quarta-feira, dezembro 17, 2008

Ética pelo dicionário.

A ética fundamenta a avaliação dos actos. E para avaliar actos temos que considerar consequências e responsabilidades. Maltratar uma criança tem consequências indesejáveis das quais o acto é claramente a causa principal. Não levar comida a quem morre à fome tem consequências ainda mais trágicas mas a relação causal entre esta escolha e a morte pode ser muito ténue. Por isso consideramos mais imoral maltratar uma criança do que, por exemplo, não ir a África alimentar os pobres. Alimentar os pobres é moralmente louvável mas a decisão individual de não o fazer quase não tem valor moral porque nenhum de nós, individualmente, é culpável pelas consequências*.

Como normalmente viver é melhor que não viver, ter filhos felizes é uma opção com valor moral. Mas não é imoral decidir não os ter porque são tantas as possibilidades de filhos que poderíamos ter tido se as coisas fossem diferentes, e tantos os factores que fizeram com que este ou aquele nunca fosse concebido, que não há relação clara entre esta escolha e a inexistência de algum deles em particular. Sou tão culpado pelos filhos que não tive como pelas crianças esfomeadas que não salvei. E com este fundamento não é razoável condenar a contracepção. E ainda menos quando se louva a castidade. A consequência de ambas é que alguém não é concebido e, disto, quem usou preservativo tem tanta ou tão pouca culpa como quem se absteve da relação sexual.

Esta receita de consequências e responsabilidade não é uma solução para a ética. O problema é tão complexo nos detalhes que não se resolve com uma regra simples. Mas indica a natureza do problema e basta para desmascarar os preconceitos que se disfarçam de ética com truques de semântica. Antigamente era o “pecado” ou a “lei natural”. Coisas que se podia definir a gosto para pintar de legítima qualquer casmurrice. Hoje é “pessoa humana” ou “dignidade”, que parece mais profundo mas é a mesma treta.

O investigador que cria um embrião no laboratório é responsável pelo que faz. Mas é subjectivamente indiferente ao embrião morrer ao fim de uns dias com meia dúzia de células ou morrer uns dias antes como um espermatozóide separado do óvulo. Para este ser as alternativas são equivalentes e isto não depende da definição de “dignidade da pessoa humana” ou da forma como classificamos aquelas células. Só é relevante considerar as outras consequências desta escolha, consequências essas que até podem tornar imoral e condenável a prevenção desta forma de investigação.

E este erro não se restringe aos crentes. Crentes e descrentes usam “pessoa humana” para negar direitos aos animais. Como se o rótulo de Bos taurus ou Homo sapiens fizesse alguma diferença no sofrimento do torturado ou na responsabilidade do torturador. E são principalmente os ateus que usam este truque para menosprezar a imoralidade do aborto. Definem “pessoa” para se aplicar só a partir das semanas lhes convém e dão como provado que perder 80 anos de vida por ser morto antes disso não tem qualquer problema, porque só a partir da próxima terça feira é que conta.

A ética pelo dicionário é tão conveniente como antiga. Na Bíblia a Palavra justifica tudo, da violação à escravatura e infanticídio. E hoje em dia até há quem defina “fundamento objectivo da moral” como sendo “obedece à minha interpretação destas histórias antigas”. Mas é errado tentar resolver problemas éticos aldrabando as palavras. E é mais que um mero erro de raciocínio. Pelas suas consequências e pela forma deliberada com que são cometidos, estes maus juízos chegam a ser imorais.

* O mesmo não se pode dizer da decisão colectiva das sociedades ricas em ignorar esses problemas. Essa sim é uma causa importante da miséria de muita gente e até devia ser punida.

40 comentários:

  1. De forma mais ou menos descarada, e de forma mais ou menos consciente, somos todos hipócritas. O que varia é o grau de hipocrisia. Infelizmente, ainda estou para conhecer a primeira pessoa que, seguindo os supostos valores morais impostos por certas e determinadas religiões e pressões sociais, não tenha ela própria telhados de vidro rachados de tanta auto-pedrada.
    Entretanto, esses supostos valores morais ajudam a disseminar doenças sexualmente transmissíveis, a estimular o desastroso crescimento populacional que o planeta não comportará num futuro próximo, a provocar desigualdades sociais.
    Mas eu também sou uma hipócrita quando nego uma esmola, quando compro determinados produtos que foram quase certamente produzidos por mão-de-obra escrava ou muito mal paga, quando resmungo com os atentados ecológicos da nossa era enquanto voo duas vezes por ano entre a Suécia e Portugal.
    É uma questão de escala. O problema é que não há ninguém isento para a aplicar.

