que o acto do outro, que foi constrangido por factores externos. E quanto maior esse constrangimento, menor a relação causal (por exemplo, se lhe apontarem um arma e o obrigarem a salvar o outro, ou se lhe implantarem um chip no cérebro para o controlar remotamente).
Ludwig:
ResponderEliminar«Mas tu estás a cometer dois erros na sua aplicação. Primeiro, ao insistir “para pores o aborto de lado e discutirmos apenas a questão dos salvamentos”, obrigas a discussão a focar algo que não é óbvio que seja relevante.»
Aqui estás completamente equivocado. Muitas vezes quando Sócrates faz as perguntas não é nada óbvio para quem as responde a relevância das mesmas.
A sua relevância muitas vezes apanha desprevenido tanto o personagem que lhes responde como o próprio leitor, o que aliás torna a leitura muito mais divertida :)
Mas eu já te disse várias vezes que não estou a discutir o aborto. Eu acredito que tu estás a ser inconsistente na tua forma de avaliar aquilo a que chamas "força da relação causal". Ora isso é um problema mais abrangente que a questão do aborto.
Mas aquilo que me surpreendeu nas tuas respostas é que vais ser "apanhado" mais facilmente do que pensava. Por isso, eu não vou precisar de falar na questão do aborto para mostrar a tua contradição. O que nos leva ao segundo erro que apontaste.
«não vou usar mais essa expressão porque já sei que vais fingir que essa expressão é independente do contexto e acusar-me de contradição quando forçares o contexto a mudar de novo.»
Esta citação mostra que o erro é teu.
Eu perguntei se poderias usar "muito" neste contexto.
Tu recusas a responder a essa pergunta, alegando que no futuro vou usar a resposta de forma equívoca, usando-a num contexto que não é esse.
Mas isso é uma péssima justificação. Se no futuro fizer esse erro, deverias apontá-lo nessa altura.
Mas aqui eu tornei bastante claro que o contexto não é o do aborto nem o do homicídio, apenas o do salvamento. Eu não preciso de saír deste contexto para mostrar a tua contradição.
A tua recusa em responder com base na ausência de "objectividade" do termo também não colhe. Aquilo que pergunto é se neste contexto classificas subjectivamente a diferença como importante.
Num caso disseste que o era, noutro disseste que era quase irrelevante, mas alegaste que no segundo caso estavas a falar num contexto que não era apenas o dos salvamentos.
Então eu quis certificar-me que apenas no contexto dos salvamentos mantinhas a tua avaliação subjectiva.
Se te recusas a responder, recusas. Mas creio ter demonstrado que nenhuma das justificações que dás é válida.
Ludwig Krippahl
ResponderEliminarA minha posição é que não há diferença eticamente relevante entre o aborto às 10 semanas, às 20, aos 9 meses ou o infanticídio.
a minha base argumentativa não parte dessa definição, é para mim indiferente haver vida às 1 , 10 ou 18 semanas. Para mim o importante é
1- terminar com o aborto clandestino - foi conseguido.
2 - implementar medidas que permitam diminuir o recurso ao aborto como método contraceptivo, através de educação que se está a falhar mas tem de passar a funcionar.
3 - por fim com o aumento da educação e através da educação sexual nas escolas o objectivo deverá ser diminuir ao longo das gerações o número de abortos.
simplesmente isto, é uma abordagem a um problema não uma solução ética ou moral.
A tua ideia é interessante mas é como o néctar daquelas plantas carnívoras, é um engodo que visa embrulhar o curioso numa teia de gosma argumentativa :)) e alguns sucos gátricos.
As 24 semanas mais ou menos são apenas uma aproximação ao momento a partir do qual o sistema nervoso se encontra desenvolvido e existe capacidade de sobrevivência sem a mãe, mesmo que seja apenas com máquinas de apoio à vida. tens vária documentação sobre o assunto e as opiniões médicas que suportam essa data
não é um número mágico nem pretende ser, no mundo real : ) as soluções são de compromisso , são pontos intermédios para haver a possibilidade de ser elaborada uma lei que se aplique a todos. o que pode ser visto como simplista ou pode ser encarado positivamente como libertador-. depende da nossa perspectiva
A tua ideia de que um feto é vida , sinto muito dizer , não é um grande feito.
Nunca se deixou de achar que era vida, a questão é se se trata de vida humana.
E para mim não se trata, o que define vida humana é uma conjunto de características que um feto não cumpre, entre as quais:
Órgãos, sistema nervoso central etc
Por isso foi determinada uma data não como um absoluto mas sim como o melhor compromisso entre a tua visão de que tudo é vida humana e a de algumas pessoas que pensam o contrário.
Por isso é um belo compromisso : ))), permite seguir em frente num debate que poderia durar até ao fim dos tempos, num remake do sexo dos anjos e com abortos clandestinos à porta.
se tiveres uma melhor solução que a presente é mais útil dizeres como seria aplicada, pode ser que no processo descritivo da coisa te apercebas que nem só da ética vive o homem :D
"1- terminar com o aborto clandestino - foi conseguido."
ResponderEliminarAcabamos com 10 abortos clandestinos e garantimos 50000 abortos legais.
Clap, clap, clap
João Vasco,
ResponderEliminar«Eu perguntei se poderias usar "muito" neste contexto.»
E eu respondi que isso é subjectivo. Por isso, se quiseres, podes. E eu também, nada me proíbe de usar “muito” no contexto que eu quiser. Mas a menos que me expliques que importância tem isso, não vou perder tempo a decidir quando pode ou não pode algo ser chamado de “muito”...
«Se no futuro fizer esse erro, deverias apontá-lo nessa altura.»
Já o fizeste, já o apontei, vou só estar a perder tempo apontando-o outra vez, e outra vez. Mas, sinceramente, não faço ideia se se pode ou não usar “muito” neste contexto porque não sei a quanto “muito” se refere.
«Mas aqui eu tornei bastante claro que o contexto não é o do aborto nem o do homicídio, apenas o do salvamento. »
Então explica-me onde discordamos acerca do salvamento.
« Aquilo que pergunto é se neste contexto classificas subjectivamente a diferença como importante.»
Para quem e para quê?
Se a pergunta é se a diferença é suficientemente importante para que haja uma diferença, então sim, qualquer diferença é.
Se a pergunta é se a diferença é suficientemente importante para criarmos regras morais que conduzam a um acto em vez de outro, então penso que não, mas como não sei ao certo que condições levaram a que um ficasse sujeito ao gerador aleatório, também não posso garantir isto.
«Se te recusas a responder, recusas. Mas creio ter demonstrado que nenhuma das justificações que dás é válida.»
Nenhuma de quais? Nada do que digo no post é válido se não souber dizer ao certo se isto se pode chamar de muito ou não?
Cada vez percebo menos do que estás a dizer...
A ver se esclarecemos isto. Eu defendo que quanto menos “voto na matéria” alguém tem acerca de um certo resultado, sendo tudo o resto igual, então mais próximo do eticamente neutro fica essa posição. Não posso dizer se fica “muito”, “pouco” ou “meia dúzia” porque não tenho bitola pela qual medir essas quantidades. Apenas te posso dar ordenações parciais dizendo que este é mais reprovável e aquele menos, ou este mais louvável e aquele menos.
Não percebo como este fica tudo inválido só por não responder uma pergunta irrelevante que nem sequer uma resposta objectiva pode ter.
Nuvens,
ResponderEliminar«1- terminar com o aborto clandestino - foi conseguido.»
Foi? É que tanto quanto sei não havia números fiáveis desse abortos antes da lei, e continua a não haver. Se tiveres dados concretos, agradeço que os mostres. Senão, permite-me que desconfie da tua bola de cristal. É que não me parece provável que com quase 20,000 abortos por ano toda a gente os faça até às 10 semanas, sem falta...
«2 - implementar medidas que permitam diminuir o recurso ao aborto como método contraceptivo, através de educação que se está a falhar mas tem de passar a funcionar.
3 - por fim com o aumento da educação e através da educação sexual nas escolas o objectivo deverá ser diminuir ao longo das gerações o número de abortos.»
Nem a educação sexual nem a contracepção e as alternativas ao aborto (como adopção) exigem que se legalize o aborto. Pelo contrário. O que aconteceu, claramente, é que uma vez que compete à mulher decidir se aborta ou não, a partir daí o problema é dela, e o dinheiro que o Estado gasta em abortos (20,000 por ano não sai barato...) é menos dinheiro para contraceptivos, educação sexual, planeamento familiar, etc (que saía bem mais barato...)
Já agora, aproveito para me gabar da minha capacidade de vidente:
«Acima de tudo, isto é um problema complexo que não pode ser decidido de uma vez, por sim ou não, a contar as mãos no ar. Não me chocava experimentar-se a despenalização, como acto administrativo ou por um decreto lei. Penso que é uma solução pior que o problema, mas posso estar enganado, e só na prática é que se poderia saber ao certo. Mas tinha que ser de uma forma reversível, para que pudéssemos voltar atrás e tentar outra coisa no caso (provável) de ser asneira.
O que vamos fazer no dia 11 é um disparate. Quando a voz do povo proclama o aborto como um direito é quase impossível voltar atrás, mesmo que a asneira se torne evidente mais tarde. Há quem critique o não por deixar tudo na mesma. Mas é uma opção melhor que um salto de fé no sim.»
Fevereiro 2005
Como previa, foi asneira. E, como previa, já não se pode voltar atrás.
E depois vens falar de picuinhice...
ResponderEliminarGrande metafísica do "muito"... Se não é o problema de se saber o contexto, é o problema de saberes a minha "intenção" com a pergunta.
Enfim, passemos à frente...
Deixa ver se te arrependes de alguma das coisas que disseste até aqui, tal como da expressão "muito":
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Se o António pode salvar qualquer pessoa, mas só uma, e entre as 5000 escolhe salvar o José, com base em nenhum critério; e se o Tobias só pode salvar o que estiver mais perto entre as 5000 e é por acaso que é o José que está mais perto; a força da relação causal entre a decisão do António de salvar e o salvamento do José é superior à força da relação causal entre a decisão do Tobias e a salvação do José.
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Isto pretende ser o resumo daquilo que tinhas concordado até agora, omitindo o "muito" que agora acreditas não dever ter usado.
Aceitas o que está escrito?
João Vasco,
ResponderEliminar«Se o António pode salvar qualquer pessoa, mas só uma, e entre as 5000 escolhe salvar o José, com base em nenhum critério; e se o Tobias só pode salvar o que estiver mais perto entre as 5000 e é por acaso que é o José que está mais perto; a força da relação causal entre a decisão do António de salvar e o salvamento do José é superior à força da relação causal entre a decisão do Tobias e a salvação do José.»
Como há aqui três coisas diferentes que podemos estar a discutir (infelizmente, a tua técnica de desviar a conversa por um caminho que desconheço impede-me de saber o que estás a criticar na minha posição), vou dividir a minha resposta por esses três aspectos.
O primeiro é a regra que proponho: a relação causal entre o acto e o efeito depende da influência que a decisão (ou decisões) do sujeito teve na realização daquele efeito em particular. Não sei se discordas desta regra, mas parece-me difícil que um sistema ético funcione sem ela.
Outro aspecto é a minha capacidade de aplicar essa regra ao teu exemplo. Assumindo que o António teve mais capacidade que o Tobias para decidir o salvamento do José, então, aplicando a regra, concluo que a relação causal entre a decisão e o salvamento é mais forte no caso do António. Se é muito mais forte, depende do que se entende por muito. Mas mais forte, é.
Finalmente, temos o problema de perceber o teu exemplo. Quando dizes que o António “escolhe salvar o José, com base em nenhum critério” assumo que não é literalmente nenhum critério, porque se fosse não seria escolha. Interpreto isso como sendo uma escolha do António, pela qual ele é responsável, mais responsável do que o Tobias é pela situação do mar revolto lhe trazer o José ao pé. E assumo também uma data de coisas acerca do resto do cenário, todas elas podem estar erradas.
Portanto, quando apontares a tal contradição que há vários dias aguardamos, indica também se a contradição é na regra, na aplicação da regra, ou em qualquer detalhe omisso ou mal-entendido acerca do teu cenário.
«O primeiro é a regra que proponho: a relação causal entre o acto e o efeito depende da influência que a decisão (ou decisões) do sujeito teve na realização daquele efeito em particular. Não sei se discordas desta regra, mas parece-me difícil que um sistema ético funcione sem ela.»
ResponderEliminarMas auilo que EU acredito não tem nada a ver com a resposta À minha pergunta.
Eu estou simplesmente a resumir as coisas que já tinhas dito, agora também tens problemas com isso?
«Outro aspecto é a minha capacidade de aplicar essa regra ao teu exemplo. Assumindo que o António teve mais capacidade que o Tobias para decidir o salvamento do José, então, aplicando a regra, concluo que a relação causal entre a decisão e o salvamento é mais forte no caso do António. Se é muito mais forte, depende do que se entende por muito. Mas mais forte, é.»
Eu já tirei o "muito" da discussão, precisamente para pdoeres responder. Esta razão também não justifica que não o faças.
«Quando dizes que o António “escolhe salvar o José, com base em nenhum critério” assumo que não é literalmente nenhum critério, porque se fosse não seria escolha. Interpreto isso como sendo uma escolha do António, pela qual ele é responsável, mais responsável do que o Tobias é pela situação do mar revolto lhe trazer o José ao pé.»
Interpretas bem. Se precisavas deste esclarecimento, está feito.
E não digas que estamos há muito tempo nisto.
Eu faço perguntas simples, e entro na metafísica do "muito", ou na interpretação do "nenhum critério", ou então volto a ler sobre abortos e homicídios, que não não têm nada a ver com as perguntas que fiz.
Vamos lá então de novo...
«Se o António pode salvar qualquer pessoa, mas só uma, e entre as 5000 escolhe salvar o José, com base em nenhum critério; e se o Tobias só pode salvar o que estiver mais perto entre as 5000 e é por acaso que é o José que está mais perto; a força da relação causal entre a decisão do António de salvar e o salvamento do José é superior à força da relação causal entre a decisão do Tobias e a salvação do José.»
De acordo?
João Vasco,
ResponderEliminar«De acordo?»
Já disse que sim: «Assumindo que o António teve mais capacidade que o Tobias para decidir o salvamento do José, então, aplicando a regra, concluo que a relação causal entre a decisão e o salvamento é mais forte no caso do António.»
Então, considerando que para avaliares eticamente uma escolha tens de considerar as consequências das diferentes alternativas, e a força da relação causal, terás de concluír que a acção do António tem mais mérito que a do Tobias, certo?
ResponderEliminarAs consequências são as mesmas - salva-se uma vida - mas a força da relação causal é diferente.
Concordas com isto?
Concordas que isto é tanto mais verdade quantas mais pessoas estiverem a afogar-se? Que se for só uma, as acções têm o mesmo mérito, mas que quantas mais pessoas lá estiverem, menos mérito tem a escolha do Tobias face à escolha do António?
João Vasco,
ResponderEliminar«Então, considerando que para avaliares eticamente uma escolha tens de considerar as consequências das diferentes alternativas, e a força da relação causal, terás de concluír que a acção do António tem mais mérito que a do Tobias, certo?»
Não necessariamente, precisamente porque o mérito depende das alternativas. Assumindo que ambos salvaram, então o António salvar o José tem mais valor ético que o Tobias salvar o José. Por outro lado, o António deixar morrer o João tem mais valor ético (negativo) que o Tobias deixar morrer o João.
No entanto, dada a assimetria entre salvar e deixar morrer, e visto que há um grande número de pessoas que morrem, penso que neste caso a acção do António tem mais mérito que a do Tobias, assumindo que o valor ético positivo de salvar o José, maior no caso do António, não é contrabalançado pelo valor ético negativo de deixar morrer outros (que é menor no caso do Tobias, mas que é menor, para ambos, que o valor ético positivo de salvar o José, assumindo que não há outros detalhes que alterem isso).
«Concordas que isto é tanto mais verdade quantas mais pessoas estiverem a afogar-se? Que se for só uma, as acções têm o mesmo mérito, mas que quantas mais pessoas lá estiverem, menos mérito tem a escolha do Tobias face à escolha do António?»
Sim, assumindo que o resto fica na mesma.
«Não necessariamente, precisamente porque o mérito depende das alternativas. Assumindo que ambos salvaram, então o António salvar o José tem mais valor ético que o Tobias salvar o José. Por outro lado, o António deixar morrer o João tem mais valor ético (negativo) que o Tobias deixar morrer o João.»
ResponderEliminarEna!
Ok, não esperava por esta. Mas ela tem consequências... engraçadas.
Tendo em conta que consideras dessa forma o valor ético negativo de deixar morrer, vamos considerar dois cenários.
Num, só o José está a morrer afogado e o Tobias escolhe salvá-lo. Consegue.
Noutro, existem 5000 pessoas a morrer afogadas, o António escolhe salvar o José (com base em nenhum critério, como nos exemplos anteriores). Consegue.
Neste cenário alternativo, a força da relação causal entre a decisão e o salvamento é igual. As consequências do salvamento são iguais.
Mas como temos de considerar o valor ético (negativo) do António ter deixado morrer os restantes, que não existe no caso do Tobias, concluiremos que o acto do Tobias tem mais mérito que o do António.
Concordas com esta implicação? Se não, porquê?
Por fim, deixa-me perguntar-te:
«assumindo que o valor ético positivo de salvar o José, maior no caso do António, não é contrabalançado pelo valor ético negativo de deixar morrer outros»
Mas do que é que depende essa assunção? Se partirmos do princípio que o Tobias e o António não sabem nada sobre nenhuma das vítimas, nem idade, nem nada, devemos assumir o quê?
João Vasco,
ResponderEliminar«Ok, não esperava por esta.»
Proponho que não esperavas por esta precisamente porque estás a restringir a discussão a um sub-conjunto não representativo e insuficiente para ilustrar as regras que defendo. E isso dificulta a tarefa de as esclarecer e justificar.
«Neste cenário alternativo, a força da relação causal entre a decisão e o salvamento é igual. As consequências do salvamento são iguais.
Mas como temos de considerar o valor ético (negativo) do António ter deixado morrer os restantes, que não existe no caso do Tobias, concluiremos que o acto do Tobias tem mais mérito que o do António.
Concordas com esta implicação?»
Sim. Regra geral, tem mais mérito salvar uma pessoa quando esse salvamento não é um factor causal na morte de outra. Se for um factor causal pouco importante, a diferença é pequena. Se o factor causal for mais importante, então a diferença é maior (e se for muito importante há muita diferença, mas o melhor é nem ir por aí ;)
«Mas do que é que depende essa assunção? Se partirmos do princípio que o Tobias e o António não sabem nada sobre nenhuma das vítimas, nem idade, nem nada, devemos assumir o quê?»
Não sei o que o António teve de fazer para salvar o José. Se está no bote e teve de bater com os remos nas pessoas que tentavam subir antes do José, ou se teve de pisar nos dedos de um que subia para o cais para poder agarrar o José, e isso causou a morte dessas pessoas, então pode fazer com que o acto do António até seja eticamente reprovável. Parece-me que estavas a excluir essa possibilidade, mas o problema de me restringir apenas aos cenários que tu inventas é que são demasiado limitados para cobrir as coisas importantes.
É curioso que concordes com a implicação.
ResponderEliminarParece-me um disparate (não que uma coisa implique a outra, mas a conclusão), que comentarei em breve. Já chegará para eu saber que as nossas posições éticas são inconciliáveis, mas não era aí que eu queria chegar.
Faltam poucas perguntas, mas antes tenho de te dar uma resposta:
«Não sei o que o António teve de fazer para salvar o José. Se está no bote e teve de bater com os remos nas pessoas que tentavam subir antes do José»
Não existiu qualquer interacção desse tipo. Ele limitou-se a agarrar no José e levá-lo para a costa. Todas as outras vítimas estavam bastante distantes.
«assumindo que o valor ético positivo de salvar o José, maior no caso do António, não é contrabalançado pelo valor ético negativo de deixar morrer outros»
É esse o caso? Podes assumir isso, dada a informação que te dei?
João Vasco,
ResponderEliminar«É curioso que concordes com a implicação. Parece-me um disparate»
É curioso que te pareça um disparate achar que salvar uma vida tem mais mérito quando esse salvamento não implica a morte de ninguém.
Qual é o resultado melhor:
A- Salvar o João enquanto a Maria está em casa a ver televisão.
B- Salvar o João enquanto a Maria se afoga, com um bote que só dá para o João e tendo, por se salvar o João, que deixar a Maria morrer.
Também podes considerar que, se o João está sozinho a afogar-se, a diferença entre salvá-lo e não o salvar é muita. O mérito do salvamento é essa diferença. Mas se o João e a Maria está a afogar-se, a diferença entre salvar o João em vez de ter salvo a Maria é nula.
Deve haver muitas maneiras de ver o problema que mostram não ser nada estranho considerar mais meritório o salvamento que não deixa vítimas do que o salvamento de uns à custa de deixar os outros morrer.
«Não existiu qualquer interacção desse tipo. Ele limitou-se a agarrar no José e levá-lo para a costa. Todas as outras vítimas estavam bastante distantes.»
Mas nota que, se assim foi, então ele não escolheu. Pelo menos, ele não escolheu que fosse o José a estar ali ao pé e os outros muito longe (e, se tivesse escolhido, teria culpa em os outros estarem longe).
Tu estás a tentar criar um cenário artificial que dê o resultado que queres, e penso que é isso que está a criar contradições.
«É esse o caso? Podes assumir isso, dada a informação que te dei?»
Neste momento, não posso concluir nada da informação que deste porque parece ser contraditória. Primeiro dizes que o António teve total liberdade de escolher quem salvava, e agora pareces querer dizer que quem não se salvou foi porque estava longe, algo que, presumo, não foi decisão do António.
Isto pode não ser importante, mas como não faço ideia de onde queres chegar (era útil, já para não dizer simpático, que deixasses a tua opinião clara desde início, para evitar que eu tenha sempre a combater a sensação de que vou ficar muito desiludido com o desfecho da conversa...) tenho de apontar o problema.
Afinal, o António salvou o José porque quis, deliberadamente decidindo que nenhum dos outros seria salvo, ou salvou o José porque era o que estava mais à mão? No primeiro caso, tem mais mérito pelo salvamento do José mas mais responsabilidade pelo afogamento de cada um dos outros (se bem que quanta responsabilidade dependa dos detalhes). No segundo caso está, pelo que me recordo, na mesma situação do Tobias.
Bem, estas perguntas tiveram realmente mérito.
ResponderEliminarEstar a discutir questões complexas como o aborto partindo de bases que diferem em questões extremamente simples como as que estamos a discutir agora só poderia dar em disparate.
Vejamos isto:
«Qual é o resultado melhor:
A- Salvar o João enquanto a Maria está em casa a ver televisão.
B- Salvar o João enquanto a Maria se afoga, com um bote que só dá para o João e tendo, por se salvar o João, que deixar a Maria morrer.»
Não há dúvida que o "resultado melhor" é A.
Mas entre:
C- Estão 5 pessoas a morrer, e salvo duas.
e
D- Está uma pessoa a morrer e não salvo nenhuma.
É bastante claro que o resultado melhor é a D, e não é por isso que ela tem mais mérito...
A grande questão é a comparação de alternativas, que têm desfechos diferentes.
Vejamos:
A1- Salvar o João nadando no estilo X
A2- Salvar o João nadando no estilo Y
A3- Deixar o João morrer
B1- Salvar o João
B2- Salvar a Maria
B3- Deixar a Maria morrer
Se alguém escolhe salvar o João nandando no estilo X, a sua escolha tem o mérito de ser bem melhor que a alternativa A3.
A escolha A1 não tem mérito face à escolha A2, mas face à escolha A3 tem bastante.
Se alguém escolhe salvar o João no segundo cenário, a sua escolha tem o mérito de ser igualmente melhor que a alternativa B3.
O mérito da escolha B1 face à escolha B2 é muito discutível, e se não soubermos nada sobre as pessoas envolvidas podemos considerá-lo nulo (não por ser o mais provável, mas apenas em resultado da nossa ignorância). Mas em termos de comparar B3 com B1 não faz sentido falar na morte da Maria, visto que ela é igual em ambos os cenários.
Ou seja, a diferença entre B3 e B1 é igual à diferença entre A3 e A1.
ResponderEliminarE em ambos os casos a pessoa tem a mesma "responsabilidade" perante a situação na qual se encontra.
João Vasco,
ResponderEliminarEste teu último está ainda mais confuso que os outros...
Se salvar uma pessoa exige que outra morra, quanto mais responsável fores pela morte dessa outra menos mérito tens pelo acto que salva a primeira. Eventualmente, se a tua responsabilidade pela morte for suficientemente alta, o acto pode passar de louvável (pelo salvamento) a condenável (pela morte).
Se discordas mesmo disto, e achas, por exemplo, que é legítimo assassinar uma pessoa para lhe tirar os órgãos e assim salvar outras dez que precisam de transplantes, então podemos discutir o fundamento desta regra.
Se não discordas mas ainda assim queres discutir um detalhe acerca da aplicação desta regra quando se trata de salvar uma pessoa em vez de outra, então peço-te que expliques primeiro o que raio isso tem que ver com a questão do aborto ou com o fundamento ético que proponho. Porque não tenho muita vontade de pôr à frente do que interessa discussões confusas que não chegam a lado nenhum.
«Se não discordas mas ainda assim queres discutir um detalhe acerca da aplicação desta regra quando se trata de salvar uma pessoa em vez de outra, então peço-te que expliques primeiro o que raio isso tem que ver com a questão do aborto ou com o fundamento ético que proponho. »
ResponderEliminarUm detalhe??
Achas um mero detalhe, que eu acredite que nas situações A e B que descreveste o mérito de salvar o João é igual?
Como queres discutir questões éticas complicadas sem estarmos de acordo em relação às que são relativamente simples?
Desculpa, mas eu acrredito que não faz sentido discutir o aborto sem nos entendermos em relação a isto.
É como um exoterista querer discutir física quântica comigo sem antes termos concordado acerca do significado do termo "energia".
Ele bem pode dizer que não está a falar de bolas de bilhar e quedas de graves, que não está a falar da física do sec XVIII mas sim do sec XX, mas não faz sentido discutir física quântica sem estarmos de acordo quanto às bases.
Repara que eu ainda tenciono continuar a fazer perguntas, sobre a outra situação, porque te contradisseste, e creio que o vou mostrar de forma evidente até para ti.
Simplesmente tu quiseste deter-te sobre uma questão que eu disse que só iria comentar depois, e eu achei que era boa ideia. Precisamente porque é simples, e básica.
Se concordas que não faz sentido discutir questões éticas complexas com bases diferentes, haverás de concordar que nem faz sentido discutir o aborto nesta circunstância.
Por fim, e respondendo à tua pergunta, eu acredito que não devemos matar alguém para salvar as dez vítimas do transplante. Mas não é pelas razões que referes.
Eu acredito que as consequências de matar vão muito além da vida que é negada às vítimas.
