Treta da semana: confusão de direitos.
Há quem defenda que o Estado deve subsidiar as escolas privadas para proteger o direito à educação e a liberdade de escolha. Pelo que tenho visto, isto é uma confusão. Por exemplo, para o Nuno Lobo, «A primazia dos pais no direito à escolha do género de educação dos filhos é um direito e liberdade fundamental»(1). Isto é treta. Fundamental é o direito a uma educação decente, mesmo para quem não tenha pais ricos. Esse curioso “direito à escolha do género de educação dos filhos” parece-se pouco com um direito fundamental. Tem mais ar de ser um disfarce rebuscado para ideias pouco claras acerca do papel do Estado e do objectivo das escolas privadas.
«Considere-se uma pessoa que ganha 1500 euros por mês. Ganha-os porque produz um serviço ou um produto com o seu esforço»(2), escreve o João Miranda. É o mito da produtividade, segundo o qual uma pessoa ganha dinheiro simplesmente porque produz algo. Na realidade, só ganha dinheiro porque lho dão. Mesmo que lho dêem em troca do seu trabalho, isto é fundamentalmente diferente do mito porque o dinheiro vem de uma rede de interacções com outras pessoas, o que exige condições especiais. Seja taxista, cabeleireiro, advogado ou escritor, nenhum profissional consegue vender o seu trabalho sem uma enorme infraestrutura económica, social, legal, e mesmo física, desde a electricidade às estradas e esgotos, que permita essas transacções.
O João Miranda continua: «Esta pessoa tem uma determinada liberdade. Dos 1500 euros pode tirar uma parte para para meter o filho numa escola privada. Acontece que o Estado cobra metade desses 1500 euros em impostos e ao fazê-lo retira a dita liberdade à pessoa em causa.» Isto é ver as coisas ao contrário. Sem impostos ou Estado, nem ganhava os 1500 euros, nem tinha onde os gastar. A única liberdade que teria seria esgaravatar a terra para não morrer à fome.
Se os nossos impostos fossem um pagamento pela educação dos nossos filhos, seria razoável pedir um reembolso se puséssemos os miúdos na escola privada. Mas não é esse o caso. O Estado não é um negócio de vender educação a quem pagar. O papel do Estado, e dos impostos, é garantir as condições necessárias para podermos vender o nosso trabalho, ganhar dinheiro e ter a liberdade de o gastar. Uma dessas condições é a educação ser acessível a todos, mesmo que não a possam pagar. Quem julgar que só lhe interessa a educação dos seus filhos, lembre-se que a sociedade em que vive é composta, principalmente, pelos filhos dos outros.
Além destas confusões acerca de qual é o direito à educação, de quem é esse direito, e de qual o papel do Estado e dos impostos nisto tudo, há também um mal-entendido acerca do sector privado. Tanto o ensino privado como o ensino público são um direito, mas não são o mesmo direito. O ensino público justifica-se pelo direito à educação, que deve ser acessível a todos, ao passo que o privado resulta do direito de cada um gastar o seu dinheiro como entender. Quem quer pagar colégios finos para os seus filhos tem esse direito, e quem montar colégios finos tem o direito de aproveitar a procura para ganhar algum. Isso não é o direito à educação, mas apenas o direito de comprar e vender.
Por isso, o papel do Estado no ensino privado deve ser somente regular o negócio para que não se prejudique as crianças. De resto, não faz sentido subsidiar o lucro de privados com dinheiro público, seja com vouchers, contratos de associação ou outro esquema qualquer. Esse dinheiro faz falta para garantir o direito à educação.
1- Nuno Lobo, 29-1-2011, Reducionismos, mentiras (muitas), e enganos
2- João Miranda, 29-1-2011, pessoas e liberdade de escolha
São uns palhaços. Por um lado, abominam tudo o que é imposto e estado, por outro, venham mais fundos do estado para apoiar o ensino privado. A hipocrisia é gritante, parece quase Alzheimer, os fundos do estado só são bem gastos se forem gastos em negócios privados??