    Mas se calhar estou a falar parvoíces porque é tarde aqui (e o BiGGER produziu danos irreparáveis nos meus neurónios :D)

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  2. Bem, eu quando vi este ataque ao aborto até pensei que estava no blog errado.

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  3. Oi Patrícia!

    Como está isso na Suécia? Fresquinho? :)

    Bem, se o BiGGER te fez mal a ti, imagina como eu fiquei ;)

    Beijinhos, e volta sempre.

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  4. Mats,

    «Bem, eu quando vi este ataque ao aborto até pensei que estava no blog errado.»

    Porquê? Achas que os ateus têm que ter todos a mesma opinião em tudo?

    Segue a tag...

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  5. Patricia,

    Agora que me passou a surpresa :)

    «De forma mais ou menos descarada, e de forma mais ou menos consciente, somos todos hipócritas.»

    Não sei se é bem assim. Primeiro, tem dias. Não é questão de ser, mas de estar umas vezes mais hipócrita que outras.

    Além disso a ética é acerca de escolhas. Pode parecer contraditório, mas acho que se escolhessemos sempre de acordo com as regras acabava-se a ética porque as regras escolhiam por nós.

    Por isso acaba por ser um equilíbrio entre o valor daquilo que fazemos e o valor, também ético, de podermos fazer o que nos dá na gana mesmo que não seja o ideal.

    E esse equilíbrio não é muito bem definível... (se bem que os trambolhões quando o desiquilibrio é demais sejam fáceis de identificar :)

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  6. Assumindo que A é certo, e B errado, o que é preferível?

    Alguém que diz que se devia fazer A, mas faz B

    Alguém que diz que se devia fazer B e faz B.

    As pessoas tendem a considerar a primeira hipótese pior. É hipocrisia, é incoerência, é pregar uma coisa e fazer outra.

    Eu considero a segunda pior. Claro que ambas são más, porque a pessoa faz B. Mas na primeira ao menos tem a lucidez de compreender que isso é errado, e afirma a coisa certa. Do mal o menos.

    Prefiro a pessoa que faz algo diferente daquilo que diz que era o ideal, por fraqueza, por ceder à "tentação", etc... do que a pessoa que se tenta enganar a si mesmo para em vez de alinhar a acção pelo que acha certo, alinha o que acha certo pela sua acção. Isso parece-me bem pior.

    A propósito de hipocrisia lembrei-me de partilhar este pensamento, eh!eh!

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  7. João,

    A dificuldade aí está em saber avaliar se A é certo.
    Para uma pessoa, "A" pode ser certo, pregar que "A" é certo e fazer B.
    Para outra pessoa "B" pode ser certo, pregar que "B" é certo e fazer "B".

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  8. Mats disse:

    "Bem, eu quando vi este ataque ao aborto até pensei que estava no blog errado."

    É uma das inúmeras vantagens de não ter um livrinho de baboseiras a dizer-nos o que pensar. Dá espaço á opinião individual.

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  9. Caro Ludwig:

    Acho que vejo no teu texto uma aproximação do teu conceito de moral ao meu. (moral de origem empírica, evoluída a partir de consequências).

    Manténs o distanciamento explicito quando dizes que a natureza da moral não se pode prender com estes determinismos. Mas identificas bem a razão (a meu ver), que é haver demasiados factores a ter em conta o que torna a questão imponderável de um ponto de vista pratico e como assunto cientifico - o que não é - e antes que me venham acusar de cientismo, quero deixar claro que a ética não é passível de se subter à ciência (pelo menos por enquanto; quanto ao futuro só especulando e mantenho-me agnóstico, devido à fabulosa diversidade opinativa humana.

    Mas o argumento da complexidade, tal como no criacionismo, não implica que a ética ou a moral tenham nascido como produtos puros da inteligência e da intencionalidade de as criar. Essa geração quase espontânea de regras eu apenas vejo na Estética... Penso mesmo que de outro modo a ética seria então um sistema “à priori” no sentido clássico do termo.

