sexta-feira, maio 18, 2007

Olé! à ética humanista.

No Esquerda Republicana, o Ricardo Alves manifestou-se contra o movimento anti-tourada (1,2). Ser contra anti não é ser pró, e o Ricardo explica que também não lhe agrada a tourada. Mas discordo do que o Ricardo entende por humanismo e, acima de tudo, ética. Para focar este ponto até vou deixar passar as duas falácias, a do declive escorregadio em (1) e a das más companhias em (2).

O Ricardo afirma que a oposição à tourada «é típica de correntes de pensamento anti-humanistas», porque, esclarece mais tarde, «Quaisquer «direitos» que se atribuam aos animais não humanos resultam do nosso desejo (legítimo) de nos sentirmos melhor com as nossas acções, e não de qualquer relação de reciprocidade com os animais não humanos». Isto não me parece humanismo. Parece-me egoísmo.

Ética não é o que nos faz sentir melhor ou o que nos traz benefícios. E humanismo é a responsabilidade de sermos éticos. De não fazer as coisas só porque um deus manda ou porque nos dá na gana, mas com consciência que a consciência que temos nos dá deveres além de direitos. É esta responsabilidade que legitima rejeitar éticas pré-fabricadas em placas de pedra. E esta responsabilidade não nos permite fazer o que quisermos das outras espécies só porque podemos.

Tal como o Ricardo não gosta de tourada, eu também não aprovo o Boxe como desporto. Andar ao soco a espapaçar o cérebro não é saudável nem um bom entretenimento. Mas se o praticam com consentimento informado não vejo justificação para o proibir. Diferente seria se amarrassem um cão e o espancassem até ficar inconsciente. Seria eticamente condenável, e seria de proibir. Não por me fazer sentir mal, nem tão pouco por qualquer benefício recíproco que o cão traria. Seria condenável pelo que faz sentir ao cão, e de proibir por ser mais condenável que a sua proibição.

Outro problema deste humanismo é demarcar á faca o humano dos outros animais. Foi um infeliz acidente que nos privou dos nossos primos Neandertais, uma espécie diferente da nossa que enterrava os mortos, produzia ferramentas e objectos de arte e cuidava dos feridos e dos doentes. Seriam a prova viva que é errado fundamentar a ética na taxinomia.

A nossa espécie é parte de um contínuo biológico. Temos certas capacidades mais desenvolvidas, como a de compreender o que o outro sente mesmo que seja de outra espécie. E, por isso, temos uma responsabilidade ética acrescida. Podemos desculpar o cão que morde porque não compreende a dor que causa. O tipo que espeta ferros no touro só para mostrar as lantejoulas não tem essa desculpa.

O Ricardo propõe um humanismo em que só os humanos têm direitos porque só os humanos interessam. É o contrário. Os humanos são os que têm mais deveres por ter maior capacidade de se interessar. De se interessar pelos humanos, pelos não humanos, e por aquilo que interessa a cada um. Temos direitos, mas em conformidade com as responsabilidades que assumimos. Porque a ética não é só ver o que me interessa a mim, à minha família ou à minha espécie. É o dever de considerar o que interessa a todos os que as minhas acções afectam, mesmo os que não o compreendem.

1- Ricardo Alves, 17-5-07, Grandes Touradas
2- Ricardo Alves, 18-5-07, O touro é sagrado (ou é a vaca?)

25 comentários:

  1. Totalmente de acordo com o post, está excelente.

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  2. Caro Ludwig,

    É sempre bom discordar no Que Treta!

    Não acho que se esteja a demarcar o ser humano à faca. Está-se a distinguir o direito dos animais do direito de seres humanos.

    Quando um ser humano magoa um animal isso choca-nos porque nós somos seres humanos. Ao proteger esse animal estamos a proteger-nos a nós próprios. Ninguém salva a cria de gazela de ser devorada por uma leoa. Ninguém se preocupa em anestesiar o gnu doente para que os crocodilos o possam comer. Só quando entra um ser humano em cena é que as coisas mudam de figura.