Não acredito que seja mais ou menos a mesma coisa matar um bebé ou 15 pessoas de 70 anos...
João Vasco,
ResponderEliminar«Achas um mero detalhe, que eu acredite que nas situações A e B que descreveste o mérito de salvar o João é igual?»
Se não explicas porquê, é ainda pior que um detalhe. É perda de tempo.
O problema aqui não é concordar com os termos. O problema é que dizes que discordas do que proponho como sendo os fundamentos, mas não dizes do que é que discordas. Discordas que o valor da vida seja medido, principalmente, por quem a vive? Discordas que a relação causal entre o acto e os resultados futuros seja relevante para a ética? Discordas que não agir de forma a que alguém viva é eticamente diferente do que agir de forma a matar alguém? Nunca chegas a dizer se sim nem se não...
Afirmas também que me contradigo, e já há dias que dizes que estás mesmo quase a dizer em quê, mas volta e meia lá mudas as coisas e manifestas-te surpreso, revelando que não estavas a perceber ainda a minha posição. Admito que possa ser culpa minha por não me explicar bem, mas sugere que podes estar a precipitar-te ao dizer que me contradigo antes de perceber o que digo.
E continuas com essa abordagem críptica e evasiva. Por exemplo:
«Por fim, e respondendo à tua pergunta, eu acredito que não devemos matar alguém para salvar as dez vítimas do transplante. Mas não é pelas razões que referes.»
Excelente. Concordas que não devemos matar para salvar. Logo concordas que é pior matar do que não salvar. E até dizes ter razões, e saber quais são as minhas e saber que as tuas são diferentes.
Mas então por que raio não explicas logo quais são as tuas a ver se percebo porque são melhores que as minhas? Não era para termos começado por aí, um dar as suas razões, o outro dar as suas também, e ver quais são as melhores?
Ludwig:
ResponderEliminar«Afirmas também que me contradigo, e já há dias que dizes que estás mesmo quase a dizer em quê, mas volta e meia lá mudas as coisas e manifestas-te surpreso, revelando que não estavas a perceber ainda a minha posição. Admito que possa ser culpa minha por não me explicar bem, mas sugere que podes estar a precipitar-te ao dizer que me contradigo antes de perceber o que digo.»
Se admites que possa ser por não teres explicado bem, poderias também admitir a hipótese de estares equivocado e realmente teres uma posição contraditória...
Aquilo que acredito é que já mostrei as tuas contradições antes. Mas não de forma que tu reconhecesses. Este esforço não é para provar que te contradizes, mas sim para provar a TI que te contradizes.
Uma vez tentei mostrar ao Mats que não havia contradição nenhuma em dizer que a entropia pode diminuir na terra, mesmo que não possa diminuir num sistema isolado. Ele alegava que não, porque a terra faz parte do Universo, que é um sistema isolado.
Perante isto, foi fácil apanhá-lo em contradição, indo buscar exemplos de um grupo de pessoas onde uma delas fica com mais dinheiro, e o grupo como um todo fica com menos, etc... Apanhei-o em contradição umas boas dezenas de vezes, mas nunca consegui o que queria: mostrar a contradição de forma tão óbvia, que até ele próprio entendesse o erro que tinha feito.
Vi que estava emocionalmente muito investido no debate, que o método de Sócrates não se adequa à realidade (já verifiquei isso várias vezes...), e que não valia a pena.
Quando eu verifiquei que te contradizias, pensei que seria diferente. Daí ter estado a perder tanto tempo nesta conversa.
Claro que a conversa durou muito mais do que eu imaginava. Há coisas que me surpreenderam, mas a maior parte não foi por eu não conhecer bem as tuas posições... A cautela em evitar o "muito" que antes tinhas usado de forma razoável surpreendeu-me, mas não mostrou que te tinha entendido mal, mostrou que estavas a ser pouco colaborante. E grande parte do tempo que estamos a demorar são coisas deste tipo. Aquilo a que tu chamas a minha picuinhice sou eu a tentar simplificar as situações para que o "esqueleto" fique à vista, mas da tua parte eu vejo picuinhices como evitar "muito" ou ter cuidado para saber se o salva vidas não deu com os remos na cabeça de alguém...
A picuinhice e o tom chegou a um ponto que eu já estava mesmo desejoso de chegar ao fim, só para justificar o tempo perdido, desanimado com este debate, que não estava a ser nada agradável.
Mas quando alegaste que a conclusão que me parece absurda não o é, acreditei que pelo menos uma coisa tinha ficado clara no meio disto tudo: a relevância.
Se discordamos desse ponto, que sentido faria discutir outros?
Se discordamos nas questões éicas fundamentais, faria algum sentido discutir questões éticas complexas com base nos fundamentos?
«Concordas que não devemos matar para salvar. Logo concordas que é pior matar do que não salvar.»
A questão nunca foi essa.
Eu concordo que (a não ser em circunstâncias excepcionais) é pior matar um ser humano que já existe do que não salvar um ser humano que já existe.
Mas nós discordamos no que diz respeito a saber se o ser humano (ou o que há de eticamente relevante que justifica grande parte da aversão a matar alguém) já existe antes das 12 semanas.
E agora vais dizer que não faz sentido discordarmos porque a tua posição é que está certa de acordo com os argumentos X, Y e Z. E eu posso responder, e o debate volta ao início.
Ou então podemos discutir as bases, essas "picuinhices"...
João Vasco,
ResponderEliminar«Mas nós discordamos no que diz respeito a saber se o ser humano (ou o que há de eticamente relevante que justifica grande parte da aversão a matar alguém) já existe antes das 12 semanas.»
Não é bem isso.
Eu propus que ser antes ou depois das 12 semanas é irrelevante porque temos de medir o valor da vida, principalmente, pelo valor subjectivo que tem para quem a vive. Para quem a vive, ser morto às 10 semanas ou às 14 vai dar no mesmo, e o problema principal é perder a vida toda. Pensa tu no que terias perdido se te matassem às 10 semanas, e pensa se poderias dizer “mas, felizmente, não foi às 14 que me mataram, valha-me isso”.
Tu disseste que discordavas. Inicialmente (há uns anos) falaste do cérebro correr algoritmos de auto consciência e assim, mas presumo que entretanto tenhas abandonado essa via, visto às 14 semanas não haver mais auto-consciência do que às 10, e isso ter pouca relevância (visto ser um problema provisório, em qualquer dos casos).
Entretanto, não deste mais justificação.
E, agora, o ponto de discórdia foi outro, até. Tu dizes que se avaliamos o valor subjectivo pelo ponto de vista do sujeito, então temos de aceitar que não ter um filho também elimina uma vida que poderia ter existido. Eu concordo, mas apontei que há outro aspecto eticamente relevante, que é que matar algo tem uma relação causal mais forte com a vida futura que não existe do que simplesmente não ajudar a viver algo que, de outra forma, não teria vida futura (seja o que se está a afogar, seja o que ainda não foi concebido).
Tu dizes que não, e que me estou a contradizer, e recorres a exemplos rebuscados que não têm nada que ver com a diferença entre matar e não salvar, e andamos aqui às voltas sem justificares nada nem me explicares onde vamos chegar.
E, sinceramente, dizes que apontaste contradição mas não me lembro de nenhuma. Por isso proponho que o faças claramente (se já o fizeste assim podes copiar e colar, não me importo). Mostra a contradição desta forma:
Se assumires A conclui-se C.
Se assumires B conclui-se não C.
Tu defendes A e B, logo estás em contradição.
A razão pela qual ainda não percebi qualquer contradição é que nunca vi um argumento teu desta forma.
Dou um exemplo:
Se assumes que só é pessoa quem tem, de momento, auto-consciência, concluis que não pode ser pessoa um ser que esteja temporariamente privado dessa capacidade.
Se assumes que é pessoa mesmo quem esteja anestesiado, seja um feto com 14 semanas ou esteja a sofrer um ataque epilético, concluis que pode ser pessoa um ser que esteja temporariamente privado da capacidade de ser auto consciência.
Se defendes ambas então estás em contradição.
Usa esta forma para me demonstrar a minha contradição.
Ludwig:
ResponderEliminarA forma que sugeres de mostrar a contradição resulta se o assunto for muito simples, e às vezes nem nesse caso (nas discussões com o Mats, por exemplo).
Quando o assunto é complexo e a pessoa está emocionalmente investida no debate, é sempre possível fugir da evidência recorrendo às "complicações".
Se olhares para a discussão que tivemos no texto anterior, e também neste, várias vezes eu fiz isso mesmo.
Disse que afirmavas X, que X implica Y, mas que também afirmavas ~Y.
Tu sempre discordaste, mas eu vi todas as justificações que deste como evasões, e quis ir simplificando sucessivamente o cenário para que as evasões fossem impossíveis. Mas quanto mais eu tentava simplificar o cenário, mais coisas que pensava não terem importância eram afinal transformadas por ti em complicações profundas (o "muito" é o exemplo perfeito disto).
Até o meu raciocínio tão simples com as hipóteses A1, A2, A3 e B1, B2 e B3 se mostrou "demasiado confuso", logo para ti, que não tens as limitações cognitivas de outras pessoas que por vezes cá aparecem...
Para mim parece evidente a contradição entre acreditar que o António e o Tobias do exemplo cometeram actos com diferente mérito ético, e pela justificação que deste de um deles estar mais próximo do que é eticamente neutro concluo que a escolha de não salvar também teria diferente mérito ético - e acreditar que as escolhas do Abel e do André do exemplo anterior teriam o mesmo mérito ético.
São basicamente o mesmo exemplo, mas deste respostas diferentes.
Mas olha, Ludwig, a ti pode exasperar-te estar a discutir coisas que não parecem ter importância, como estes salvamentos e estes números aleatórios.
Mas acredita que eu não vou discutir contigo a ética do homicídio sem antes discutirmos devidamente as bases.
O cenário A e B que usaste é um exemplo escolhido por ti, e simples. Faz sentido discuti-lo antes de discutir coisas mais complexas.
João Vasco,
ResponderEliminar«Disse que afirmavas X, que X implica Y, mas que também afirmavas ~Y.»
Dá um exemplo concreto.
«Tu sempre discordaste, mas eu vi todas as justificações que deste como evasões,»
Eu só tenho visto casos em que tu não tens uma opinião errada acerca daquilo que eu defendo e, depois de muitas voltas, dizes-te surpreendido por eu não defender aquilo que tu julgavas.
«Mas quanto mais eu tentava simplificar o cenário, mais coisas que pensava não terem importância eram afinal transformadas por ti em complicações profundas»
Não estás a simplificar. Simples é partir de algo em que concordamos e que sabemos claramente porque concordamos. Por exemplo, se concordamos que não salvar não é eticamente tão mau como matar, e se cada um de nós tem uma ideia clara porquê, é simples discutir isso.
Mas é complicar a discussão se andamos a tentar ver porque é que um seguir um gerador de números aleatórios é mais ou menos significativo que o outro que decide sem critério nenhum. Porque aí passa a ser fundamental perceber o que é “decidir sem critério” e porque raio o outro não pode simplesmente dizer “quero lá saber do gerador”. Logo, perdemos uma carrada de tempo com coisas que não interessam, nomeadamente os detalhes de cenários rebuscados e pouco relevantes quer para o problema de matar um humano com 10 semanas de gestação quer para a diferença entre o aborto e a contracepção (além de afugentar todos os outros que inicialmente participaram nisto, e nem sei se não será mais sensato continuarmos isto por email ou combinar uma sessão de skype :)
«(o "muito" é o exemplo perfeito disto).»
Concordo. Acusaste-me de contradição porque classifiquei de “muito” algo que depois classifiquei de “pouco” noutro contexto, como se fosse contraditório achar que uma pulga de 20 kg é muito pesada mas um porta-aviões pesar mais 20kg que outro é uma diferença insignificante.
«Até o meu raciocínio tão simples com as hipóteses A1, A2, A3 e B1, B2 e B3 se mostrou "demasiado confuso"»
Não era o raciocínio que era confuso, mas o cenário e as alternativas. Já não percebia se estavas a salvar a Maria ou não, em que caso ela morria e o que os estilos de natação tinham que ver com o salvamento do José. As opções eram passar vários comentários a dissecar isso para depois ver que não tinha nada que ver com a conversa, ou então tentar passar à frente e pedir-te para explicar porque é que discordas com a seguinte regra:
Salvar uma pessoa é eticamente mais meritório se essa decisão não resultar na morte de outros.
É que se concordas, então não vale a pena estar a decidir se agarrar o José em vez da Maria conta como resultar na morte da Maria ou não, ou se conta mais se for um bote, ou se for o mar revolto ou um gerador de números aleatórios. Porque se concordamos com o princípio ético, é perda de tempo estar à procura de exemplos em que a diferença se confunda tanto que não concordamos com a sua aplicação.
E se discordas, explica porquê.
(continuado)
ResponderEliminar«Para mim parece evidente a contradição entre acreditar que o António e o Tobias do exemplo cometeram actos com diferente mérito ético»
O Tobias apenas decidiu salvar, o resto foi decidido pelo gerador de números aleatórios e o Tobias não teve voto nenhum na matéria. O António, além de decidir salvar, decidiu salvar o José. Controlou, pela sua decisão, uma parte maior do processo.
Assumindo que a ética foca os resultados de decisões e não o resultado de geradores de números aleatórios, premissa que defendo, o acto do António tem mais relevância ética.
Se discordas, e é evidente que isto não faz sentido, então explica porquê. Por exemplo, imagina que o António tira o José da água, o puxa para longe das ondas, faz respiração boca-a-boca e assim o José salva-se. O Tobias, por seu lado, atira uma bóia para o meio do pessoal sabendo que, com isso, alguém se há de salvar. Achas que o mérito é exactamente igual? Explica porquê, e que diferença é que há entre isto e o gerador aleatório. Se quiseres, assume que o Tobias é fraquinho e que lhe exige tanto esforço atirar a bóia como ao António custa fazer o salvamento todo. E nota que é a explicação que conta, a mera afirmação de que “é evidente” adianta de pouco quando discordamos.
Ah, e a partir de agora, proponho uma regra para que isto avance. Quem afirma algo, justifica, e quem propõe exemplos explica o que quer ilustrar com eles.
Já agora, caso não tenha ficado claro, o que queria ilustrar com o exemplo da bóia e da respiração boca-a-boca é que quanto mais o resultado for dependente da decisão maior é a relevância ética da decisão. Ou seja, o que tenho estado a defender com a relação causal, etc.
ResponderEliminar«Dá um exemplo concreto.»
ResponderEliminarDei vários... Nesta discussão e na anterior.
«Eu só tenho visto casos em que tu não tens uma opinião errada acerca daquilo que eu defendo e, depois de muitas voltas, dizes-te surpreendido por eu não defender aquilo que tu julgavas.»
Estás enganado.
A minha posição é a de que defendes coisas contraditórias, por isso, tanto defendes A como ~A.
Mas quando tentei mostrar a contradição, fiquei surpreendido que ela surgisse em ter sequer de entrar na questão do aborto.
Ou seja, tinhas defendido A, e depois defendeste ~A mais cedo do que pensava. O meu problema não era encontrar a contradição - já o fiz várias vezes nesta discussão e disse-to explicitamente. Era torná-la óbvia para ti.
«Não estás a simplificar. Simples é partir de algo em que concordamos e que sabemos claramente porque concordamos.»
Mas quando discordamos nas bases tu não queres falar sobre elas...
«concordo. Acusaste-me de contradição porque classifiquei de “muito” algo que depois classifiquei de “pouco” noutro contexto,»
Isto é falso.
O contexto era o mesmo. Tu alegaste que eu poderia mudar de contexto, mas nunca o fiz.
Nunca falei em homicídios, sempre em salvamentos, e foi nesse contexto que inicialmente admitiste que a diferença era muito grande, e depois te recusaste a dizer se era ou não porque "muito" é subjectivo. Enfim...
«Não era o raciocínio que era confuso, mas o cenário e as alternativas. Já não percebia se estavas a salvar a Maria ou não, em que caso ela morria e o que os estilos de natação tinham que ver com o salvamento do José.»
Sim, sim. Que grande confusão!
«"Para mim parece evidente a contradição entre acreditar que o António e o Tobias do exemplo cometeram actos com diferente mérito ético"
O Tobias apenas decidiu salvar, o resto foi decidido pelo gerador de números aleatórios e o Tobias não teve voto nenhum na matéria. O António, além de decidir salvar, decidiu salvar o José. Controlou, pela sua decisão, uma parte maior do processo.»
Hã????
Eu digo que há uma contradição entre A e B e tu dizes que A não é contraditório???
Mas o problema não é A, é A e B serem incompatíveis.
«Para mim parece evidente a contradição entre acreditar que o António e o Tobias do exemplo cometeram actos com diferente mérito ético[...] e acreditar que as escolhas do Abel e do André do exemplo anterior teriam o mesmo mérito ético. »
Aliás, eu acho que há um problema com A, mas não era esse o meu argumento.
ResponderEliminarJoão Vasco,
ResponderEliminar«Mas o problema não é A, é A e B serem incompatíveis.»
Então substitui essas letras pelas constantes a que se referem. Senão continuo sem saber onde está a contradição.
Mais concretamente: o problema é dizeres que afirmo A e ~A, que A e B são incompatíveis, mas não dizeres que As e Bs são esses.
ResponderEliminarPor exemplo, dizes que é evidente a contradição quando eu afirmo que "Assumindo que o António teve mais capacidade que o Tobias para decidir o salvamento do José, então, aplicando a regra, concluo que a relação causal entre a decisão e o salvamento é mais forte no caso do António."
Onde está a contradição? Estou a contradizer o quê? Por favor não digas que estou a contradizer a proposição P sem dizer que proposição é essa...
Está escrito:
ResponderEliminar«Para mim parece evidente a contradição entre acreditar que o António e o Tobias do exemplo cometeram actos com diferente mérito ético[...] e acreditar que as escolhas do Abel e do André do exemplo anterior teriam o mesmo mérito ético. »
Eu discordo da afirmação sobre o António e o Tobias, mas aí temos mera discordância.
A tua contradição (uma de várias ao longo desta discussão) está entre aquilo que escreveste sobre o António e o Tobias e aquilo que escreveste sobre o Abel e o André.
O Abel e o André tinham a possibilidade de salvar uma criança, mas um escolhia sem critério, e outro ficava dependente do acaso. Neste caso, detalhes à parte, o mérito ético não seria distinto.
Até explicaste o que é que faria o mérito ético ser distinto, mas esse segundo cenário em que o sangue de um só podia ser dado por outro e sei lá que mais não vinha ao caso.
João Vasco,
ResponderEliminar«O Abel e o André tinham a possibilidade de salvar uma criança, mas um escolhia sem critério, e outro ficava dependente do acaso. Neste caso, detalhes à parte, o mérito ético não seria distinto.»
Esta é outra consequência da tua abordagem. Exemplos hipotéticos são bons para ilustrar explicações e argumentos mas não servem para os substituir.
O teu exemplo do Able e do André era:
«O Joaquim desafia o Abel a ir numa aventura para salvar uma criança, o Quim, que o Abel não conhece e não sabe nada a seu respeito. O Abel rejeita o desafio.
O Pedro desafia o André a ir numa aventura para salvar uma criança, escolhida aleatoriamente entre milhares que necessitam de ser salvas. O André rejeita o desafio.»
Assumindo que o Abel e o André estão ambos igualmente impossibilitados de decidir qual a criança que é salva, e assumindo que ambos estão igualmente capazes de decidir se salvam ou não, então as suas situações são eticamente equivalentes.
É claro que isto depende dos detalhes. Supõe que saiu ao André a criança número 6238, mas, quando ele recebe o papel com o número, está no seu poder deitar o papel fora e salvar outra ou seguir o que o papel lhe manda. Neste caso, a relação causal entre o salvamento daquela criança e as decisões do André torna-se mais forte que a do Abel, que se presume só poder salvar o Quim. No entanto, como ambos recusam e não sabemos detalhes acerca do salvamento, é difícil avaliar isso nesse cenário.
O cenário do Tobias e do António é mais claro neste aspecto porque com o mar revolto e o Tobias só poder salvar quem calhar ao pé fica claro que o Tobias tem menos voto na matéria do que o António.
Isto, novamente, é apenas perder tempo com picuinhices. Picuinhices no sentido em que são diferenças tão pouco claras que acaba por depender tudo de detalhesque não estão explícitos nos cenários.
Além disso, não adianta de nada. Admito que, se despejares cenários confusos eventualmente eu vou-me enganar a aplicar as regras que defendo. Mas isso não contribui nada para refutar as regras ou demonstrá-las inadequadas. Apenas prova que há um limite para a minha paciência, atenção e capacidade para memorizar todos esses nomes e situações que tu vais inventando.
Por isso é que te peço novamente que apresentes um argumento ou uma explicação que incida sobre os problemas fundamentais, em vez de debitar cenários sem contexto. Eu proponho que o valor subjectivo de cada alternativa deve ser determinado pelos sujeitos envolvidos em cada um desses futuros hipotéticos, e que esse valor subjectivo deve ser ponderado pela relação causal entre a escolha e o resultado. Ou seja, de acordo com quanto o agente pode determinar, pela sua vontade, as consequências. Isso é o que nos dá o valor ético de cada alternativa e permite fazer uma ordenação parcial das várias opções.
Se discordas disto explica porquê.
«Eu proponho que o valor subjectivo de cada alternativa deve ser determinado pelos sujeitos envolvidos em cada um desses futuros hipotéticos, e que esse valor subjectivo deve ser ponderado pela relação causal entre a escolha e o resultado»
ResponderEliminarSe esta proposta não pode ser instanciada em nenhum exemplo hipotético simples, queres usá-la como fundamento de um debate sobre assuntos complexos?
Para ti a palavra "muito" é vaga e subjectiva, e tens de ter muito cuidado ao usá-la; mas eu que quero esmiuçar ao certo o que queres dizer por "relação causal entre a escolha e o resultado", visto que usas o termo de forma contraditória nuns cenários e noutros, dizes que perco tempo com picuinhices.
Como queres que eu diga o que acho dessa tua proposta, se ela só é clara na aparência?
No exemplo A e B que tu deste, eu vejo a relação causal entre a escolha de salvar alguém e a morte da Maria como nula. Há uma relação causal entre salvando, salvar o João, e a Maria morrer, mas essa segunda escolha não tem mérito positivo nem negativo*, por isso é irrelevante a força da relação causal dessa segunda escolha.
*pois não temos razões para dizer que as consequências de salvar a Maria são melhores que as consequências de salvar o João.
Portanto, aquilo que tu referes como "relação causal" é algo que, da forma como usas, pode resultar em absurdos umas vezes, contradições outras.
Se queres discutir este problema, temos de começar por aí. Não é pelo homicídio que já é complicado, ou pelo aborto que ainda é mais.
isto anda semelhante ao discurso político
ResponderEliminarmuito paleio pseudo-lógico
mas pouca substância
João Vasco,
ResponderEliminar«Se esta proposta não pode ser instanciada em nenhum exemplo hipotético»
Tenho-a usado em todos os exemplos que deste.
«No exemplo A e B que tu deste, eu vejo a relação causal entre a escolha de salvar alguém e a morte da Maria como nula. Há uma relação causal entre salvando, salvar o João, e a Maria morrer, mas essa segunda escolha não tem mérito positivo nem negativo»
O facto de salvar o João não permite ignorar a morte da Maria, nem o facto de salvar a Maria ter o mesmo problema para o João justifica ignorar que há esse problema. Estás a confundir as coisas.
Imagina que em três universos paralelos o Zé e a Yolanda estão a afogar-se. Num universo a Ana pode salvar um deles, mas a Ana tem um chip no cérebro que a controla por completo. Se salva ou não, e qual deles salva, depende de um gerador de números aleatórios no chip.
No universo 2 o Bruno, na mesma situação, tem um chip que controla quem ele salva, mas só se ele decidir salvar alguém. No universo 3 a Carla não tem chip, pode decidir se salva e quem salva.
Assumindo que o Zé e a Yolanda valem o mesmo, a diferença em valor subjectivo entre salvar ou não é a mesma para todos. No entanto, o valor ético do que a Ana fizer é nulo porque ela não pode decidir nada. O valor ético do que o Bruno fizer é maior que o da Ana. Se o Bruno decidir salvar alguém, um vai-se salvar em parte por causa da decisão do Bruno. Mas, seja o Zé seja a Yolanda, quem o Bruno salvar será também decidido pelo chip, e o Bruno é alheio a isso. Portanto o valor ético do salvamento do Bruno é menor que o valor ético do salvamento da Carla.
No entanto, a culpa da Carla pelo que morrer é também maior. A Ana não tem culpa de nada. O Bruno tem alguma culpa se decidir não salvar, mas se decidir salvar não tem culpa que o Zé ou a Yolanda morra porque ele não podia fazer mais do que fez. A Carla, se salvar o Zé, tem alguma culpa pela morte da Yolanda porque, em parte, foi porque a Carla escolheu o Zé que a Yolanda morreu (e vice-versa).
Finalmente, há uma assimetria entre salvar e não salvar, excepto no caso da Ana, que não controla nada. No caso do Bruno, se salvar a pessoa que sobreviver irá sobreviver principalmente porque o Bruno decidiu salvá-la. A relação no caso da Carla é ainda mais forte, porque esta não só decidiu salvar como decidiu salvar aquela pessoa. Mas o que morre, quer por o Bruno ou a Ana não salvarem ninguém quer por salvarem o outro, morre principalmente porque o barco se afundou, caiu à água, não sabia nadar, etc.
E essa é a grande diferença entre matar e não salvar. O valor subjectivo é o mesmo, mas não salvar contribui apenas um factor no meio dos outros todos que causam a morte, enquanto que matar é o factor principal da causa de morte. Quando o Zé e a Yolanda derem à costa, o médico vai declarar que morreram por afogamento, não por falta de salvamento. Mas se levarem um tiro na cabeça, dirá que a causa da morte foi esse disparo.
Admito que podes baralhar imenso os problemas até que seja difícil apurar se a relação causal entre uma decisão e um resultado é mais forte ou mais fraca que noutro caso. Mas isso nem sequer é um problema ético; é apenas um problema prático da aplicação dos princípios.
Já agora, nota como um exemplo acompanhado de explicações e com um propósito explícito é mais esclarecedor.
«Mas o que morre, quer por o Bruno ou a Ana não salvarem ninguém »
ResponderEliminarBruno ou a Carla. A Ana não tem voto na matéria. Porra, que já ando baralhado com estas tretas dos afogamentos :)
Ludwig:
ResponderEliminarNo teu exemplo não esclareces se a escolha do Bruno em salvar tem mais mérito ou menos que a escolha da Carla.
O meu ponto é que, assumindo como assumiste que não há razão para dizer que salvar uma vida é melhor que salvar outra, ambas as escolhas (a do Bruno em salvar alguém e a da Carla em salvar o Zé) têm o mesmo mérito.
A escolha adicional que a Carla teve face ao Bruno é irrelevante (posto que ambos escolheram salvar), na medida em que as consequências dessa escolha adicional não são melhores nem piores.
