O cu e as calças.
«A fim de que os leitores deste blogue não aceitem acriticamente os argumentos do Ludwig Krippahl», o Jónatas Machado comentou algumas afirmações que disse que eu proferi (1). Agradeço o esforço e lamento não poder dar à monografia a atenção que merece por ser o triplo do que me permito escrever num post. Focarei apenas o ponto 4 que alega eu ter defendido «a incompetência do designer argumentando com o sistema digestivo das vacas e os seus excrementos.» É, às vezes, a sensação que me dá. Mas não era esse o destinatário do meu argumento, que nem era sobre o intestino da vaca em si. Era sobre a digestão da celulose (2).
Nos mamíferos falta o pedacito de ADN que sintetiza a enzima que digere a celulose. Há em fungos, bactérias e até protozoários mas não em mamíferos. Daí a complicada digestão da vaca, que precisa de bactérias que lhe digiram erva, e a infeliz digestão do coelho que, por guardar as bactérias junto ao ânus, tem que comer ao pequeno almoço o que comera ao jantar. Literalmente. Argumentei que isto não sugere uma criação inteligente. Mesmo como piada seria um humor infantil. Nessa linha, prossegue o Jónatas.
«Esquece porém que esse argumento, levado às últimas consequências, nos obrigaria a comparar o cérebro do Ludwig com o sistema digestivo das vacas e os pensamentos do Ludwig com os excrementos das vacas. E poderíamos ter dúvidas sobre qual funciona melhor, já que para o Ludwig todos seriam um resultado de processos cegos e destituídos de inteligência.»
Num debate devemos interpretar cada argumento da forma mais favorável a quem o profere. Ao contrário de um julgamento, o objectivo não é safar o cliente nem punir o prevaricador. É apurar a verdade, e isso exige boa vontade. Daí o meu dilema. É que não sei se será pior interpretar isto como um insulto fraco ou se assumir que o Jónatas defende que se pensar e digerir forem processos naturais então o pensamento é excremento. Por isso passo à frente.
«[...] os criacionistas têm uma visão mais benigna do cérebro do Ludwig e dos seus pensamentos. As premissas criacionistas partem do princípio de que o Ludwig é um ser racional porque foi criado à imagem e semelhança de um Deus racional.»
Finalmente uma parte que consegue estar errada. Pode não parecer um grande feito mas, no contexto, sobressai pela positiva. É o problema recorrente (3) das explicações à criacionista. O Mats dá outro exemplo num post intitulado «Deus É a Explicação Mais Lógica»(4), onde um vídeo afirma que como o universo teve um início a melhor explicação é que Deus existe. Mas isso nem sequer é explicação.
Uma explicação é uma proposição que, no contexto do que sabemos, permite concluir o que queremos explicar. Por exemplo, que o copo está partido no chão porque caiu. O que sabemos permite concluir que o copo se parte nessas condições, por isso é uma explicação. E é uma boa explicação porque nos dá informação nova e testável acerca do que aconteceu sem invocar coisas das quais nada podemos saber. Em contraste, “Deus existe” não é explicação porque disto nada se conclui acerca do universo. E “Deus criou o universo” parece uma explicação mas é como “Deus partiu o copo”. Demasiado rebuscada por postular o tal Deus do qual nada se sabe e insatisfatória porque nos deixa na mesma acerca do que aconteceu.
O mesmo se passa com a hipótese de eu ser inteligente porque Deus me criou à sua «imagem e semelhança». Não explica nada. Não tenho maneira de saber como Deus é nem inferir o que tenho de semelhante a Ele. Não devem ser os meus testículos, pêlos do nariz, pés, mãos, fígado ou intestino, que parecem atributos pouco divinos. Nem mesmo a minha inteligência, que é uma ferramenta que uso para antecipar acontecimentos, planear acções e resolver problemas. A um Deus omnisciente que existe fora do tempo isto faz tanta falta como ser sócio do Círculo de Leitores. E mesmo assumindo que Deus tem uma inteligência divina qualquer há o problema da minha não ter nada a ver com isso. Esta “explicação” inventa coisas que ninguém pode saber sem adiantar de nada.
Mas há uma coisa na qual o criacionismo desafia a teoria da evolução. É em explicar como quatro mil milhões de anos de modificação e selecção natural de características herdadas foram dar um disparate tão grande...
1- Comentário em Pegas.
2- Miscelânea Criacionista: Design Incompetente.
3- Inferências
4- Mats, 24-8-08, Deus É a Explicação Mais Lógica
"É em explicar como quatro mil milhões de anos de modificação e selecção natural de características herdadas foram dar um disparate tão grande..."
ResponderEliminarLOL, não sabes que os caminhos de Deus são insondáveis?