    É perfeitamente compatível com a possibilidade de os memes éticos e morais seguirem uma evolução Darwiniana. (E logo dependente de consequências e no sentido de formar um articulado de um sistema consistente).

    A questão Etica do embrião, fica naturalmente para além das regras já conhecidas, mas é aferida por emulação do sistema moral "físico" no processo cognitivo humano, ou seja por especulação. Naturalmente, mais uma vez, bem distante das características de uma modelização científico.

    Em relação à ausência de responsabilidade acho que tocas num ponto importante quando se aplica a julgamentos individuais. Sendo que a moral e a Ética são assuntos multifactoriais, sem duvida. Mas a questão é que não podemos ir todos para África dar comida aos pobres, senão de onde vem a comida? O que é importante é que a sociedade tenha evoluído uma moral tal, que leve algumas pessoas a irem para África levar alimento. Melhores soluções ainda haveriam mas isso é outro assunto...

    PS: De notar que tenho ouvido (já duas ou 3 vezes, acho) em entrevistas de rua e em países africanos lusófonos dizerem que a UE devia dar menos ajudas económicas a estes países pobres em África, porque esta a tornar o povo preguiçoso (ou algo parecido). Como não posso averiguar a legitimidade desta alegação fica aqui só pela curiosidade.

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  10. Ludwig:

    "Além disso a ética é acerca de escolhas. Pode parecer contraditório, mas acho que se escolhessemos sempre de acordo com as regras acabava-se a ética porque as regras escolhiam por nós.

    Por isso acaba por ser um equilíbrio entre o valor daquilo que fazemos e o valor, também ético, de podermos fazer o que nos dá na gana mesmo que não seja o ideal."

    Estou de acordo, mas chamo a isto versatilidade, que surge por diversas razões. Para começar não existem sistemas absolutamente completos e consistentes. Não me parece que a etica venha a ser o primeiro. Também não me parece que seja inconsistente com a minha opinião expressa no comentário anterior.

    A evolução requer diversidade e versatilidade, por vezes à custa de alguma consistencia, mas como tu bem dizes, ha limites: borrada é borrada. Pior é acreditar num conjunto de regras e defender a sua imutabilidade perante o passar dos anos. Dá origem a surpresas...

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  11. João,

    Ainda sem tempo para pensar neste problema que já levantaste antes, deixo só rapidamente isto: tens razão em dizer que a nossa moral é produto de um processo natural de evolução. Mas penso que cometes a falácia do naturalismo quando, além disso, pareces defender que a moral que temos deve ser assim porque foi assim que evoluiu. É que a par com o impulso de salvar uma criança que se afoga também evoluiu o impulso de matar o rival ou violar a vítima se as circunstâncias se adequarem a essa estratégia condicional.

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  12. Krippmeister disse...

    É uma das inúmeras vantagens de não ter um livrinho de baboseiras a dizer-nos o que pensar. Dá espaço á opinião individual.

    Concordo. Quando não se tem um livro de baboseiras como o nosso código moral, a vida é melhor.

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  13. Ludwig:

    Se puderes desenvolver a tua ideia,a diferença entre o pode e o deve, agradecia. Mesmo antes de te debruçar mais sobre a minha questão. Referes-te a uma componente ad-hoc na moral? é isso?

    Sinceramente não estou a seguir a tua ideia...

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  14. Fulano de tal:

    «A dificuldade aí está em saber avaliar se A é certo.»

    Hã? Eu assumi que era o caso:

    «Assumindo que A é certo, e B errado, o que é preferível?»

    Se calhar percebi mal esse comentário.

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  15. A minha questão é como é que assumes que A é certo, porque isso das certezas muitas vezes varia de pessoa para pessoa.

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  16. Mats,
    esqueceste de ficar chocado com isto também: «E são principalmente os ateus que usam este truque para menosprezar a imoralidade do aborto.» Abomino o politicamente correcto que leva a jogos de semânticas, como abomino o facciosismo.

    A irresponsabilidade que o Ludwig descreve faz lembrar "O Maravilhoso Mundo Novo", onde ninguém podia engravidar, sendo obrigatório todo o humano ter origem de fecundação in-vitro controlada para determinados propósitos.