Num quarto universo paralelo o Gustavo além de escolher salvar o Zé ou a Yolanda, escolhe também se quer correr ou saltar para o fazer. Mas assumindo que saltar ou correr não muda nada nas consequências que importam, essa escolha é irrelevante.
Assim o é também a escolha entre salvar um ou outro. A única escolha que importa é a de salvar ou não.
João Vasco,
ResponderEliminar«No teu exemplo não esclareces se a escolha do Bruno em salvar tem mais mérito ou menos que a escolha da Carla.»
Acho que tem menos. O Bruno não tem culpa pela morte do outro que não salva, enquanto que a Carla tem. No entanto, essa culpa é muito pequena, porque a morte de quem não é salvo deve-se principalmente aos outros factores dos quais nenhum dos intervenientes tem culpa (o barco afundar-se, etc). E, do outro lado da balança, está a maior responsabilidade da Carla pelo salvamento de quem se salvou, porque o Bruno apenas decidiu parte do processo, a outra parte foi em automático.
Mas nota que a avaliação disto é difícil porque é preciso avaliar diferenças pequenas ao ponderar se o demérito do Bruno no salvamento por causa do chip é mais ou menos importante que a culpa da Carla no afogamento do outro por ter decidido salvar um, e é algo que depende muito dos detalhes.
Mas o mais importante é que isto não tem nada que ver com alegados problemas no princípio de julgar a ética de um acto considerando os valores e a ligação causal entre as decisões e as consequências.
«O meu ponto é que, assumindo como assumiste que não há razão para dizer que salvar uma vida é melhor que salvar outra, ambas as escolhas (a do Bruno em salvar alguém e a da Carla em salvar o Zé) têm o mesmo mérito.»
Se por mérito queres dizer valor subjectivo, concordo. Se por mérito queres dizer valor ético, discordo. Se por mérito queres dizer aquilo que socialmente damos como prémio para incentivar um acto, não sei se concordo ou se discordo.
«A escolha adicional que a Carla teve face ao Bruno é irrelevante (posto que ambos escolheram salvar), na medida em que as consequências dessa escolha adicional não são melhores nem piores.»
Estás a confundir o valor subjectivo com o valor ético. Vamos juntar mais dois, sem chip. O David deixa o Zé e a Yolanda morrer afogados, enquanto a Eva nada até eles e os segura debaixo de água para os afogar. Subjectivamente o resultado tem o mesmo valor. Mas eticamente não, e precisamente porque as decisões da Eva têm uma relação causal muito mais forte com a morte dos afogados do que e as decisões do David. É por isso que a Carla tem uma responsabilidade maior pelas consequências dos seus actos do que o Bruno ou a Ana.
«Num quarto universo paralelo o Gustavo além de escolher salvar o Zé ou a Yolanda, escolhe também se quer correr ou saltar para o fazer. Mas assumindo que saltar ou correr não muda nada nas consequências que importam, essa escolha é irrelevante.»
Porque também não muda nada na relação causal entre o acto do Gustavo e o resultado. Imagina que o Gustavo atira uma bóia e vai-se embora, eles que se amanhem. Ou nada até eles e traz um para terra. Ou nada até eles, dá uma facada num e salva outro. O resultado é sempre o mesmo (um salvo, um morto) mas o valor ético do que o Gustavo faz vai variando conforme as decisões dele são mais ou menos determinantes para as consequências que esses actos têm nos sujeitos.
Se as alternativas não alteram nem o resultado nem a relação causal, então é indiferente se nada de costas ou crawl. Mas se alteram a relação causal, então isso tem relevância ética.
Todos os exemplos que dás são exemplos que parecem intuitivos mas apenas na medida em que ilustram algo contrário ao que propões.
ResponderEliminarPor exemplo, parece evidente que ir lá e dar uma facada é pior do que deixá-los aforgar.
Mas apenas na medida em que existe uma probabilidade não nula deles serem salvos sem a facada, e essa probabilidade não existe com a facada.
Quando um animal está a sofrer muito e é impossível que sobreviva mais que umas horas, consideramos que a coisa correcta a fazer (já que não lhe podemos perguntar) é matá-lo.
Matar a pessoa que está a morrer afogada parece, pelo contrário, algo horrível de se fazer, na medida em que acreditamos que existe sempre uma possibilidade de salvação.
Mas isso é simplesmente contrário ao que tu queres mostrar, pois queres dar um exemplo em que as consequências sejam iguais, mas a "relação causal" seja diferente. Mas escolhes um exemplo que nos é claro na medida em que assumimos que as consequências são diferentes.
As opções do Gustavo padecem dos mesmos problemas. Acreditares que as consequências são todas iguais (um vivo, outro morto) é um enorme erro.
Se a probabilidade de alguém se salvar por ele mandar uma boia fosse igual à probabilidade de alguém se salvar nadando para os salvar, seria um absurdo fazê-lo. Quem aplaudiria tal atitude? O esforço e o risco seriam gratuitos, e não haveria maior mérito na escolha de ir lá por oposição a usar a boia.
Nós aplaudimos quem vai lá mais do que quem lança a boia, pois sabemos que este esforço adicional não é em vão: a probabilidade de salvar é muito diferente.
João Vasco,
ResponderEliminar«Todos os exemplos que dás são exemplos que parecem intuitivos mas apenas na medida em que ilustram algo contrário ao que propões.»
É uma afirmação interessante. Carece, no entanto, de algum fundamento :)
«Quando um animal está a sofrer muito e é impossível que sobreviva mais que umas horas, consideramos que a coisa correcta a fazer»
Animal ou humano, no caso da eutanásia. E já falei disso. Vê acima quando mencionei que um dos afogados podia ser um doente terminal a tentar suicidar-se. Mas ou assumimos que aquelas vidas têm um grande valor positivo, ou esses teus cenários deixam de fazer sequer o pouco sentido que ainda fazem...
«Matar a pessoa que está a morrer afogada parece, pelo contrário, algo horrível de se fazer, na medida em que acreditamos que existe sempre uma possibilidade de salvação.»
Isso pode ser o que te parece de horrível. Não disputo essa aparência. O que importa, para a nossa conversa, é que estou a aplicar consistentemente as regras que defendo. Logo, a tua acusação de inconsistência continua insubstanciada.
«Mas isso é simplesmente contrário ao que tu queres mostrar, pois queres dar um exemplo em que as consequências sejam iguais, mas a "relação causal" seja diferente.»
Já tentei dar vários exemplos, mas estás sempre a recusá-los. Neste caso, queria explicar-te porque é que saltar ou correr não fazia diferença mas a facada fazia. É claro que tinha de ser com o resultado igual porque senão dizias que era por ter um resultado diferente.
«Mas escolhes um exemplo que nos é claro na medida em que assumimos que as consequências são diferentes.»
Não. No exemplo que dei fui bem explícito: «O resultado é sempre o mesmo (um salvo, um morto)». Se estás a assumir que as consequências são diferentes apesar de eu dizer que são iguais, o erro é teu.
«Se a probabilidade de alguém se salvar por ele mandar uma boia fosse igual à probabilidade de alguém se salvar nadando para os salvar, seria um absurdo fazê-lo. Quem aplaudiria tal atitude?»
São cenários diferentes. Num cenário a situação é tal que atirando uma bóia há 100% de chance de se salvar um ao acaso. No outro cenário, a situação é tal que indo lá buscar há 100% de chance de se salvar um e apenas esse. Etc.
Mas por aqui estou a antever mais um pantanal de mal entendidos. Vamos ao que interessa. Disseste-me que as minhas regras são contraditórias. Nunca apontaste contradições nas regras em si, nem propuseste qualquer alternativa. Disseste que as aplico de forma contraditória mas, até agora, tem sido sempre ou porque percebes mal as regras ou porque eu percebo mal os teus exemplos.
Agora estás a dizer que minhas regras parecem que funcionam em todos os casos mas na verdade não funcionam. E, mais uma vez, não explicas nem propões nenhuma alternativa.
Queres discutir isto de forma produtiva, ou vamos continuar nesta lengalenga?
Um exemplo: o terrível Ivan diz-me que se eu não te der um tiro na cabeça é ele que te mata. Eu e tu ambos sabemos que o terrível Ivan faz isto de certeza. Não tens qualquer hipótese de sobreviver. 0%, exactamente, sem escapa possível.
ResponderEliminarEticamente, é indiferente para mim ser eu a matar-te ou recusar e ser o Ivan a matar-te? Faço, em ambos os casos, algo igualmente reprovável do ponto de vista ético?
Eu proponho que não. Se for eu a matar-te morres acima de tudo por culpa minha e o valor subjectivo negativo da tua morte recai sobre mim como um valor ético negativo. Se eu recusar, mesmo tendo 100% de certeza que vais morrer, esse valor ético negativo recai principalmente sobre o Ivan, que é aquele cuja decisão tem a relação causal mais forte com a tua morte.
Se tens uma interpretação diferente, JUSTIFICA-A.
«Mas ou assumimos que aquelas vidas têm um grande valor positivo, ou esses teus cenários deixam de fazer sequer o pouco sentido que ainda fazem..»
ResponderEliminarPerdão?
Os meus cenários?
Onde é que te passou ao lado a parte em que estamos a discutir os TEUS cenários?
«Logo, a tua acusação de inconsistência continua insubstanciada.»
A minha acusação de inconsistência já foi consubstanciada várias vezes ao longo desta conversa, se bem que não o tenhas reconhecido em nenhuma.
Mas agora estava apenas a discutir o teu exemplo.
«Não. No exemplo que dei fui bem explícito: «O resultado é sempre o mesmo (um salvo, um morto)». Se estás a assumir que as consequências são diferentes apesar de eu dizer que são iguais, o erro é teu»
É intuitivo que é eticamente pior afogar alguém do que não o salvar, e essa intuição é correcta na medida em que as consequências são diferentes.
Como eu contesto que o mal de matar seja unicamente o cadáver, contesto que as consequências de matar alguém sejam iguais às consequências de não o salvar.
Se tu postulas que são iguais, vamos chegar a resultados absurdos.
«São cenários diferentes. Num cenário a situação é tal que atirando uma bóia há 100% de chance de se salvar um ao acaso. No outro cenário, a situação é tal que indo lá buscar há 100% de chance de se salvar um e apenas esse. Etc.»
Esse cenário vale a pena discutir. Teria umas coisas a dizer.
Mas tu logo a seguir dizes:
«Mas por aqui estou a antever mais um pantanal de mal entendidos. Vamos ao que interessa. Disseste-me que as minhas regras são contraditórias. Nunca apontaste contradições nas regras em si, nem propuseste qualquer alternativa. Disseste que as aplico de forma contraditória mas, até agora, tem sido sempre ou porque percebes mal as regras ou porque eu percebo mal os teus exemplos.»
errr...
Repetindo-me:
Não, não propus alternativas.
Propus que as tuas regras (ou aplicação que delas fazes) não fazem sentido, e quanto mais as discuto mais claro isto se torna.
As contradições que tenho apontado não surgem devido aos equívocos que têm havido, pelo contrário, os vários equívocos justificam que não as tenhas reconhecido ainda.
«Queres discutir isto de forma produtiva, ou vamos continuar nesta lengalenga? »
Eu começo a acreditar que não é possível.
Obviamente eu não te vou responder ao exemplo do Ivan sem antes termos esclarecido os exemplos anteriores. Eu começo a discutir o exemplo que TU escolheste e ainda não se chegou a lado nenhum já vais para outro?
Depois de teres dito que não querias mais exemplos?
Eu posso continuar a discutir este assunto contigo. Mas se quiseres discutir o exemplo que TU escolheste da boia, anes de começarmos a falar em homicídios e sei lá mais o quê.
Comecemos pelas coisas simples.
João Vasco,
ResponderEliminar«A minha acusação de inconsistência já foi consubstanciada várias vezes ao longo desta conversa, se bem que não o tenhas reconhecido em nenhuma.»
Por favor faz copy-paste de uma dessas vezes. É que dizes isso imensas vezes mas nunca referes em concreto quando isso aconteceu. É um bocado frustrante...
«É intuitivo que é eticamente pior afogar alguém do que não o salvar, e essa intuição é correcta na medida em que as consequências são diferentes.»
Boa, finalmente afirmas alguma coisa. Se bem percebo, estás a dizer que só pode haver diferenças éticas se o resultado final for diferente. Por implicação, sempre que o resultado é o mesmo, o valor ético é o mesmo independentemente da relação causal com uma decisão e essas outras coisas.
É isto que estás a dizer? Rejeitas que possa haver diferenças éticas apesar das consequências serem as mesmas?
«Como eu contesto que o mal de matar seja unicamente o cadáver, contesto que as consequências de matar alguém sejam iguais às consequências de não o salvar.»
Eu também contesto que o mal de matar seja unicamente o cadáver.
«As contradições que tenho apontado»
Quais? Por favor faz copy-paste de um excerto de um comentário teu onde tenhas apontado uma contradição que não tenha sido já resolvida (como a do “muito” e a do André e do Abel e assim).
«Obviamente eu não te vou responder ao exemplo do Ivan sem antes termos esclarecido os exemplos anteriores.»
Porquê? Não me parece nada óbvio? É por motivos religiosos? :)
«Eu posso continuar a discutir este assunto contigo. Mas se quiseres discutir o exemplo que TU escolheste da boia, anes de começarmos a falar em homicídios e sei lá mais o quê.
Comecemos pelas coisas simples.»
Não é nada simples discutir detalhes de cenários ambíguos sem ter sequer ideia daquilo que queremos fundamentar. E não me parece razoável que sejas só tu a ditar o que podemos ou não podemos discutir. Eu tenho curiosidade em saber qual a tua posição acerca disto. Penso que é legítimo, até para me ajudar a perceber porque estamos a discutir. Além de que me parece muito suspeito não quereres especificar a tua posição. E agora, finalmente, que começas a dizer algo que pode ajudar a avançar a conversa, não te cortes por favor...
Já agora, quanto a essa coisa do método socrático, nota que não é um bom método para discutir. É um método de ensinar. Funciona quando quem o aplica percebe perfeitamente o problema, compreende bem os erros que o outro está a cometer e sabe como guiá-lo para que os veja e aprenda. Não me parece que seja esse o caso aqui, e até diria ser algo presunçoso da tua parte querer aplicar o método socrático nesta situação ;)
O método Socrático não seria apenas um bom método de ensinar, mas seria um bom método de CRITICAR.
ResponderEliminarDizes que não devo ser eu a escolher o que discutir, mas não fui. Tu propuseste uma ideia, e eu não propus nenhuma alternativa.
Aquilo que estamos a discutir é a ideia que tu propuseste. Eu critico-a como sendo inconsistente, e tu alegas que as críticas não fazem sentido.
Mas se quiseres criticar qualquer alternativa que eu possa apresentar às tuas ideias, isso é mesmo fugir ao tema.
Independentemente das minhas ideias serem boas, ou eventualmente inconsistentes, as tuas ideias podem ser contraditórias. Por isso, para aferir se é o caso, as minhas ideias sobre esse assunto são desviar a questão, e pôr mais complexidade ao barulho.
Aquilo que aconteceu aqui é que tu propuseste ideias, e por isso foste tu que escolheste o tema de conversa - essas ideias. Mas eu devia poder escolher livremente como as criticar. Que perguntas fazer, que cenários colocar. Esta discussão não é simétrica, não é uma pessoa a propor A e a outra a propor B. É uma pessoa a propor A e outra pessoa a propor que A é inconsistente, ou absurdo.
Um problema desta discussão é que evitas sempre - e cada vez menos me parece que seja por acaso - levar um assunto específico até ao fim.
Primeiro alegavas que o problema eram os meus cenários, antecipavas injustamente alegadas mudanças de contexto que faria de seguida, e não aceitavas discutir cenários cuja relevância para o problema não entendias - por mais que fosse evidente a enorme relevância de discordarmos nos fundamentos.
Agora não queres discutir até ao fim os cenários que TU próprio colocaste, e às tantas ainda deste a entender que estávamos a discutir os meus cenários.
Por fim, eu podia fazer um copy+paste das várias vezes que afirmei explicitamente que te contradisseste.
Mas não é que dessas vezes tu tenhas ficado sem resposta, alegaste sempre que não havia contradição pela razão X ou Y, se bem que eu alegue que essas razões não colhem e por essa razão a discussão continuou.
Se eu fizer copy+paste dessas vezes, não vais repetir os mesmos argumentos que deste na altura? Se não reconheceste que eram contradições na altura, porque irias reconhecer agora?
Se alegas que nunca concretizei "a contradição está aqui" eu dou-me ao trabalho de fazer uns 3 ou mais copy+pastes para demonstrar que estás factualmente errado. Mas se apenas alegas que eu nunca concretizei de forma que consideres convincente, pois é por isso mesmo que esta discussão ainda se arrasta, e aí poupa-me a esse trabalho.
No próximo comentário vou escrever novamente algo sobre a inconsistência do teu sistema de valores.
Nesta conversa falámos sobre três situações diferentes.
ResponderEliminarA - O sujeito A vê o Zé (está sozinho) a morrer afogado, vai e salva o Zé.
B- O sujeito B vê 5000 pessoas a morrer, só pode salvar uma. Escolhe o Zé, e salva-o sem sequer se aproximar das restantes (só por omissão é que o responsabilizas pela morte dos restantes).
C- O sujeito C vê 5000 pessoas a morrer, só pode salvar o Zé. Salva-o sem se aproximar das restantes.
Aquilo que disseste até agora era que o mérito de B era maior que o mérito de C.
Também disseste que o mérito de A era maior que o mérito de B.
O que torna isto contraditório é o facto do cenário A e C serem, no fundo, o mesmo. Afinal de contas, o sujeito A teve a oportunidade de salvar o Zé, não porque não existam mais pessoas a morrer no mundo, mas porque entre todas apenas o Zé estava ao seu alcance de ser salvo.
Assim temos que B < A e B > A, o que é contraditório.
João Vasco,
ResponderEliminar«A - O sujeito A vê o Zé (está sozinho) a morrer afogado, vai e salva o Zé.
B- O sujeito B vê 5000 pessoas a morrer, só pode salvar uma. Escolhe o Zé, e salva-o sem sequer se aproximar das restantes (só por omissão é que o responsabilizas pela morte dos restantes).
C- O sujeito C vê 5000 pessoas a morrer, só pode salvar o Zé. Salva-o sem se aproximar das restantes.»
Este é um bom exemplo, porque explicas bem onde queres chegar e qual é o ponto que queres esclarecer. A origem dessa contradição é juntares dois termos diferentes da avaliação do valor ético destas escolhas.
Vamos considerar apenas o valor ético do Zé ser salvo. O valor subjectivo do Zé assumimos ser o mesmo em todos os casos. Assim, tanto A como C só podiam escolher entre salvar ou não e, salvando, tinham de salvar o Zé. B podia escolher mais do que isso, tinha mais controlo sobre o processo e, por isso, uma relação causal mais forte entre a sua decisão e o salvamento do Zé. Logo, o salvamento do Zé no caso de B tem mais valor ético.
(A=C)<B para o salvamento do Zé apenas.
Vamos agora considerar o valor ético do resto, das outras pessoas todas que morrem, quer no cenário quer no mundo todo. A e C não podem fazer nada por elas, por isso a relação causal é nula e o valor ético dessas mortes é nulo nestes casos. Mas B tem alguma responsabilidade por essas mortes porque estava ao alcance de B salvar qualquer uma dessas pessoas em vez do Zé. Por isso, o contributo das mortes dos outros 5000 para o valor ético de cada uma destas opções é (A=C=0)<B.
Assumindo que por “mérito” queres dizer o valor ético total, considerando o salvo e os mortos, então A e C serão sempre iguais, e B será maior, igual ou menor conforme a responsabilidade adicional pelo salvamento do Zé (um valor positivo) for maior, igual ou menor que a responsabilidade adicional pela morte dos outros (um valor negativo).
Essa é uma das tais picuinhices que é muito difícil de determinar, e é precisamente essa a fonte desta aparente contradição.
Passando agora ao teu penúltimo comentário:
«O método Socrático não seria apenas um bom método de ensinar, mas seria um bom método de CRITICAR.»
Quando se percebe bem o tema, se percebe bem os erros do outro e se sabe como o guiar até essa compreensão. Caso contrário, dá só em aporia.
«Um problema desta discussão é que evitas sempre - e cada vez menos me parece que seja por acaso - levar um assunto específico até ao fim.»
Se não faço ideia de qual é a finalidade de um cenário destes que propões, tenho dificuldade em levar isso para o fim que desconheço. Mas se me dás um propósito claro, como neste último, tenho todo o gosto (e interesse) em esmiuçar o que for preciso. Depende de me parecer se tem alguma utilidade ou se é perda de tempo. Se eu agora te perguntar quantos pelos tem o teu gato, também vais questionar o propósito disto antes de ires contar...
«Por fim, eu podia fazer um copy+paste das várias vezes que afirmei explicitamente que te contradisseste.»
Podes. Mas afirmar que me contradigo, por si só, vale zero. O que tens de fazer é o que fizeste neste último exemplo que deste. Isso sim, ajuda a progredir na conversa e a esclarecer as coisas.
«queres dizer o valor ético total, considerando o salvo e os mortos, então A e C serão sempre iguais, e B será maior, igual ou menor conforme a responsabilidade adicional pelo salvamento do Zé (um valor positivo) for maior, igual ou menor que a responsabilidade adicional pela morte dos outros (um valor negativo).
ResponderEliminarEssa é uma das tais picuinhices que é muito difícil de determinar, e é precisamente essa a fonte desta aparente contradição.»
Não há "aparente contradição", mas sim uma contradição concreta.
Quando comparaste o cenário A e B foi para ti muito claro que o "valor ético total" era superior no caso A.
É verdade que colocaste algumas reticências na comparação entre B e C, mas apenas quando não sabias se o sujeito B para salvar o Zé teria afogado ou de alguma forma contribuído de forma activa para a morte dos restantes. Perante a situação em que tal não acontecia, o valor ético total de B era - disseste - superior a C.
Isto não é picuinhice nenhuma.
Tu tens um conjunto de regras que são - acuso eu - vagas. A forma como as aplicas para justificar a tua posição face ao aborto é, a meu ver, contraditória.
Mostro-o fazendo-te aplicar essas regras em dois exemplos simples, e a contradição ficou evidente.
Se calhar podes dizer agora que aplicaste mal as regras e que nunca poderias ter dito qual era o valor ético de B face a A ou face a C sem conhecer os detalhezinhos todos. Mas queres aplicá-las a situações bem mais complexas de forma generalizada.
Eu não acho que isto seja uma picuinhice, de todo. Acho que são situações mais simples do que a questão do aborto, e devias mostrar como é que as tuas regras se aplicam a estas situações de forma muito clara - em que pelo menos és capaz de dizer em que situações é que o valor ético é superior ou inferior, sem entrar em contradição - antes de as aplicares a situações onde ainda existem inúmeras dúvidas adicionais.
Sobre os copy+paste, deixa-me só esclarecer uma coisa antes de me dar ao trabalho de os citar:
«Se alegas que nunca concretizei "a contradição está aqui" eu dou-me ao trabalho de fazer uns 3 ou mais copy+pastes para demonstrar que estás factualmente errado. Mas se apenas alegas que eu nunca concretizei de forma que consideres convincente, [] é por isso mesmo que esta discussão ainda se arrasta, e aí poupa-me a esse trabalho.»
João Vasco,
ResponderEliminar«Quando comparaste o cenário A e B foi para ti muito claro que o "valor ético total" era superior no caso A.»
Tenho tido uma grande dificuldade nesta discussão porque tu impões restrições arbitrárias ao que posso discutir sem explicar primeiro o propósito dessas restrições ou dos teus exemplos. Como tal, é possível que me tenha baralhado.
Mas neste último cenário foste claro e explícito no que querias. E neste respondi-te também claramente. Quanto mais a decisão do agente influencia o resultado, maior a sua responsabilidade ética (a tal coisa da força da relação causal). E neste cenário isso serve tanto para o que é salvo como para os outros. Se quiseres agora rebuscar as confusões antigas em vez de avançar com o que já está esclarecido, ficas por tua conta...
«Tu tens um conjunto de regras que são - acuso eu – vagas.»
Não acho. Quando é claro o que estamos a discutir e quais são as premissas relevantes do cenário, consigo aplicá-las sem problemas. É claro que, quando se cai em picuinhices, os juízos de valor são difíceis de fazer. Também não te sei dizer se é eticamente pior violar uma rapariga com 10 anos ou com 12 anos. Mas isso não é problema das regras. É problema da diferença de valores ser pequena demais para se distinguir claramente.
Além disso, são vagas em relação a quê? Parece-me, por esta discussão, que as tuas são bem mais vagas. Logo, prefiro as minhas :)
«Mas queres aplicá-las a situações bem mais complexas de forma generalizada.»
Se a diferença de valores for grande, a aplicação é muito simples. Tu é que insistes em ser um a salvar usando um dado e o outro escolhendo, e tretas dessas que, na prática, nunca teríamos de distinguir. Que interesse teria fazer isso? Para legislar sobre a atribuição de medalhas?
Os casos mais realistas seriam o de distinguir, por exemplo, entre matar e não salvar. E essa distinção é suficientemente clara com as minhas regras para que se possa facilmente obter uma ordenação parcial para uma grande gama de situações. É mais uma das coisas erradas na decisão de restringir esta discussão a cenários irrelevantes, com diferenças éticas às quais que, na prática, nem iríamos ligar.
«A forma como as aplicas para justificar a tua posição face ao aborto é, a meu ver, contraditória.»
Então dá-me um exemplo claro como fizeste em 05/02/11, às 11:54. A é uma pessoa que aborta um feto de 10 semanas, saudável, etc. B é uma pessoa que usa preservativo. C é o que tu precisares para mostrar a contradição. E depois explica com isso de B>A e A>B, e pronto, está a contradição clara.
Ou, em alternativa, admite que não consegues fazê-lo. :)
Ludwig:
ResponderEliminarTu pareces estar sempre a afirmar que a minha alegação é a de que é igual matar alguém ou não salvar a sua vida.
Mas não afirmei tal coisa.
Tu estabeleces uma diferença de grau, que alegas ser enorme, entre não salvar uma via quando se tem essa oportunidade, e não ter um filho quando se tem essa oportunidade.
Eu acredito que a diferença é mais do que uma diferença de grau. É eticamente errado não salvar uma vida quando se tem essa oportunidade (como no caso do indivíduo que está a afogar e o salvador não corre risco de vida); e não é eticamente errado escolher não ter nenhum filho.
Mas até aqui, é uma simples discordância sem qualquer contradição.
Mas a acusação que faço é que as tuas regras não permitem justificar a diferença de grau que alegas existir entre não salvar uma vida e escolher não ter um filho quando a oportunidade se apresenta.
Como tu justificas esta diferença de grau na aplicação que fazes das regras da "força causal" e na diferente "responsabilidade" que existe em cenários em que se pode salvar uma, ou uma entre muitas pessoas, é muito relevante verificar que esta tua aplicação das tuas regras é, como acusei desde início, contraditória.
