Torce palavras.
A teologia safa-se pelo domínio da ambiguidade, e Anselmo Borges deu uma bela lição disto no DN de dia 20. A Associação Humanista Britânica está a organizar uma campanha publicitária a favor do ateísmo, com o slogan «Deus provavelmente não existe. Agora deixe de se preocupar e goze a vida» (1). Anselmo Borges diz que é uma ideia interessante porque obriga «as pessoas a pensar nas questões essenciais, e Deus é uma dessas questões decisivas.» (2)
Questões são perguntas. Como é que surgiu o universo? O que nos causou? Como podemos saber? O Anselmo torce o sentido de “questão” e mete uma resposta pela porta do cavalo. Porque Deus não é uma questão. O deus do Anselmo é apenas uma de muitas tentativas de responder estas perguntas. E levanta uma questão importante. Porque é que há de ser o deus dele e não um dos outros? Para responder a isto, a teologia torce as palavras conforme dá jeito.
«Afinal, também há razões para não crer, mas, quando se pensa na contingência do mundo, no dinamismo da esperança em conexão com a moral e na exigência de sentido último, não se pode negar que é razoável acreditar no Deus pessoal, criador e salvador, que dá sentido final a todas as coisas. Numa e noutra posição - crente e não crente -, entra sempre também algo de opcional.»
Crer ou não crer é uma escolha. Mas a palavra “razões” é usada aqui de duas formas subtilmente diferentes. Quando somos razoáveis baseamo-nos em razões partilhadas. Quando usamos razões só nossas não somos razoáveis aos olhos dos outros. É razoável largar o pote se está demasiado quente mas não por me dar na gana ou por medo que dê azar. As razões para não crer em Deus vêm do que observamos à nossa volta. Cada criança que fica sem pernas por pisar uma mina dá uma razão forte para rejeitar o tal ser benevolente que lhe podia ter segredado “cuidado, aí há minas”*. A imensa indiferença do universo perante o nosso sofrimento torna razoável a descrença. Mas a crença em Deus, como o próprio Anselmo admite, vem apenas de desejos pessoais como a esperança e a exigência de um sentido último, e não é por desejos que se forma uma opinião razoável acerca do que existe ou não existe.
Depois, o amor. «Agora que está aí o Natal, é ocasião para meditar no Deus que manifesta a sua benevolência e magnanimidade criadoras no rosto de uma criança. Jesus não veio senão revelar que Deus é amor, favorável a todos os homens e mulheres» (mas não às crianças que pisam minas).
Usamos a palavra “amor” para referir o que sentimos por alguém ou para referir esse alguém. Esta ambiguidade é ideal para a teologia. No primeiro sentido “Deus é amor” dá uma evidência directa que Deus existe. Todos sentimos amor e os crentes amam Deus. O sentimento existe. E torcendo a palavra para o outro lado concluem que o objecto desse amor também existe. É um disparate atraente. É disparate porque o objecto do nosso amor pode nem se parecer com aquilo que julgávamos amar. Mas é atraente porque preferimos esquecer essas experiências dolorosas e fingir que não é assim. O amor não só cega como enfraquece as ideias.
E quando torcem o amor com a ciência têm uma combinação perfeita. «A existência de Deus não é objecto de saber de ciência, à maneira das matemáticas ou das ciências verificáveis experimentalmente.» Ou seja, a existência de Deus não é ciência por não ser de cariz experimental. E Deus é amor, que sabemos não ser científico. Mas isto só encaixa torcendo as palavras. Porque o amor é experimental; é experimentando-o que o conhecemos e é pela experiência quotidiana que sabemos quem amamos e quem nos ama. E o amor só não é científico porque nos falta uma teoria detalhada. Falta-nos as palavras para modelar o amor. Falta-nos o logos do amor.
Mas isso é o que a teologia finge ser. O logos de Deus que, segundo dizem, é amor. A teologia é a teoria do amor inventada por celibatários que baralham as palavras e negam a experiência. Não admira que mesmo ao fim de tantas voltas não tenham chegado a lado nenhum.
*A desculpa para isto é a vontade livre. É um argumento válido, e aceito-o. Mas apenas nos casos em que a própria criança pôs lá a mina.
1- CNN, 23-10-08, Atheists Run Ads Saying God ‘Probably’ Doesn’t Exist
2- Anselmo Borges, DN, 20-12-08, ”Provavelmente Deus não existe”
um post tipicamente obreirista
ResponderEliminar(desculpa a terminologia obscura datada de um esquerdismo de muitos anos :))
(PS. o obreirimo era uma corrente que defendia que apenas os operários e os camponeses tinham legitimidade revolucionária; consequentemente, as teses obreiristas defenduam que só a prática da luta de classes era importante e condenava como intelectualismo pequeno-burguês qualquer tentativa de conceptualização da política revolucionária)...
Boas Festas de Fim De Ano!
corrigendum:
ResponderEliminaronde se lê
"obreirimo", "defenduam" e "condenava"
deve ler-se
"obreirismo", "defendiam" e "condenavam"
Timshel,
ResponderEliminarEu não estou a argumentar que lhes falta legitimidade mas sim que lhes falta coerência.
E isso não abordaste no teu comentário.
Por exemplo, explica lá o que quer dizer "Deus é amor". Quer dizer que Deus é um sentimento?
E o que é a teologia?
Ludwig
ResponderEliminarPessoalmente (ao contrário da esmagadora maioria dos cristãos e não cristãos) não tenho a coerência em grande conta.
(subscrevo aliás as palavras que li há uns dias aqui num comentário do João Vasco sobre o problema da hipocrisia - mas isso é um tema que nos afastaria deste post)
também não sei exactamente a que coerência é que te estás a referir
embora desvalorize o valor intelectual da coerência comportamental, prezo imenso a coerência lógica
para um católico, todos os homens são pecadores, inclusive o Papa
exige-se a santidade embora se saiba que é impossível alcançá-la de modo absoluto
o catolicismo apenas diz que é para aí que devemos estar sempre virados (e que quando, por falta de atenção ou por qualquer outro motivo, deixamos de estar para aí virados, devemos virar-nos para a santidade o mais depressa possível)
e o que é a santidade?
