Crenças, crenças, e crenças.
Nas discussões de religião e ateísmo fala-se sempre de «crença». O que dá confusão, porque esta palavra pode significar várias coisas diferentes. Num sentido, a crença é ubíqua. Cremos em tudo o que sabemos, julgamos, ou opinamos. Esta crença é apenas aceitar uma proposição como verdadeira. Não precisa exigir certezas. É assim que creio que Deus não existe: se ele me tocar à porta com o Pai Natal e o Super-Homem estou disposto a rever várias crenças. Creio e descreio conforme a realidade se revela.
Esta crença não se opõe à dúvida. Inclui a dúvida, pois é sempre sujeita a revisão. Não é apenas dúvida, como o agnosticismo extremo que só responde «não sei», nem é a negação teimosa que diz mal de tudo, como os velhos dos marretas. É uma opinião que tomamos como correcta mas aceitamos que pode estar errada. A crença boa é a crença que dá margem para dúvidas e se ajusta às evidências. Muitos crentes religiosos argumentam que os ateus também têm crenças. Pois temos. Temos destas, como toda a gente tem.
«Crença» pode também ser uma opinião sem dúvidas. Esta não é boa porque é incorrigível. É comum em ideologias políticas, no futebol, ou nas tradições. Sempre que nos empenhamos totalmente numa posição, ou quando já nem nos ocorre que possa estar errada, caímos nesta crença teimosa que se entala num preconceito. Assume-se certa à partida, e daí já não sai.
Mas a crença teimosa não é a pior de todas. A pior de todas é a crença que se vê como virtude. Como o racismo extremo. É uma opinião (errada) acerca de algumas características humanas, é tida como certeza absoluta mas, mais ainda, é vista como uma virtude. Para o racista, o racismo é um dever moral. É assim que deve ser, e é moralmente errado não ser racista.
A crença religiosa também é assim. Não é a crença de todos os religiosos, porque há muitos religiosos com formas diferentes de crer. Mas a religião apregoa a virtude da certeza absoluta. Os crentes fieis são recompensados. Os que renegam a crença cometem o maior pecado. São traidores. A dúvida é má e condenável.
Esta crença é a pior por duas razões. Por um lado, confunde opinião com desejo, que tem o sentido oposto de ajuste à realidade. Vou dar um exemplo do filósofo John Searle. Vou às compras e levo uma lista do que quero comprar. O meu objectivo é ajustar a realidade à lista. Se ponho no cesto uma lata de feijão e vejo que na lista está «lata de ervilhas» não vou riscar a lista e escrever «feijão». Vou trocar de lata.
O espião que me segue anota tudo o que eu compro e cria uma lista igual à minha. Mas a lista dele tem o sentido inverso de ajuste à realidade. Se ele escreve «feijão» e repara que eu troquei o feijão por ervilhas, não vai mexer sorrateiramente no meu cesto. Vai corrigir a lista dele. O seu objectivo é que a sua lista se conforme a realidade. O meu objectivo é que a realidade se conforme à minha lista.
A religião confunde os dois. O querer crer não faz sentido. A crença deve-se ajustar à realidade, mas a fé religiosa não permite ajustes. E o desejo deve ser algo que tentamos realizar, mas não podemos fazer com que Deus exista. A fé é um impasse fútil do desejo que não se realiza e da crença que não se ajusta.
Mas o pior é considerar que esta confusão é uma virtude. Chamam-lhe uma realidade mais elevada. A Verdade, o Amor, e outras tretas. E consideram que é um dever manter este estado; a apostasia é sempre dos piores crimes em qualquer religião. E que é um dever educar os filhos desta forma, e entalá-los na mesma confusão.
É isto que me separa mais da religião. Não é a proposição «Deus existe». Acho que é falsa, mas mudarei de opinião se as evidências justificarem. Nem é o problema da certeza absoluta. Já me enganei vezes demais para ter certezas absolutas, mas como duvidar requer algum esforço pode ser que um momento de fraqueza ou aflição me faça esquecer a dúvida. Mas só com uma grande pancada é que consideraria uma virtude ter tal certeza sem qualquer evidência.