É mesmo importante que definas de uma vez por todas em que critérios é que te baseias para comparar o valor ético, como sendo superior ou inferior, da decisão de alguém na situação B e A.
Porque a tua argumentação para justificar a diferença de grau entre abdicar de salvar de salvar uma vida e abdicar de ter um filho EXIGE que o valor ético de B e C sejam muito diferentes, que a decisão relativa a C esteja sempre mais próxima da neutralidade que a decisão relativa a B, como aliás afirmaste de início. Se rejeitas isto para não entrar em contradição com a explicação detalhada que deste sobre como as tuas regras implicam que o valor ético de A seja superior ao valor ético de B, então não podes fazer a alegação de que a tal diferença de grau entre abdicar de salvar uma vida e o abdicar de ter um filho existe.
Qualquer menção ao aborto aqui é fugir ao tema. Eu acredito que a forma como aplicas as tuas regras é contraditória sem sequer ser necessário que as apliques ao aborto. Se ela é contraditória quando aplicas à diferença entre a contracepção e à salvação de uma vida, então não podemos confiar na aplicação que fazes dessas regras em nenhuma circunstância. O que inclui o aborto.
Claro que a minha discordância contigo no que diz respeito a este tema não se esgota nesta questão. Mas é uma em que as falhas nas tuas regras são muito claras, e por isso tenho insistido nela. Não é uma picuinhice, nem uma irrelevância.
PS- Quando me pedes para citar alguma ocasião em que tenha apontado a tua contradição aceitas que eu cite situações em que não tivesses considerado que havia contradição, certo?
É que se for para citar vezes em que apontei contradições explicitamente, mas em relação às quais negaste que existisse contradição, e agora vires repetir os argumentos que usaste nessa ocasião, não vale a pena.
João Vasco,
ResponderEliminar«Tu estabeleces uma diferença de grau, que alegas ser enorme, entre não salvar uma via quando se tem essa oportunidade, e não ter um filho quando se tem essa oportunidade.»
Se é “enorme” ou não depende, por um lado, do que se entende por “enorme” e, por outro, da situação em concreto.
Supõe que eu estou a decidir se hei de ser professor ou bombeiro. Se for bombeiro estimo que, o longo da minha carreira, vou salvar 3 pessoas. Se for professor estimo que não vou salvar a vida a ninguém. O valor ético em jogo nesta escolha é semelhante ao valor ético em jogo na decisão entre ter 3 filhos ou não ter nenhum. Em ambos os casos a relação causal entre qualquer pessoa que não seja salva, ou que não nasça, e a minha decisão é uma relação muito fraca, tão fraca que o valor ético em causa nesta decisão fica abaixo do custo ético de coagir uma escolha (e por isso esta decisão está dentro daquela liberdade de escolha do sujeito que não deve ser forçada por terceiros).
Isto segue naturalmente das minhas regras e não tem contradição nenhuma com as regras que defendo (valor subjectivo vezes relação causal igual a valor ético).
«Eu acredito que a diferença é mais do que uma diferença de grau.»
O que tu acreditas é contigo. E só vale a pena discutí-lo se o tentares justificar. Se é uma mera afirmação de fé, é irrelevante para a nossa conversa...
«Mas a acusação que faço é que as tuas regras não permitem justificar a diferença de grau que alegas existir entre não salvar uma vida e escolher não ter um filho quando a oportunidade se apresenta.»
Justificam, se a relação causal for mais forte. Por exemplo, se a criança está ao pé de ti a afogar-se, a tentar agarrar a tua mão, mesmo ao teu alcance, e tu encolhes o braço para ela não conseguir salvar-se. Esse caso é diferente do outro em que escolhes se queres ser nadador salvador ou engenheiro.
«Porque a tua argumentação para justificar a diferença de grau entre abdicar de salvar de salvar uma vida e abdicar de ter um filho EXIGE que o valor ético de B e C sejam muito diferentes.»
Não, não exige nada disso. Até podem ser iguais. Porque “abdicar de salvar uma vida” é suficientemente vago para incluir até a decisão de não ter um filho. Se decides não aprender a nadar deixas de poder ser nadador salvador e abdicas de salvar uma vida, por exemplo. Só que a relação causal entre decidires não aprender a nadar e qualquer pessoa em particular que morra afogada nas decadas seguintes é tão fraca que nem sequer vale a pena, na prática, estar a considerar esse factor na ética de não aprender a nadar. É nessa categoria que fica o preservativo. Na categoria das picuinhices éticas irrelevantes.
«Qualquer menção ao aborto aqui é fugir ao tema.»
Dizes tu... eu, presumivelmente, não tenho voto na matéria para decidir que tema discuto no meu blog :)
«Quando me pedes para citar alguma ocasião em que tenha apontado a tua contradição aceitas que eu cite situações em que não tivesses considerado que havia contradição, certo?»
Se for uma contradição que eu não tenha explicado já, força. Se for uma que eu já tenha explicado, servirá apenas para repetir parte da conversa. Parece pouco útil.
Por isso o que te peço é para me dares um exemplo como tentaste dar neste último do A B C, em que te parecia haver uma contradição e conseguias explicar claramente que contradição te parecia haver. Peço-te que apresentes um caso desses ou que admitas que não consegues.
«Supõe que eu estou a decidir se hei de ser professor ou bombeiro. Se for bombeiro estimo que, o longo da minha carreira, vou salvar 3 pessoas. Se for professor estimo que não vou salvar a vida a ninguém. O valor ético em jogo nesta escolha é semelhante ao valor ético em jogo na decisão entre ter 3 filhos ou não ter nenhum.»
ResponderEliminarNão, não é.
No caso do bombeiro, ou do teu anterior exemplo do Ivan, ou de uma série de outros que vens dando, tens uma situação em que o desfecho não depende da decisão de um único agente.
No caso em que o Ivan diz, "mata-o, ou mato-o eu", é diferente matá-lo ou não o matar na medida em que no segundo caso existe um decisor que pode optar por não o matar, mesmo depois de ter feito essa ameaça.
Se em vez de um decisor tivesses uma máquina, o caso seria diferente. Se um indivíduo estivesse desmaiado e amarrado a uma passadeira rolante a caminho de uma serra eléctrica qual máquina de cortar fiambre, sem qualquer hipótese de fuga, não creio que quem lhe desse um tiro (assumindo que não tem qualquer forma de o salvar), poupando-o ao sofrimento da serra eléctrica, fizesse algo de errado.
Mas quando tens uma mulher que decide não ter um filho, não precisas de ter mais decisores ao barulho. É evidente que se nenhum homem neste planeta quisesse colaborar, e por alguma razão ela não conseguisse ter acesso a um banco de esperma, terias outras decisões a condicionar esta decisão. Mas isso sim seriam picuinhices - para todos os efeitos práticos, é da decisão da mulher (assumindo que é fértil) que depende se vai ter algum filho ou nenhum.
Por oposição, no caso do bombeiro, o número de vidas que salva depende pouco da decisão de seguir essa profissão. Depende de quem decidiu criar os mecanismos de financiamento para criar esse posto de trabalho (o político que decidiu expandir a rede, ou abster-se de a reduzir, por exemplo), depende de quem participou nesse financiamento (pagando os impostos, por exemplo), e depende da sua competêcia a comparar com a hipotética outra pessoa que ocuparia tal posto de trabalho.
Da decisão de ser bombeiro existe um valor esperado de zero vidas salvas. Este valor pode ser negativo se o bombeiro é mais incompetente que a pessoa que ocuparia esse posto caso ela não o tivesse feito, ou vice versa.
Não são irrelevâncias.
A decisão de não ter filhos - na medida em que não são terceiros além de quem a toma a condicionar as consequências - seria análoga à da situação em que estão várias pessoas a morrer afogadas, mas o possível salvador só pode salvar uma que não é escolhida por si, e recusa-se a fazê-lo.
A tua alegação inicial era que, em ambos os casos, quanto maior o número de pessoas menor o grau em que as consequências dependem da decisão de salvar, e portanto mais próxima da neutralidade se torna tal decisão.
Posso procurar e citar-te a dizer isto, e isto é um ponto muito importante. Não é um detalhe.
A primeira coisa que posso dizer é que contesto. Se não temos razão para dizer que o Zé vale mais que a Ana, então é irrelevante que a decisão de salvar um ou outro esteja fora do controlo do salvador. No seu controlo está aquilo que importa, salvar zero vidas ou uma vida.
Mas a segunda coisa que posso dizer é que cais em contradição. Para defender isso tens de defender que B > C.
Mas tu AGORA dizes apenas que B != C, e a diferença depende dos detalhes concretos que são meras picuinhices.
Então em que ficamos? Existe razão para dizer que B > C (assumindo, claro que o salvador de nenhuma forma activa promove a morte das restantes pessoas) - que a decisão C está mais próxima da neutralidade, conforme tinhas escrito antes?
Ou não podemos afirmar que B > C, depende das picuinhices concretas, e então perde o sentido a alegação que tinhas feito sobre C estar mais próximo da neutralidade? E tudo o que desta alegação decorreu?
«Dizes tu... eu, presumivelmente, não tenho voto na matéria para decidir que tema discuto no meu blog :)»
ResponderEliminarTens todo o voto na matéria.
Tu podes escrever um texto sobre como o facto de Jesus nunca ter existido é um excelente indício de que o Deus dos católicos é treta, e esta segunda parte ser a questão fundamental do teu texto.
Se aparece aqui um historiador alegando que é falso que Jesus não tenha existido, e a querer discutir este ponto contigo, tu és livre de desviar a conversa para o ponto essencial do teu texto - que Deus é uma invenção humana.
E se ele se queixar que não é isso que está a discutir, podes dizer que o blogue é teu.
Em última análise até podes não responder, ou bloquear os seus comentários, ou editá-los como faz o Luciano. O blogue é teu.
Mas não é o que tens feito. Se eu estou acriticar o teu sistema ético numa questão que ultrapassa o aborto, e se torna mais evidente em situações mais simples, falares no aborto é desviares a questão. Se queres responder adequadamente às críticas que faço ao teu texto, estás condicionado ao facto de ser eu a escolher que críticas quero fazer.
«Se for uma contradição que eu não tenha explicado já, força. Se for uma que eu já tenha explicado, servirá apenas para repetir parte da conversa. Parece pouco útil.»
Ufa!
Ainda bem que não perdi tempo.
Vejamos:
1- Eu várias vezes afirmei que te contradizias, e explicitei em termos concretos onde estava a cntradição.
2- Em todas essas vezes tu "explicaste-me" porque é que, alegadamente, não existia contradição alguma
3- Eu aleguei que todas as explicações que deste eram equívocas, e portanto não colhiam, e que a contradição existia.
4- Por discordares da alegação 3, expondo porquê, mas eu da tua exposição expondo porquê e por aí fora, ainda estamos a discutir.
Portanto:
Se alegas que 1 é falso, estás errado, e posso citar-me para o demonstrar.
Se alegas que nunca demonstrei uma contradição que te convencesse - e portanto para a qual não tivesses explicação que não fosse uma admissão de erro - não disputo tal alegação. É por isso que ainda estamos a discutir...
Portanto, clarifica a tua posição. Ou alegas que 1 é falso, e eu só tenho de citar-me, sendo irrelevantes quaisquer explicações que tenhas feito - pois não disputo que tal tenha acontecido; ou não vale a pena sugerir que 1 é falso.
Ludwig e Jota,
ResponderEliminarConsiderem três polícias. Um deles tem uma esferográfica, outro um agrafador, e o terceiro (não me perguntem porquê) uma mochilinha da Hello Kitty. Estão neste momento à espera de instruções para substituir uma mesa no gabinete do oficial-de-dia e um deles começa subitamente a laborar em pensamentos complexos. Começa a instanciar, a instanciar, a instanciar – os outros a vê-lo – até que rebenta. Como devem os outros fazer? Era isto que eu queria ver respondido de uma vez por todas.
Devem obviamente começar a instanciar também, em solidariedade.
ResponderEliminarJoão Vasco,
ResponderEliminar«tens uma situação em que o desfecho não depende da decisão de um único agente.»
Também já passei por essa. À primeira vista, parece uma diferença relevante. Mas não é, por várias razões.
Primeiro, tudo pode depender de outro agente (a menos que só tu existas no universo, caso esse em que a ética não serve para nada). Por exemplo, se prevines uma gravidez com um preservativo dependes da decisão do farmacêutico de não o ter furado com uma agulha antes de to vender.
E, em segundo lugar, porque tu não és responsável pelo que outros decidem, mas também não és responsável pelo que a natureza faz sem que ninguém decida. Supõe que recomendas a uns amigos estrangeiros que vão jantar a um certo restaurante. Se nessa noite o restaurante for atacado por terroristas e eles morrerem todos, ou se houver um terremoto e eles morrerem todos, tu és igualmente inocente do sucedido. Não importa se é uma decisão de outrem ou não. Importa apenas que não foi uma coisa que tu controlasses.
(O exemplo da serra eléctrica é mau porque introduzes também uma mudança de valores no poupar do sofrimento).
«Da decisão de ser bombeiro existe um valor esperado de zero vidas salvas.»
Tu insistes sempre em deturpar os meus cenários. Lembra-te que a ideia das experiências conceptuais não é responder “ah, mas na prática não existe nenhum gerador aleatório que obrigue o Tomé a salvar aquela pessoa”.
Assume que um bombeiro, em média, salva mais pessoas do que um professor. Assume que não há bombeiros a mais e que se eu não for bombeiro haverá menos um bombeiro do que haveria. Assume que as pessoas que o bombeiro salva vão precisar de salvamento sem ninguém ter responsabilidade pelo terremoto ou tempestade que as colocou em perigo. Nesse caso, proponho, a decisão de ser professor e não ser bombeiro é eticamente semelhante à decisão de não ter filhos.
E se te pões a deturpar este cenário vais ver o que eu faço ao próximo que tu mandares :)
«A tua alegação inicial era que, em ambos os casos, quanto maior o número de pessoas menor o grau em que as consequências dependem da decisão de salvar, e portanto mais próxima da neutralidade se torna tal decisão.»
Não exactamente. A minha opinião é que quanto maior o número de pessoas menor a responsabilidade ética pela morte de qualquer uma em particular que não se salve, assumindo que só se pode salvar uma. Mas a neutralidade da decisão depende de ponderar isto com o valor do salvamento, as alternativas. Como já te expliquei, essa contradição aparente surgiu das restrições impostas por ti, que querias examinar um factor (o salvamento de um) isolado dos restantes (a morte dos outros, as alternativas, etc). Quando juntas isso tudo num cenário em que a diferença é insignificante não consigo dizer qual é melhor ou pior.
« Se não temos razão para dizer que o Zé vale mais que a Ana, então é irrelevante que a decisão de salvar um ou outro esteja fora do controlo do salvador.»
Supõe que a Ana está a morrer e precisa de uma transfusão de fígado. O Zé é saudável e é o único dador compatível. Tens um procedimento 100% seguro para curar a Ana com o fígado do Zé e ela ficará 100% saudável (a vida da Ana nesse caso valerá o mesmo que a do Zé). A Ana e o Zé são irmãos recém nascidos, que nunca decidiram nada e acerca dos quais nada de diferente foi decidido até agora. É irrelevante se deixamos a Ana morrer ou se matamos o Zé para a salvar? Se não, porquê?
João Vasco,
ResponderEliminarQue tu estás repetidamente a afirmar que me contradigo, isso sei eu. Praticamente não tens feito outra coisa, nesta discussão :)
Mas não é afirmar que interessa. É mostrar o raciocínio (as razões e inferências) que levam à contradição. E isso, que me lembre, fizeste exactamente uma vez. Naquele exemplo do ABC.
Essa contradição é só aparente porque confundes duas partes do valor ético. Os sujeitos A e C têm menor responsabilidade que B pela morte dos restantes, por isso em A e C esse valor negativo não existe e, nesse aspecto, A e C são eticamente melhores. Mas, por outro lado, A e C têm também menor responsabilidade que B pelo salvamento daquele que sobrevive. Por isso, nesse aspecto, A e C não são eticamente tão louváveis como B.
O problema, na prática, é que quando somamos isto o resultado é que, para todos os efeitos, A, B e C dá tudo no mesmo. Por exemplo, se fosse para decidir quem merece medalhas, diria que são os três. Mas esse defeito vem de quereres focar apenas diferenças irrisórias e impossíveis de distinguir da margem de erro inevitável quando ponderamos estes vários factores. Em cada um, isoladamente, posso dar uma ordenação parcial. Mas quando somo os termos em exemplos destes deixo de poder dizer qual é melhor ou pior.
Agora estou à espera que me dês um exemplo destes em que um dos três é aborto, o outro é contracepção e o terceiro é o que te der jeito para ilustrar a contradição. Afinal, tu alegas que a minha posição é contraditória no caso do aborto e da contracepção, e não apenas no caso do salvamento por via de geradores de números aleatórios. Se for verdade que me contradigo, venha de lá o exemplo.
Bruce,
ResponderEliminarCompreendo que não tenhas paciência para apreciar a evolução da conversa, mas tem havido progressos. O João Vasco deu um bom exemplo de como mostrar contradições (mesmo que tenham sido contradições surgidas de uma confusão), restando agora que aplique esse template ao caso do aborto e da contracepção.
Parece-me que não vai conseguir, porque para as "contradições" que ele aponta é indispensável ter casos tão semelhantes que possam esconder as confusões. Mas pode ser que me surpreenda. :)
«Mas não é, por várias razões.»
ResponderEliminarEu discordo deste ponto. Mas vou passar para a questão seguinte que parece mais profíqua em termos de esclarecimento mútuo.
«Tu insistes sempre em deturpar os meus cenários. Lembra-te que a ideia das experiências conceptuais não é responder "ah, mas na prática não existe nenhum gerador aleatório que obrigue o Tomé a salvar aquela pessoa".»
Certo.
Mas enquanto que "no mundo real" não é nada grave uma pessoa decidir ser professora e não bombeiro - visto que essa decisão provavelmente não deve custar nenhuma vida, até pelo contrário - no mundo peculiar do teu exemplo seria, de facto, algo grave tomar tal decisão.
Se tu tentas mostrar a (falta de?) gravidade de abdicar de salvar uma vida recorrendo a um exemplo intuitivo, convém não o ires buscar a tal cenário.
Porque senão o teu exemplo deveria estar expresso "é tão grave fazer X como seria fazer Y caso estivéssemos num mundo em que fazer Y fosse muito mais grave do que no mundo real" - e isto não funciona da mesma maneira...
Portanto, seja. Vamos entrar no mundo da tua hipótese.
No teu exemplo, eu acredito que se o professor soubesse quais eram as implicações da sua escolha, que para escolher a profissão que queria seria expectável que três pessoas a menos sobrevivessem numa catástrofe, sentir-se-ia culpado. Quando existisse uma catástrofe e lhe dissessem os números de pessoas mortas, se ele tivesse a consciência profunda que, não fora a sua escolha de profissão, esse número seria inferior, era capaz de ter uns bons pesadelos.
Mas se tivesse feito a escolha contrária, sacrificado a profissão que lhe dava mais gozo, e assumindo que os benefícios colectivos de ter seguido a sua profissão seriam inferiores às três vidas em questão, esse sacrifício teria sido heróico, louvável.
Do herói ao indivíduo que tem pesadelos. Uma decisão bem distante da neutralidade. Não importa que não se conheça a identidade das possíveis vitimas. São três vidas.
Se para ti é assim, a mãe que tem 11 filhos é como o outro que adicou da sua profissão de sonho para salvar 11 vidas; e a mulher que escolhe não ter filhos é como o outro que preferiu seguir a profissão que queria, mesmo sabendo que cerca de 3 pessoas não sobreviveriam em resultado disso, então não sei como podes alegar que essa é uma decisão "próxima da neutralidade", e finalmente já não importa se o filho é um entre 10 ou um entre biliões de possibilidades. Tal como no exemplo do bombeiro, é simplesmente alguém que não se sabe quem é.
Isto é, de facto, diferente das tuas alegações iniciais.
Por outro lado, assumindo que temos um mundo muito povoado, em que a qualidade de vida é inferior devido ao facto de existir muita gente, ainda assim a decisão do bombeiro em abdicar de ser professor para salvar umas tantas vidas continua a ter mérito. Isto quer dizer que se as pessoas fossem generosas e boas, e concordassem com as avaliações que fazes, teríamos um mundo sempre demasiado povoado - pelo menos até a ponto em que a quantidade de gente já seria tanta, tanta, tanta, que a decisão do bombeiro em abicar de ser professor já não teria mérito algum, e que raio de mundo esse...
Regras éticas que levassem gente generosa a um mundo horrível, são de desconfiar.
Mas se já não alegas que importa se o filho é um entre 10 ou um entre biliões de possibilidades, como parece ser o caso no teu exemplo do bombeiro, então já não tenho contradição a apontar.
«Essa contradição é só aparente porque confundes duas partes do valor ético. Os sujeitos A e C têm menor responsabilidade que B pela morte dos restantes, por isso em A e C esse valor negativo não existe e, nesse aspecto, A e C são eticamente melhores. Mas, por outro lado, A e C têm também menor responsabilidade que B pelo salvamento daquele que sobrevive. Por isso, nesse aspecto, A e C não são eticamente tão louváveis como B.
ResponderEliminarO problema, na prática, é que quando somamos isto o resultado é que, para todos os efeitos, A, B e C dá tudo no mesmo.»
Se for essa a tua alegação, não tens contradição.
Só que tu várias vezes alegaste o oposto, e posso citar-te.
Alegaste que somando tudo, A tinha mais mérito que B.
Alegaste que C estava mais próximo da neutralidade que B.
A conversa foi parar aqui porque eu queria saber se é relevante o seguinte: se o filho que um casal vai ter fosse um processo determinista que só pode resultar numa pessoa, ao invés de uma entre biliões, isso alterava, em grau, moralidade da decisão de ter ou não filhos?
A tua alegação inicial era que alterava, muito significativamente, mas a tua alegação actual de que A, B e C tudo somado dá no mesmo está em contradição com essa alegação inicial.
Se abdicas dessa alegação inicial (como pareceu pelo exemplo do bombeiro), então finalmente convenci-te de algo.
João Vasco,
ResponderEliminarO tipo de objecções que levantas às experiências conceptuais que proponho, principalmente tendo em conta as tuas, é algo decepcionante mas bastante revelador...
Vamos assumir que numa carreira de bombeiro um bombeiro, em média, salva 3 pessoas e um professor não salva nenhuma ao longo da sua carreira. Não sei se será essa a média, mas também serve se considerarmos os paramédicos, enfermeiros, cirurgiões, polícias, nadadores salvadores, etc. Algum desses grupos deve rondar este valor, e o valor exacto não interessa.
Vamos assumir que a tua decisão individual de optar por uma destas profissões, num país com dez milhões de habitantes, não vai afectar este valor esperado nem vai tirar o lugar a outro profissional e resulta num ganho, ao longo das próximas décadas de carreira, na capacidade dos nossos serviços de saúde, salvamento e assistência em salvar pessoas.
Eu proponho que isto não é um cenário fantasioso, não é preciso criar um argumento circular de “se assumimos que é mau então é mau”, e que o valor ético de optares por uma profissão como professor ou cabeleireiro é suficientemente pequeno para não merecer qualquer condenação moral, coacção ou afins. Se te der pesadelos, paciência, mas a questão é que, dada a fraca relação causal entre esta tua decisão e a morte de qualquer um dos que não seja salvo nas próximas décadas, o valor ético em causa nessa tua decisão é inferior ao valor subjectivo da tua liberdade de decisão.
É nesta categoria que considero estar a contracepção, a decisão de dar sangue, a decisão de ir ou não ir salvar crianças esfomeadas em Àfrica, etc. Na categoria das coisas cujo valor ético é inferior ao valor da liberdade de optar por essas alternativas.
Deixar afogar uma criança que está ali mesmo ao pé de nós, abandonar um bebé no caixote do lixo ou matar um feto considero estarem na categoria daquilo que merece ser desincentivado por pressões externas pela forte relação causal entre a escolha e o resultado, o que torna certas formas de coacção um mal menor.
(continuação)
ResponderEliminar«se o filho que um casal vai ter fosse um processo determinista que só pode resultar numa pessoa, ao invés de uma entre biliões, isso alterava, em grau, moralidade da decisão de ter ou não filhos?»
Aqui podia responder-te que na realidade não é isso que acontece, portanto vai dar uma volta. Mas não vou fazer o mesmo que tu :)
Supondo que só há um filho, é só aquele possível, eles sabem que é só aquele (lembra-te que a ética é uma avaliação da decisão; algo que acontece sem que o agente saiba não é eticamente relevante, razão pela qual não faz sentido avaliar se bebé é culpado de matar a avó se estava a brincar com a caçadeira e ela disparou), então sim, é diferente. É análogo a ter alguém a afogar-se à sua frente e não fazer nada.
No entanto, nota que fica ainda aquém do aborto. Isto porque o casal não tem a culpa do estado desse filho (não concebido, que já estava antes até do casal nascer) e é apenas responsável pela decisão de não fazer nada. Assim, essa decisão é um factor causal entre muitos outros que levam a que esse filho não nasça (ou que o naufrago se afogue). Bater com o remo na cabeça do náufrago, ou abortar o feto, são eticamente mais graves que não salvar ou não conceber. Novamente, devido à relação causal entre a decisão e o efeito.
«A tua alegação inicial era que alterava, muito significativamente, mas a tua alegação actual de que A, B e C tudo somado dá no mesmo está em contradição com essa alegação inicial.»
Porque em A, B e C tens outros que morrem, e quanto mais for o poder de escolher quem se salva, nesse caso, maior é o poder de escolher quem morre. Neste cenário do bébé determinista assumi que não havia mesmo qualquer alternativa. Ou seja, eles não estão a escolher se nasce o Chico ou o Zeca. Só há aquele, e ou é aquele ou não é nenhum. Nesse caso só aumenta a responsabilidade pelo que se “salva” sem aumentar a responsabilidade por outros morrerem se salvarem esse.
O problema é que os teus cenários costumam deixar estes detalhes mal especificados, e depois lá vêm as minhas “contradições”... Talvez eu devesse ter feito como tu e começado logo a implicar que “na realidade não é assim”, e poupava uma data de trabalho. Fica para a próxima :)
«Aqui podia responder-te que na realidade não é isso que acontece, portanto vai dar uma volta. Mas não vou fazer o mesmo que tu :)»
ResponderEliminarPercebeste muito mal.
Eu não tenho nada contra cenários fantasiosos, acho que se nota bem...
Podes usar os que quiseres. E eu estou mais que disposto a considerá-lo, e foi o que fiz desde a parte em que escrevi «Portanto, seja. Vamos entrar no mundo da tua hipótese.», a esmagadora maioria do meu último comentário.
Mas uma coisa é dizer que fazer X é como fazer Y no nosso mundo; e outra diferente é dizer que fazer X é como fazer Y num mundo com regras diferentes.