é o caminho para o amor
e o que é o amor, perguntas tu?
curiosamente dás no post uma excelente definição dele: "o amor é experimental; é experimentando-o que o conhecemos e é pela experiência quotidiana que sabemos quem amamos e quem nos ama"
é verdade que acrescentas que "o amor só não é científico porque nos falta uma teoria detalhada (...) o logos do amor."
isto é, tu sabes e qualquer um sabe o que é o amor pois é uma vivência mas consideras que ela não é conceptualizável
estou a rabiscar em cima do joelho mas parece-me que embora incompletas, a definições do amor como disponibilidade ao outro, atenção ao outro, preocupação com a felicidade do outro são bastante válidas
a necessidade da sua conceptualização advém da natureza humana: somos seres emocionais mas também somos seres lógicos
porque devemos amar? é a isto que a teologia (e a filosofia) procuram responder
se calhar um dos maiores erros da teologia católica é procurar excessivamente dar respostas a "como devemos amar" mas isso é de novo outra grande discussão
Ludwig,
ResponderEliminarAs crianças que pisam minas foram eliminadas pela selecção natural. Claramente elas não eram aptas para a sobrevivência.
Segundo, uma vez que "Deus provavelmente não existe", a morte de uma criança tem tanto valor como a morte de um gato de estimação. Darwin e a teoria da evolução mostram que o homem é apenas mais um animal, e portanto a morte de crianças é apenas a morte de mais bocas para alimentar.
Timshel,
ResponderEliminar«Pessoalmente [...] não tenho a coerência em grande conta.»
É... também já tinha desconfiado ;)
«também não sei exactamente a que coerência é que te estás a referir»
O problema que falo no post. Platão deu um exemplo com os sofistas. Dionysodorus argumentou que Sócrates era pai de um cão porque Sócrates era pai e ninguém podia ser e não ser pai ao mesmo tempo. Por isso se Sócrates era pai tinha que ser pai do cão porque senão era pai e não era ao mesmo tempo.
Esta confusão entre dois sentidos da palavra ("pai" como predicado de um individuo e "pai de" como relação entre individuos) é o tipo de coisa que vejo muito na teologia. Com o saber (em que por vezes exige evidências, outras fé, outras implica certezas e outras não), com as razões (que muitas vezes não têm nada de razoável por serem mero capricho) e com o amor (que ora é sentimento ora é pessoa).
Se não somos coerentes no que dizemos e escrevemos não cometemos nenhum pecado. Mas também não comunicamos nada de jeito.
«isto é, tu sabes e qualquer um sabe o que é o amor pois é uma vivência mas consideras que ela não é conceptualizável»
Não. Sou mais modesto que isso. Considero que ainda não temos um bom modelo teórico do amor. Mas não assumo que tal modelo é impossível de obter só porque eu não o conheço. Essa é uma falta de modéstia mais característica dos religiosos, que confundem ignorância com mistério insondável.
«parece-me que embora incompletas, a definições do amor como disponibilidade ao outro, atenção ao outro, preocupação com a felicidade do outro são bastante válidas»
Seja. Mas a definição da palavra não é o mesmo que o modelo da coisa. Posso definir "gravidade" como aquilo que faz as coisas terem peso e mesmo assim não fazer ideia do que é a gravidade nem ter modelo nenhum desse aspecto da realidade.
«a necessidade da sua conceptualização advém da natureza humana: somos seres emocionais mas também somos seres lógicos»
Mais uma vez, de acordo. Também sou a favor de criar modelos conceptuais de tudo o que conceguirmos. São úteis. O que critico é a forma como os teólogos propõem obter esses modelos, pela fé e pela ambiguidade.
«se calhar um dos maiores erros da teologia católica é procurar excessivamente dar respostas a "como devemos amar" mas isso é de novo outra grande discussão»
Eu diria que o maior erro da teologia católica é a teologia católica :)
Mats,
ResponderEliminar«As crianças que pisam minas foram eliminadas pela selecção natural. Claramente elas não eram aptas para a sobrevivência.»
Estás a confundir duas coisas muito diferentes. Sobrevivência e aptidão, no sentido evolucionario, são conceitos muito diferentes. Um salmão que fertiliza cem mil ovos e morre é muito apto e não sobrevive. Uma tartaruga estéril que vive duzentos anos é um excelente sobrevivente mas tem aptidão nula.
Mais importante, estás a confundir o que é com o que deve ser. Crianças morrem, doenças aparecem, desgraças acontecem. Há pessoas boas e más. Mas a questão é se alguém omnipotente e omnisciente mandasse nisto e pusesse as coisas como deve ser, não seriam diferentes?
«Segundo, uma vez que "Deus provavelmente não existe", a morte de uma criança tem tanto valor como a morte de um gato de estimação.»
Para Deus sim. Mas isso é porque Deus não existe. Mas para mim já não. Eu existo e, felizmente, não preciso consultar o teu livrinho para saber que uma criança pisar uma mina é uma coisa má e, se eu soubesse onde estava a mina e estivesse a ver a criança a aproximar-se, também não preciso do teu deus para decidir avisá-la.
Tu finges que tens uma moral melhor que as outras mas enganas-te. É o contrário. Tu delegas a tua responsabilidade moral num livro e naqueles que o interpretam e, assim, tornas-te amoral.
Se não existe diferença entre crianças que pisam minas e as que não pisam, então não se deve à selecção natural. Mesmo na Origem das Espécies recomenda-se cuidado em atribuir características e acontecimentos à selecção natural, dando o pescoço de um abutre como exemplo - pode ser como causa o contacto com a putrefacção.
ResponderEliminarO Mats não deve achar apenas que Deus provavelmente existe - ele acha ter mais de 100% de certeza, bastante contrária à postura do ao "Deus provavelmente não existe". VenomFangX já acusou os evolucionistas que acharem-se o pico da evolução, como deuses, e agora vem este Mats dizer o contrário. Por que é muito mais fácil esmagar uma formiga do que esmagar a cabeça de um gato? Noto que foi identificada uma japonesa que enviava vídeos onde mostra a esmagar cabeças de gatinhos com saltos-altos. É uma enfermeira. Será que o Mats não ficaria tão triste como eu fiquei com a morte de uma gata de estimação por causa de um tumor abdominal?