Cristy
Bom dia Ludwig,
ResponderEliminarsigo o teu blog desde ha bastante tempo. Antes de mais, parabens pelo consistente e refrescante metodo pelo qual tratas temas variados, que me interessam (especialmente a treta dos direitos de autor/exploracao do consumidor).
Nunca fiz nenhum comentario, mas dado que hoje acordei de rabo para o ar e li tantas parvoices no jornal hoje de manha, aqui fica o meu primeiro comentario.
"Criacionistas" como os que citas neste artigo, sao um desperdicio da capacidade humana. Deixem-se de palhacadas. E interessante ver o esgrimir de argumentos por parte de pessoas que sem duvida sabem argumentar. Mas, sinceramente, perder tempo a tentar defender o pai natal ou o elefante cor de rosa hoje revolta-me. Por isso fica o meu apelo a estes dois criacionistas: usem o vosso intelecto para coisas uteis e deixem-se de palhacadas. O pai natal nao existe, deus nao existe e tudo o mais de inutil que possam pensar nao existe.
Sinceramente,
Daniel
P.S. Ja la vai uns anos que nao escrevo ou falo portugues, por isso facam la um desconto nessa parte
Concordo Daniel. Já me farta esta noção de que a evolução é "apenas" uma teoria. Que falsidade. A evolução é um facto, cuja "teoria" da evolução tenta explicar, e esta teoria é comprovada, testada, reproduzida, e faz parte de tecnologias emergentes.
ResponderEliminarQualquer intenção de negar estes simples factos se devem apenas à pura falta de inteligência somada a um grau insensato de voluntarismo ou então a uma tentativa premeditada de destruir o legado científico e educativo que constitui a base da sociedade tecnológica que temos o privilégio de viver.
Sobre a excelência de todo um trabalho do Criador, uma ou outra aguarela.
ResponderEliminarÉ a perfeição, estúpidos.
Daniel,
ResponderEliminarObrigado pelo comentário. É verdade que os argumentos dos criacionistas são disparatados, mas não podemos assumir que todos os criacionistas também são. É que o objectivo deles não é apurar a verdade mas evangelizar e obter poder político. Se for preciso dizer disparates ou aldrabices não se coíbem...
Ludi may friend,
ResponderEliminarSobre o post digo:
«A fim de que os leitores deste blogue não aceitem acriticamente os argumentos do Ludwig Krippahl»
Sim porque normalmente é isso que acontece, duhhhhhh
«Esquece porém que esse argumento, levado às últimas consequências, nos obrigaria a comparar o cérebro do Ludwig com o sistema digestivo das vacas e os pensamentos do Ludwig com os excrementos das vacas. E poderíamos ter dúvidas sobre qual funciona melhor, já que para o Ludwig todos seriam um resultado de processos cegos e destituídos de inteligência.»
Beje, vou pintar o quarto de beje...
Beiiiijos
"É que o objectivo deles não é apurar a verdade mas evangelizar e obter poder político."
ResponderEliminarÉ isto mesmo. E tb por isto que têm de ser desmascarados, ridicularizados e humilhados sem dó nem piedade.
Olha aqui ao lado:
ResponderEliminarhttp://dererummundi.blogspot.com/
A ver se é desta:
ResponderEliminarhttp://dererummundi.blogspot.com/2008/08/estrela-da-cincia.html
Vamos tentar isto outra vez assim é revelia que pode ser que o perspectiva se distraia e responda á pergunta...
ResponderEliminarCaro Perspectiva,
Qual seria a prova científica que faria o Perspectiva por em causa a veracidade da existência do seu deus? Considerando que aceitaria alguma.
Mas há uma coisa na qual o criacionismo desafia a teoria da evolução.
ResponderEliminarNão há desafio nenhum, Ludwig. A resposta é simples. A selecção natural (e artificial) favorece todas as ideias, culturas, predisposições mentais e atitudes que melhorem a capacidade de sobrevivência de determinada sociedade perante o mundo que a rodeia. Não é preciso grande inteligência para ver que a obediência cega e o apegamento irracional à "trupe" são questões geralmente mais importantes (no sentido da prolferação da "espécie") do que a busca pela racionalidade e senso.
Ludovico,
ResponderEliminarVocê tem consciência que os crentes são como as lapas, quando mais puxa mais elas se agarram.
Portanto isso é alguma profissão de fé, ou quê? Pun intended. ;)
W
Joaninha,
ResponderEliminarObrigada pela gargalhada que me fizeste dar. Hoje estava mesmo a precisar
Cristy
Wyrm,
ResponderEliminarInfelizmente, muitos crentes não são como as lapas. As lapas ficam sossegadas e não incomodam ninguém.
Por exemplo, neste momento o programa da disciplina de religião e moral leccionado no ensino secundário em Portugal inclui uma versão evangélica criacionista. Ao contrário das lapas, estes crentes estão a usar o dinheiro dos nossos impostos para ensinar às crianças que o que aprendem em biologia é mentira...