Era minha crença que eras suficientemente novo para não falares nos velhos dos marretas! Tenho que rever a minha crença e adaptá-la à realidade! Se, porventura, conhecestes os velhos dos marretas em "diferido", voltarei a rever a minha crença de que afinal és mais velho do que eu pensava.
ResponderEliminarPorra, sou um troca tintas... ;-)
Um abraço.
Nasci em 72. Não sou nem novo nem velho, 35 anos (quase) é mesmo a idade certa :)
ResponderEliminarMas via os marretas na televisão. Era a última coisa antes de me mandarem para a cama...
Mais um grande post para os meus favoritos.
ResponderEliminarLudwig, os parabens do costume. ;)
Não está certo utilizarem os velhos dos marretas nestas comparações. É um abuso.
ResponderEliminarHelder, ficaste a saber que és velho, afinal bom,bom, é 35, deixa-me rir...
Não acho. Boa, boa, é a idade que nós temos a cada momento. As outras nunca são tão perfeitas.
ResponderEliminarEu acho que bom é 27, mas que sei eu? Eu tenho inveja do trabalho do Helder :P
ResponderEliminarFiquei com uma duvida, é mau considerar como uma virtude o que está errado, ou considerar como uma virtude seja lá o que for é errado? Porque é normal considerar que o nosso ponto de vista é que é o correcto, pois considerar que o nosso ponto de vista é errado é no minimo masoquista, é normal considerar que a virtude está do nosso lado, senão estariamos do outro. Agora as acções em função deste pensamento de virtude é que são algo a discutir, mas claro que o pensamento de virtude é interinseco à crença, descrença, ou seja lá o que for.
Crer, cada um cre no que quer, ninguém tem direito de impor crenças sejam elas quais forem a ninguém. Mas realmente crer em algo que é mentira é a forma mais pura de livre arbitrio que pode existir.
Caro Bizarro,
ResponderEliminarÉ uma boa pergunta, essa da virtude. Vou ver se arranjo tempo para essa um destes dias.
Mas, resumido, considerar virtude ter uma certeza sem qualquer evidência obriga a escolher uma de duas alternativas más. Ou se considera virtude qualquer certeza sem evidência, o que leva a grandes disparates, ou se declara simplesmene que só esta certeza sem evidência é que é virtude; as outras todas são defeito. Isto desvirtua a virtude tornando-a completamente arbitrária e injustificada.
Quando ao livre arbitrio, discordo. Pelo contrário, o engano é a única forma de perder o livre arbitrio. Com uma pistola apontada à cabeça ainda podemos escolher entre a vida e a morte. Mas se nos enganam, se julgamos que estamos a escolher uma coisa quando estamos a escolher outra, é que perdemos completamente a capacidade de seguir o nosso percurso.
Não me referia a ser enganado para fazer uma escolha, referia-me a escolher acreditar em algo que é mentira, acreditar no que é verdade é uma limitação da capacidade de realmente escolher, estamos limitados a poder acreditar no que é verdade não há livre arbitrio nenhum nisso pois só se pode acreditar num tipo de coisas, as que são verdade, não há grande escolha aqui.
ResponderEliminarEscolher entre viver e morrer pode nem ser bem a situação, pois para poder viver tem que se sacrificar algo senão não era necessário apontar uma pistola, bastava pedir, e sacrificar algo quando não se quer fazê-lo não é livre arbitrio. Mas eu o livre arbitrio temos problemas pessoais :)
Quanto às virtudes ou não, vou adpatar o que Einstein disse, ou tudo é virtude ou nada é virtude. Eu nem sei bem quando algo deve ser considerado uma virtude, pois depende da situação, por isso não dou o estatuto de virtude a nada.
É a primeira vez que venho aqui. Gostei do artigo.
ResponderEliminarSobre esta frase:
"mas a fé religiosa não permite ajustes"
Tenho o seguinte a declará:
As Testemunhas de Jeová fizeram ajustes no decorrer destes mais de 125 anos de sua história moderna. Conforme foram vendo que as crenças de várias religiões e as suas próprias não coincidiam com a verdade dos fatos foram humildes o bastante para dá meia volta no como criam e passaram a crer diferente.