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"Torcer as palavras" é uma falácia bem conhecida, chamada falácia da ambiguidade ou da anfibiologia. Quer dizer que os termos são usados com diferentes significados, mas dando a impressão que são usados com o mesmo significado. Assisti a um vídeo no YouTube uma explicação da Trindade usando o tempo composto por passado, presente e futuro. Mas traduzindo o que dizem nos exemplos "time" para português, seriam usados os termos "tempo" e "horas" consoante o contexto, revelando a falácia.
É interessante o facto do prof. Anselmo Borges assumir a existência de Deus à priori, ignorando a questão "Deus existe?", passando uma "questão de Deus". E há também a ideia de que os ateus assumem que um deus seria necessariamente maléfico, logo indesejável, mas lembro-me que o João Vasco já escreveu para apoiar o contrário em resposta ao Ludwig.
Ludwig,
ResponderEliminarno filme "A Esfera" os cientistas questionavam se a vida extraterrestre que estavam prestes a encontrar seria boa ou má, mortal ou imortal. O personagem interpretado por Samuel L. Jackson disse que se fosse imortal e não sentisse dor, não poderia compreender o que é moral e imoral, logo não teria qualquer problema em acabar sem remorsos com uma vida.
É muito mais fácil para uma pessoa matar formigas sem sentir culpa ou pena por causa disso, do que matar um gato. Existe maior empatia com um gato. É preciso ser como o Mats para poder colocar gatos num saco e lançá-lo a um rio como se fossem um monte de pedras.
Ludwig
ResponderEliminardizes:
"a definição da palavra não é o mesmo que o modelo da coisa"
no caso do amor, talvez seja necessário distinguir o pedido de Deus-Amor das manifestações concretas da aceitação por parte dos homens desse pedido
supondo que eu ou tu ou qualquer pessoa decide ter um comportamento conforme a uma das definições que dei do amor (disponibilidade ao outro, atenção ao outro, preocupação com a felicidade do outro) o meu problema não é a modelização possível desse comportamento (isso levar-nos-ia para outras discussões sobre a natureza humana, as variáveis da produção de comportamento, o determinismo, os resultados de inputs fornecidos a sistemas complexos, etc.)
o problema é saber, de um ponto de vista lógico, qual a razão porque deverei atender a esse pedido ou sequer se existe esse pedido
e caso considere que esse pedido não existe (nomeadamente porque não acredito em Deus) quando e porque é que hei-de produzir esse tipo de comportamentos (disponibilidade ao outro, atenção ao outro, preocupação com a felicidade do outro)
Timshel,
ResponderEliminar«no caso do amor, talvez seja necessário distinguir o pedido de Deus-Amor das manifestações concretas da aceitação por parte dos homens desse pedido»
Antes disso devemos avaliar as evidências que temos para concluir que há tal coisa como um "Deus-Amor" que pede o que quer que seja.
É isso que falta...
Nota que por muita fé que eu tenha na existência de uma rena siberiana de pele azul que me ama profundamente isto, por si só, não é evidência da existência de uma rena siberiana de pele azul que me ame profundamente.
O que te faz dizer que há um "Deus-Amor" que nos ama?
"O que te faz dizer que há um "Deus-Amor" que nos ama?"
ResponderEliminareu alguma vez disse isso? :)
como vocês dizem, "Deus provavelmente nem sequer existe" :)
a sério:
ResponderEliminarnão sei se Deus existe ou não
de um ponto de vista lógico, o Deus-Amor parece-me uma necessidade
mas não tenho provas nenhumas que Ele exista (tal como não tenho provbas nenhumas que Ele não exista)
se decidires chamar ao Deus-Amor, isto é, a entidade que pode existir e pode ter criado o Universo com um certo sentido que é talvez o de pedir ao Homem que escolha o Amor, e lhe chamares rena siberiana de pele azul, por mim não tenho problemas
Timshel,
ResponderEliminarA pergunta é feita em função do VOSSO ponto de vista, certo!? Por isso se nós acreditamos ou não, isso é irrelevante, o que fizeste foi contornar a pergunta fugido à resposta que ficou por responder.
Pergunto então: consegues responder no TEU ponto de vista? Ou só consegues, quando este tipo de perguntas surge, patinar na resposta? Até aqui cheira a borracha queimada... LOL
Timshel,
ResponderEliminar«mas não tenho provas nenhumas que Ele exista (tal como não tenho provbas nenhumas que Ele não exista)»
Não achas isso suficiente para conluir que não existe?
Dou um exemplo clássico: o bule de loiça a orbitar o Sol entre a Terra e Marte. Sem evidências que tal coisa exista ou não exista, o que concluis?
«de um ponto de vista lógico, o Deus-Amor parece-me uma necessidade»
(A ou ~A) é necessariamente verdadeiro. Mas a lógica é um conjunto de operações simbólicas. Não permite, por si, dizer nada acerca do que existe ou não existe.
Por isso penso que essa tua necessidade lógica, é irrelevante.
«se decidires chamar ao Deus-Amor, isto é, a entidade que pode existir e pode ter criado o Universo com um certo sentido que é talvez o de pedir ao Homem que escolha o Amor, e lhe chamares rena siberiana de pele azul, por mim não tenho problemas»
Não falo do nome que usamos mas do critério pelo qual decidimos se algo existe ou não, e que atributos tem.
Primeiro, existe uma coisa que criou todo o universo?
Segundo, se existe, é uma pessoa com vontade, sentimento, conhecimento, consciência, etc?
Nem sequer há indícios que justifiquem responder afirmativamente à primeira pergunta. Dizer que sim à segunda é um disparate...
Ludwig
ResponderEliminarO que achas que criou o Universo?