    Comportamentos violentos contra animais são de evitar por causa dos seres humanos. Violência entre animais é coisa que não falta. Mas quando um ser humano magoa um animal sem mostrar qualquer tipo de sentimento de culpa isso revela algo sobre esse ser humano. A falta de escrúpulo, a procura da violência, do sangue e dos gritos dos animais é preocupante por revelar uma personalidade perturbada, ou pelo menos perturbante. Fora as asneiras de crianças e adolescentes que testam os limites da sua moral, claro. Estou a falar de seres humanos adultos.

    Espero que as touradas percam a sua popularidade e desapareçam. Mas pessoalmente sinto-me mal quando se pensa em proibi-las. O facto dos animais sentirem dor parece-me insuficiente.

    Indirectamente eu contribuo para a morte de animais que vou acabar por comer. Não é eticamente censurável matar esses animais por causa disso. Eu acho que o divertimento é uma razão duvidosa para matar um animal. Mas há pessoas que não acham, vivem para isso e são da opinião de que não estão a fazer nada de errado.

    Parece-me mais prudente, apesar de saber que animais vão sofrer por causa disso, esperar que a tradição morra. Até que me convençam da forte necessidade ética de o fazer, forçar seres humanos a uma leitura ética diferente da minha numa situação em que os terceiros não são seres humanos é para mim algo de suspeito.

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  3. Caro Francisco,

    «Quando um ser humano magoa um animal isso choca-nos porque nós somos seres humanos.»

    Isso é irrelevante. A ética não é acerca do chocante. Quando ninguém que tinha escravos se chocava com a escravatura isso não tornava a escravatura mais ética.

    Tu decides que só alguns dos sujeitos contam e que outros, que subjectivamente são tanto ou mais afectados, não contam por causa de algum critério teu. Quando fazes isso já não estás a fazer nada que se pareça com ética. Pode ser política, pode ser comodismo ou conveniencia, mas já não é ética.

    Se dás um pontapé no cão o cão é um sujeito que sofre. Vive esse acontecimento, tal como tu o vives, e vive-o com sofrimento. A questão ética é acerca de justificar uma diversão com o sofrimento de outro sujeito. Dizer que por ter quatro patas já não conta não é ética.

    É treta :)

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  4. no caso do cão é a chamada treta da ética tétrica ;-)

    [desculpem a chalaça, mas estou com pressa, mais logo se tiver tempo]

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  5. Eu nunca gostei muito da diversão à custa de seres menos capazes. Para mim está no mesmo plano espetar ferros num touro que tirar um chupa-chupa a uma criança. A questão é sobre poder, e aquele que tem mais poder tem maior obrigação de pensar no que faz. Porque razão um touro pode ser torturado para diversão de tantos mas um yorkshire não pode, nunca vi "cãozadas" com um yorkshire... Será porque não dariam luta? Se for, porque razão um touro dá luta? Talvez porque alguém goste mais dos cãozinhos bonitos que ladram quando se lhes é feita uma graça qualquer... Um animal é um animal, e se insistem em enfatizar a superioridade humana (como eu também gosto de pensar correctamente ou não) um Homem tem pelo menos a obrigação de pensar naquilo que faz outro sentir porque o pode fazer, seja ele cão, vaca ou criança. Qual pode ser o interesse em ganhar um touro? Eu consigo ganhar um touro de várias maneiras diferentes. Não estou interessado em o fazer pois não me traz glória nenhuma ganhar um touro e muito menos diversão, como não me traz glória nenhuma em conseguir ganhar uma formiga em termos arquitectonicos. Quem precisa da glória de ganhar um touro ou quem se diverte com o ganhar um ser, à priori incapaz de ganhar, necessita de desafios a sério. Não gosto de sangue, nem gosto de diversões à base de sangue. Pratiquei durante muitos anos artes marciais e nunca senti necessidade de magoar ninguém, queria apenas saber se ganhava e para isso não preciso de espetar um selo no nariz de ninguém de forma a deixa-lo deformado para o resto da vida, basta-me saber que o conseguia fazer. Não concordo com desportos marciais de "full contact", mas se houver comum acordo, querem-se partir uns aos outros que o façam, tem esta liberdade, mas que comum acordo pode existir entre um touro e um humano? É mais uma das coisas que acho bizarras...