Há de fato vários exemplos de mudanças. Não é que muda a verdade mas é que a verdade, conforme comparada nas próprias Escrituras, é como um dia que vai amanhecendo até o sol está completamente à vista. Ou seja, no período da madrugadinha vemos contorno de vários objetos, como sombras. Passam-se uma hora e já podemos vê que há sombras que estão se mexendo e outras imóveis; passa-se mais uma hora e vemos que os objetos que se movem são carros (autocarros) enquanto que os que não se movem mas se parecem com casas e outros objetos que não são completamente distinguíveis. Passa-se mais outra hora e já conseguimos vê, inclusive, que os carros são de várias cores e formatos diferentes e já conseguimos constatar que aqueles objetos imóveis não eram só as casas mas que também haviam bancas de jornais e postes. Passa-se mais uma hora e já conseguimos ver mais claramente tudo pois os primeiros raios de sol despontam no orizonte... depois que o sol aparece completamente, conseguimos ver a realidade e nossas crenças se justificaram ou não.
Caro blogueiro, é assim que as Testemunhas de Jeová encaram suas crenças. Conforme o passar dos tempos, especialmente desde 1914 EC muitas das coisas relacionadas às suas crenças sofreram ajustes conforme viam que o "dia" ficava mais claro. Ainda hoje estão dispostas a ajustarem suas crenças caso obsevem um "objeto" mais claramente.
Por isso é que um de seus primeiros presidentes, como se chamam os diretores da Associação das Testemunhas de Jeová, falram desde os primórdios do século 20:
'Não somos infalíveis nem inspirados como o eram os escritores das Escrituras'.
Essa é uma dos diferenciais das Testemunhas de Jeová.
Saudações
Caro Wanderley,
ResponderEliminarresta desejar-lhe um meio-dia esclarecedor e atempado.
Cumprimentos
Cristy
Ha lugares q vivem do turismo "sobrenatural".. como a Transilvania ou Salem.. sem apelar pras doidices bem intimas dos cristaos...
ResponderEliminarTenho a mesma duvida que o Bizarro no seu primeiro post em relação á virtude.
ResponderEliminar"é mau considerar como uma virtude o que está errado, ou considerar como uma virtude seja lá o que for é errado?"
Não existem virtudes?
Eram o maximo os velhos dos marretas.
Quanto a discussão sobre a idade...
"One should never trust a woman who tells one her real age. A woman who would tell one that, would tell one anything."
Oscar Wilde.
Estou nesta hoje
fico a espera da resposta á minha duvida!
Joana e Bizarro,
ResponderEliminarAcho que existem virtudes. Virtude é a propensão para o bem.
Se o errado é mau, então não pode ser virtude, por definição. Sò será virtude se o errado for bom, mas isso não me parece razoável.
A razão é que errados há infinitos, e podem-se contradizer. Se é virtude ter uma crença errada porque é bom ter uma crença errada, então é igualmente virtuoso acreditar num deus bom, num deus mau, num deus bom com um tio mau, num deus coxo e mal disposto, e assim por diante. Errados há muitos.
Penso que é mais razoável considerar virtude a propensão para crer na realidade.
Ludwig:
ResponderEliminar«A razão é que errados há infinitos, e podem-se contradizer. Se é virtude ter uma crença errada porque é bom ter uma crença errada»
hum...
Fazendo de advogado do diabo, eu poderia dizer que a crença que nos faz mais virtudosos não é necessariamente a que corresponde (ou está mais próxima de corresponder) à realidade.
Poderia, mas não o faço.
Realmente creio que a atitude mais virtuosa é a de tentar conhecer o mundo como ele é, e não mentir aos outros a respeito do seu funcionamento.
Tenho boas razões para acreditar nisto, mas não as conseguiria expressar em poucas palavras...
Talvez tu consigas fundamentar isto de forma mas sucinta :)
João,
ResponderEliminarHá dois grandes tipos de crenças. Há as crenças acerca do que é, e as crenças acerca do que deve ser.
As primeiras, sendo acerca da realidade, não fazem sentido que tenham a «virtude» de ser falsas.