Porque aquilo que eu afirmo é que a nossa INTUIÇÃO de que não existe nada de errado em escolher ser professor ao invés de ser bombeiro é uma intuição que não é equivoca no nosso mundo, mas seria equívoca no mundo que descreves.
Por esta questão, ignorei a questão da intuição, e fui frontal: nesse mundo que descreves seria grave não ser bombeiro.
No nosso não é assim.
«Eu proponho que isto não é um cenário fantasioso»
Propões muito mal.
No mundo real alguém decide quantos "salvadores" se contratam, não é propriamente "quantos mais aparecerem mais contratamos".
Mas - repito - eu considerei o teu cenário fantasioso.
«Na categoria das coisas cujo valor ético é inferior ao valor da liberdade de optar por essas alternativas.»
Mas essa categoria é muito abrangente. Certamente és capaz de criticar duramente muitos comportamentos que acreditas que as pessoas têm a liberdade de neles incorrer.
Se fosse coerente, não ter filhos deveria ser o primeiro desses comportamentos.
«"A tua alegação inicial era que alterava, muito significativamente, mas a tua alegação actual de que A, B e C tudo somado dá no mesmo está em contradição com essa alegação inicial."
Porque em A, B e C tens outros que morrem»
Errado.
No cenário A só podes salvar uma pessoa. Haverão outras a morrer no mundo, como também no caso do bebé determinista, mas só uma pode ser salva.
Tu dizes que o que justifica a distinção entre não ter filhos dos cenários apresentados é algo que corresponde ao que separa o cenário A do B.
Novamente cais em contradição, porque não podes alegar que são semelhantes e radicalmente diferentes ao mesmo tempo.
Ou bem que essa diferença é pouco significativa, ou bem que é fundamental.
João Vasco,
ResponderEliminar«No mundo real alguém decide quantos "salvadores" se contratam, não é propriamente "quantos mais aparecerem mais contratamos".»
A tua premissa de que não há um espaço para mais um bombeiro voluntário, nem uma única praia sem vigilância no verão, nem um único centro de saúde onde faltem médicos ou enfermeiros, e que não há no mundo nenhuma forma de voluntariado que poderíamos fazer para salvar mais vidas do que ser professor, é tão ridícula que nem vale a pena estar a discutir isso.
Vou apenas apontar isto como mais um exemplo de como aplico as regras que defendo. A relação causal entre a morte da criança afogada em S. Brás da Murrunhanha e a minha decisão de ser professor em vez de nadador-salvador é tão fraca que o valor ético negativo que isso contribui para a minha decisão é inferior ao valor ético positivo da minha liberdade de escolha. Portanto, concluo que tenho o direito de não ser nadador-salvador, como teria o direito de não conceber filhos. Por outro lado, não tenho o direito de afogar a criança, porque nesse caso a relação causal é suficientemente forte para que o valor negativo desse acto não seja compensado pelo valor positivo da liberdade de escolha.
«Tu dizes que o que justifica a distinção entre não ter filhos dos cenários apresentados é algo que corresponde ao que separa o cenário A do B.»
Tu já apresentaste tantos cenários, e tão confusos, que não posso fazer uma generalização dessas.
O que posso é tentar explicar-te, mais uma vez, que como és tanto mais responsável por um acontecimento quanto mais poder tens para o determinar, és mais responsável pelas mortes dos afogados no teu cenário B do que pelos filhos não concebidos. Isto porque no cenário B, para cada afogado (quer salves um ou não) podemos dizer que tinhas a opção de o salvar, e no caso dos filhos não.
«Ou bem que essa diferença é pouco significativa, ou bem que é fundamental.»
É fundamentalmente insignificante quando comparada com a diferença que interessa, que é a diferença entre não conceber um filho ou matar um que já foi concebido e está a desenvolver-se. O que me importa nesta conversa é perceber que contradição tu vês entre as minhas regras e a minha conclusão que há uma diferença grande entre estes dois casos.
É essa contradição que, mais uma vez, insisto que demonstres. Mostra-me como das minhas regras, no caso do aborto vs contracepção, se deriva uma proposição e a sua negação ao mesmo tempo.
Além disso, parece-me que as minhas regras são bem melhores que as tuas. Mesmo sem saber quais são as tuas, tenho a vantagem de não ter de me convencer de que nunca poderia ter escolhido uma carreira de forma a salvar mais pessoas do que como professor.
«A tua premissa [...] é tão ridícula que nem vale a pena estar a discutir isso.»
ResponderEliminarDistorceste um bocado a "minha premissa", que é a de que em geral quando alguém escolhe ser professor em vez de ser bombeiro o número esperado de vidas perdidas em resultado dessa escolha é nulo; ou até negativo (pois a motivação também condiciona a competência, e assim torna-se mais provável que quem fizesse tal escolha pudesse tirar o lugar a alguém mais competente).
Mas, à parte deste esclarecimento, estou de acordo que esse é um ponto que não vale a pena discutir.
«"Ou bem que essa diferença é pouco significativa, ou bem que é fundamental."
É fundamentalmente insignificante quando comparada com a diferença que interessa, que é a diferença entre não conceber um filho ou matar um que já foi concebido e está a desenvolver-se.»
Tu reconheces que na hipótese dos "filhos determinados" escolher não ter um filho é como escolher não salvar a criança que está a morrer afogada na piscina dos miúdos à tua frente.
MAS que,
F - no mundo real escolher não ter um filho é uma decisão muito mais próxima da neutralidade que esta.
É a tua alegação F que eu alego ser contraditória. Na alegação F não existe menção ao aborto.
Mas eu estou a discutir se entras em contradição quando defendes F ou não; e estou convencido que provei que sim.
Para justificares F de acordo com as regras que enunciaste és "obrigado" a alegar que A>B, e que B>C, mesmo reconhecendo que A=C.
Perante mais esta demonstração das tuas contradições, alegaste que a diferença entre A B e C é quase irrelevante, são picuinhices - mas isso corresponde à negação de F!
Se a tua forma de responderes a esta demonstração é dizeres que os meus cenários são tantos e tão confusos, então parabéns. Podes neutralizar qualquer argumento que eu apresente agora alegando que faz "confusão"...
João Vasco,
ResponderEliminar«em geral quando alguém escolhe ser professor em vez de ser bombeiro o número esperado de vidas perdidas em resultado dessa escolha é nulo»
Se escolheres ser bombeiro, médico, nadador-salvador, ou profissões assim onde falte pessoas dessas – e mesmo sem sair de Portugal encontras muitos sítios – é de esperar que, ao longo da tua carreira, salves várias vidas. Essa premissa de que não faz diferença implica que já tenhamos o máximo de todos esses profissionais e voluntários, em todos os pontos do país, o que é obviamente falso mesmo sem considerar o resto do mundo.
Mas isto só demonstra o problema da tua posição, o que é irrelevante visto nem seres capaz de a enunciar claramente :)
«Tu reconheces que na hipótese dos "filhos determinados" escolher não ter um filho é como escolher não salvar a criança que está a morrer afogada na piscina»
Assumindo que todos os valores em jogo são iguais, parece-me que a relação causal é análoga, sim. No entanto, a hipótese dos “filhos determinados” é tão estranha e irreal que posso estar a cometer algum erro na sua avaliação, principalmente porque estás, novamente, a insistir em diferenças que se confundem facilmente com as margens de erro de todas as estimativas (por exemplo, a diferença do trabalho que dá criar um filho e puxar uma criança da piscina pode ser relevante neste caso, visto as restantes diferenças serem tão pequenas).
«no mundo real escolher não ter um filho é uma decisão muito mais próxima da neutralidade que esta.»
Dependendo de como interpretas o “muito”, sim.
«É a tua alegação F que eu alego ser contraditória.»
Contraditória com o quê? Com ela própria?
A minha premissa é que quanto menos capacidade tens para controlar conscientemente um resultado – ou seja, capacidade para decidir que as coisas sejam desta forma e não de outra – menos valor ético tem a tua decisão (assumindo constantes os valores subjectivos). Por isso, a decisão de não conceber um filho que poderias conceber (talvez, nem isso é certo) e que não controlas que filho é em menos relevância ética do que a decisão de salvar (com certeza quase absoluta) aquela criança em particular que está a afogar-se à tua frente.
Se esta diferença é muita ou pouca depende da escala.
«Para justificares F de acordo com as regras que enunciaste és "obrigado" a alegar que A>B, e que B>C, mesmo reconhecendo que A=C.»
Não. Já te expliquei isto várias vezes. Na criança afogada na piscina e nos filhos por conceber tu não decides nada acerca da morte dos outros. Por isso, nesses casos, a única diferença está na tua responsabilidade ética pelo que se salva.
No caso B, além da responsabilidade ética pelo que se salva (mais parecida com a da piscina, pois escolhes quem se salva) tens também a responsabilidade ética acrescida pelas mortes dos outros (porque quando decides que se salva um estás a decidir que se afoga o outro). É a ponderação desse factor adicional que faz de B um caso diferente.
«Perante mais esta demonstração das tuas contradições, alegaste que a diferença entre A B e C é quase irrelevante, são picuinhices - mas isso corresponde à negação de F!»
Essa diferença é quase irrelevante porque tens, em B, responsabilidade acrescida tanto pelo salvamento como pelas mortes, e o que sobra quando somas esses valores simétricos fica dentro da margem de erro.
Além disso, as avaliações quantitativas (se é muito, pouco, quase irrelevante ou importante) variam conforme o contexto. Para focar num aspecto pode ser importante considerar um factor que, numa visão mais abrangente, é irrelevante. Por exemplo, para arrancar um dente a anestesia pode ter um valor ético importante, mas que é irrelevante para o homicídio.
"(mais parecida com a da piscina, pois escolhes quem se salva)"
ResponderEliminarEsta diferença é ainda mais pequena que as outras até agora. Quando está só um tu tens mais poder de decisão consciente (sabes mais acerca do que estás a fazer) do que quando há vários e não sabes qual se salva, mesmo apesar de quando está só um na piscina não poderes escolher salvar os outros.
Isto complica bastante porque estamos a dissecar factores que, geralmente, são irrisórios. Mas a regra geral é que, ao avaliar a decisão, temos de considerar não só o poder do agente mas também quanto é que o agente sabe acerca da situação e das consequências. E isso parece-me ser diferente no caso de teres um a afogar-se na piscina ou mil e teres de salvar só um, sem saberes qual é.
Mas nota que isto não é um problema da regra, mas sim da necessidade de distinguir diferenças muito próximas da margem de erro criada quer pelas nossas estimativas quer pela descrição do cenário.
Ludwig:
ResponderEliminarSe o número de pessoas que querem ser médicos, bombeiros, em vez de cientistas e professores, aumentasse 1%, o número de vidas salvas em resultado dessa alteração seria provavelmente nulo a curto prazo, e negativo a longo prazo.
Nulo a curto prazo porque o que condiciona o número de médicos no nosso país não é o número de pessoas com vontade de o ser, mas o número de vagas nas universidades para os formar. E o que condiciona o número de bombeiros não é o número de pessoas com vontade de o ser, mas os recursos materiais e as decisões políticas para lhes pagar, etc...
Claro que é possível alguém fazer esforços tais que, de acordo com o contexto social em que vive, acabe por salvar mais vidas do que se não fizesse esses esforços.
Mas optar por fazê-los é uma escolha heroíca, não é eticamente neutra, merece uma admiração tremenda, e não é como a escolha da carreira, a escolha de ser bombeiro ou professor.
Aí a pessoa deve considerar as consequências das suas acções sim, mas ter em conta que os seus talentos e gostos também influenciam estas consequências, e compreender que as vidas que são salvas pelos bombeiros ou médicos são salvas por toda uma estrutura social na qual estes profissionais fazem a parte que lhes cabe, que é uma das muitas necessárias para que as vidas em questão sejam salvas.
«Contraditória com o quê? Com ela própria?»
Não, com as bases que usas para fundamentá-la.
«Não. Já te expliquei isto várias vezes»
Pois mas ao longo das explicações já disseste muita coisa e o seu contrário.
«Na criança afogada na piscina e nos filhos por conceber tu não decides nada acerca da morte dos outros. Por isso, nesses casos, a única diferença está na tua responsabilidade ética pelo que se salva.»
Mas afinal, no caso A e C a responsabilidade ética pelo que se salva é diferente?
Os filhos por conceber são obviamente o caso C - existe uma infinidade de pessoas que poderiam ser salvas, e o salvador não tem controlo sobre qual será o único que poderá salvar. Mas sabe que se salvar salva um, e se não salvar, não salva nenhum.
Ou bem que alegas que C e A são realmente cenários semelhantes, como já admitiste acima, ou bem que alegas que são radicalmente diferentes, e tens de explicar bem a razão dessa diferença.
Mas fazê-lo é desdizeres-te novamente...
«E isso parece-me ser diferente no caso de teres um a afogar-se na piscina ou mil e teres de salvar só um, sem saberes qual é.»
Sim, sim. É radicalmente diferente. No primeiro caso ele sabe muito mais acerca do miúdo que vai salvar do que no caso dos mil.
Ou espera... Não! Esta diferença que apontas (agora) como importante é tão irrelevante que pouco importa se o possível salvador conseguiu ver bem a cara da criança que vai salvar, ou se apenas sabe que é alguém que precisa da sua ajuda.
Concordo que se fosse um amigo ou familiar as coisas mudavam, mas assumindo que é um estranho é perfeitamente irrelevante se sabe muito acerca da criança (nome, data de nascimento, notas) ou se apenas sabe que é uma criança a precisar de ser salva.
Mas enfim, mudaste novamente a tua posição. Agora já defendes que os cenários A e C são diferentes.
Mas não deixa de ser engraçado: escolher não ser um filho é tão diferente de deixar uma criança morrer na piscina à nossa frente; quanto é diferente salvar uma criança que nos é estranha sem saber nada a seu respeito de salvar uma criança que nos é estranha sabendo algo a seu respeito.
João Vasco,
ResponderEliminar«Se o número de pessoas que querem ser médicos, bombeiros, em vez de cientistas e professores, aumentasse 1%, o número de vidas salvas em resultado dessa alteração seria provavelmente nulo a curto prazo, e negativo a longo prazo.»
O simples facto de estares a evitar a questão ética inventando estatísticas sem qualquer fundamento é demonstração suficiente que por aí a discussão é inútil. Portanto permite-me que mude de exemplo. Mas primeiro, só reiterar isto:
«Mas afinal, no caso A e C a responsabilidade ética pelo que se salva é diferente?»
Não, é igual, como te disse quando deste esse exemplo. Mas o problema é que nesses exemplos as diferenças são tão pequenas que temos de considerar cada vez mais factores pouco importantes isoladamente. E depois ponderar todos, e acabamos com algo que é mais ruído que sinal.
A nossa divergência fundamental é acerca de como medir o valor da vida. Eu meço pelo valor da vida toda para quem a vive, e tu medes por um critério que não especificas mas que considera valer zero abaixo das N semanas de gestação, com N um número que também não especificas e por razões não especificadas. Por isso, tu defendes que tenho um problema ético com a contracepção.
O objectivo do cenário que se segue é manter tudo o mais semelhante possível com o que está em jogo na decisão da contracepção, mudando apenas o necessário para estarmos ambos de acordo que o que está em causa é uma vida humana, com o valor que isso tem.
Num universo paralelo, por uma flutuação quântica (ou seja, ninguém tem culpa disto) surgiu a Ana e o Bernardo, apaixonados, e uns milhares de milhões de fetos em gestação em úteros artificiais. Estes fetos têm combinações aleatórias dos genes da Ana e do Bernardo, exactamente como filhos deles, e têm pelo menos as tais N semanas que for preciso para concordarmos que a sua vida tem valor.
Se na próxima hora os dois carregarem num botão um feto, ao acaso, será implantado no útero da Ana, onde irá passar os próximos 9 meses (cresce mais devagar para compensar as N semanas) e depois nascerá como um bebé de quem eles têm de cuidar, etc. No final dessa hora todos os fetos e úteros artificiais serão desintegrados instantaneamente (nenhum vai sofrer nada).
Eu proponho que a ética desta decisão – carregar ou não no botão – é equivalente à da decisão de usar ou não contraceptivos. Têm o mesmo controlo voluntário sobre o que sucede e os mesmos valores estão em jogo. E proponho também que é perfeitamente aceitável que a Ana e o Bernardo decidam que não querem a responsabilidade e o trabalho de ter um filho e por isso se recusem a carregar no botão. A diferença entre isto e os teus cenários é não termos de lidar com outros factores com pouca relevância, isoladamente, mas que somados podem determinar o que é melhor ou pior, complicando desnecessariamente a análise.
Mais, este cenário é facilmente extensível ao aborto. Imagina que a Ana e o Bernardo decidem não carregar no botão, mas põem-se a brincar com o botão. E, sem querer, no meio da brincadeira, desequilibram-se e carregam no botão. Agora a Ana está grávida de um feto de N semanas. Nesse caso, proponho, são responsáveis pelo sucedido e não é legítimo decidirem matar esse feto só para se escaparem. É essa a minha posição também acerca do aborto para terminar uma gravidez que é consequência de sexo consensual.
Finalmente, se a Ana não quer mas o Bernardo a forçou a carregar no botão, então já é legítimo que a Ana aborte o feto.
Já agora, um pouco mais acerca disto:
ResponderEliminar«Mas afinal, no caso A e C a responsabilidade ética pelo que se salva é diferente?»
A responsabilidade ética por um certo resultado é função da relação causal entre a decisão e o resultado. A decisão tem dois componentes: o efeito, e o conhecimento prévio.
Por exemplo, o tipo que está amarrado ao volante do autocarro que fizeram rolar pela descida direito à velhota e não pode fazer nada sabe que o autocarro vai matar a mulher mas não tem responsabilidade ética por isso porque não tem possibilidade de afectar o resultado. No outro extremo, o bebé a brincar com a caçadeira puxou o gatilho e matou a avó mas não tem responsabilidade ética por isso porque não sabia o que estava a fazer.
Nos cenários A e C, na minha primeira análise não considerei que houvesse diferenças de informação que pudessem ser relevantes, porque não me pareceu que era isso que estavas a focar. No entanto, se a questão é se salvar o tipo sozinho na piscina ou salvar um de mil em situação tal que se está impossibilitado de salvar os outros 999, pode haver diferenças de informação que o agente tenha disponível que sejam eticamente relevantes e que, mesmo que normalmente fossem insignificantes, quando o objectivo é determinar se os cenários são exactamente iguais ou não têm de ser contabilizadas.
A vantagem do meu cenário é que não preciso que ele seja exactamente igual à contracepção. Tento que seja o mais possível, mas quando digo “equivalente” tolero uma margem de erro considerável. Isto porque as escolhas:
X: implantar ou não um feto, brincar com o botão e depois escolher
Y: brincar com o botão e depois decidir se o matam
Z: Forçar a Ana a carregar no botão e depois decidir se o mata
são suficientemente diferentes para que a margem de erro possa ser desprezada. Coisa que, em geral, não acontecia com os teus cenários, que eram desenhados de propósito para ter diferenças mínimas entre os casos (e isso é que complica tudo).
«A nossa divergência fundamental é acerca de como medir o valor da vida. Eu meço pelo valor da vida toda para quem a vive, e tu medes por um critério que não especificas mas que considera valer zero abaixo das N semanas de gestação, com N um número que também não especificas e por razões não especificadas. »
ResponderEliminarNão é essa a divergência fundamental. Estás muito enganado.
Pelo contrário, a divergência na questão do aborto é consequência de uma divergência fundamental, no que diz respeito à forma de avaliar questões éticas.
Como as diferentes posições a respeito do aborto são uma mera consequência dessa divergência fundamental, mas o aborto é um assunto complexo; creio que não é o tema adequado para discutir estas divergências.
Mas eu não procuro, com esta discussão, mostrar que os meus princípios éticos são melhores que os teus - por isso não os enunciei.
Com esta discussão pretendo provar que para evitares que os teus princípios resultem em cenários absurdos tens de te contradizer - é precisamente isso que tens feito, vezes sem conta.
Sobre o cenário que colocas, tenho uma pergunta a fazer-te.
Se nesse universo em vez de aparecerem esses seres todos aparecesse só um, a moralidade de não carregar no botão seria igual? Ou, pelo menos em grau, variaria significativamente?
Nesse cenário, só com uma criança, poderíamos dizer que a escolha de carregar ou não no botão seria a diferença entre uma atitude heróica, e uma atitude algo egoísta?
João Vasco,
ResponderEliminar«Pelo contrário, a divergência na questão do aborto é consequência de uma divergência fundamental, no que diz respeito à forma de avaliar questões éticas.»
Então diz-me de quais destas proposições discordas:
A- Para avaliar o valor ético de uma escolha, devemos considerar o impacto dessa escolha nos valores subjectivos de todos os sujeitos que sejam afectados por ela.
B- A relevância ética de uma consequência de uma escolha é tanto maior quanto mais tenha sido determinada por essa escolha (e tanto menor quanto menos tenha sido determinada pela escolha)
C- A relevância ética de uma consequência de uma escolha é tanto maior quanto mais consciência dessa consequência o agente tenha, (e tanto menor quanto menos conhecimento tenha dessa possibilidade)
«Com esta discussão pretendo provar que para evitares que os teus princípios resultem em cenários absurdos tens de te contradizer - é precisamente isso que tens feito, vezes sem conta.»
Para provar uma contradição tens de mostrar que se deriva P e ~P dos meus princípios. A única vez que parecia que tinhas feito isso eu já te expliquei que foi uma mera confusão entre dois factores diferentes que contribuiam para o valor ético. Não fizeste isso mais vez nenhuma, mesmo depois de te ter pedido explicitamente que o fizesses. E nunca chegaste sequer lá perto com qualquer exemplo envolvendo o aborto e a contracepção. Parece-me por isso pouco honesta essa tua afirmação...
«Se nesse universo em vez de aparecerem esses seres todos aparecesse só um, a moralidade de não carregar no botão seria igual?»
Não, visto que o casal teria mais consciência do resultado final e mais poder para o determinar.
«Ou, pelo menos em grau, variaria significativamente?»
Depende do que consideras significativo. Se for apenas para distinguir miudezas entre cenários muito parecidos, seria o suficiente para dizer que num caso a responsabilidade era menor. Mas se for para decidir se a opção de o salvar é opcional ou deve ser moralmente obrigatória, então neste caso é insignificante por causa do enorme custo que acarreta para os pais (principalmente para a mãe).
«Nesse cenário, só com uma criança, poderíamos dizer que a escolha de carregar ou não no botão seria a diferença entre uma atitude heróica, e uma atitude algo egoísta?»
Não sei ao certo, porque esses termos são demasiado vagos. Concordaria que se decidissem ter um filho e tratá-lo bem estariam a fazer uma coisa boa (que até podia ser por motivos egoístas, se fosse isso também o que eles queriam) e que se decidissem não o criar estariam no seu direito, porque não acho moralmente obrigatório incorrer nesses custos para corrigir uma situação que não é culpa deles.
A proposição A é uma com a qual concordo.
ResponderEliminarA proposição B é uma que é altamente vaga.
Mas aquilo que tu retiras, em concreto, dessa proposição - a forma como a aplicas - leva a cenários tão ridículos que tu próprios os rejeitas. E depois entras em várias contradições.
Sobre as tuas contradições e a minha honestidade em apontá-las, vou escrever um comentário inteiro dedicado a isso.
«Para provar uma contradição tens de mostrar que se deriva P e ~P dos meus princípios. »
Isso aconteceu várias vezes. Mas sobre as contradições que te apontei no passado vou dedicar um comentário inteiro.
«Não, visto que o casal teria mais consciência do resultado final e mais poder para o determinar.»
Ah é?
Imagina que tu tens 1000 caixas com surpresas lá dentro. Num caso sorteio uma caixa, e pergunto-te se queres pagar 5e pela surpresa.
No outro caso, pergunto-te se queres pagar 5e pela surpresa, e depois sorteio a caixa.
Se assumires que a caixa tem informação relevante sobre a surpresa podes considerar que existe uma diferença entre as situações.
Mas se é complicado dizer que umas vidas valem mais que outras, visto que tu acreditas que essa avaliação só pode ser feita pelo próprio e eu não estou a disputar isso, mais complicado ainda é dizer que a mera observação de um ovo ou de um embrião, ou mesmo de um feto com 12 semanas, permite destrinçá-las.
Imagina que estamos a falar de ovos? Como é que raio ver ovos pode dar informação relevante que permita distinguir os cenários acima?
Como é que alguém que pode escolher salvar um ovo ao acaso entre milhentos em relação aos quais não sabe distinguir nada tem mais informação do que o outro em relação ao qual o ovo foi escolhido e pode salvar ou não?
Se no exemplo que dei das caixas estas fossem perfeitamente indistinguíveis, como no caso do ovo, nenhuma diferença existiria em termos da informação e poder de influenciar o resultado.
Nenhuma, e muito menos uma relevante.
Que parte disto é que contestas? Achas que mesmo com caixas indistinguíveis existe diferença entre as duas situações?
Ou achas que, ao contrário das caixas, os ovos não são indistinguíveis para um casal normal, e um casal que visse o ovo que de um potencial futuro filho teria mais informação que um casal normal?
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«Não sei ao certo, porque esses termos são demasiado vagos. »
No cenário com uma só criança, uma opção que a rapariga pode ter é a de ter o filho, para o salvar, e depois doá-lo a uma instituição de caridade e seguir a sua vida.
Acreditas que, no cenário com uma só criança, essa escolha é mais louvável que optar por não ter o filho, ou menos?
O próximo comentário vai ser só sobre as contradições neste diálogo, e vai demorar um bocado.
« Não fizeste isso mais vez nenhuma, mesmo depois de te ter pedido explicitamente que o fizesses. E nunca chegaste sequer lá perto com qualquer exemplo envolvendo o aborto e a contracepção. Parece-me por isso pouco honesta essa tua afirmação...»
ResponderEliminarDesculpa devolver-te o mimo, mas dizeres isto parece-me pouco honesto.
Pediste-me explicitamente que o fizesse, e eu disse-te explicitamente que o poderia fazer DESDE QUE ficasse bem claro que não estava em discussão se a seguir tinhas "explicado a confusão" ou não.
Objectivamente eu apontei várias vezes de forma explícita aquilo que aleguei serem contradições. Podemos discutir se o eram de facto ou meramente aparentes - é o que ainda estamos a fazer - mas é objectivamente FALSO que não tas tenha apontado.
E agora vou dar-me ao trabalho de citar algumas, começando pela discussão em "Atalhos":
«Estás a ver a contradição?
Na mensagem posterior a esta, o que era relevante não era saber quem nascia, mas o que era resultado de uma decisão activa e passiva.
Agora o mais relevante é o desconhecimento a respeito de quem é que seria "prejudicado" pela decisão de usar contracepção.»
«Por exemplo, falas na "força" da relação causal. Mas o que queres dizer com isto varia conforme o contexto, como mostrei.