ResponderEliminarAquilo que esta gente deseja é um país a duas mudanças, um primeiro no qual as pessoas que "realmente trabalham", ou seja, as que são empregadas por serviços privados endinheirados, não gastam dinheiro nos outros "palermas" que são "preguiçosos", apenas neles próprios. E assim os tais "palermas" que se amanhem. Ficam com um ensino público cada vez menos financiado, mais pobre, pior qualidade, e depois vêm os privados e dizem "Vêm como o público é mau? É péssimo investimento!" E assim sucessivamente.
O facto de que as melhores escolas são as privadas é usado como argumento para este tipo de escândalo a que chamam de "ideia". Nem lhes passa pela cabeça que as escolas públicas têm alunos que nunca poderão ir ao ensino privado, e serão esses mesmos que baixam sempre as notas da escola pública. Ou talvez lhes passe, mas a hipocrisia impede-os de o admitir.
Ludwig e Barba,
ResponderEliminarCarta dos Direitos Humanos, Art. 26º-3: "Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos"
Se consideram isto treta, acabaram de considerar os direitos humanos universalmente estabelecidos como treta, ou não? Agradeço que me esclareçam...
E alguém aqui está a impedir o filho do senhor a ser ensinado pelo ensino privado?
ResponderEliminarAo menos faça algum comentário que se reporte ao que se está a dizer!
Caro Miguel Oliveira Pavão:
ResponderEliminar"Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos"
Óptimo. Estamos aí ;) Também apoio essa causa. Força! Eu até sou defensor de uma certa autonomia das escolas (em termos de currículo e métodos de ensino mas não de critérios de avaliação) e acredito que são necessárias mais instituições de ensino básico geridas por associações, organização sem fins lucrativos e outras vindas da sociedade civil.
Convém é sobretudo não confundir essa alínea de um artigo da Carta Dos Direitos Humanos com algo do tipo "Aos pais pertence o direito de receberem dinheiro do Estado para educarem os filhos em instituições lucrativas com piscinas, courts de ténis e pistas de cavalos."
Percebeu a diferença? O que é privado é um negócio destinado a dar lucro. O que é Público é um serviço pago por todos através dos seus impostos e em benefício de todos, com o objectivo de não excluir ninguém do seu usufruto. Se criarmos excepções, é toda a sustentabilidade do ensino público que passa a ser posta em causa.
Entre estes dois modelos existem cooperativas e associações de pais que se podem organizar e substituir ao papel do Estado se acharem que este não cumpre o seu papel. Mas nunca se deve esperar que sejam depois os restantes contribuintes a pagar do seu bolso os custos da liberdade de escolha de uma minoria.
Miguel Panão,
ResponderEliminarEsse não é o direito fundamental. Nomeadamente, não o podes pôr à frente do direito à educação, que vem no ponto 1 desse mesmo artigo, que estipula que a educação será gratuita e obrigatória nos primeiros anos, pelo menos. E o ponto 2 estabelece alguns pontos que a educação tem de cumprir.
Por isso esse direito de escolha dos pais não é um direito fundamental. É algo que se permite depois de cumpridos os outros, mais importantes. Por exemplo, os pais não têm o direito de negar a educação aos filhos.
Logo, se o subsídio ao ensino privado reduz as verbas do ensino público, está-se a violar os direitos fundamentais, e a permitir que uns pais, mais ricos, prejudiquem a educação dos filhos dos mais pobres.
É verdade que discordo desse ponto como um direito fundamental. Discordo que os ciganos, por exemplo, tenham o direito fundamental de tirar as filhas da escola. Discordo que os muçulmanos fundamentalistas tenham o direito fundamental de proibir as raparigas de aprender a ler. Discordo que os preconceitos dos pais impeçam as crianças de aprender os factos acerca do sexo e da reprodução.
Finalmente, há um problema nesse texto. É que enquanto a versão portuguesa diz "Aos pais pertence a prioridade do direito", em Inglês está "Os pais têm o direito, à partida" (Parents have a prior right) o que é o contrário. O direito à partida presume-se restrito pelos outros, e subordinado a esses, enquanto que a prioridade do direito dá a entender que o dos pais prevalece sobre o dos filhos.
Por exe
«São uns palhaços»
ResponderEliminarno, no, são portugueses: o Estado é um self-service para quem pode e manda, o resto que se dane, que eu não me posso ocupar de toda a gente :-)
Convido o Miguel Panão (e demais especialistas em direitos humanos com algumas noções de economias de recursos finitos) à contemplação da nossa realidade. Mesmo que por instantes.