As segundas são valores. São o critério que define o que é bom e o que é virtude. Essas não podem ser virtudes porque definem as virtudes.
Por exemplo, crer que o bom é respeitar a subjectividade dos outros não pode ser uma virtude, porque é ista crença que define oo respeito pela subjectividade dos outros como sendo uma virtude.
E, enquanto modelo da realidade, crer que o chumbo é menos denso que a àgua não é virtuoso. É apenas um modelo errado.
É possível que alguém tenha uma crença do primeiro tipo que diga que ter modelos errados é bom, mas isso parece-me um valor fraquito.
"Se o errado é mau, então não pode ser virtude, por definição. Sò será virtude se o errado for bom, mas isso não me parece razoável."
ResponderEliminarÉ assim que as coisas funcionam no mundo do Bizarro, apenas achei engraçada a coincidência.
Se virtude é a propensão para o bem, então é completamente irrelevante qual a crença, e que faça parte da crença acreditar que a virtude é a crença, pois não tem colisão nenhuma com a propensão para o bem, desde que a crença, seja ela qual for de alguma forma seja ela qual for, forneça ao crente uma propensão para o bem, então esta crença errada ou não, é uma virtude, e não a ter é o oposto de virtude, pois se com a crença o crente adquire propensão para o bem, sem a crença não tem esta propensão, então virtude é a crença.
Mas pode haver quem com a mesma crença adquira uma propensão para o mal, a crença é a mesma e no entanto em um caso é virtude e no outro não, depende da interpretação do crente...
A questão Ludwig, é que se pudessemos estabelecer que o ser humano em geral teria mais tendência para ser gneroso, bom, ou para ter um comportamento ético, caso acrediatasse que o chumbo é mais leve que o algodão, então´seria defensável que essa crença devesse ser encorajada de várias formas: e uma delas seria considerá-la virtuosa.
ResponderEliminarTal como eu, discordas.
Também acredito que uma atitude crítica, uma vontade de conhecer e encarar o mundo tal como é ajuda-nos a agir melhor.
Para se fazer o bem não basta ser bem intencionado - quem se atirou contra as torres gémeas foi altruista ao extremo - é importante também avaliar com sensatez as consequências das nossas acções, na medida do possível.
É nesse sentido que acho que todos os mecanismos que nos levam a não encarar o mundo como é não podem ser considerados virtuosos.
Claro que isso é contestável.
E neste momento parece-me um debate muito interessante a respeito da religião.
Assumindo que é falsa, será que ainda assim é boa?
Eu creio que não.
Estarei errado? Às vezes tenho essa dúvida, mas os indícios apontam para que, de facto, é má.
Mesmo a religião dos "moderados" - a outra é demasiado óbvio que é má.
Comecei aqui a escrever um comentário mas já estava a passar os limites de caracteres aceitáveis para um comentário, vai ser transformado num post.
ResponderEliminarMas concordo com o João Vasco é uma discussão muito interessante a respeito da religião, e consiste no ponto que definitivamente discordo do ateismo.
Tive ausente durante algum tempo, mas agora estou de regresso ao mundo cibernáutico.
ResponderEliminarJoão Vasco,
gostei da sua questão. É válido acreditar numa mentira para viver de forma melhor, ou ser melhor pessoa? Não me parece.
Passando este argumento para a "religião"; eu sou católico porque acredito plenamente que Cristo é a verdade, não para me sentir melhor, nem para ajudar os pobrezinhos.
Dostoievski uma vez disse: "...se me fosse demonstrado que Cristo não está com a verdade e efectivamente resultasse que a verdade não esta com Cristo, preferiria ficar com Cristo a permanecer na verdade."
Isto está errado, pelo menos do ponto de vista católico, nós seguimos Cristo porque é a verdade. Se não fosse, seguiamos outro alguém, desde que reconhecessemos nesse alguem a verdade.
Logo, parece-me que a religião não pode ser vista como uma maneira agradável de pôr as coisas, qual história da cegonha e dos bébés, para não ter de enfrentar a verdade. No meu caso, e de mtos mais, é exactamente o contrário, encaramos a verdade, por isso somos católicos.