Deus-Amor, o bule de loiça ou a rena siberiana de pele azul? (a resposta "não sei" não adianta muito porque nesse caso seria melhor irmos discutir quem achas que via ganhar o campeonato nacional de futebol como diria o Wittgenstein
1- “A teologia safa-se pelo domínio da ambiguidade”
ResponderEliminarAntes de formular esta conclusão, julgo que seria importante fundamentá-la com as devidas premissas. Em que se baseia? No Anselmo Borges? Com todo o respeito que lhe tenho, ele não é a figura da teologia contemporânea. Porque não ler Karl Rahner, U.Von Balthazar e depois tirar conclusões.
Não percebo como conclui a inexistência de Deus, pela existência do sofrimento. Não creio que uma seja incompatível com a outra. E gostava que me explicasse esta velha conclusão.
2- “Usamos a palavra “amor” para referir o que sentimos por alguém…”
Esta expressão plural “usamos” refere-se a quem. Não me sinto integrado nesse plural, até porque a dificuldade reside precisamente aí quando teimamos em associar amor a um sentimento. Também é. Mas também pode haver amor sem sentimento. E depois não percebo o esgrima de palavras que faz com a palavra amor e a palavra de Deus. Não percebo aonde quer levar? Mas se este blog fala de tretas…(pelo que leio na descrição deste blog) porque é que a treta de Deus é uma treta que tanto lhe incomoda? Não acha que ignorá-lo seria da sua parte uma posição que melhor o tomaria como treta? É que dar tanta importância, tanto relevo a uma treta que faz crer…as tantas ainda me leva a pensar outras coisas. :)
3- “A teologia é a teoria do amor inventada por celibatários que baralham as palavras e negam a experiência.”
Pedia-lhe, se possível algum cuidado na definição de teologia. Porque se eu agora definisse ciência nos mesmos termos com que definiu teologia, chamar-me-ia ridículo e com razão. Porque de facto eu porque não do campo das ciências não posso adiantar alguns conceitos. Assim, como você não pode adiantar este conceito de teologia porque senão perde autoridade para falar de Deus. Aliás eu não queria tomar este post como os objectos que são alvos dos seus posts.
Portanto, sinto que alguns dos seus posts são interessantes, mas este de facto e aceite a minha sinceridade parece-me estar escrito de forma deturpada e pouco verdadeira. E como o tomo como pessoa de dialogo, devemos ter o cuidado de não ridicularizar o campo das pessoas com quem nos propomos dialogar.
Abraço
Luís Bastos,
ResponderEliminar«Antes de formular esta conclusão, julgo que seria importante fundamentá-la com as devidas premissas.»
Leia o resto do post. E não, não me baseio apenas no Anselmo Borges.
Mas se quiser explicar como a teologia contemporânea esclarece estes problemas, esteja à vontade.
«Não percebo como conclui a inexistência de Deus, pela existência do sofrimento.»
Aínda bem porque não é isso. Eu concluo que Deus não existe por dois tipose de razões. Primeiro, porque não há nada que precise dessa hipótese como explicação. Quando não vejo pegadas de gato, não ouço miar, não há pelos de gato nem cheiro a gato assumo que não está lá nenhum gato. O mesmo para o Pai Natal, Deus, e que mais calhe.
E em segundo lugar pela indiferença do universo ante o nosso sofrimento. Não é o sofrimento em si que me diz não haver Deus. É a natureza não se ralar minimamente com isso que demonstra não haver ninguém a mandar que se preocupe.
«Esta expressão plural “usamos” refere-se a quem.»
Ao significado usual da palavra. Consulte um dicionário.
« E depois não percebo o esgrima de palavras que faz com a palavra amor e a palavra de Deus. Não percebo aonde quer levar?»
Quero criticar a incoerência de "Deus é amor" e os raciocinios falaciosos que daí se derivam.
«porque é que a treta de Deus é uma treta que tanto lhe incomoda?»
Não me incomoda tanto quanto algumas outras (o criacionismo, por exemplo). Mas gosto de a discutir porque há tanta gente a caír nela.
«Pedia-lhe, se possível algum cuidado na definição de teologia.»
Não estava a definir teologia. Estava a manifestar o que penso dela. Se estou errado, óptimo. A melhor maneira de se aprender é expor claramente os nossos erros para que outros os apontem e corrijam.
«Porque se eu agora definisse ciência nos mesmos termos com que definiu teologia, chamar-me-ia ridículo e com razão.»
Talvez. Mas se lhe chamasse ridículo por isso adiantava também uma explicação do que é a ciência e tentava esclarecê-lo. Veja alguns posts onde escrevo sobre ciência e certamente notará esse padrão.
O que não faço é apenas dizer "isso é errado" e não explicar nada. Leia o seu comentário nesta perspectiva a ver se não quer adiantar algo de mais concreto para avançar o diálogo...
«E como o tomo como pessoa de dialogo, devemos ter o cuidado de não ridicularizar o campo das pessoas com quem nos propomos dialogar.»
Pelo contrário. Na minha experiência de alguns anos a discutir coisas destas, ridicularizar um pouco é essencial para filtrar as pessoas com quem vale a pena dialogar. São aquelas que não se importam com um pouco de sarcasmo e que se sentem suficientemente confiantes da sua posição para a tentar fundamentar.
Em contraste, as que se ofendem com um pouco de ridículo são aquelas que não querem reconhecer o ridículo da sua posição mas que também não conseguem justificar que não o seja, e resta-lhes apenas fingir-se ofendidas ou recorrer à condescendência. Com essas não vale muito a pena dialogar, se bem que por vezes dá gozo ridicularizar ainda mais.
Acima de tudo, não se esqueça que isto não é um trabalho. É um hobby. Escrevo porque me diverte, por isso escrevo o que me diverte.
Mas dê lá por onde der, obrigado pelo seu comentário.
1- Eu sei que não se baseia apenas em Anselmo Borges então em quem mais se baseia? Porque ou não li o post com atenção ou a única fonte/figura citada é ele.