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  17. Fulano de tal,

    Como eu assumo que A é certo depende de caso para caso. Cada caso pode dar discussões interessantes, ser mais ou menos fácil de indentificar a acção correcta, etc...
    Essa discussão pode ser interessante, mas não é essa que pretendi ter na minha mensagem.
    Por isso é que chamei "A" em vez de dar um exemplo concreto - precisamente para não centrar o meu comentário nessa discussão.

    Por isso sugeri uma assunção "vamos assumir que A é certo". E a pergunta é: concordando com esta premissa, concordam com o meu raciocínio?

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  18. Isso é uma questão um pouco dificil de decidir genéricamente.
    Imagina as seguintes situações:

    1) Um gajo é pedófilo, acha que isso é errado, mas mesmo assim continua a abusar de crianças.
    2) Um gajo é homosexual, acha que isso é errado, mas mesmo assim continua a ser.

    Na primeira situação, concordo contigo, pq mesmo estando a ser hipócrita, pelo menos reconhece que o que faz está errado. Na segunda situação, já discordo de ti, acho que seria preferivel para o gajo aceitar o que é.

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  19. «Na segunda situação, já discordo de ti, acho que seria preferivel para o gajo aceitar o que é.»

    Claro, mas essa situação não corresponde à minha premissa. Não há nada de errado em ser homossexual, por isso o exemplo não se aplica.

    É óbvio que se fazes algo que não é errado (actos homossexuais) não existe qualquer vantagem moral em pensares que isso é errado. A situação é tão evidente que nem tem margem para dúvidas.

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  20. Acho é que, independentemente da tua acção, tem um valor moral positivo teres um juízo correcto.

    Por isso mais vale seres incoerente, do que distorceres o teu juizo adulterando-o para se alinhar com as tuas acções.

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  21. Assumindo que o juízo está certo, claro.

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  22. E voltamos ao problema inicial de saber como é que o juízo está certo.

    No exemplo que eu dei, do ponto de vista dos personagens, o juízo está certo. Do teu ponto de vista é que não.

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  23. Fulano de tal:

    Não sei como te explicar isto de outra maneira, mas esse problema ao qual "voltamos" não era o problema que eu estava interessado em discutir.

    Deixa-me dar-te um exemplo: Imagina que eu digo algo do género: "Vamos assumir que amanhã faz Sol. Nesse caso gostariam de ir à praia?" Se alguém responder "Mas eu não sei se amanhã faz Sol", eu posso responder "tudo bem, mas imagina que sabes que faz. Gostarias de ir à praia?".
    É uma assunção. É algo que não pretendo para já discutir - conscientemente.

    Imagina que eu digo "Assumindo que aumentar em X o número de polícias faz reduzir o crime em Y ou mais, vale a pena a despesa adicional?"
    Se a pessoa contestar a hipótese, está a fugir à pergunta. Porque a pergunta pede que a pessoa assuma a hipótese como verdadeira.

    Entendes o problema com estes exemplos? São coisas que se assumem, para quando um problema envolve várias variáveis poder à mesma ser discutido e "atacado", e a discussão poder progredir.

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  24. Caro Ludwig:

    Estive a ler sobre a falacia do naturalismo e creio que não se aplica. Eu não faço qualquer previsão acerca do que "deve ser" que de facto não segue do "é". No entanto é um assunto de pode dar uma longa discussão. Tenho de estudar melhor a falacia do naturalismo porque não me convenceu ainda totalmente (logo deve estar-me a faltar algo) mas dava um excelente debate.

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  25. O fulcro da questão esta, parece-me, em se o Bem é definivel de um modo absoluto. Como acho que não, não posso partir para o que "deve ser", de um modo igualmente rigido. São tudo probabilidades e nuances.

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  26. João Vasco:

    O problema aqui está em tu quereres transformar um problema ético num problema matemático.
    O que propões para a ética é uma generalização do estilo: Se X é verdade, então qualquer que seja o X, Y também é verdade.
    Este tipo de generalização dá bastante jeito para a ciência em geral, mas em termos de questões éticas é práticamente inútil. As questões éticas, têm de ser sempre colocadas num contexto cultural e temporal e só nesse contexto é que se pode dizer se Y é verdade ou não.
    Se este tipo de generalização fosse possível em ética, seria possivel a uma pessoa ou organização, dizer-se detentora da verdade absoluta.
    Resumindo e para responder à tua questão inicial. É preferível ser hipócrita? Depende...