Em relação às outras religiões, obviamente são incompatíveis com o catolicismo, no sentido em que ou uma é verdade, ou a outra, não há 3as vias. Mas ao mesmo tempo, e falando das religiões principais, e não das seitas, todas têm um bocado da verdade.
Por ex, uma religião que incentive os crentes a amarem e ajudarem o próximo, aproxima-os da verdade, porque o Homem foi feito para isso. Por mais que não tenham 100% da verdade na sua doutrina, vão fazer com que as pessoas vivam um pouco mais perto da verdade, do que se não aderissem a essa religião.
Se uma pessoa percebe que deve ajudar os outros, sem pertencer a uma religião, ou sem acreditar em nada, percebeu também essa parte da verdade, chamemos-lhe assim.
Claro que não é fácil de definir se a verdade presente na doutrina duma certa religião compensa a mentira contida na mesma. Esse é o verdadeiro debate.
Como católico, acho muito bem que uma pessoa seja muçulmana se isso a faz ser uma pessoas melhor do que se não acreditasse em nada. Isto porque penso que a proposta de amor ao outro q lá existe compensa as coisas erradas q Maomet disse, até levando em linha de conta o contexto historico em que foram ditas.
Agora, se alguém pertence a uma seita em que acreditam que se se suicidarem vão apanhar a nave que está escondida atrás do asteróide, claro que discordo. Aí nem há contra-balanço possível entre verdade e mentira.
Resumindo, não sou católico porque fujo da verdade, mas tornei-me católico porque procurei (e procuro) incessantemente a verdade.
Pedro Silva
João e Bizarro,
ResponderEliminarConcordo que é possível que uma crença falsa seja eticamente desejável. E pode até ser uma crença religiosa.
Mas nunca vi explicado porquê. Qual o critério pelo qual se justifica o valor ético de acreditar num deus criador do universo mesmo que isso seja falso?
O que dizem é que é a crença nesse criador que lhes dá os critérios de ética, mas nesse caso essa crença não pode ser boa nem má segundo esse critério, e fica à mesma por justificar.
Em suma, penso que é um tema que vale a pena discutir, mas primeiro é preciso que os crentes apresentem uma proposta concreta. Se deus não existir, porque devemos basear a ética na crença que ele existe? E mesmo que exista, porque raio há de ser isso eticamente relevante?
Ludwig:
ResponderEliminar«Concordo que é possível que uma crença falsa seja eticamente desejável. E pode até ser uma crença religiosa.»
Era este o meu ponto.
«Mas nunca vi explicado porquê. Qual o critério pelo qual se justifica o valor ético de acreditar num deus criador do universo mesmo que isso seja falso?
O que dizem é que é a crença nesse criador que lhes dá os critérios de ética»
Sim, a questão aqui é assumir que a justificação seria outra.
Do género: o cérebro humano está concebido por forma a que, quando acreditas que o algodão é mais pesado que o chumbo, tendes a ser mais generoso e bom.
Então, divulgar que a todos e fazê-los acreditar que o algodão é mais pesado que o chumbo seria virtuoso?
É bem defensável que sim.
O que me parece mais difícil de acreditar é na ideia de que o desenho do cérebro humano fosse tal que certas crenças falsas como aquelas que as religiões apregoam nos tornassem melhores.
Acredito que isso pudesse ter acontecido no passado, e que as mentiras das religiões até já pudessem ter tido um papel importante e desejável.
Mas creio que hoje essas mentiras atrapalham bem mais do que ajudam. E já há vários séculos que é assim.
Pedro Silva:
ResponderEliminarEssa será a posição de qualquer crente genuíno.
Se alguém acha que Deus não existe, mas que é bom acreditar nele, então trata-se de um ateu que até pode ter a melhor das intenções caso se faz passar por crente. Mas se acha que Deus não existe, é ateu.
De qualquer forma, o meu "assumindo que Deus não existe" não é por acaso.
Existem aqui várias questões diferentes:
Para quem acha que A- "acreditar na verdade é bom, qualquer que ela seja", então a pergunta "Devo acreditar que Deus existe?" deve coincidir com a resposta à pergunta "Deus existe?".