ResponderEliminar2- Pergunta-me como é que a teologia resolve estes problemas? Esta a referir-se a que problemas? Só referente ao sofrimento? O sofrimento tem duas naturezas: uma por responsabilidade minha (eu faço o mal a alguém e portanto provo-lhe o sofrimento), o chamado mal moral; e outra pelo qual não tenho responsabilidade (desgraças naturais, tsunamis, terramotos, etc). O primeiro (sobre o qual tenho responsabilidade) é a garantia da liberdade que me foi dada por Deus. Porque sou livre, entre as várias alternativas e possibilidades de escolha tenho a capacidade de optar. Deus porque me criou tem de admitir que eu possa fazer o mal, que faça sofrer. Esta dimensão do sofrimento não me causa embaraço, nem vejo a dificuldade de comprendê-la. Poderiamos dizer: “Mas se Deus é amor, Ele não deveria evitar o sofrimento?” Mas, é que o “evitar” pressupõe interferir na nossa liberdade. Estaria precisamente a negar-se ao princípio de liberdade. Resta saber como manuseamos uma liberdade recebida.
3- “Quando não vejo pegadas de gato, não ouço miar, não há pelos de gato nem cheiro a gato assumo que não está lá nenhum gato.”
Tal como no comentário anterior é preciso algum cuidado para tirar conclusões precipitadas. Eu enquanto estou a escrever este comentário, também não vejo pegadas de gato, não estou a ouvir miar, nem há pelos de gato, nem me cheira a gato mas não posso concluir que por tais factos, que o gato não existe. Não estar é diferente de não existir.
Mas mesmo assim esse exemplo não se aplica a Deus. Porque para falarmos de Deus, o homem não pode ser o centro, ou seja, o homem não pode definir Deus pondo-se no centro: “porque não vejo, não existe; porque não ouço, não existe.” Parece-me de novo precipitado concluir a inexistência de Deus a partir da incapacidade humana. É o mesmo que dizer, eu porque não compreendo algum dos conteúdos dos seus posts (porque não temos a mesma área de formação) eles não existem.
Desculpe, a minha sinceridade mas sinto-o aquém nos seus comentários e em concreto neste ultimo post as contínuas inferências precipitadas. Digo isto somente porque em posts anteriores a qualidade argumentativa era substancialmente melhor.
4- Quanto ao “usamos” não é uma coisa de dicionário é uma coisa de apelo a uma opinião de todos. Fiquei curioso que pessoas concordariam consigo quando diz que o amor é um sentimento. Desculpe se estou a insistir demasiado nesta tecla, mas de facto dessa conclusão podem nascer outras dificuldades mais difíceis de resolver. Estou a tentar e à raiz do problema e dizer-lhe que a expressão “amor é um sentimento” tem algo de falacioso. Somente uma chamada de atenção.
5- Segundo percebi sente a necessidade de escrever sobre Deus porque há muita gente a cair nela. Admiro o seu sentido humanitário, mas se Deus é seguramente uma treta as pessoas verão que não passará de uma treta. Aliás, como lhe disse a melhor forma de lidar como uma treta, é não lhe reconhecer valor, ignorá-la simplesmente. Porque, deixe dar-me a minha opinião. Chamar treta a Deus e escrever o que escreve e como escreve, parece-me contraditório. Como lhe disse anteriormente, para quem está de fora, não digo que seja o caso, mas o que é o transmite é uma contradição. Portanto, se não é essa a sua intenção pedia-lhe que tivesse algum cuidado porque outros poderão ficar com a mesma percepção.
Eu não me importo que ridicularize o meu argumento, agora cuidado porque muitas vezes a fronteira entre ridicularizar o argumento e ridicularizar o autor nem sempre é obvia.
Abraço!
Caro Luis Bastos,
ResponderEliminarReparo que o seu diálogo com o Ludwig pode ser interessante e odeio intervir, especialmente quando sei que o Ludwig argumenta bem melhor do que eu. Não concordo com nenhum dos seus pontos, mas há um deles que me picou de sobremaneira, que é quando se refere, no ponto 5, da necessidade aparentemente algo contraditória do Ludwig de falar destas coisas se não lhas dá a importância devida, argumentando que quando as coisas são treta, então as pessoas reconhecerão a coisa.
Picou-me porque bem vejo que é inteligente e no entanto escolhe tomar a audiência por idiota, e vir com o paleio manso de que vá vá, não se fale nestas coisas, porque enfim, não importa, xiu xiu estejam caladinhos mas é. Qual é o seu problema? Não leu o título do blog? Não conclui que o tema do mesmo é precisamente a denúncia das tretas em geral? Pior, não sabe que se é uma "treta", é porque há pessoas a caír nelas? O seu argumento é tão mau como dizer que uma vigarice nunca deve ser criticada porque é facilmente desmascarada pelas pessoas. Ora se assim fosse, não haveriam nem tretas nem vigarices, não será assim?
Apenas leio no seu comentário esta necessidade recorrente e repetente de que os terceiros tenham cuidado cuidadinho no que falam. Porque será? Qual a ferida que os textos lhe abriram na alma? Não estará a projectar nos outros as suas próprias incongruências, dúvidas, desalentos e falta de fé, e culpá-los pelos seus próprios problemas? Especulo, sim, mas é um cheiro que me chega.
De resto continue, que eu sempre gosto de ler espadachins intelectuais!
Bem haja
Caro Barba Rija
ResponderEliminarEmbora a conversa não seja comigo sempre gostava de saber se tem uma resposta para a questão que coloquei.
Se acha que é útil discutir a existência de Deus (e eu até acho) o que é que criou o Mundo?
A Treta, Deus-Amor, o Bule de Loiça ou a Rena Siberiana da Pele Azul?
A resposta "não sei" não serve, porque, como diria Wittgenstein, então não estavamos aqui a fazer nada e mais valia este blogue dedicar-se ao futebol (repito que prefiro o tema actual do blogue do que a discussão de futebol - mas isso sou eu que sou crente)
Luís Bastos,
ResponderEliminar«Eu sei que não se baseia apenas em Anselmo Borges então em quem mais se baseia?»
Este post foi um comentário ao texto do Anselmo Borges, mas a minha opinião da teologia baseia-se noutros autores e em várias discussões com teólogos. Mas penso que é mais relevante discutir o que acha que está errado na minha opinião do que fazer o historial de como a formei...