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  27. "A ética fundamenta a avaliação dos actos."

    Isso é uma afirmação científica? Porque é que os actos de acidentes cósmicos têm que ser avaliados? Quem determinou isso?

    "E para avaliar actos temos que considerar consequências e responsabilidades."

    Qual o fundamento para isso? O Ludwig parece só considerar válido o conhecimento científico. Existe alguma experiência que conduza a essa conclusão?


    "Maltratar uma criança tem consequências indesejáveis das quais o acto é claramente a causa principal."

    Para quem maltrata a criança o acto pode trazer muita satisfação.


    "Não levar comida a quem morre à fome tem consequências ainda mais trágicas mas a relação causal entre esta escolha e a morte pode ser muito ténue."

    Consequências trágicas apenas para quem morre de fome. Mas de acordo com a teoria da evolução quem morre não passa de um acidente cósmico.

    "Por isso consideramos mais imoral maltratar uma criança do que, por exemplo, não ir a África alimentar os pobres."

    Não sei com que base é que isso seria imoral. Existe algum critério objectivo que obrigue um acidente cósmico a não tratar mal outro acidente cósmico? Provavelmente esse critério também será um acidente cósmico.


    "Alimentar os pobres é moralmente louvável mas a decisão individual de não o fazer quase não tem valor moral porque nenhum de nós, individualmente, é culpável pelas consequências"

    Quem disse que alimentar os pobres é moralmente louvável? Porque é que alguém se haveria de preocupar com isso?


    "Como normalmente viver é melhor que não viver, ter filhos felizes é uma opção com valor moral."

    Fala, fala, fala, mas nunca esclarece de onde é que vêm os critérios morais, nem porque é que eles devem ser aceites.


    "Mas não é imoral decidir não os ter porque são tantas as possibilidades de filhos que poderíamos ter tido se as coisas fossem diferentes..."

    È o Ludwig a falar ex catedra.

    "..e tantos os factores que fizeram com que este ou aquele nunca fosse concebido, que não há relação clara entre esta escolha e a inexistência de algum deles em particular."

    Continua a sua tagarelice não fundamentada.

    "Sou tão culpado pelos filhos que não tive como pelas crianças esfomeadas que não salvei."

    Porque é que fala de culpa? De onde vem esse sentimento?

    "E com este fundamento não é razoável condenar a contracepção. E ainda menos quando se louva a castidade."

    A Bíblia diz: crescei e multiplicaivos


    "A consequência de ambas é que alguém não é concebido e, disto, quem usou preservativo tem tanta ou tão pouca culpa como quem se absteve da relação sexual."

    O problema da contracepção é que em muitos casos mata um ser que já existe.

    "Esta receita de consequências e responsabilidade não é uma solução para a ética."

    Não explica porque é que temos que ser éticos.

    "O problema é tão complexo nos detalhes que não se resolve com uma regra simples."

    Porque é que se trata de um problema?

    "Mas indica a natureza do problema e basta para desmascarar os preconceitos que se disfarçam de ética com truques de semântica."

    Que coisa sem jeito.


    "Antigamente era o “pecado” ou a “lei natural”. Coisas que se podia definir a gosto para pintar de legítima qualquer casmurrice."

    Amigos, ficamos a saber que não é pecado alguém torturar o Ludwig pelo simples prazer de o fazer.


    "Hoje é “pessoa humana” ou “dignidade”, que parece mais profundo mas é a mesma treta."

    Amigos, ficamos a saber que não existe qualquer problema em torturar o Ludwig, porque ele é, afinal, um macaco tagarela sem qualquer dignidade intrínseca.


    "O investigador que cria um embrião no laboratório é responsável pelo que faz."

    Se calhar é um irresponsável...

    "Mas é subjectivamente indiferente ao embrião morrer ao fim de uns dias com meia dúzia de células ou morrer uns dias antes como um espermatozóide separado do óvulo."

    E se alguém matar o Ludwig enquanto dorme? O Ludwig não daria por nada, portanto ser-lhe-ia subjectivamente indiferente.

    "Para este ser as alternativas são equivalentes e isto não depende da definição de “dignidade da pessoa humana” ou da forma como classificamos aquelas células. "

    Como o Ludwig não passa de um monte de células, pode ser torturado à vontade, sem qualquer referência ao pecado, à lei natural, à pessoa humana e à dignidade.