O Pedro, tal como eu, acredita em A. Acho que muita gente acredita.
Diferimos quanto à pergunta "Deus existe".
Quanto a esta, creio que os indícios apontam de forma muito sólida para a conclusão "não existe".
Mas isso é uma longa questão, não entremos por aí agora.
O que acontece é que se pode questionar A.
Pode considerar-se que às vezes acreditar em metiras pode ser bom. Aí a pergunta "Devo acreditar em Deus" não terá necessariamente uma resposta igual à da pergunta "Deus existe?".
Seria possível acreditar que mesmo existindo Deus, não se deveria acreditar nele - se tivéssemos boas razões para acreditar que Deus era um brincalhão malvado que manda para o inferno quem acredita nele, seria louvável andar a enganar as pessoas dizendo-lhes que não existe.
E seria possível acreditar que mesmo não existindo poderia haver boas razões para acreditar nele.
E esta é uma questão que é interessante discutir, porque acredito que - lá está! - há uns tantos ateus/agnósticos (poucos) que se dizem crentes por esta razão.
João,
ResponderEliminarEu sou crente num deus que é tudo (mas tudo não o define por completo), e até pode ser que este tudo nao seja deus, mas seja simplesmente tudo. A crença nesta "configuração" de deus traz-me vantagens que são eticamente desejáveis, se este deus não existir perco a virtude?
Não digo que devem basear a ética na crença de um deus, digo é que a minha ética é melhor baseada na crença de um deus.
Mas no entando as crenças baseadas apenas no modelo da realidade também podem ter um propensão para o mal, o mundo é capitalista e os capitalistas vivem melhor, esta crença é completamente ajustada à realidade e no entanto é éticamente reprovavel, é uma virtude esta crença?
É da minha opinião que o conceito de virtude não depende apenas da veracidade ou falsidade da crença envolvida, e até acho que não depende mesmo nada, por isso não atribuo virtuosidade a crenças ou descrenças, apenas a actos, e estes estão independentes da crença, se bem o que a crença é um acto e como tal o acto de acreditar não pode ser virtuoso se o que se acredita é falso, mas se os efeitos colaterais da crença forem de facto bons, neste caso a crença já será virtude, é um bocado circular definindo-se à custa de si própria, mas por isso não é menos virtuosa e dependente da veracidade do agente de crença.
Bizarro,
ResponderEliminar«digo é que a minha ética é melhor baseada na crença de um deus.»
Isto não faz sentido... é como dizer que um conceito de temperatura é mais quente que outro.
A ética é o critério que define o bom, o melhor, etc. Tal como temperatura define o mais quente e mais frio. Como tal, não faz sentido dizer que uma ética é melhor que a outra nesse sentido ético.
Em que sentido é que a ética de alguém pode ser melhor por ser crente? Qual é o critério pelo qual essa ética é julgada melhor?
Mais, parece-me que as nossas éticas, os critérios pelos quais julgamos algo eticamente bom ou mau, são quase idênticas. E qualquer diferença que tenham não deve ter nada a ver com a crença num deus que é tudo. Por isso não percebo mesmo o que é que essa crença tem a ver com a ética...
A minha escolha de palavras não foi a correcta, eu devia ter escrito era "eu só vou agir eticamente devido à minha crença".
ResponderEliminarMas o porquê, é por deus ao ser tudo, eu ser parte de deus e tudo é parte dele eu tenho que ser bom para o que é parte do mesmo que eu.
Se não tiver esta crença, vou ser ético apenas para mim e para os que me estão próximos. Eu não tenho nenhuma razão para ser ético para além desta. Isto até pode fazer de mim uma pessoa terrivel, mas não sou tão terrivel ao ponto de não tentar arranjar uma razão para ser melhor, seja ela verdade ou mentira. Eu tenho uma necessidade de causalidade para fazer tudo o que faço, porque razão tenho que agir eticamente e correctamente para com um porco na india? Simplesmente por ser ético não é razão suficiente para mim.
Também considero que as nossas definições de ética são práticamente identicas, a diferença é que eu preciso de uma crença para ser ético, e isto talvez seja uma diferença demasiado grande.