ResponderEliminar"Por isso, o papel do Estado no ensino privado deve ser somente regular o negócio para que não se prejudique as crianças. De resto, não faz sentido subsidiar o lucro de privados com dinheiro público, seja com vouchers, contratos de associação ou outro esquema qualquer." Isto seria verdade se o estado fosse completamente independente do investimento privado e fosse completamente suficiente para as necessidades do país. O estado financiar algo como uma escola privada é o equivalente a pagar a leasing a construção de uma escola do estado. Gostaria de saber se o estado teria condições de acomodar todos os alunos de colegios, escolas e universidades privadas que existem em portugal caso as mesmas fechem.
ResponderEliminarMiguel Oliveira Panão
ResponderEliminar~LOLADA de primeira, sacar os direitos do homem para apoiar uma pornografia de gastos inúteis num páis onde há fome e faltam verbas para apoios sociais não me parece que seja muito justo e muito menos católico
mas pelos vistos o egoísmo social mais bárbaro não escolhe religiões
anda tudo meio parvo , os argumentos eram todos do tipo:
a distância
as turmas cheias
etc
enfim nenhuma das pessoas teve a lata de invocar a lei. Ora a lei é clara, contratos de associação APENAS para complementar o estado quando não há oferta pública.
havendo não há contratos como é óbvio
assim de facto não dá, anda-se a gastar dinheiro com tretas que apenas servem alguns
escolas de duvidosa qualidade, com entrevistas para seleccionar os alunos onde existem um sectarismo e discriminação total não podem, não devem, e feliz crise , não vão ser apoioadas pelo estado
no limite, quem não tem dinheiro não tem vícios
esta ideia imbecil que existe direito de escolha sem tusto é uma maravilha, eu tb queria um Maybach em vez de ter o carro com quase 20 anos que tenho, dizem que eu tenho liberdade de escolha, basta ter dinheiro para mandar vir um :D
Gostaria de saber se o estado teria condições de acomodar todos os alunos de colegios, escolas e universidades privadas que existem em portugal caso as mesmas fechem.
ResponderEliminarQuando não tem capacidade celebra contratos de associação, mas apenas nesses casos.
as universidades privadas é outra conversa que dentro em pouco vai estoirar.
Mais uma vez aplica-se o princípio- não há dinheiro não há vícios
Artigo 74.º
ResponderEliminarEnsino
1. Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar.
2. Na realização da política de ensino incumbe ao Estado:
a) Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito;
b) Criar um sistema público e desenvolver o sistema geral de educação pré-escolar;
c) Garantir a educação permanente e eliminar o analfabetismo;
d) Garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística;
e) Estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino;
f) Inserir as escolas nas comunidades que servem e estabelecer a interligação do ensino e das actividades económicas, sociais e culturais;
g) Promover e apoiar o acesso dos cidadãos portadores de deficiência ao ensino e apoiar o ensino especial, quando necessário;
Artigo 75.º
Ensino público, particular e cooperativo
1. O Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população.
2. O Estado reconhece e fiscaliza o ensino particular e cooperativo, nos termos da lei.
O princípio da escolha assenta na base falaciosa que o dinheiro que o estado ´distribui para fins educativos pertence a cada um
ResponderEliminarFundamental é o direito a uma educação decente, mesmo para quem não tenha pais ricos ou não queira permanecer na escola.
Porque há muitas formas de educação.
E muitos ditadorzitos nas escolas públicas e privadas que tratam a escola como uma coisa sua e não do colectivo a que se destinam
Enquanto se vir a escola como um meio de selecção
e não como um meio de transmissão de processos de aquisição de conhecimento, tanto faz que seja privada ou pública
Nuvem, o meu ponto é exactamente para demonstrar que o Estado não é 100% independente do investimento privado, e que o facto de haverem escolas privadas cria emprego que não haveria e que se as mesmas fecharem cria desemprego que em subsidios de desemprego talvez seja inferior ao que o estado contribui. Isto apenas significa que este ponto do estado apenas ter o papel de ver o ensino não é tão simples como pode aparentar.