«Porque para falarmos de Deus, o homem não pode ser o centro,»
Mais uma vez, termos ambiguos dificultam o entendimento. Também não me considero no centro quando determino se há gato ou não. Mas isso guardo para um post.
«Estou a tentar e à raiz do problema e dizer-lhe que a expressão “amor é um sentimento” tem algo de falacioso.»
A expressão "amor é um sentimento" pode ser incorrecta se a palavra amor não for usada para se designar aquilo que se sente (sentimento) por alguém. Esta expressão pode até ser uma mentira se eu o afirmasse quando estava a usar a palavra "amor" com outro sentido. Mas a expressão, por si só, não pode ser falaciosa porque uma falácia é um raciocínio inválido e enganador.
Mas voltando ao significado da palavra. Alguma vez sentiu amor por alguém? Se sentiu, esse sentimento era amor.
« Segundo percebi sente a necessidade de escrever sobre Deus porque há muita gente a cair nela.»
Não escrevo sobre Deus. Escrevo sobre a crença em deuses, entre os quais esse. E não o faço por necessidade mas porque me apetece.
«Chamar treta a Deus e escrever o que escreve e como escreve, parece-me contraditório.»
A mim não. A treta, ao contrário do que diz, não é algo que desapareça quando se deixa em paz. Até precisamos de leis contra burlas e fraudes por causa disso, e os seus próprios comentários revelam que, quando o Luís se encontra perante uma treta que o incomoda, também escolhe criticá-la.
Mas mesmo que eu faça por vezes uma coisa que seja contrária a outra opinião minha, que mal tem isso? Não lhe apetece às vezes carne e outras vezes peixe?
«Eu não me importo que ridicularize o meu argumento, agora cuidado porque muitas vezes a fronteira entre ridicularizar o argumento e ridicularizar o autor nem sempre é obvia.»
É, quando a pessoa se distingue claramente das opiniões que tem. Não é quando a pessoa se confunde com as opiniões que tem. Uma boa maneira de testar se a pessoa com quem dialogamos está disposta a mudar de opinião se lhe dermos razões para isso é ver se essa pessoa consegue distinguir claramente um ataque à opinião de um ataque à sua pessoa.
É em parte por isso que é importante um pouco de ridículo. Quem tem essa dificuldade que o Luís aponta normalmente é alguém com quem o diálogo não será produtivo.
Timshel,
ResponderEliminar«Se acha que é útil discutir a existência de Deus (e eu até acho) o que é que criou o Mundo?»
Já estás a adiantar-te demais. Existe o universo, e isso é intrigante. Mas perguntar o que é que o criou já assume que foi criado e que foi criado por algo.
E dizer que foi Deus, um deus pessoal, assume que foi criado por alguém.
Isso são coisas que não se deve assumir sem evidências fortes primeiro. Por isso sugiro que recues um pouco e comeces do inicio:
Há algo que possamos saber que explique a existência do universo?
Se sim, esse algo foi uma coisa ou um acontecimento?
Se foi uma coisa, aínda existe?
E se foi coisa e aínda existe, é um criador? É pessoa? etc...
Neste momento o que a física sugere é que aquilo que explica a origem do universo foi um acontecimento, e as perguntas seguintes nem fazem sentido.
Ora bolas Ludwig, arrancaste o bolo da minha boca!
ResponderEliminarPois é Timshel, a tua pergunta está carregadíssima, ou como diriam os ingleses, uma loaded question, ou seja, uma pergunta que condiciona pela sua formulação uma resposta dando a aparência de liberdade. Ao perguntares então quem criou este Mundo estás já a pressupor que alguém criou este Mundo, quando é precisamente isso que está em questão. Não escreveste exactamente "Quem", mas pelas hipóteses que dás é isso que transparece. Ora se alguém criou este mundo, necessariamente seria um Deus, ou um Demiurgo, pelo que aquilo que convocas é uma tautologia.
No entanto, ninguém disse que tem de ser "alguém". Alguém criou as montanhas? Não, foi a erosão. Ou quando muito, os movimentos tectónicos. Nem tudo foi criado por "alguém". Diria até que a maior parte das coisas que existem.
Agora, perguntas-me, o que criou então o Universo? Muitos cientistas responder-te-ão o Big Bang. Ah, tá bem, mas o que é que originou o BB, e "não sei" não vale. Ora, valerá mais porventura inventar uma resposta? Essa agora! Como não se sabe, GodDidIt? Invocas somente o Deus-das-Lacunas. E nem penso que se está a perder tempo com isto, vejo com enorme interesse as grandes deambulações matemáticas com que os cientistas matam as suas cabeças a pensar neste assunto.
Caros Ludwig e Barba Rija
ResponderEliminar"Neste momento o que a física sugere é que aquilo que explica a origem do universo foi um acontecimento"
"se alguém criou este mundo, necessariamente seria um Deus"
dizem vocês, sugerindo que ninguém criou o Universo
em que é que a vossa Fé (que ninguém criou o Universo) é diferente da minha (que Deus-Amor criou o Universo)?
Timshel,
ResponderEliminar«em que é que a vossa Fé (que ninguém criou o Universo) é diferente da minha (que Deus-Amor criou o Universo)?»
Eu estou preparado para mudar de opinião ao sabor das evidências. Neste momento, o que sei da física indica que o universo que conhecemos resultou de uma flutuação quântica, um acontecimento sem causa que fez desenrolar uma bolha de espaço-tempo. E inclino-me para esta hipótese porque é a explicação mais coerente com o que sabemos do funcionamento da natureza.
Mas assim que conhecer uma explicação melhor, mais detalhada, mais suportada por evidências, terei todo o gosto em mudar de opinião.
Penso que, por isso, a minha opinião não é uma de fé. Não lhe dou valor nenhum para além da sua capacidade de explicar observações e troco-a de bom grado por qualquer outra que as explique melhor.