Por exemplo, se eu agora decido ir salvar uma pessoa, mas posso salvar uma entre milhões, e lanço dados para deixar ao acaso a escolha. A força da relação causal não muda: em resultado da minha decisão, uma pessoa foi salva, chamemos-lhe Miguel. Para essa pessoa a "força" da relação causal entre a minha decisão de salvar alguém e o seu salvamento, parece-me que alegas, é total. Não foram os dados que a salvaram, fui eu.
Mas se um casal decide ter um filho em vez de não ter nenhum. A lotaria cósmica faz com que nasça, entre tantas crianças possíveis, o Miguel. Qual foi a força da relação causal entre a decisão do casal e a existência do Miguel? Como dizer que é reduzida?
Mas se é forte, é extramamente louvável ter filhos. Quer dizer que quase todos os casais têm esse acto extremamente louvável. O casal que não tem filhos, ao contrário dos casais que têm, não comente esse acto tão nobre.
O casal que tem 11 filhos deveria ser objecto da nossa admiração moral. O valor que a vida de cada um desses filhos dá a ela própria, e uma relação causal fortíssima. Como quem "salva" 11 vidas.
É quando dizes que isto não faz sentido, que contradizes os teus fundamentos. »
«Mas está em gritante contradição com os princípios que antes enunciaste.
Ora vejamos:
1) decisão de não tomar contraceptivos
«Os valores são subjectivos e são avaliados por cada sujeito. O valor de uma vida não é função de acharmos que é pessoa, não é ou o que for, mas sim o que esse sujeito viverá ao longo de toda essa vida.»
Vamos supor que dou muito valor à minha vida.
«O impacto de cada acto é a diferença entre os valores que daí resultam, entre as várias alternativas.»
Neste caso a alternativa seria eu não existir. Temos um impacto elevado.
«A relevância ética dessa consequência é tanto menor quanto a mais fraca for a relação causal.»
Neste caso a relação causal é directa. Se não tomassem essa decisão, eu não existia.
Pelos teus princípios, eu muito lhes deveria. Mas tu rejeitas isso.»
(continua)
«Estás a ver a contradição?
ResponderEliminarNa mensagem posterior a esta, o que era relevante não era saber quem nascia, mas o que era resultado de uma decisão activa e passiva.
Agora o mais relevante é o desconhecimento a respeito de quem é que seria "prejudicado" pela decisão de usar contracepção.»
Já nesta mensagem:
«Onde está a tua contradição?
Por um lado dizes que os factores que levam a que seja um filho e não outro criam uma menor "força da relação causal" entre a decisão de não ter um filho e a existência do hipotético filho.
Mas isso quer dizer que olhas para o hipotético filho não da perspectiva que temos supondo que ele nasceu - nesse caso o filho é o Eduardo e não nenhum outro - mas ao invés olhas da perspectiva de quem não sabe quem é que será "salvo", tanto pode ser o Eduardo como inúmeras outras pessoas, e isso justifica a "fraqueza" da relação causal.
Já não fizeste o mesmo em relação à pessoa que decide salvar alguém baseando-se num gerador de números aleatórios.
Aí dizes que existe uma relação causal muito mais forte, pois invertes o critério. Ele salvou o Eduardo e não nenhum outro, e não te importa que tanto poderia ter salvo o Eduardo como o Joaquim.
Se esta troca flagrante e contraditória de critérios não fosse importante para todo o teu edifício argumentativo, não estarias constantemente a insistir nela, e a desviar o assunto cada vez que ta mostro de forma inequívoca.»
Enfim, e se continuar à procura encontro outras tantas.
Claro que tu podes alegar que já esclareceste que estas contradições eram "apenas aparentes".
Mas tu também fazes essa alegação em relação à situação A, B e C, alegação essa da qual discordo.
Tanto é que já te apanhei a dizer, no mesmo contexto que a diferença entre A e C era irrelevante ou muito relevante.
Portanto, já várias vezes de forma muito explícita te apontei e expliquei aquilo que alego serem contradições.
Podes dizer que a alegação é falsa, mas não podes dizer que não a fiz de forma muito clara.
onde escrevi "já nesta mensagem" leia-se, "já na discussão deste último texto"
ResponderEliminarJoão Vasco,
ResponderEliminar«Se assumires que a caixa tem informação relevante sobre a surpresa podes considerar que existe uma diferença entre as situações.
Mas se é complicado dizer que umas vidas valem mais que outras»
Supõe que todas as caixas valem exactamente o mesmo. Ainda assim, há uma diferença: se o sorteio vem antes da escolha, na altura da escolha tu sabes qual é a caixa que escolhes. Pode não ser uma diferença no valor da caixa, mas é uma diferença na informação que tens para a escolha.
A informação na escolha tem relevância ética. Por exemplo, é isso que distingue, eticamente, o caso do bébé que dispara a arma sem saber e mata a avó e o caso do assaltante que dispara a arma contra a velhota sabendo que a vai matar. Mesmo que os valores em jogo sejam exactamente iguais, e mesmo que o movimento do dedo no gatilho seja exactamente o mesmo (a mesma relação causal entre os músculos e a morte da velhota), a informação na decisão que ambos tomaram era diferente, e a relação causal entre a decisão – aquele acto de consciência de puxar o gatilho – e a morte da velhota é diferente.
É claro que a diferença entre o bebé e o assaltante é muito maior (aqui posso usar muito com confiança) do que a diferença de informação no caso das caixas ou no caso de haver uma ou mais incubadoras. Mas sendo a regra que quanto mais informação e controlo o agente tem na sua decisão (o acto consciente, não o mero movimento do corpo) maior a sua relevância ética, então mesmo uma diferença infinitesimal na informação resulta numa diferença (igualmente infinitesimal) na avaliação ética. E se for essa a única diferença entre dois cenários, então essa será toda a diferença entre os dois cenários.
«Como é que alguém que pode escolher salvar um ovo ao acaso entre milhentos em relação aos quais não sabe distinguir nada tem mais informação do que o outro em relação ao qual o ovo foi escolhido e pode salvar ou não?»
Sabe qual é o escolhido. Isso é mais informação. Estou de acordo que, para o caso do aborto e da contracepção este aspecto não é importante. Até porque a maior responsabilidade pelo salvamento do que é concebido é compensada pela maior responsabilidade pelos outros que não são. Mas se queres dissecar um aspecto isolado até à infinitésima – mesmo que isso não nos adiante de nada na prática – então essa é a minha conclusão. Porque quanto mais informação se tem acerca da decisão maior é a responsabilidade ética.
«Se no exemplo que dei das caixas estas fossem perfeitamente indistinguíveis, como no caso do ovo, nenhuma diferença existiria em termos da informação e poder de influenciar o resultado.»
Nenhuma diferença para influenciar o valor do resultado. Mas haveria mais informação acerca do resultado. Mesmo que as caixas fossem iguais, esta caixa é esta e aquela caixa é aquela. E se em vez de caixas tiveres sujeitos, essa diferença é relevante para o sujeito. Mesmo que houvesse uma pessoa algures exactamente igual a ti, fazia-te diferença se eu te salvava a tu ou se o salvava a ele. E já discutimos o problema da álgebra dos valores de sujeitos que descura o facto de cada um ser ele e não os outros (o tal problema de quem salva 3 ainda poder matar 3, ou coisa do género).
«No cenário com uma só criança, uma opção que a rapariga pode ter é a de ter o filho, para o salvar, e depois doá-lo a uma instituição de caridade e seguir a sua vida.
Acreditas que, no cenário com uma só criança, essa escolha é mais louvável que optar por não ter o filho, ou menos?»
Se o valor da vida do filho for positivo, e ela tiver consciência disso, então ela está deliberadamente a agir de forma a dar mais valor a alguém. Isso é louvável. No entanto, devo salientar que será condenável, nesta situação, coagir a mulher a fazer isso. Portanto, a decisão deve ser tomada por ela livremente, neste caso. Sei que não foi isto que perguntaste, mas é para evitar depois as “contradições” que surgem quando pedes para focar um só aspecto e depois focas outro...
«Pediste-me explicitamente que o fizesse, e eu disse-te explicitamente que o poderia fazer DESDE QUE ficasse bem claro que não estava em discussão se a seguir tinhas "explicado a confusão" ou não.»
ResponderEliminarE isso é desonesto. Se tu apontas o que pensas ser uma contradição e eu explico porque me parece que não é, o que tu deves fazer a seguir é apontar o problema que vires na minha explicação. Isso ajuda a progredir com o diálogo. Mas se te limitas a reiterar a afirmação inicial e a ignorar as minhas explicações não estás a dialogar. Estás a aldrabar.
O padrão das tuas “contradições” tem sido praticamente sempre o mesmo. Focas a discussão num aspecto apenas, exigindo que se discuta apenas esse. Por exemplo, se o salvamento do tipo A foi aleatório ou se escolheram salvar esse. Mas sempre em cenários onde há outros factores relevantes. Por exemplo, a morte dos que não se salvam ser também aleatória ou escolhida pelo agente. E depois alegas haver contradição quando esses dois factores apontam em direcções diferentes.
«Na mensagem posterior a esta, o que era relevante não era saber quem nascia, mas o que era resultado de uma decisão activa e passiva.
Agora o mais relevante é o desconhecimento a respeito de quem é que seria "prejudicado" pela decisão de usar contracepção»
São vários factores. Quando optas pela contracepção diminuis quase para zero a probabilidade base de cerca de 10% da concepção de um filho que não sabes quem é nem controlas quem é e cujo estado de não concebido não é responsabilidade tua, nem tens qualquer obrigação de alterar para concebido.
Quando optas pelo aborto após os sexo consensual diminuis para zero a probabilidade de quase 100% daquele H. sapiens se desenvolver e viver várias décadas como nós, com intenção de o matar, e tendo tu responsabilidade pelo estado em que ele se encontra.
É claro que, quando exiges esmiuçar os vários factores com vários cenários rebuscados, provavelmente numa vez vou focar mais uns e noutras vezes vou focar mais outros. Mas essa “contradição” não passa de uma armadilha retórica montada por ti. Se derivares as consequências lógicas nas regras que defendo não encontras qualquer contradição em considerar que a contracepção e o aborto são eticamente diferentes.
«Por exemplo, falas na "força" da relação causal. Mas o que queres dizer com isto varia conforme o contexto, como mostrei.»
Claro que sim. Porque a relação causal que interessa é a relação entre a decisão – que é uma acto fundamentalmente mental e consciente – e as consequências. Esta relação pode ser afectada a vários níveis. Pode ser afectada por factores que se interponham entre a acção executada e o resultado. Por exemplo, chuto a bola e vem uma rabanada de vento que a desvia. Pode ser afectada por dificuldades em concretizar a acção desejada ou por impotência do agente. E pode ser afectada pela falta de informação e falta de capacidade de prever as consequências.
«Por exemplo, se eu agora decido ir salvar uma pessoa, mas posso salvar uma entre milhões, e lanço dados para deixar ao acaso a escolha. A força da relação causal não muda: em resultado da minha decisão, uma pessoa foi salva,»
Depende. Imagina dois universos paralelos. No universo A tu escolhes quem salvas. No B tu lanças os dados. Se em B lançaste os dados porque escolheste, então em ambos os universos tu tens exactamente a mesma informação e capacidade de escolha, apenas escolheste fazer a coisa de maneira diferente. Nesse caso a tua responsabilidade ética é a mesma. Mas se no B tu tens de lançar os dados e não tens possibilidade de ir contra o que eles dizem, então a tua capacidade de escolha em B é menor do que em A. Pode não ser uma diferença relevante para fazer leis ou dar medalhas, mas se olharmos apenas para este factor e dissecarmos isto até à infinitésima, é uma diferença.
«Tanto é que já te apanhei a dizer, no mesmo contexto que a diferença entre A e C era irrelevante ou muito relevante.»
ResponderEliminarE possivelmente até me pareceu pouco relevante num dia e muito relevante no outro. Lembra-te que os teus cenários constantemente variáveis, insistindo em diferenças que na prática nunca ligaríamos, e sem mostrar onde queres ir, acompanhados das constantes alegações de contradição sem grandes fundamentos, exigem bastante paciência. Por isso é natural que num dia que esteja mais mal disposto me apeteça dizer “merda para isto” e noutro me apeteça ler os teus comentários com mais calma :)
Mas tudo isto é desnecessário se tu tiveres razão. Tu alegas que os meus fundamentos resultam numa contradição no caso do aborto e da contracepção. Tu tens tentado demonstrar isso com exemplos confusos em que insistes olhar apenas para um de vários factores que estão todos dentro das margens de erro daquilo que conseguimos avaliar, e daí extrais várias contradições que, além de não o ser, são irrelevantes para o ponto mais importante.
Por isso peço, novamente, que partas daquilo que julgas ser os meus fundamentos, deduzas daí a tal contradição, e a descrevas claramente para o caso do aborto e da contracepção. Aí será mais claro dizer se tens razão ou não. Senão estás à procura de contradições nos milimetros quando só podemos medir as coisas a palmos...
«Se o valor da vida do filho for positivo, e ela tiver consciência disso, então ela está deliberadamente a agir de forma a dar mais valor a alguém. Isso é louvável. »
ResponderEliminarEntão tens de explicar porque é que não seria louvável que as raparigas e mulheres em geral preferissem evitar os métodos contraceptivos sem alterar os seus hábitos sexuais - e doar cada criança indesejada a um orfanato ou qualquer instituição de acolhimento. Se o problema é das DSTs, limita apenas a minha pergunta a métodos como a pílula, etc..
De acordo com os princípios que defendes não vejo como explicar que esta situação seja menos louvável que a situação usual em que se opta pela contracepção. Mesmo que consideres legítimo que um casal use contracepção, parece-me que pela tua lógica é impossível argumentar que essa situação é preferível à da gravidez completa e a criança entregue a uma instituição que a acolha.
Aquilo que me parece é que para não te contradizeres - como anteriormente aconteceu - resta-te esta conclusão... difícil de defender.
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«Nenhuma diferença para influenciar o valor do resultado. Mas haveria mais informação acerca do resultado. Mesmo que as caixas fossem iguais, esta caixa é esta e aquela caixa é aquela. E se em vez de caixas tiveres sujeitos, essa diferença é relevante para o sujeito. »
«A informação na escolha tem relevância ética. Por exemplo, é isso que distingue, eticamente, o caso do bébé que dispara a arma sem saber e mata a avó e o caso do assaltante que dispara a arma contra a velhota sabendo que a vai matar. Mesmo que os valores em jogo sejam exactamente iguais»
No caso do bébé que dispara a arma existem resultados diferentes consoante a escolha dele, de carregar ou não o gatilho, e tu poderias alegar que a ausência de informação desculpa o seu acto na medida em que ele não identificou essa diferença nos resultados por desconhecimento.
Mas se a escolha apenas é entre salvar A e B, e assumes que A e B valem o mesmo, então o mérito DESSA escolha (entre A e B) é nulo. Como o mérito DESSA escolha é nulo, é irrelevante saber o grau de responsabilidade ou informação. Por muito que isso multiplique, multiplica sempre por um valor nulo.
Um indivíduo (1) teve oportunidade de salvar A; e outro indivíduo (2) teve oportunidade de salvar A ou B. Ambos têm a escolha de salvar alguém ou ninguém, e para essa escolha têm a mesma informação e o mesmo poder. O indivíduo (2) teve uma escolha acrescida, a de, se escolheu salvar alguém, salvar A ou B, mas aí é irrelevante que ele tenha mais poder ou mais informação, pois o mérito dessa escolha é nulo.
Portanto, o poder de escolha só é relevante para aferir a responsabilidade quanto corresponde a poder acrescido de alterar o bem ou mal que advém da escolha; e a informação só é relevante para o mesmo quando permite identificar este bem ou mal.
Para saber que podes escolher uma entre quinhentas caixas pretas é irrelevante se sabes o nome que alguém deu às caixas, ou como é que cada uma delas foi construída - tens exactamente a mesma responsabilidade que alguém a quem foi dada uma ao acaso se souberes tanto como ela sobre o que está lá dentro. A forma como podes avaliar se é bom abri-a ou não é perfeitamente igual.
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«E isso é desonesto. Se tu apontas o que pensas ser uma contradição e eu explico porque me parece que não é, o que tu deves fazer a seguir é apontar o problema que vires na minha explicação. Isso ajuda a progredir com o diálogo. Mas se te limitas a reiterar a afirmação inicial e a ignorar as minhas explicações não estás a dialogar. Estás a aldrabar.»
Caso não tenhas reparado, foi isso que aconteceu, e por alguma razão esta discussão já tem mais de uma centena de comentários nossos.
Mas se dizes que nunca mostrei de forma clara onde é que eu acreditava que te contradizias, dizes algo que é objectivamente FALSO.
« Por isso é natural que num dia que esteja mais mal disposto me apeteça dizer “merda para isto” e noutro me apeteça ler os teus comentários com mais calma :)
ResponderEliminarMas tudo isto é desnecessário se tu tiveres razão. »
Permite-me discordar.
Tudo isso seria desnecessário SE:
1) eu tivesse razão
E
2) tu avaliasses esta discussão "de fora" de forma perfeitamente desinteressada
Tu podes ter carradas de razão em relação ao criacionismo, mas quando discutes com o Mats observas que não é fácil demonstrá-lo a outros criacionistas de forma a que eles admitam a clareza e correcção das tuas demonstrações. São muito criativos e encontram sempre uma forma de dizer que a tua demonstração está equivocada, mesmo com argumentos que consideras eles próprios equivocados.
Neste blogue nunca te vi a mostrares que alguém se contradisse de forma tão clara que ela o reconhecesse... Geralmente "explica" que a tua demonstração está errada, mal exposta, equívoca, mesmo que esteja certa.
Isto demonstra como a condição 1) não é suficiente...
João Vasco,
ResponderEliminar«Então tens de explicar porque é que não seria louvável que as raparigas e mulheres em geral preferissem evitar os métodos contraceptivos sem alterar os seus hábitos sexuais - e doar cada criança indesejada a um orfanato ou qualquer instituição de acolhimento.»
Assumindo que não é. Não é claro que não seja, porque depende das condições e do que se entende por “louvável”. Vou partir do princípio que por louvável entendes algo que seja eticamente melhor, mesmo que não justifique ir lá apertar a mão à senhora e louvá-la.
Imaginando tratar-se da minha vida ou da tua, e supondo que só havia duas alternativas, ou nunca tinhamos sido concebidos ou os nossos pais nos tinham dado para um orfanato, assumindo que, de resto, as nossas vidas eram como têm sido, eu considero a alternativa do orfanato francamente preferível à outra de nunca ser concebido.
É claro que, como é regra nos teus cenários, estás a focar uma parte descurando o resto. Quem dá os filhos para adopção falta a uma responsabilidade sua (assumindo que o sexo foi consensual, caso esse em que o filho é uma consequência de um acto deliberado, e por isso responsabilidade dos pais), a impor custos a terceiros e a violar direitos dos filhos, que têm o direito aos cuidados dos pais. Esse aspecto da decisão de dar o filho para adopção é negativo, e o peso ético relativo destas partes (o valor subjectivo da vida para o filho e o valor ético negativo de abandonar um filho para outros cuidarem dele).
«De acordo com os princípios que defendes não vejo como explicar que esta situação seja menos louvável que a situação usual em que se opta pela contracepção. Mesmo que consideres legítimo que um casal use contracepção, parece-me que pela tua lógica é impossível argumentar que essa situação é preferível à da gravidez completa e a criança entregue a uma instituição que a acolha.»
Subjectivamente, do ponto de vista dessa criança, a instituição de acolhimento pode ser preferível a nunca existir. A menos que seja uma coisa muito mázinha.
Mas, eticamente, há diferenças importantes. Abandonar um filho é violar os seus direitos depois de se ter assumido a responsabilidade por ele ao decidir ter relações sexuais sabendo que esse podia ser o resultado. É também impor a terceiros custos que seriam da responsabilidade de quem concebeu esse filho. Em contraste, a contracepção consiste apenas em não alterar o estado de “por conceber” no qual o filho está e pelo qual os pais não têm qualquer responsabilidade.
Portanto, quando os pais concebem o filho e o abandonam cometem algo que é eticamente errado – o abandono – se bem que haja também um valor potencialmente positivo que, pelo menos para o filho, pode compensar.
«Aquilo que me parece é que para não te contradizeres - como anteriormente aconteceu - resta-te esta conclusão... difícil de defender.»
Mais uma vez, a tua contradição vem de termos de ponderar factores diferentes em oposição. O melhor, para o filho e eticamente, é que os pais assumam a responsabilidade pelo que fizeram e cuidem bem da criança. O pior, para o filho e eticamente, é que os pais matem a criança para se safar da responsabilidade de o criar (seja a que idade for). Não o conceber é pior para o filho, subjectivamente, porque nunca chega a existir, mas, eticamente, os pais não têm obrigação de o conceber. Ser concebido e abandonado pode ser melhor para o filho, subjectivamente, porque ao menos tem uma vida. Mas, eticamente, implica que os pais violaram os direitos do filho e faltaram às suas responsabilidades.
Resumindo, a minha proposta é que se condene como imoral o aborto – a morte da criança – se considere francamente positivo a atitude dos pais que se esforçam para criam bem os seus filhos, e se deixe a contracepção e a doação de filhos para adopção ao critério das pessoas, não sendo situações em que se justifica pressionar uma escolha ou outra.
João Vasco,
ResponderEliminar«Mas se a escolha apenas é entre salvar A e B, e assumes que A e B valem o mesmo, então o mérito DESSA escolha (entre A e B) é nulo.»
Imagina que tens um bebé a mexer num manípulo. Se o virar para um lado salva-se A e morre B. Se virar para o outro salva-se B e morre A. O bebé não faz ideia do que se passa. Ou então tens um adulto que sabe como o sistema funciona, e tem de decidir se salva A ou B.
A mim parece-me que estas situações não são eticamente diferentes. No caso do adulto, ele é eticamente responsável por ter salvo A em vez de B, ou vice versa, enquanto o bebé não é responsável por nada. É uma diferença importante mesmo apesar dos resultados serem sempre de valor subjectivo equivalente (mas não igual, porque para A e B faz bastante diferença...)
«Portanto, o poder de escolha só é relevante para aferir a responsabilidade quanto corresponde a poder acrescido de alterar o bem ou mal que advém da escolha;»
Não. Pode ser mais relevante nesses casos, mas mesmo quando não corresponde a nenhum poder de alterar o bem ou mal pode até eliminar toda a relevância ética do acontecimento.
«Mas se dizes que nunca mostrei de forma clara onde é que eu acreditava que te contradizias, dizes algo que é objectivamente FALSO.»
Já reconheci que houve uma vez em que o fizeste.
E se, de facto, da aplicação das minhas regras ao aborto e à contracepção se derivasse uma contradição, e tu visses que isso acontecia, devia ser possível mostrares essa derivação como fizeste com o outro caso estranho dos afogados.
Ainda estou à espera que ou o faças ou admitas que, pelo menos nesse caso, não se deriva contradição da aplicação das minhas regras ao aborto e à contracepção. Afirmares que sim sem mostrares essa derivação é, na minha opinião, desonesto, depois de tanto tempo investido nisto...
Ooops... «A mim parece-me que estas situações não são eticamente diferentes.» devia ser A mim parece-me que estas situações são eticamente diferentes.
ResponderEliminarJoão Vasco,
ResponderEliminarUm exemplo mais simples, não exactamente equivalente mas que ilustra parte da ideia. Se eu não te prometo 100€ não faço nada de mau nem de bem. Se te prometo 100€ e dou 100€ faço algo de bom para ti e cumpro as minhas responsabilidades. Se te prometo 100€ e te dou 10€, fiz algo de bom, mas faltei ao prometido. E se te prometo 100€ e te assalto e roubo a carteira fiz algo de francamente mau.
O valor subjectivo é apenas parte da equação quando determinamos o valor ético. A tal relação causal com as várias decisões e suas consequências (promessas, ter relações sexuais, assaltos, abortos, dar para adopção, dar apenas parte do que se prometeu, etc) também tem influência.
«e se deixe a contracepção e a doação de filhos para adopção ao critério das pessoas, não sendo situações em que se justifica pressionar uma escolha ou outra.»
ResponderEliminarEu já percebi isto.
Aquilo que eu quero saber é qual é que é a opção melhor entre essas duas, e apenas entre essas duas, mesmo que não se justifique pressionar uma escolha ou outra.
Actualmente existem muitos mais casais com vontade de adoptar, do que crianças para a adopção. Imaginando que o processo de atribuição aos casais é eficaz, parece-me tu serias obrigado a concluir que a mulher que escolheu não usar contracepção e dar o filho para a adopção fez algo MELHOR do que aquela que preferiu usar contraceptivos.
Algo ao nível de salvar alguém sobre o qual não sabe NADA (visto que a diferença entre os cenários era a informação).
A percepção comum é a contrária. É que, se uma mulher não quer educar filhos, é mais correcto usar contracepção do que ter o filho e abandoná-lo.
Assumes frontalmente esta divergência com a percepção comum?
«A mim parece-me que estas situações [-] são eticamente diferentes. [....] É uma diferença importante mesmo apesar dos resultados serem sempre de valor subjectivo equivalente (mas não igual, porque para A e B faz bastante diferença...)»
Se é valor subjectivo equivalente, suponho que não possas dizer que um tem mais mérito que outro, certo?
Mas esse é precisamente o meu ponto.
«Já reconheci que houve uma vez em que o fizeste.»
Houve várias.
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A aplicação que fazes das tuas regras resulta em cenários absurdos (por exemplo, ser mais louvável ter um filho e abandoná-lo do que usar métodos contraceptivos), e foi isso que disse mesmo no início.
Quando tu disseste que a aplicação das tuas regras permitia rejeitar tais cenários, afirmei que existia contradição.
Mas aquilo que defendes agora, não só a aplicação que fazes das regras que defendes, mas o próprio conteúdo destas regras, não é o mesmo que no início. Nesse sentido as contradições que apontei tiveram o mérito de teres de alterar se não o que defendes pelo menos a enunciação que fazes ou as implicações que reconheces como derivadas.
Mas isto não quer dizer que as contradições tenham terminado. Eu sei que no essencial aquilo que defendes vai resultar num cenário absurdo. E enquanto rejeitares tais cenários, vais estar sempre em contradição. O desafio é mostrá-la de forma que até para ti próprio seja clara. Ou então, que deixes de te contradizer e aceites esses cenários como sendo implicação das tuas regras.
Já estive mais desanimado. Agora parece-me que estamos no bom caminho.
João Vasco,
ResponderEliminar«Aquilo que eu quero saber é qual é que é a opção melhor entre essas duas, e apenas entre essas duas, mesmo que não se justifique pressionar uma escolha ou outra.»