    "Só é relevante considerar as outras consequências desta escolha, consequências essas que até podem tornar imoral e condenável a prevenção desta forma de investigação."

    Se alguém torturar o Ludwig, sempre poderá defender-se dizendo que se limitou a desorganizar um monte de células.


    "E este erro não se restringe aos crentes. Crentes e descrentes usam “pessoa humana” para negar direitos aos animais."

    Toda a criação deve ser tratada com dignidade. Mas não devemos confundir as pessoas com os animais. As pessoas foram criadas à imagem e semelhança de Deus.

    "Como se o rótulo de Bos taurus ou Homo sapiens fizesse alguma diferença no sofrimento do torturado ou na responsabilidade do torturador."

    Os rótulos não contam nada. O Ludwig é apenas um monte de células que pode ser livremente desorganizado. Como não existe pecado, fazer isso não seria pecado.


    "E são principalmente os ateus que usam este truque para menosprezar a imoralidade do aborto."

    De onde virá essa ideia de moralidade e imoralidade? Continuamos por saber.

    "Definem “pessoa” para se aplicar só a partir das semanas lhes convém e dão como provado que perder 80 anos de vida por ser morto antes disso não tem qualquer problema, porque só a partir da próxima terça feira é que conta."

    Ou seja. É tudo uma questão de rótulos. Uma pessoa poderia livremente apelidar o Ludwig de calhau e atirá-lo para o fundo de um rio.


    "A ética pelo dicionário é tão conveniente como antiga."

    E desde sempre se entendeu que tinha origem divina.


    "Na Bíblia a Palavra justifica tudo, da violação à escravatura e infanticídio."

    Que disparate. Essa é realmente inacreditável.


    "E hoje em dia até há quem defina “fundamento objectivo da moral” como sendo “obedece à minha interpretação destas histórias antigas”.

    Não existe nenhum fundamento objectivo para respeitar o Ludwig, segundo se depreende. É facultativo. Quem quiser pode fazê-lo, quem quiser pode não o fazer.


    "Mas é errado tentar resolver problemas éticos aldrabando as palavras."

    Se a ética não é objectiva, porque é que algo é errado? Esse critério será apenas subjectivo e facultativo.


    "E é mais que um mero erro de raciocínio. Pelas suas consequências e pela forma deliberada com que são cometidos, estes maus juízos chegam a ser imorais."

    Afinal existe, ou não, um critério objectivo de moralidade? É que o Ludwig, apesar de negar esse critério, continua a afirmar que algumas coisas são imorais.

    Mas das duas, uma: ou isso é apenas uma opinião subjectiva, que vale o que vale, ou isso é objectivamente assim, e então os criacionistas têm razão.

    Se não existe moralidade objectiva, não existe qualquer razão objectiva para levar a sério o Ludwig quando ele diz que isto é moral ou imoral.

    Se não existe moralidade objectiva, nem se vê que sentido é que isso possa ter.

    A Bíblia é diz simplesmente: devemos ser justos e bons, porque Deus é justo e bom.

    Devemos tratar o homem com dignidade, porque ele é imagem de Deus.

    Devemos tratar a criação com dignidade.

    A violação dessas normas eternas tem consequências eternas.

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  28. Perspectiva,

    Pela primeira vez li atentamente todo um comentário seu. Surgiu-me apenas duas perguntas que lhe queria colocar:

    1) Qual é o seu QI?
    2) Como define objectivamente aumento de informação?

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  29. Fulano de tal:

    «É preferível ser hipócrita? Depende...»

    Eu acho preferível NÃO ser hipócrita. É preferível ser coerente e pensar e fazer as coisas certas.

    Por exemplo, dizer que é errado bater numa pessoa sem nenhuma razão que o justifique, e NÃO bater numa pessoa sem razão que o justifique.

    Aquilo que eu estava a dizer não era isso.
    Aquilo que eu estava a dizer era o seguinte: pegas em duas pessoas, uma que bate nos outros sem razão que o justifique, mas acha mal essas suas acções, e outra que tem uma miríade de justificações para considerar o seu acto moral. Eu acho preferível a primeira.
    Entendes a minha posição?

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  30. Pedro Ferreira,


    "Pela primeira vez li atentamente todo um comentário seu."