ResponderEliminarQuanto às universidades privadas ser uma coisa que vai estoirar ou não, não invalida o facto de actualmente existirem muitas universidades privadas e que sem as mesmas estas alunos dificilmente estariam no publico, contribuindo ainda mais para uma taxa de não licenciados.
O meu ponto é que estas temáticas são demasiado complexas para serem postas de tal forma, ou pelos menos para o meu entendimento...
Bizarro,
ResponderEliminar«Isto seria verdade se o estado fosse completamente independente do investimento privado e fosse completamente suficiente para as necessidades do país.»
É o contrário. O Estado tem como propósito garantir as necessidades que o mercado livre não consegue garantir. Por exemplo, a necessidade de todos terem acesso à educação, segurança, justiça, saúde, informação, cultura, etc, mesmo que não tenham dinheiro nenhum.
Portanto, o Estado deve ter os recursos e o tamanho que for preciso para garantir isso.
O resto, fica a cargo do mercado como parte do direito de todos de trocar os seus bens e serviços livremente.
Se há uma situação em que o Estado só pode garantir a educação as crianças pagando extra às escolas privadas, isso é sinal que algo já falhou e tem de ser corrigido.
Bizarro
ResponderEliminaro estado é 100% responsável pelo enino privado uma vez que é o estado que permite que este exista.
dito isto, o problema dos contratos de associação está que estes foram criados apenas para locais onde não há oferta pública.
não é nada complicado , é simples. se algures onde judas perdeu as botas não há escola pública e há uma privada faz sentido um contrato de associação. apenas neste caso
o que se tem visto é o rega-bofe habitual, criancinhas certamente com cunhas e ajudas de conhecidos ( típico deste antro) andam a usufruir de ajudas do estado que não legítimas.
se há público não pode haver contrato de associação.
estes têm de ser vistos caso a caso eé isso que estas escolinhas não querem, e revoltam-se porque já se sabe que quando se tira a mama todos choram : )))
e mais, parece que os contratos só podiam ser cancelados após tantos anos quantos estiveram em vigor : )))
agora há que desmamar este viciados em facilidades e como toda a adicção custa o desmame a frio.
custa mas passa, ninguém vai morrer
«não é nada complicado , é simples. se algures onde judas perdeu as botas não há escola pública e há uma privada faz sentido um contrato de associação. apenas neste caso»
ResponderEliminarNão me parece que isso seja tão claro assim ou mesmo que este seja o melhor caminho para encarar o sistema de ensino em Portugal, tanto mais que como refere a alínea 1 do artigo 75 da Constituição seja dever do Estado "criar uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população." Se fossemos seguir por essa lógica, então até poderíamos ver nas medidas de encerramento de escolas nas zonas rurais e na construção de mega-parques escolares nas cidades como uma conspiração apoiada pelo governo e os lobbies que o apoiam para entregar de mão-beijada a educação a grandes grupos privados, com o inconveniente de ser o contribuinte a pagar... Aliás, creio para mim que esse tipo de contratos constitui um precedente muito grave. Receio que se tenha aberto uma porta que já não poderá ser fechada.
Antes de tudo, antes dos estádios de futebol e das auto-estradas a rodos, esta deia ser uma das três prioridades máximas do Estado português em termos de gestão dos dinheiros públicos. Se deixarmos que o Estado descure isso, é sinal de que há algo muito errado...
Barba,
ResponderEliminarAté tens razão, mas parece que acabaste de esfregar malagueta num olho antes de escrever isso.
Barba Rija disse...
ResponderEliminarO facto de que as melhores escolas são as privadas
O facto de que em termos médios as escolas privadas conseguem melhores desempenhos em testes nacionais
O que por várias razões não é significativo
As médias mais altas para medicina
vieram de escolas públicas
o que é também um raciocínio parcial
Os alunos do colégio Moderno ou do valssassina ou de S.João de B.
ResponderEliminaré-lhes dada a ideia que são um escol o que é positivo em termos de auto-estima
mas negativo em termos sociais
é como a universidade católica versus a sua contraparte pública distanciadas umas quantas avenidas
Formação pretensamente mais sólida etc, mas tem uma boa biblioteca...