Salientando que depende das circunstâncias, e chamando novamente a atenção para o problema de restringir artificialmente aquilo que estamos a discutir, diria que a opção de ter o filho e dá-lo para adopção é a melhor se considerarmos apenas o valor subjectivo para o filho no caso de ele ter uma vida boa, mas a contracepção é provavelmente melhor se considerarmos o valor ético que resulta da ponderação das relações causais entre as várias decisões dos pais e as consequências para todos (pais, filho e resto da sociedade). No entanto, há aqui uma margem de erro grande quando tentamos ponderar tudo isto, e a minha confiança neste veredicto é pequena.
«Actualmente existem muitos mais casais com vontade de adoptar, do que crianças para a adopção. Imaginando que o processo de atribuição aos casais é eficaz, parece-me tu serias obrigado a concluir que a mulher que escolheu não usar contracepção e dar o filho para a adopção fez algo MELHOR do que aquela que preferiu usar contraceptivos.»
Assumindo que essa decisão é tal que várias pessoas ficam mais felizes e realizadas e ninguém fica menos feliz e realizado do que se ela usasse contraceptivos, por uma questão utilitarista parece-me que sim. Pelo menos, não posso ver como defender o contrário, que seja preferível agir da forma que deixa menos gente satisfeita. Mas nota que esta premissa é muito arriscada, principalmente quando existem também milhares de crianças em instituições e que ninguém quer adoptar (os casais não querem adoptar todas as crianças...)
«A percepção comum é a contrária. É que, se uma mulher não quer educar filhos, é mais correcto usar contracepção do que ter o filho e abandoná-lo.»
E penso que nas condições em que vivemos, é a percepção mais correcta. E, eticamente, é a menos problemática.
«Assumes frontalmente esta divergência com a percepção comum?»
Não. A divergência só surge se assumirmos que é melhor para todos que a mulher tenha o filho e o dê para adopção. No entanto, essa não é a percepção comum.
(cont)
ResponderEliminar«Se é valor subjectivo equivalente, suponho que não possas dizer que um tem mais mérito que outro, certo?»
Claro que posso. Continuas a não perceber este ponto fundamental. A ética não é apenas função do resultado. Um terremoto não é eticamente equivalente a um assassinio em massa. O náufrago encontrar um bote não é eticamente equivalente a um salvamento. A ética avalia decisões conscientes, e aplica-se apenas ao que deriva de decisões conscientes e na medida em que derive dessas decisões conscientes. Por isso o mérito do bebé é nulo, se ele não sabia o que fazia.
«A aplicação que fazes das tuas regras resulta em cenários absurdos (por exemplo, ser mais louvável ter um filho e abandoná-lo do que usar métodos contraceptivos), e foi isso que disse mesmo no início.»
Reiterando, a aplicação das minhas regras resulta em ser preferível ter um filho e dá-lo para adopção do que usar contraceptivos assumindo que ter o filho e dá-lo para adopção é melhor para alguns, e pior para ninguém, do que usar os contraceptivos. Nesse caso, parece-me difícil concluir o contrário.
No entanto, em situações mais realistas em que uns são beneficiados e outros prejudicados, e considerando que os pais assumem uma responsabilidade à qual faltam, a conclusão é diferente, que eticamente pode ser preferível usar contraceptivos. Mais uma vez, estás a confundir a questão ética baralhando os factores em causa...
«Mas aquilo que defendes agora, não só a aplicação que fazes das regras que defendes, mas o próprio conteúdo destas regras, não é o mesmo que no início.»
Aquilo que tu compreendes das regras e aquilo que eu consigo explicar não é o mesmo. E ainda bem, porque senão isto não teria mesmo servido para nada. Mas as regras que eu defendo são as mesmas, ainda que a minha capacidade de as expor com clareza tenha melhorado. Porque, como tu admites, nunca estiveram outras regras na mesa...
«Nesse sentido as contradições que apontei tiveram o mérito de teres de alterar se não o que defendes pelo menos a enunciação que fazes ou as implicações que reconheces como derivadas.»
Certo. Senão não teria tido paciência para isto :)
« Eu sei que no essencial aquilo que defendes vai resultar num cenário absurdo. »
Então proponho, mais uma vez, que enuncies essa derivação. Começas nas regras, e acabas num cenário absurdo em que o problema seja claramente da ética e não das premissas escondidas como “já há bombeiros a mais” ou “toda a gente quer adoptar, e toda a gente quer ser adoptado, mas é mau dar miudos para adopção”.
«Salientando que depende das circunstâncias, e chamando novamente a atenção para o problema de restringir artificialmente aquilo que estamos a discutir, diria que a opção de ter o filho e dá-lo para adopção é a melhor se considerarmos apenas o valor subjectivo para o filho no caso de ele ter uma vida boa»
ResponderEliminarNo caso de ele ter uma vida boa?
No momento em que se toma tal decisão não se pode ter essa garantia - e essa é uma questão bem importante.
Por isso, não me surpreende que afirmes isto. Mas a implicação daquilo que dizes acreditar não se fica por aqui...
«mas a contracepção é provavelmente melhor se considerarmos o valor ético que resulta da ponderação das relações causais entre as várias decisões dos pais e as consequências para todos (pais, filho e resto da sociedade)»
É muito interessante, esta afirmação. É mesmo muito interessante.
Já lá voltarei.
«Assumindo que essa decisão é tal que várias pessoas ficam mais felizes e realizadas e ninguém fica menos feliz e realizado do que se ela usasse contraceptivos, por uma questão utilitarista parece-me que sim. »
Não podes assumir isso, obviamente.
Mas voltarei a esta questão.
«Claro que posso. Continuas a não perceber este ponto fundamental. A ética não é apenas função do resultado. Um terremoto não é eticamente equivalente a um assassinio em massa. O náufrago encontrar um bote não é eticamente equivalente a um salvamento. A ética avalia decisões conscientes, e aplica-se apenas ao que deriva de decisões conscientes e na medida em que derive dessas decisões conscientes. Por isso o mérito do bebé é nulo, se ele não sabia o que fazia.»
Este ponto parece-me absolutamente essencial.
Estou de acordo contigo quando dizes que o mérito do bebé é nulo. Mas e o mérito do outro indivíduo? É nulo ou não?
Se não é nulo, é superior ao do bebé (que é nulo) ou inferior?
«Então proponho, mais uma vez, que enuncies essa derivação.»
Vou fazê-lo.
Deixa-me tornar uma coisa muito clara: se as consequências de uma escolha são positivas (quando comparadas com as alternativas), a relevância ética da escolha pode variar tendo em conta os factores que enunciaste em B e C, mas a escolha mantém-se como positiva - fica é mais ou menos perto da neutralidade consoante estes factores, certo?
«No caso de ele ter uma vida boa?
ResponderEliminarNo momento em que se toma tal decisão não se pode ter essa garantia - e essa é uma questão bem importante.»
Pois... é sempre o problema de assumir que os teus cenários conceptuais não têm rasteiras...
Claro que é importante, e claro que há muitos factores desses em decisões reais. É por isso que a contracepção levanta menos problemas éticos. Nesse caso, o agente não tem responsabilidade pela não concepção, visto que não concebido é o estado em que o filho sempre esteve.
Mas se assumires, para isolar as questões éticas, que o agente pode estimar isso com confiança, então é necessário ponderar os prós e contras para todos.
«Estou de acordo contigo quando dizes que o mérito do bebé é nulo. Mas e o mérito do outro indivíduo? É nulo ou não?»
Depende. Se ele é responsável pela morte de um e pela vida de outro, depende da ponderação desses dois factores. Por causa das margens de erro, não consigo pensar num cenário em que isso seja eticamente exactamente nulo. Mas posso dar exemplos dos dois extremos.
A Ana precisa de um transplante de fígado e o Bruno foi amarrado à mesa de operações por um robot que o vai matar e transplantar o fígado para a Ana. O Carlos salva o Bruno e, com isso, acaba por causar a morte da Ana. Neste caso o acto do Carlos foi eticamente positivo. Mas se é o Carlos que mata o Bruno para dar o fígado à Ana, o seu acto é eticamente negativo. Pelo meio, há de tudo.
« se as consequências de uma escolha são positivas (quando comparadas com as alternativas), a relevância ética da escolha pode variar tendo em conta os factores que enunciaste em B e C, mas a escolha mantém-se como positiva - fica é mais ou menos perto da neutralidade consoante estes factores, certo?»
Não. Por exemplo, matar uma pessoa saudável para lhe tirar os órgãos e salvar dez pessoas doentes. Se bem que a vida de dez pessoas seja preferível à de uma (consequências positivas, ignora quaisquer efeitos secundários e assume que só há estas doze pessoas no universo), isto é eticamente condenável porque a morte das pessoas doentes é eticamente neutra (não resulta de uma decisão consciente) enquanto que matar o outro tem um valor negativo grande pela forte relação causal entre a decisão e a morte.
«Pois... é sempre o problema de assumir que os teus cenários conceptuais não têm rasteiras...»
ResponderEliminarNão é rasteira nenhuma.
Eu coloquei um cenário, e fiz-te uma pergunta à qual tu deste uma resposta se pudéssemos assumir X. Mas as pessoas que estão nessa situação geralmente não podem assumi-lo.
Por exemplo, é bom salvar uma vida? Se assumir que a vida dessa pessoa vai ser óptima para ela e para os outros, é claro que sim.
Mas na impossibilidade de assumir isso, continuo a acreditar que sim, que é bom salvar uma vida.
Se assumir o contrário, pode deixar de ser bom - e tornar-se uma questão complicada. Mas no desconhecimento desse futuro concreto, acredito que é bom salvar uma vida.
É a esta situação que me estou a referir. Não sei onde está a "rasteira".
«Depende. Se ele é responsável pela morte de um e pela vida de outro, depende da ponderação desses dois factores. Por causa das margens de erro, não consigo pensar num cenário em que isso seja eticamente exactamente nulo.»
Não tens de pensar num cenário novo, basta responderes em relação ao cenário em relação ao qual a pergunta foi feita. O cenário que tu próprio escolheste e em relação ao qual estamos a falar. Relembrando-te:
«Imagina que tens um bebé a mexer num manípulo. Se o virar para um lado salva-se A e morre B. Se virar para o outro salva-se B e morre A. O bebé não faz ideia do que se passa. Ou então tens um adulto que sabe como o sistema funciona, e tem de decidir se salva A ou B.»
cito as tuas palavras. Se esse exemplo - o teu - é pouco concreto imagina o nadador que só tem tempo para salvar A ou B. A escolha de salvar A tem mérito face à escolha de salvar B?
Sobre os teus exemplos dos orgãos, não os posso aceitar, e sugiro que escolhas cenários que não envolvem homicídios.
Aquilo que vejo nesses cenários é que tu estipulas que as consequências são iguais, mas face ao que eu acredito isso está em contradição com a descrição que fazes - eu vejo consequências diferentes para os envolvidos em matar alguém para dar os orgãos a outros, por exemplo.
Mas não te detenhas nisso. Eu rejeito estes exemplos, mas certamente encontrarás outros.
«no desconhecimento desse futuro concreto, acredito que é bom salvar uma vida.»
ResponderEliminarPenso que não é a mera crença que é relevante, mas a estimativa que se pode objectivamente fazer.
«Não sei onde está a "rasteira".»
Na introdução de mais uma incerteza para aumentar as margens de erro. Por exemplo:
«A escolha de salvar A tem mérito face à escolha de salvar B?»
Assumindo que todos os valores subjectivos e todos os factores eticamente relevantes da relação entre essa decisão, e eventuais decisões anteriores, com os resultados, são todos exactamente iguais, então o valor ético de salvar A é o mesmo de salvar B. Nota, no entanto, que para A e B as alternativas não são equivalentes.
Mas se não se pode assumir isto, então não sei.
«Sobre os teus exemplos dos orgãos, não os posso aceitar, e sugiro que escolhas cenários que não envolvem homicídios.»
Se o valor subjectivo é equivalente em ambas as alternativas, o valor ético dependerá apenas da relação causal entre a decisão e os efeitos. Se o salvamento de um tiver uma relação mais forte que a morte do outro, o valor ético é positivo. Se for o contrário, o valor ético é negativo. Isto é mais evidente no caso do homicídio, que é o caso em que a relação causal entre a morte e a decisão é mais forte. A tua recusa, injustificada, em aceitar cenários com homicídios faz-me suspeitar, pela experiência que tenho tido nesta conversa, que estás novamente à procura de diferenças dentro das margens de erro para depois inventar as “contradições” do costume.
Então vejamos um caso sem homicídio. A Ana precisa de um transplante de rins, senão terá de passar a vida com hemodiálise regular. O robot dos transplantes prendeu o Bernardo à mesa de operações, e vai-lhe tirar um rim para curar a Ana, invertendo a situação. A Ana e o Bernardo são recém-nascidos e não têm culpa de nada.
Cenário A: O Carlos impede o robot, que surgiu lá por uma flutuação quântica, condenando a Ana à hemodiálise e salvando o Bernardo.
Cenário B: Foi o Carlos que programou o robot, e é ele que está a supervisionar tudo, deliberadamente tirando o rim ao Bernardo.
Vivem os três numa ilha secreta e ninguém sabe que eles existem. O robot é capaz de fazer a operação sem ninguém notar nada (nem cicatriz, nem dor, nem as crianças vão saber nada do que aconteceu).
Este cenário não tem homicídios. No entanto, à mesma deve ser evidente que no caso do Carlos salvar o Bernardo está a fazer algo eticamente positivo, e no caso do Carlos tirar o rim ao Bernardo está a fazer algo eticamente negativo. Isto apesar de em ambos os casos o resultado final ser o mesmo: um precisa de hemodiálise para o resto da vida, o outro é saudável.
E a razão para isto é a diferença na relação causal. Enquanto que a Ana não tem rim por algum infortúnio eticamente neutro, o Bernardo ficará sem rim porque o Carlos assim decidiu.
«Na introdução de mais uma incerteza para aumentar as margens de erro.»
ResponderEliminarEu não entendo como é que, dados os princípios em que acreditas, poderás justificar, numa sociedade em que o custo de educar uma criança até à vida adulta não é relevante face ao benefício de salvar uma vida humana, que seja melhor uma mulher usar contracepção do que ter uma criança e dá-la a uma instituição de acolhimento.
Tu dizes que no caso em que se SABE que a criança vai ter uma vida aceitas que pode ser melhor essa situação. Mas não é isso que está em jogo. Quando procuras salvar alguém tens uma determinada incerteza, e é nessa incerteza que ages.
Se tu acreditas que quando vais salvar uma vida a probabilidade dessa pessoa ter uma vida feliz daí para a frente é muito maior do que a da criança cujos pais não a desejam, e que essa diferença é muito significativa, estás a dar uma informação nova importantíssima.
Se essa diferença não é muito significativa, então não pode justificar a mudança significativa que é considerares que, numa sociedade em que o custo de educar uma criança é menor que o benefício de salvar uma vida, a contracepção é melhor que a criação de uma criança cujos pais não a desejam criar.
Isto não é rasteira nenhuma, é mesmo uma questão importante.
Se eu te perguntar se vale a pensa salvar alguém e tu me responderes "se ela vier a ser feliz sim", e eu disser "não podes saber isto, como na realidade", isso não é uma rasteira. É querer uma resposta à pergunta que eu te fiz por oposição à que tu me quiseste responder.
«Assumindo que todos os valores subjectivos e todos os factores eticamente relevantes da relação entre essa decisão, e eventuais decisões anteriores, com os resultados, são todos exactamente iguais, então o valor ético de salvar A é o mesmo de salvar B.»
Então qual é o mérito da decisão de salvar A?
É nulo como no caso do bébé, ou é o quê?
«Este cenário não tem homicídios. No entanto, à mesma deve ser evidente que no caso do Carlos salvar o Bernardo está a fazer algo eticamente positivo, e no caso do Carlos tirar o rim ao Bernardo está a fazer algo eticamente negativo. Isto apesar de em ambos os casos o resultado final ser o mesmo: um precisa de hemodiálise para o resto da vida, o outro é saudável.»
Não é o mesmo.
Mas isto vai gerar uma discussão que se vai desviar muiiiito.
Se há um indivíduo desconhecido e sozinho numa ilha deserta e um ser omnisciente SABE que ele vai ter uma vida infeliz, que ele não quer morrer por causa do seu instinto de sobrevivência, mas o ser omnisciente sabe que o valor dado pelo próprio à sua vida a partir desse dia será negativo. Mas ele vai passar muitos dias em agonia até finalmente suicidar-se.
O ser omnisciente deveria matá-lo?
Pela tua lógica seria inegável que o ser omnisciente deveria fazê-lo, visto que seria responsável directo por um bem - evitar esses dias de agonia em que o próprio dá à sua vida um valor negativo.
(continua)
O problema é que adoptar um código ético que nos diga que é bom matar alguém nestas circunstâncias tem em si um valor ético negativo, pois nenhum de nós quer, em circunstância alguma, que tomem por nós uma decisão de vida ou de morte.
ResponderEliminarIsto cria um caso bicudo que eu já sei que rejeitas. Tu acreditas que se deve ver as coisas em separado - existem as situações, existe a ética, e tu não podes considerar o mal ou bem da própria ética que adoptas - deve adoptar-se pela fórmula ética que maximiza o bem, não considerando os efeitos que esta fórmula ética tem em si.
Axiomas -» Teoremas
Termos primários -» definições a partir destes termos -» definições a partir destes últimos, etc..
Mas tal como o nosso cérebro não funciona assim, em que cada conceito é tido a partir de outros, de forma circular (não existem conceitos primários, o dois define par, mas é definido também pelo conceito de par, e por aí fora) - um sistema ético adequado tem o mesmo problema.
Tem de permitir maximizar o bem em cada circunstância, mas ele próprio tem de ser bom - ele não é eticamente neutro.
A questão do valor da vida é interessante.
Tu falas no problema fundamental do homocídio como sendo o tempo de vida perdido por quem é assassinado. Ora isto é um absurdo.
Quem mate 10 pessoas em relação às quais poderíamos estimar uns 5 anos de vida merece um repúdio bem maior por todos do que alguém que, pelos mesmos motivos egoístas, mate alguém com 5 anos de idade. Se o problema de matar fosse o tempo de vida avaliado pelo próprio, o primeiro mereceria muito menos repúdio que o segundo. Mas acontece o oposto.
Mas existe um problema muito importante no homicídio, além desse. E o problema é que todos nós temos uma coisa chamada instinto de sobrevivência, e o medo de que alguém tome por nós a decisão de morrermos ou não aterroriza-nos.
Um código moral que permita alguém avaliar se a nossa vida vai ser feliz ou não de acordo com nós próprios, e matar-nos se considerar que a margem de erro da sua avaliação é quase nula, é um código moral mau, porque nos causa sofrimento saber que existe e que há quem o siga.
Eu sei que discordas disto tudo. Mas não é nada disto que estava em discussão. Apenas to explico para mostrar porque é que sou forçado a rejeitar os teus exemplos - as consequências não são iguais, porque existe a considerar as consequências negativas do código que diz a alguém: «se alguém considerar que roubar-te um rim sem teres feito nada vai criar-te tanta infelicidade como felicidade ao outro, é legítimo que o faça». Saberes que há quem considere correcto fazê-lo causa sofrimento.
Mas sem considerar esta alternativa que proponho, ainda assim é possível mostrar os resultados absurdos que resultam da tua proposta.
Por isso, centremos a discussão na resposta às perguntas que fiz relativas aos cenários que TU escolheste.
«Eu não entendo como é que, dados os princípios em que acreditas, poderás justificar, numa sociedade em que o custo de educar uma criança até à vida adulta não é relevante face ao benefício de salvar uma vida humana, que seja melhor uma mulher usar contracepção do que ter uma criança e dá-la a uma instituição de acolhimento.»
ResponderEliminarSim, alegadamente, ainda não entendeste essa parte... aqui vai de novo, então.
Do ponto de vista desse sujeito, é claramente melhor ter sido deixado num orfanato do que nunca ter existido. Pelo menos no meu caso, se fossem essas as duas alternativas, preferia ter sido deixado num orfanato. Pode haver alguma incerteza acerca disto, mas vou assumir que é assim, mesmo dando uma margem de erro.
Abandonar o filho tem um valor ético claramente negativo. Os pais não são responsáveis por cada um dos filhos não concebidos, mas são responsáveis por aqueles que voluntariamente concebem, e a relação causal entre a decisão e o efeito sobre cada um dos sujeitos (potenciais ou actuais) que possam ser afectados é muito maior no caso do abandono. A contracepção pode até nem ter valor ético negativo, porque a relação causal entre essa decisão e o impacto esperado em cada um dos potenciais filhos é tão fraca que pode bem ser compensada pelo facto de evitar os enjôos e as calças apertadas. Seja como for, com as margens de erro dessas avaliações, posso dizer que abandonar um filho tem um valor ético negativo enquanto que a contracepção tem um valor ético indistinguível do zero.
«Então qual é o mérito da decisão de salvar A?
É nulo como no caso do bébé, ou é o quê?»
Da decisão de salvar o A não é nulo. Salvou o A de propósito. O que pode ser nulo é “A decisão de salvar o A de forma que o B morre”, assumindo que consegues fazer o cenário de forma a que os factores positivos anulem exactamente os factores negativos. Por isso a resposta depende de se estás a focar apenas uma das parcelas ou todas as parcelas.
Se o valor ético do salvamento for superior ao da morte, então o adulto tem mais mérito que o bebé qualquer que seja a decisão que tome (assumindo que o faz voluntariamente, e não está a ser controlado mentalmente ou obrigado).
Se o valor ético do salvamento for inferior ao da morte, então tem um demérito (assumindo a mesma coisa – se é obrigado a mexer no manípulo então acaba por ser nulo, não por falta de informação mas por falta de poder evitar aquela consequência).
«Mas isto vai gerar uma discussão que se vai desviar muiiiito.»
Pois, e exigiria da tua parte enunciares as regras que queres seguir. Eu compreendo o problema, porque costumo discutir com criacionistas e fazem o mesmo (“vou só mostrar que a teoria da evolução é falsa, não quero propor nada em alternativa” ;)
(cont)
ResponderEliminar«Pela tua lógica seria inegável que o ser omnisciente deveria fazê-lo, visto que seria responsável directo por um bem »
Não. Se o ser omnisciente não é responsável pelo mal que o indivíduo vai sofrer, não tem dever nenhum de intervir. Podemos dizer que é melhor intervir (é o que assumes como premissa), mas não podemos dizer que deve intervir.
Agora, se for também omnipotente e tudo o que acontece de mal ao outro é da responsabilidade do deus, então, nesse caso, tem o dever de intervir. Ou se tiver assumido algum compromisso nesse sentido.
«O problema é que adoptar um código ético que nos diga que é bom matar alguém nestas circunstâncias tem em si um valor ético negativo, pois nenhum de nós quer, em circunstância alguma, que tomem por nós uma decisão de vida ou de morte.»
Isto é disparate. Primeiro, é falso. Há muita gente que luta pelo direito legal de pedir que o matem se estiver em sofrimento e incapaz de o fazer ou de comunicar.
Mas o maior disparate é ético. A tua premissa é que o indivíduo só tem a ganhar por morrer, e que essa morte não prejudica ninguém. Ou seja, é um acto tal que só traz benefícios e não traz qualquer prejuízo. Dizer que tem um valor ético negativo preferir essa opção é uma contradição. Ou estás a defender uma ética de sofrimento?
Na prática, como não somos omniscientes, é óbvio que não vamos arriscar a vida dos outros a menos que eles o peçam e haja uma certeza razoável de que ficam melhor mortos. Mas a tua insistência de que é eticamente condenável preferir algo que é melhor para alguns e não é pior para ninguém é um absurdo.
«Tu falas no problema fundamental do homocídio como sendo o tempo de vida perdido por quem é assassinado. Ora isto é um absurdo.»
É absurdo, e é falso. Eu falo no problema fundamental do homicídio como a perda do valor da vida para o sujeito que morre. O que digo é que esse valor tem de ser contabilizado pela vida toda, e não apenas por um instante escolhido arbitrariamente. Nunca defendi que o valor da vida para o sujeito que a vive é uma mera contagem dos anos. Essa parte é uma deturpação tua, que rejeito :)
«Um código moral que permita alguém avaliar se a nossa vida vai ser feliz ou não de acordo com nós próprios, e matar-nos se considerar que a margem de erro da sua avaliação é quase nula, é um código moral mau, porque nos causa sofrimento saber que existe e que há quem o siga.»
De acordo. Mas nesse caso, esse terror e sofrimento entra nos valores subjectivos em jogo. Por exemplo, supõe que há uma sociedade em que toda a gente tem pavor disso, e permitir isso ia deixar todos com uma vida terrível de sofrimento e medo só de pensar. Se há um desgraçado que sofre de uma doença incurável, mesmo que fosse melhor para esse matá-lo temos de pensar no efeito disso sobre os outros todos, e nesse caso o valor subjectivo do acto é negativo. Mas isso não foi o teu cenário do deus omnisciente, e o que estás a dizer agora não exige qualquer alteração das minhas regras éticas (apenas exige que as percebas melhor, que essa de somar os anos, sinceramente :P
«Apenas to explico para mostrar porque é que sou forçado a rejeitar os teus exemplos »
Isso é treta. Nos meus exemplos disse para ignorares esses efeitos secundários. Podes considerar o primeiro do transplante com homicídio de bebés numa ilha secreta e que ninguém nunca sabe o que aconteceu excepto o Carlos.
(cont)
ResponderEliminar«porque existe a considerar as consequências negativas do código que diz a alguém: «se alguém considerar que roubar-te um rim sem teres feito nada vai criar-te tanta infelicidade como felicidade ao outro, é legítimo que o faça». Saberes que há quem considere correcto fazê-lo causa sofrimento.»
Estás novamente a confundir a ética com a avaliação subjectiva, além de que isto nada tem que ver com o sistema que proponho.
A ética deve ser o fundamento para as regras a seguir, e deve ser um fundamento universal. É claro que os valores subjectivos podem variar de pessoa para pessoa, mas a ética tem de ter isso em conta sem ser necessário alterar o sistema ético. Portanto, se certa regra incomoda, esse incómodo tem de ser tomado em conta pelo sistema e não exigir um sistema ético diferente.
E é isso que eu faço. Primeiro, não chego a essa conclusão. Pelo contrário. Se o valor subjectivo do rim num é igual ao valor subjectivo do rim noutro, eu não concluo daí que é legítimo tirar o rim a um e dar ao outro porque para a minha avaliação ética eu tenho de considerar a relação causal entre a decisão e as consequências. Ora se um sofre por falta do rim porque nasceu assim, esse sofrimento é eticamente neutro. Se o outro sofre porque lhe tiraram um rim, de propósito, então esse sofrimento é eticamente negativo.
João Vasco,
ResponderEliminarVou repescar o exemplo que dei e que tu ignoraste, explicando-o melhor.
Imagina que tu estás aflito e precisas de 100€. Eu posso:
A- Prometer-te os 100€ para amanhã, e amanhã dar-te os 100€
B- Prometer-te os 100€ para amanhã, gastar 95€ numa jantarada e dar-te só 5€ amanhã.
C- Não me meter no assunto.
Subjectivamente, a ordem de preferência para ti deve ser A>B>C, assumindo que 5€ é melhor que nada.