    Ai sim?

    Eu parei no

    "Mas de acordo com a teoria da evolução quem morre não passa de um acidente cósmico."
    Como se a ética fosse um exclusivo das 3 religiões do livrinho.



    Sem acrescentar nada à discussão não resisto, mais uma vez, a dizer que gostei muito do texto, incluindo a parte do aborto, opinião que é igual à minha (Na verdade são quase todas excepto, talvez, o copyright no mundo digital - a parte dos conjunto dos bits = conteúdo descodificado).


    Sempre super pop este blog.

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  31. A Bíblia também diz que o genocídio é porreiro quando Deus assim o comanda. Essa história de que a Bíblia é referência moral é apenas fruto de quem nunca leu o mesmo livro. E nem me podem culpar de não o fazer, tenho-o em casa e provavelmente leio-o muitas mais vezes do que a maior parte dos Cristãos.

    Provavelmente é esse o problema. Se os Cristãos lessem mais a Bíblia com olhos de ver e não de engolir, percebessem esta evidência.

    Concordo com o Ludwig com a máxima de que a moral resulta de uma avaliação empírica da consequência dos actos.

    O problema está não naqueles actos cujas consequências são imediatas e fáceis de compreender (e que não deixam dúvidas), mas sim nas quais as consequências dos actos têm vários graus de consequências, a curto, médio e a longo prazo, ou de localidade, local, regional ou global.

    Parece-me também que a dado ponto, dada a complexidade derivada desta problemática, resulta impossível uma conclusão ética clara como o Ludwig apresenta no caso de África. O João apresenta uma contra-indicação. Eu desenvolvo.

    A ajuda humanitária consiste principalmente em alimentação. A alimentação, entre outras coisas, permite a vida, logo a fertilidade. O resultado é o crescimento exponencial da população sem qualquer tipo de sustentabilidade sequer agricultural. Veja-se o caso da Nigéria por exemplo, onde tem uma população quase do tamanho dos EUA.

    O mesmo se pode dizer das ajudas da UE a Portugal. Será que alimentou um crescimento sustentável, ou apenas riquezas corruptas?

    A questão da dignidade humana não me parece tão clara. Não sendo crente, tenho coisas por sagradas, por assim dizer, ou seja, que quando em dúvida por não conseguir perceber todas as consequências acima delineadas, prefiro servir a dignidade humana. É como o fiscal de linha. Quando em dúvida, não marca fora-de-jogo.

    Chamas-lhes truques semânticos. Ora isso também é treta, pois se fosse verdade, então tudo seria igualmente um enorme truque semântico.

    Ou como perguntaria Obama, "Don't tell me words don't matter.'I have a dream!' Just words?!? 'We hold these truths to be self evident that all men are created equal.' Just words?!? 'We have nothing to fear but fear itself.' Just words?!? Just speeches?!?"

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  32. Ah, e gostaria de sublinhar que apoio o Ludwig na sua opinião sobre o aborto. Também eu já escrevi sobre esse tema, e também eu me enojei tanto com a discussão e hipocrisia inerentes ao referendo passado que nem fui votar.

    Só por curiosidade.

    Quem a tenha, claro.

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  33. Jónatas,

    «Isso é uma afirmação científica?»

    Não. É estabelecer o significado com que uso o termo.

    «Porque é que os actos de acidentes cósmicos têm que ser avaliados? Quem determinou isso?»

    Cada um de nós. E cada um de nós também é livre de náo avaliar os seus actos. Mas isto não depende de termos nascido porque os nossos pais planearam ou de termos sido fruto de uma gravidez acidental. Importa mais o que somos que aquilo que nos criou.

    Mais vale uma pessoa decente fruto de um acidente cósmico que um facínora criado assim por um deus.

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  34. Jónatas,

    «E se alguém matar o Ludwig enquanto dorme? O Ludwig não daria por nada, portanto ser-lhe-ia subjectivamente indiferente.»

    Isto é falso. Os 35 anos de vida, aproximadamente, que esse acto me tirava fariam uma grande diferença subjectiva para mim. Note que as consequências dessa acção não se restringem àquele instante. Só se me matarem enquanto durmo e eu ressuscitar ileso uns minutos antes é que seria indiferente.