É essa a tua atitude para com a tua hipótese? Penso que não... a tua conversa do sentido último e assim sugere que a opinião que defendes não é o resultado de te guiares pela preoponderância da evidência mas sim uma consequência de quereres muito que isso seja verdade e, por isso, estares muito relutante em mudar de ideias. Isso é fé. Mas é uma maneira pouco fiável de formar opiniões que queremos corresponder à realidade.
Ludwig
ResponderEliminardizes:
"Neste momento, o que sei da física indica que o universo que conhecemos resultou de uma flutuação quântica, um acontecimento sem causa que fez desenrolar uma bolha de espaço-tempo. E inclino-me para esta hipótese porque é a explicação mais coerente com o que sabemos do funcionamento da natureza."
repara, contudo, que a inexistência de sentido, isto é, de propósito, na existência da matéria ou do universo, nunca poderá ser certificado pela própria matéria pois o "dever ser" decorrente de uma concepção teleológica apenas pode ser "declarado" por uma "entidade externa" (Gödel dixit)
por outras palavras, apenas uma entidade externa (chamemos-lhe Deus, Bule de Loiça ou Rena Siberiana de Pele Azul) à qual reconheçamos um qualquer tipo de "autoridade moral" pode certificar a inexistência de sentido ou de propósito no Universo
se um velho de barbas, sentado num sofá, descesse dos céus por um qualquer meio e declarasse, revestido de uma autoridade intrínseca à qual eu reconhecesse uma validade externa ao Universo (o que neste momento não me faz qualquer sentido) e declarasse:
- que tinha criado o Universo sem saber muito bem porquê nem como e que apenas se tinha divertido muito com a história da humanidade e das suas peripécias, ou
- que tinha criado o Universo calculado ao milímetro em que tudo o que aconteceu e o que vier a acontecer foi por ele planeado meticulosamente ao nível quântico, ou
- que ele podia certificar que o Universo aconteceu por acaso, sem qualquer sentido ou propósito e que tudo o resto aconteceu por uma cadeia causa-efeito que, a um nível complexo, é impossível saber se é deterministica ou indeterministica, e que o melhor é não nos preocuparmos muito com isso e gozar a vida simplesmente de acordo com aquilo que pensamos ser o bom-senso
eu lamentaria muito ter acreditado no Deus-Amor, apresentar-lhe-ia os meus cumprimentos e mandá-lo-ia à merda
e vocês?
Timshel,
ResponderEliminar«repara, contudo, que a inexistência de sentido, isto é, de propósito, na existência da matéria ou do universo, nunca poderá ser certificado pela própria matéria pois o "dever ser" decorrente de uma concepção teleológica apenas pode ser "declarado" por uma "entidade externa" (Gödel dixit)»
Discordo por duas razões. Primeiro, porque acho que estás enganado (e Gödel não diz nada disso). E, segundo, porque nada disso é relevante para concluir acerca da existência do teu deus. Mesmo que fosse verdade que só o teu deus pudesse determinar o sentido e essas coisas isso não nos diria que ele existe. Só o superhomem consegue fazer o tempo andar para trás girando rapidamente à volta da Terra. Isso não implica que o superhomem exista.
«que ele podia certificar que o Universo aconteceu por acaso, sem qualquer sentido ou propósito »
Certificar? Ninguém me certificou que tu existes. Ainda assim continuamos esta conversa. Não se trata de certificação. Trata-se do peso das evidências. Neste momento, os dados que tenho indicam que a) tu existes e b) o teu deus não existe. Nada me certifica que não mudarei de ideias quando obtiver mais informação, mas por enquanto são essas as conclusões que os dados justificam.
A grande diferença entre a tua fé e a minha opinião é que tu aceitas algo sem evidência enquanto exiges que te certifiquem o contrário para mudar de ideias, sabendo que é impossível certificar o que quer que seja porque podes sempre pôr a fasquia mais alto.
Eu considero todas as hipóteses, à partida, merecedoras de igual confiança e deixo que sejam as evidências a indicar, a cada momento, qual a mais verosímil. Por isso sou céptico em vez de crente.
Ludwig
ResponderEliminardizes
"deixo que sejam as evidências a indicar, a cada momento, qual a mais verosímil. Por isso sou céptico em vez de crente"
contudo, no momento da acção, da decisão, quando as evidências não forem um instrumento suficiente para tomares uma decisão, qual é o critério com que fazes as tuas escolhas e porque é que fazes essas escolhas?
o que dirias de uma ética que defendesse que é justo dar a vida por uma pessoa que não se conhece, se isso lhe puder salvar a vida, sem que isso traga qualquer benefício para ninguém a não ser para a pessoa cuja vida foi salva?
Timshel,
ResponderEliminar«contudo, no momento da acção, da decisão, quando as evidências não forem um instrumento suficiente para tomares uma decisão, qual é o critério com que fazes as tuas escolhas e porque é que fazes essas escolhas?»
Se tenho que decidir algo que depende de factos então há três possibilidades. Ou não tenho evidências suficientes para decidir e adio a decisão, ou tenho evidências suficientes para decidir com confiança, ou não tenho evidências mas decido arriscar. Neste último caso posso agir à mesma mas admito que não tenho razões que justifiquem aquela escolha.
«o que dirias de uma ética que defendesse que é justo dar a vida por uma pessoa que não se conhece, se isso lhe puder salvar a vida, sem que isso traga qualquer benefício para ninguém a não ser para a pessoa cuja vida foi salva?»
Se quando dizes "justo" queres dizer moralmente louvavel agir voluntariamente dessa forma, não tenho nada contra. Um acto voluntário a bem dos outros não deve ser imoral (daí o meu problema com muitos "pecados" que os religiosos inventam, como por exemplo um homem ter relações sexuais com outro homem por amor quando ambos o desejam).
Mas se por "justo" queres dizer moralmente obrigatório agir dessa forma, aí não acho bem.
É a primeira vez que escrevo neste blogue, embora já tenho lido partes substânciais do que aqui se escreve, na sua maioria de grande ambiguidade, na medida em que não ajudam a construir o diálogo na diferença mas em "jogos de linguagem" codificados numa certa ignorância, sobretudo quando não fundamentamos as nossas razões com as fontes que permitem estabelecer esse diálogo.