Mas eticamente, C é neutro. Eu não tenho nada que ver com essas tuas necessidades, e o dinheiro também me faz falta. Por isso, à partida, não tenho obrigação de te dar dinheiro. Eticamente, A tem mérito, e seria de louvar. Mas B tem, por um lado, algum valor positivo na medida em que o benefício subjectivo dos 5€ que recebes resulta da minha decisão de tos dar. Mas, por outro, tem um valor negativo porque eu prometi 100€ e, com essa decisão, fiquei responsável por te dar 100€, uma responsabilidade à qual falhei.
A ética de B é por isso mais difícil de contabilizar porque temos de pesar o benefício subjectivo dos 5€ com a relação entre isso e a minha decisão, o que dá um valor ético positivo, mas depois com o valor ético de ter decidido prometer 100€ e não dar 100€. À partida, até diria que B, apesar de ter um valor subjectivo positivo para ti, tem um valor ético negativo pela quebra da promessa (mas não tão negativo como promete 100€ e não dar nada, esse seria o pior de todos...)
O caso do abandono do filho levanta um problema semelhante. Por um lado é bom subjectivamente para o filho ter nascido, por outro lado é uma falta das responsabilidades dos pais, e é difícil determinar se isso é melhor ou pior que não ter filhos.
Ludwig:
ResponderEliminar«Eu compreendo o problema, porque costumo discutir com criacionistas e fazem o mesmo (“vou só mostrar que a teoria da evolução é falsa, não quero propor nada em alternativa” ;) »
Começo por aqui.
Aquilo que estás a dizer é grosseiramente falso.
Os criacionistas propõem uma alternativa - o criacionismo.
Se não o fizessem, se se limitassem a dizer que a actual teoria tem problemas, então até poderiam ser lados a sério caso os seus argumentos fizessem sentido.
Mas o pior nem é a componente (não) factual da tua afirmação - é mesmo a implicação. Acreditas que criticar uma ideia propondo que é contraditória, sem propor uma alternativa, é um exercício intelectual tão pouco sério que deva ser comparado ao criacionismo?
Se és um professor de "pensamento crítico" como raio é que fazes uma sugestão dessas? Uma componente tão importante do debate de ideias é esse mesmo. A crítica em si. Se uma ideia é inconsistente e contraditória, ou tem implicações absurdas, é perfeitamente válido apontá-lo, mesmo sem sugerir alternativas.
Aliás, eu estou certo que tu acreditas que acabaste de sugerir um disparate. Por favor di-lo claramente.
Afirma com todas as letras que é perfeitamente sério e legítimo alegar que uma determinada ideia é absurda ou incoerente, mesmo sem propor nenhuma outra em alternativa.
«Podemos dizer que é melhor intervir (é o que assumes como premissa), mas não podemos dizer que deve intervir.»
Isto é que foi uma picuinhice. Eu disse "deve" no sentido de "é melhor que".
«Há muita gente que luta pelo direito legal de pedir que o matem se estiver em sofrimento e incapaz de o fazer ou de comunicar»
Mas nesse caso foram eles que tomaram a decisão última, nem que esta tenha sido a de a delegar.
«Mas a tua insistência de que é eticamente condenável preferir algo que é melhor para alguns e não é pior para ninguém»
Só mesmo porque não entendeste nada daquilo que escrevi.
Precisamente é pior para alguém.
É pior para mim viver num mundo em que alguém acredita que seria bom matar-me contra a minha vontade, caso estivesse muito confiante no seu julgamento de que isso seria bom para mim.
«É absurdo, e é falso. Eu falo no problema fundamental do homicídio como a perda do valor da vida para o sujeito que morre. O que digo é que esse valor tem de ser contabilizado pela vida toda, e não apenas por um instante escolhido arbitrariamente. Nunca defendi que o valor da vida para o sujeito que a vive é uma mera contagem dos anos.»
Não é, mas não foi isso que disse. Aliás, o facto de não ser agrava o problema a que me referi.
Ou bem que dizes que estatisticamente o tempo passado na juventude é mais valorizado pelos próprios que o passado na velhice, ou alegas que não temos razão para dizer uma coisa ou outra. Dificilmente podes dizer que estatisticamente o tempo passado na velhice é mais valorizado pelos próprios que o tempo passado na juventude.
Sem razão para alegar tal coisa, não faria sentido defender, em termos do valor que cada um dos indivíduos assassinados daria ao seu tempo, que o indivíduo que tirou provavelmente 50 anos a dez idosos teria feito pior do que o indivíduo que tirou provavelmente 70 anos a um miúdo de 5.
Mas nós somos muito claros em considerar o acto da morte dos 10 idosos mais bárbaro, cruel e merecedor de maior castigo do que o acto do assassino do miúdo de 5 anos.
«Estás novamente a confundir a ética com a avaliação subjectiva, além de que isto nada tem que ver com o sistema que proponho.»
Mas eu não estava a alegar que tinha. Estava a explicar porque é que considero contraditório dizer que os teus cenários têm iguais consequências.
Parece que não percebeste nada do que eu escrevi...
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ResponderEliminarSobre o último exemplo que deste: não sabes se a ética de B é positiva ou negativa.
ResponderEliminarEu estou de acordo com essa análise. O prejuízo causado por contar com os 100e que acabam por não se receber pode em alguns casos ser superior ao benefício de receber 5e. Isso depende de vários factores.
Mas no caso análogo quando se consideram vidas humanas já não tens essas dúvidas. Assumes que é melhor nascer e ser acolhido por uma instituição de solidariedade social do que não ter oportunidade de nascer.
Se acreditas que um indivíduo indesejado pelos pais irá dar um valor tal à sua vida que se justifica obrigar a mãe a tê-lo mesmo que depois o abandone, certamente acreditas que é mesmo muito melhor nascer e ser acolhido por tal instituição do que não ter oportunidade de nascer.
Portanto, voltando ao caso da contracepção/ter o filho e abandoná-lo e a tua comparação com os casos A, B e C, digamos que estamso a falar não de 5e mas de umas boas dezenas de euros, e podemos assumir que o sujeito afectado vai geralmente preferir bastante B a C.
Dessa forma torna-se impossível defender que a atitude C é mais virtuosa que a B.
LK
ResponderEliminarNa prática , por essa ordem de pensamento, um aborto ou um genocídio é a mesma tralha. Porque ao impedirmos aquela vida impedimos toda a sua hipotética descendência.
O que me espanta é que para refutares este argumento dirás que não sabemos se o ser iria ter filhos e esses mais filhos, mas não te incomoda nada quando eu digo que um aborto no momento X é apenas a terminação de um ser vivo que nem sequer sabemos se iria nascer: aborto natural, más formações, acidentes etc
Por isso o aborto vs um hmicídio é muito menos grave, não existe uma certeza absoluta nem sequer aproximada de que era mesmo vida que acabou. era em potêncialidade, não de forma acabada como no caso do hominídio.
mal posso voltarei ao assunto
Nuvens,
ResponderEliminar«Na prática , por essa ordem de pensamento, um aborto ou um genocídio é a mesma tralha. Porque ao impedirmos aquela vida impedimos toda a sua hipotética descendência.»
Eticamente, não é. É desculpável que não tenhas paciência para ler o que eu escrevo aqui, visto ser tanto e tão repetitivo, mas há dois factores importantes para a avaliação ética: as consequências, e a relação causal entre a consequência e a decisão consciente do agente. É por isso que, para as mesmas consequências, depende muito o que o agente sabe ou pode fazer quando avaliamos a ética.
No caso do homicídio o agente é culpado pela morte da pessoa. E por deixar os filhos órfãos, e a mulher viúva. É parcialmente culpado pelo decréscimo no rendimento do agregado familiar nas próximas décadas, mas a sua culpa nisso vai diminuindo com o passar do tempo, porque mais factores poderiam intevir. A culpa pelo não nascimento dos irmãos dos órfãos já é algo muito ténue e rebuscado, e estender isso às outras gerações já depende de tanta coisa que rapidamente se desvanece para zero.
«O que me espanta é que para refutares este argumento dirás que não sabemos se o ser iria ter filhos e esses mais filhos, mas não te incomoda nada quando eu digo que um aborto no momento X é apenas a terminação de um ser vivo que nem sequer sabemos se iria nascer»
Como já expliquei nestes comentários (várias vezes) não se trata de um sabemos/não sabemos, a preto e branco. É uma questão do grau da ligação entre a decisão consciente e o efeito em cada ser subjectivo. Aquele ser X tem uma probabilidade grande de um futuro com subjectividade, e é isso que lhe tiras a esse ser X quando o abortas. Mas quando matas alguém, cada um dos seus possíveis filhos tem uma probabilidade muito pequena de nascer, e temos pouca informação sobre quem se trata, por isso, a menos que o assassino seja omnisciente e omnipotente, não terá responsabilidade sobre esses. Só sobre aquele que matou.
João Vasco,
ResponderEliminar«Acreditas que criticar uma ideia propondo que é contraditória, sem propor uma alternativa, é um exercício intelectual tão pouco sério que deva ser comparado ao criacionismo?»
Depende de como o fazes. Se for apenas pela reiteração repetitiva da alegação, evitando uma demonstração clara no caso em que dizes haver contradição, então sim...
«Se és um professor de "pensamento crítico" como raio é que fazes uma sugestão dessas?»
Num diálogo racional, se uma das partes diz que a outra se contradiz no caso do aborto e da contracepção, tem o dever de mostrar essa contradição para o caso do aborto e da contracepção. A insistência em confusões nos afogamentos e salvamentos com geradores aleatórios não só é irrelevante para suportar a alegação, como é contrária ao espírito de um diálogo racional.
«Isto é que foi uma picuinhice. Eu disse "deve" no sentido de "é melhor que".»
Não é uma picuinhice. É um aspecto fundamental para a inferência de regras morais a partir da avaliação ética. Porque o caso em que o valor ético de um acto justifica uma regra que o restrinja é muito diferente do caso em que esse valor, mesmo que seja negativo, é menor que o valor negativo de restringir essa escolha.
Isto é importante porque tu usas muito termos como estes (deve, condenável, louvável e afins) que subentendem diferenças de valor que não correspondem ao que se passa nos cenários que consideramos. E isso tem causado confusão.
«Ou bem que dizes que estatisticamente o tempo passado na juventude é mais valorizado pelos próprios que o passado na velhice, ou alegas que não temos razão para dizer uma coisa ou outra.»
Nem uma, nem outra. O que me parece é que comparar o valor que a tua vida tem para ti com o valor que a vida da minha sogra tem para ela é muito difícil. Há uma grande margem de erro, e não posso concluir que os anos que tens pela tua frente, mesmo sendo mais que os dela e com mais saúde, serão mais valiosos para ti do que os dela para ela. Por exemplo, qual é o valor de ver os netos formados? De conhecer os bisnetos? Etc.
Eu posso estimar que o valor da tua vida futura é muito grande, para ti, e o da dela para ela. E até posso concordar que, em média, comparando um conjunto infinito de pessoas de 30 anos com um conjunto infinito de pessoas de 70, haja uma diferença significativa. Mas, dada uma pessoa de 30 e outra de 70, a margem de erro é tão grande que seria insensato simplesmente decidir que a vida da de 30 vale mais para ela do que vale a da outra para a outra.
Por isso não assumo que a vida futura do feto tem mais ou menos valor do que a vida futura da minha sogra. Apenas reconheço que ambas têm grande valor para quem as viver. E que esse é o maior valor que se perde se as matarmos.
Quanto ao considerar “mais bárbaro, cruel e merecedor de castigo” quem mata dez pessoas do que quem mata uma, não me parece assim tão claro. Penso que esse juízo depende mais das circunstâncias do que do número de mortos.
João Vasco,
ResponderEliminar«Eu estou de acordo com essa análise. O prejuízo causado por contar com os 100e que acabam por não se receber pode em alguns casos ser superior ao benefício de receber 5e. Isso depende de vários factores.»
Estás a deturpar o cenário. E enquanto não esclarecermos isto não irás compreender aquilo que eu defendo. Um obstáculo recorrente nesta discussão tem sido equivaleres o valor subjectivo ao valor ético do acto. É isso que este cenário visa esclarecer para que, pelo menos, percebas o que defendo mesmo que discordes.
Eu disse claramente que, para ti, A>B>C. Subjectivamente, partimos do princípio neste cenário que o benefício de receberes 5€ quando te prometi 100€ é superior ao benefício de não receberes nada.
O ponto importante aqui é que, neste caso, há duas coisas que te estou a fazer. Uma é a dar-te os 5€, que vais usar de forma a beneficiar-te e que, por isso, tem um valor subjectivo positivo. A outra é ter-te mentido, o que afectou a tua capacidade de decisão e teve, para ti, um valor subjectivo negativo. Mas, repito, o cenário estipula que o valor subjectivo negativo dessa mentira, para ti, foi menor (em valor absoluto) do que o valor subjectivo positivo dos 5€ que te dei.
A razão pela qual o meu acto de te prometer 100€ e só dar 5€ pode ter um valor ético negativo, apesar do valor subjectivo total ser positivo, é eu ser mais responsável pelo prejuízo causado pela minha mentira, prejuízo esse que é principalmente da minha responsabilidade, e menos responsável pelo benefício que os 5€ te trazem, porque esse vem em parte da tua aplicação desse dinheiro, de haver sítio onde o gastar, quem te venda coisas em troca disso, etc.
Por isso, mesmo assumindo que era melhor para ti eu mentir e dar 5€, por eu estar a agir de forma a fazer mal por um lado e bem por outro, e ser mais responsável pelo mal que pelo bem, pode ser eticamente preferível eu não te prometer nem dar nada.
Esse é o raciocínio que aplico ao caso da mulher que decide engravidar para dar o filho para adopção. O valor subjectivo da vida daquele ser humano será grande, mas ela terá muito pouco mérito por isso. E o valor subjectivo negativo do abandono é algo pelo qual ela será a principal responsável. Apesar do acto resultar num valor subjectivo positivo, somados os dois efeitos, o valor ético pode ser negativo por contar muito mais, eticamente, o prejuízo causado do que o benefício.
Não penso ser relevante discutirmos se isso é mesmo assim no caso dos 5€ ou se só com 3€ ou 8€. Ou se é assim no caso da adopção assumindo que vai para uma família ou um orfanato. O peso exacto destes factores depende da situação, e as margens de erro das estimativas dos valores são grandes demais para chegarmos a algum lado com isso.
O importante é perceberes que isto é uma consequência das regras que defendo: o valor ético não depende apenas de quão bom ou mau é o resultado, mas também de quão responsável é o agente por cada factor que contribua para esse valor subjectivo.
É isto que faz com que deixar uma criança morrer à fome em África, não dar sangue ou não ser bombeiro voluntário sejam eticamente muito diferentes do que deixar um filho morrer à fome por falta de paciência, abrir as carótidas a alguém ou pegar fogo às casas das pessoas. Mesmo que os valores subjectivos em jogo sejam os mesmos nos dois lados.
«Quanto ao considerar “mais bárbaro, cruel e merecedor de castigo” quem mata dez pessoas do que quem mata uma, não me parece assim tão claro. Penso que esse juízo depende mais das circunstâncias do que do número de mortos. »
ResponderEliminarIsso é evidente.
Mas até roubar uma uva pode ser pior do que matar dependendo das circunstâncias (visto que há circusntâncias em que matar é louvável).
Mas, na generalidade dos crimes de homicídio, matar 10 é realmente pior que matar 1.
Não é por acaso que em todos os sistemas penais de países civilizados saber o número de vítimas é fundamental para aferir a pena; mas a idade das vítimas não.
É porque há algo muito relevante no homicídio que não passa pelo "valor que o próprio daria à sua vida futura". Além do sofrimento causado à vítima, além do sofrimento causado a amigos e familiares, existe algo de mau no homicídio que ultrapassa "o valor que o próprio daria à sua vida futura".
« A insistência em confusões nos afogamentos e salvamentos com geradores aleatórios não só é irrelevante para suportar a alegação, como é contrária ao espírito de um diálogo racional»
Isso são desculpas de mau pagador. Já me citei umas tantas vezes a apontar-te contradições, e já te citei outras tantas a contradizeres-te.
Cenários imaginários é algo que tu próprio adoras, tanto é que uma boa proporção daqueles que foram discutidos nesta conversa foram propostos por ti. E tanto é que o fazes em todas as as discussões que tens.
Se achas que este tipo de cenários é contrário ao "espírito de um diálogo racional" apesar de os usares a torto e a direito em todas as tuas discussões (algo que NUNCA censurei), parece-me que tu é que estás a ir contra o espírito de um diálogo racional.
«É um aspecto fundamental para a inferência de regras morais a partir da avaliação ética. Porque o caso em que o valor ético de um acto justifica uma regra que o restrinja é muito diferente do caso em que esse valor, mesmo que seja negativo, é menor que o valor negativo de restringir essa escolha.»
É picuinhice na medida em que a palavra "deve" é usada na linguagem comum com ambos os sentidos - no sentido de estabelecimento de um dever, mas também no sentido de comportamento ideal - «tu podes fumar em tua casa, mas não deves», por exemplo.
Em vez de assumires o pior, que eu percebi mal e estou a propor que alguém tenha o DEVER de fazer X ou Y, podes assumir que estou simplesmente a dizer que o melhor que alguém teria a fazer seria X ou Y.
Mas deixa estar, eu esclareci de imediato. Já é a terceira vez que o faço, a ver se não me descaio e evito qualquer possível ambiguidade para a próxima.
«Por isso não assumo que a vida futura do feto tem mais ou menos valor do que a vida futura da minha sogra. Apenas reconheço que ambas têm grande valor para quem as viver»
assumir, não podes assumir nada.
mas o teu sistema ético, como seria razoável, está cheio de avaliações quantitativas de efeitos, de probabilidades, coisas que não podes assumir mas és forçado a estimar, mesmo tendo em conta a informação incompleta de que dispões, etc... Só assim é possível tomar qualquer decisão.
Ora tu vês cinco pessoas. Uma tem 7 envelopes, outra tem 2, e outra tem 1. Todos os envelopes têm dinheiro, mas não sabes quanto. Os envelopes que foram atribuídos a cada uma foram sorteados, pelo que -repito- não sabes NADA sobre quanto dinheiro é que cada um tem.
Partindo desta assunção neutra - não saber quem tem os envelopes mais valiosos - quem é que dirias que tem mais dinheiro nas mãos?
Em termos estatísticos, se em vez de três pessoas tivesses 5000, não poderíamos dizer que o dinheiro esperado é proporcional ao número de envelopes?
E isso não seria verdade partindo da ignorância absoluta quanto ao conteúdo de cada envelope?
Se alguém roubou um número de envelopes sem conhecer o seu conteúdo, e sem que ninguém o conheça, não faz sentido estimar o dano como sendo proporcional ao número de envelopes?
Agora vê lá se isto é problemático por causa da abstracção do exemplo...
Deixa-me mostrar-te uma contradição com duas citações tuas:
ResponderEliminar«Eu disse claramente que, para ti, A>B>C. Subjectivamente, partimos do princípio neste cenário que o benefício de receberes 5€ quando te prometi 100€ é superior ao benefício de não receberes nada.
[...]
A razão pela qual o meu acto de te prometer 100€ e só dar 5€ pode ter um valor ético negativo, apesar do valor subjectivo total ser positivo, é»
«insistência de que é eticamente condenável preferir algo que é melhor para alguns e não é pior para ninguém»
«é um absurdo»
QED
Enfim, as frases estão coladas para efeito estilístico, mas a contradição é evidente: alegas que é absurdo defender como eticamente condenável a preferência por algo melhor para alguns e pior para ninguém, mas depois alegas que uma escolha que é melhor para alguns e pior para ninguém pode ter um valor ético negativo.
João Vasco,
ResponderEliminarEsta última é de facto uma contradição na forma como me exprimi. Que não era o que eu queria dizer.
O que queria dizer é que é absurdo considerar eticamente condenável um acto que só tem efeitos benéficos. A forma como me exprimi sugere que se deva somar os efeitos por cada pessoa e considerar esses totais parciais. Isso está, admito, incorrecto.
Aceitas esta correcção?
É que até agora tens tido muita relutância em aceitar qualquer correcção ou explicação...
Seja como for, se tiveres o cuidado de tentar derivar as implicações das regras que defendo, é isto também que concluis. Para cada efeito, o valor ético é obtido ponderando o valor subjectivo do efeito pela sua relação com a decisão. Por isso é possível haver casos em que um valor subjectivo mais importante acaba por contar menos como valor ético, e o peso pender para o outro lado.
Isto, obviamente, não pode ser possível quando os valores subjectivos são todos bons (ou maus). Nesse caso, na pior das hipóteses o valor ético é nulo, mas nunca pode ter o sinal inverso.
Todas as contradições que apontaste parecem-me cair nestas duas categorias: ou um erro na forma como eu exprimo algo, por falta de cuidado (nem sempre consigo prestar a isto a atenção que precisa, e ao fim de quase duzentos comentários é inevitável haver erros) ou porque tu insistes em tangentes confundindo o que eu defendo.
É por isso que volto a insistir: se achas que me contradigo no caso do aborto e da contracepção, então deriva das minhas regras, e para esses casos, uma proposição e a sua negação. Só dessa forma é que podes tornar claro que a contradição está nas regras e nesses casos. Tudo o resto, como atestam quase duzentos comentários, é uma grande perda de tempo...
João Vasco,
ResponderEliminar«Ora tu vês cinco pessoas. Uma tem 7 envelopes, outra tem 2, e outra tem 1. Todos os envelopes têm dinheiro, mas não sabes quanto. Os envelopes que foram atribuídos a cada uma foram sorteados, pelo que -repito- não sabes NADA sobre quanto dinheiro é que cada um tem.
Partindo desta assunção neutra - não saber quem tem os envelopes mais valiosos - quem é que dirias que tem mais dinheiro nas mãos?»
Não diria nada. Ou diria que é o gajo com o sorriso maior. Não há informação que chegue para poder dizer algo acerca disso com o mínimo de confiança.
Por isso é que não posso dizer que um tipo que mata um homem de 60 anos cometeu um crime menor do que o que matou um de 59.
A vara A tem 2,01m +- 0,5m. A vara B tem 2,03m +-0,5m. Proponho que qualquer pessoa que diz que a vara B é maior não faz ideia do que são margens de erro.
E aquilo que podes dizer acerca do valor esperado para a média de 5000 varas não te adianta de nada para saber se a vara A é maior ou menor que a vara B.
Ludwig:
ResponderEliminar«O que queria dizer é que é absurdo considerar eticamente condenável um acto que só tem efeitos benéficos. A forma como me exprimi sugere que se deva somar os efeitos por cada pessoa e considerar esses totais parciais. Isso está, admito, incorrecto.
Aceitas esta correcção?»
Eu posso aceitar essa correcção.
Mas ela tem implicações absurdas, que vou de seguida abordar.
«Não diria nada. Ou diria que é o gajo com o sorriso maior. Não há informação que chegue para poder dizer algo acerca disso com o mínimo de confiança.»
Existem dois problemas com essa perspectiva.
O primeiro é que a mesma lógica se aplica ao número de vítimas de um homicida.
É verdade que quem matou uma pessoa por mera ganância pode ter feito pior do que quem matou 5 pelo mesmo motivo. Mas, na incerteza, acreditamos que matar 5 pessoas é algo merecedor de maior punição do que matar uma. Porque, na incerteza, matar 5 é provavelmente pior que matar uma.
A tua cautela aplica-se ao número de vítimas da mesma forma que se aplica ao tempo. Desta forma, não faria sentido penalizar mais o indivíduo que matou 5 do que o que matou 1. São enevelopes selados e não há forma de saber o valor total.
O segundo problema é que essa lógica vai contra o que sabemos sobre a probabilidade.
Se cada envelope é uma variável aleatória de valor esperado k que é positivo, então um número Y de enevelopes tem um valor esperado de Yk. Tu podes não saber nada sobre a distribuição, mas podes assumir que o seu valor esperado é positivo e isto é quanto baste.
Portanto sim, não sabendo NADA a respeito de cada envelope, não havendo forma de os distinguir (e no caso dos envelopes, não havendo dinheiro negativo), só faz sentido assumir como hipótese mais provável que o indivíduo com 7 envelopes tenha um total superior. Pode ser falso, mas para considerar outra hipótese como igualmente provável é necessário ter alguma informação sobre os envelopes, que não tens.
(continua)
Voltando à correcção que fizeste.
ResponderEliminarImagina que existe um acto que apenas afecta uma pessoa (e não é quem comete esse acto). Este acto tem consequências positivas (A) e negativas (B) para essa pessoa, e o decisor pode cometer esse acto ou não fazer nada.
Para simplificar vamos imaginar que não existe incerteza face às consequências de nenhum acto. Vamos imaginar também que as consequências positivas são iguais às negativas. Vamos também imaginar que elas são igualmente directas - o que aquilo a que chamas "força da relação causal" é maior para uma do que para outra. Neste caso a escolha de cometer ou não este acto é neutra.
Imagina agora um gráfico com 2 eixos. No eixo horizontal está a diferença da força da relação causal entre A e B. Se A tem uma força da relação causal maior, deslocas-te para a direita. Se B tem uma força da relação causal maior deslocas-te para a esquerda.
No eixo vertical está A-B, ou seja, o valor para a única pessoa que sofre a acção, o valor positivo que deu ao que lhe aconteceu em resultado da acção menos o valor negativo que deu ao que lhe aconteceu em resultado da acção. Como ela é a única afectada pela escolha, podemos dizer que este eixo corresponde ao valor, avaliado pelos próprios, dos resultados dos que foram afectados pela acção.
A linha de neutralidade passa pelo 0,0, que foi a situação já abordada: consequências iguais, forças da relação causal iguais.
Mas à medida que nos delocamos para a direita a linha deixa de interceptar esse eixo - quanto maior é a força da relação causal de A face a B, menor é o valor de (A-B) para que o acto seja considerado neutro.
E vice versa, quanto maior a força da relação causal de B face a A, maior o valor de (B-A) para que o acto seja considerado neutro.
Os valores que estão abaixo desta linha mas acima do eixo horizontal são os casos do exemplo que deste - actos que causam mais bem que mal a quem sofre as suas consequências, considerados nefastos pelo teu sistema de valores. Isto não te parece absurdo - a tua correcção foi no sentido de reafirmares isto como correcto.
Mais problemáticos são os valores acima desta linha, mas abaixo do valor horizontal - actos que causam mais mal que bem a quem sofre as suas consequências que são considerados virtuosos pelo teu sistema de valores.
Assim, se eu soubesse com certeza absoluta que dar uma sandes que vai matar a fome aquele indivíduo vai, de forma muito indirecta, fazer com que acabe por ser torturado e assassinado, arrependendo-se amargamente do momento em que aceitou a sandes; este acto seria virtuoso desde que a força da relação causal entre o meu acto e as suas consequências inevitáveis fosse fraca o suficiente.
Se isto não parece suficientemente absurdo, eu diria pior.
(continua)