    No caso do embrião em laboratório as duas alternativas são a mesma coisa. Não há 35 anos de subjectividade de diferença entre as opções.

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  35. Barba Rija,

    «Chamas-lhes truques semânticos. Ora isso também é treta, pois se fosse verdade, então tudo seria igualmente um enorme truque semântico.»

    O que eu chamo truque semântico é resolver o problema ético pela definição de uma palavra.

    Imagina, por exemplo, o problema ético de torturar um touro ou abortar um embrião. É treta resolver esse problema pela definição de palavras como "pessoa" ou "direitos" porque a situação é a mesma sejam quais forem as palavras.

    Isto não quer dizer que não seja preciso definir palavras. Claro que é. Mas as palavras servem para descrevermos a situação e não para resolver o problema.

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  36. Ludwig:

    Sou da opinião que as consequências negativas de matar alguém ultrapassam em muito o tempo de vida que a vítima não terá.

    Se fosse assim, a contracepção seria grave (eu não a considero sequer minimamente imoral), mas também haveriam outro tipo de consequências: matar um indivíduo de 10 anos seria cerca de 20 (ou mais) vezes mais grave que matar um indivíduo de 80. Isto é um absurdo.

    Parece-me que no homicídio quem sofre as consequências negativas do acto não é apenas quem morre.
    Nem sequer apenas os amigos e companheiros que perdem a companhia da vítima.
    São todos aqueles que se sentem menos seguros, são todos aqueles que sentem que têm de se proteger, são todos aqueles que ficam menos defendidos face a quem provocou a morte, e todos aqueles que perdem pelo facto de aumentar o poder de quem pode provocar a morte e usa essa possibilidade face aqueles que não o querem fazer. É a confiança entre todas as pessoas a diminuir, a cooperação a tornar-se mais difícil (com todas as consequências que isso traz) e a violência um método que vale a pena (com todas as consequências que isso traz).

    Por isso parece-me que o mal de matar é muito maior que o mal provocado à vítima.

    Uma vez perguntaste-me porque é que, tendo uma mentalidade consequencialista, consideria errado matar alguém, mesmo que soubesse com 100% de certeza que isso seria melhor para essa pessoa, assumindo que esta pessoa não sabia isso e não queria ser morta. A razão é esta - matar um indivíduo tem muito mais vítimas do que aquele que morre.

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  37. "Os 35 anos de vida, aproximadamente, que esse acto me tirava fariam uma grande diferença subjectiva para mim".

    Mas sendo assim matar uma criança com um dia de vida não seria assim tão grave.

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  38. João Vasco:

    A razão é esta - matar um indivíduo tem muito mais vítimas do que aquele que morre

    E se houver um caso no qual essa pessoa não tem ninguém que a conheça, nem família nem amigos?

    Já será certo matá-la?

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  39. É que parece-me que nem consideras a possibilidade de que o juízo que faças (sobre a "melhoria" da pessoa em questão) seja errado. Ou pior, pensas que por teres a capacidade moral de discernires esta diferença que deverás ter esse poder.

    Faço então a pergunta ao contrário. Colocarias noutra pessoa arbitrária e desconhecida a confiança necessária para decidir sobre a tua vida nesses termos? Conseguirias deixar, por exemplo, alguém com um pensamento tão claro como o Jónatas ter a possibilidade legal ou moral de decidir se pode dar-te um tiro ou não?

    As dificuldades nesta questão são de tal tamanho que eu não concebo outra razão moral que não a auto-defesa (e a guerra entra nesta categoria) para o homicídio de outrém.

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  40. Barba Rija:

    Eu disse A, e tu pareces ter assumido que se eu digo A penso B, e depois então pareces ter começado a refutar B.

    Mas eu só disse A.

    Curiosamente, a explicação que eu dei ao Ludwig - já há vários meses - para explicar porque é que mesmo sendo consequencialista creio que devemos adoptar a heurística "é errado matar" (com algumas excepções bem definidas, como a guerra, a auto-defesa, etc..) é precisamente essa que deste, porque não queremos encorajar ninguém a acreditar que tem o poder de julgar se a vida de outros deve ser vivida (isto excluindo as outras consequências negativas de matar, como a dos amigos e familiares, etc...).

    Por isso, sugiro que se não concordas com algo que eu escrevi digas o quê. Não podes é discordar comigo sobre algo que nunca disse...

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