ResponderEliminarEu apenas sugeria que antes de dizermos qualquer coisa sobre Deus, se lêsse a Sagrada Escritura (com olhos de ver=sabedoria humilde), ainda que não seja como crente, mas como simples leitor atento que lê uma obra literária; depois se aprofundasse a questão com dois autores de renome internacional: Urs von Balthasar "Só o amor é digno de fé" (Assírio & Alvim)e "Deus caritas est" (Bento XVI).
Talvez, mais tarde, se consiga dialogar sobre a profundidade humana da expressão: "Deus é amor", para além de clichés e pressupostos já adquiridos.
Caro Anónimo,
ResponderEliminarAgradeço a sugestão, mas agradecia ainda mais uma explicação. Dessas suas leituras e compreensão, que ideia lhe ficou do sentido em que se usa a palavra "amor" na expressão "Deus é amor"?
Sabe, penso eu, que dialogar não é apenas afirmar que o outro é ignorante. É também partilhar aquilo que sabemos e que o outro, alegadamente, desconhece (como por exemplo o nome... outra coisa que me custa a compreender é que tenham medo de dizer quem são quando discutem isto...).
Caro Ludwig,
ResponderEliminarQuando dizia que por vezes há uma ignorãncia implícita por detrás de jogos de linguagem, refiro-me simplesmente quando falamos de um tema e não utilizamos as fontes primárias dele, correndo o risco de uma "diadura opinativa".
Não me parece que quem acredita em Deus, sobretudo num Deus-amor, possa ser considerado ignorante ou retrógada, e vice-versa.
Não fala em relação às suas posições ou convicções mas simplesmente a meros comentários ridicularizantes, quer para um lado quer para outro.
A revelação de um Deus-amor é isto, caridade-amor ("charis")em levar a uma plenitude de encontro entre Deus-Homem e Homem-Divino.
Proponho como reflexão a partir das propostas feitas anteriormente e ainda a partir da desnidade do livro de Etty Illesum, judia do holocasto, a partir do qual dizia Adorno já era possível dizer nem pensar Deus.
Será possível pensar, Deus?
Certamente que alguns mesmo antes de colocar a pergunta já saberão dar a resposta exacta. Mas a pergunta não é de resposta fácil, aliás nem saberemos se tem resposta (Pensemos em Torgam Virgílio Ferreira, Dostoivski, Nietzsche, entre outros). Mas o que cada um saberá é que mais do que nunca precisamos D’ele, e mesmo se “Deus não me ajudar mais, nesse caso hei-de eu ajudar a Deus” (Etty Hillesum, Diário, Assírio e Alvim, 245). E quem disse isto sabia do que falava porque experimentou na carne e nos ossos o horror do holocausto.
Caso Freud fosse vivo diria que esta necessidade de Deus resulta de um subconsciente reprimido; Marx diria que em tempos de crise funciona como «ópio do povo»; Nietzsche diria que definitivamente «Deus morreu» face às convulsões emergentes de terror e desastres, remetendo tudo para a necessidade de se criar o Super-homem, capaz de combater e de não sofrer com nada nem com ninguém; Sartre, face ao terror e uma cultura de dramas, morte e medo, de verdadeiro “esplendor do caos” (E. Lourenço), confirmaria a sua tese de que jamais será possível haver essência e que somos absolutamente “seres para a morte” e que a “vida é um inferno” a céu aberto.
E o nosso mundo, o actual, o que pensará de Deus? Se olhar para as religiões, vistas no seu global, dirá que Deus não habita neste mundo, porque as religiões mais do que anunciar Deus, encarceraram-no no templo, em guerras inúteis de busca da verdade, e fundamentalismos sempre postos a matar em nome de Deus? Se olhar para os líderes mundiais, facilmente conceberá um Deus tirano, corrupto, sem escrúpulos, impiedoso, falacioso e sofístico? Mas já dizia a escritora e testemunha do horror humano: “estou pronta a testemunhar sob qualquer circunstância e até à morte que esta vida é bela e prenhe de sentido, e que não é culpa de Deus as coisas serem actualmente como são, mas culpa nossa” (Ibidem, 242).
Então como pensar Deus, para dizer Deus hoje, no meio de tanta pluralidade que se diz detentora da verdade? Primeiro, hoje ainda é possível falar de, com e em Deus, por meio de uma fé pessoal e comunitária. Segundo, que o Deus em que os cristãos acreditam é o de Jesus Cristo, encarnado numa história humana, que no paradoxo do sofrimento, e assumindo a dor humana, revelou a luz da ressurreição e da esperança a todos aqueles que O queiram ver. Terceiro, sobre o que se pode dizer de Deus brota de uma experiência pessoal e relacional, onde cada um, crente ou não, poderá dizer que Deus é amor. Ou como diz Kafka “tu não terias de fazer qualquer espécie de acção pedagógica, mas simplesmente levar uma vida quer servisse de exemplo; se o teu judaísmo [cristianismo…] fosse mais enraizado, o teu exemplo seria mais convincente” (F. Kafka, Carta ao Pai, 59). O pessoal e o ritual juntos fazem muita diferença, não nos deixam nem no puro subjectivismo nem no puro vazio do objectivismo.
Mas como fazer passar esta mensagem? É algo que cada um terá de ter necessidade de descobrir, de algum dia ir ao encontro do Deus vivo, e de celebrar, vivendo, essa fé com os outros. O amor de Deus não se impõe por decreto, ou se vive, ou então não é possível fazer uma experiência de e com Deus, e todas as iniciativas ficam reduzidas ao encanto, ao bonito, mas não ao substancial, que é o de transformar a vida em oração e a oração em vida profunda com os outros.
Ainda no dizer de Etty, um livro que todos poderiam e deveriam ler, “toda a energia e amor e confiança em Deus que uma pessoa possui, e que nos últimos tempos tem aumentado tão miraculosamente dentro de mim, deve estar disponível para qualquer outra pessoa que se cruze connosco e que precise” (Ibidem, 236).
Obrigado por esta oportunidade.
Com amizade.