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  6. Caro Ludwig,

    «Tu decides que só alguns dos sujeitos contam e que outros, que subjectivamente são tanto ou mais afectados, não contam por causa de algum critério teu.»

    Não é isso que eu faço. Eu não digo que eles não contam. Eu desconfio é da imposição dos meus critérios a terceiros.

    É precisamente por eu discordar dos meus critérios que suspeito da proibição das touradas.

    Eu não gosto de ver animais sofrer. Quanto mais depressa as touradas acabarem, melhor. Resta saber se é à custa de proibições.

    É para mim inquestionável que os animais sofrem e que fazê-los sofrer por capricho é negativo.

    Mas por alguma razão fazemos testes em animais e não em pessoas. Por alguma razão a morte de um animal não nos toca como a de um ser humano. Por alguma razão não achamos que envenenar os ratos do esgoto não é anti-ético quando os poderíamos vacinar.

    A questão é a minha leitura daquilo que é supérfluo para os outros. Eu olho para as touradas como algo perfeitamente prescindível. Mas para algumas pessoas isso é a vida delas.

    Nós matamos os ratos do esgoto porque não queremos que os nossos animais domésticos contraiam raiva, por exemplo. E escolhemos a vida de uns em detrimento da de outros. Podemos ou não fazer isso com animais? Porquê?

    É, por outro lado, inquestionável que a vida de um bovino não vale o mesmo que a vida de um ser humano. Pode valer muito, eventualmente até mesmo o suficiente para se proibir uma tourada. Mas não vale o mesmo.

    Eventualmente. E eu só não defendo a proibição das touradas por causa disso. Não é que pense que um animal de quatro patas não conta. Não é que eu discorde da treta disso. Eu tenho é medo que a proibição também seja treta.

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  7. Matar um animal para fins alimentares ou por razões de saúde pública é completamente diferente de matar um animal por exibicionismo folclórico.

    Da tortura do touro não advém nenhum proveito para a espécie humana. As touradas são uma barbaridade doentia.

    Apetece-me dizer que as pessoas mais feias são aquelas que conseguem ser simultaneamente toureiros, crentes e fumadores. ;-)

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  8. Pois é... e a ética dos "defensores da fé" anda tão legitima quanto a virgindade de maria...

    confiram isso...

    http://queeaverdade.blogspot.com/2007/04/carta-aberta-ao-senhor-presidente-da.html
    www.blogger.com/comment.g?blogID=25059892&postID=1925385405234485116&isPopup=true
    Por mais defeitos que alguns, injusta, dolosa e maldosamente, atribuam a Salazar (Prof. Doutor António Oliveira Salazar), uma coisa é certa/certíssima:
    - SALAZAR NUNCA PERMITIRIA UM REFERENDO POPULAR CONTRA A VIDA HUMANA EM GESTAÇÃO!
    - NUNCA TRAIRIA A CONSTITUIÇÃO CONTRA OS SAGRADOS DIREITOS DA VIDA HUMANA, LOGO A PARTIR DA CONCEPÇÃO!
    - NUNCA PROMULGARIA UMA LEI INÍQUA A FAVOR DO ASSASSÍNIO DE SERES HUMANOS ATÉ ÀS DEZ SEMANAS, NEM ATÉ AOS DEZ DIAS, DE VIDA!
    - ETC/ETC/ETC!…

    ATÉ POR ISSO MESMO ELE MERECEU, DE LONGE, SER ESCOLHIDO COMO “O MELHOR PORTUGUÊS DE TODOS OS TEMPOS” - GRAÇAS A DEUS!…

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  9. Caro anónimo,
    esqueceu-se de outra coisa que o Salazar nunca permitiu: qualquer tipo de votação democrática. DE MODO QUE NUNCA TERIA PERMITIDO A BARBARIDADE DO PROGRAMA "GRANDES PORTUGUESES".
    Cristy

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  10. «Ética não é o que nos faz sentir melhor»
    não sei não, mano. Tu falas de consciência, mas não é a mesma coisa? Quando agimos mal «dói-nos a consciência». Quando agimos bem, sentimo-nos bem. Claro que não agimos bem, só para nos sentirmos bem. Mas creio que é sempre um factor determinante do nosso comportamento. Se eu não salvo um gatinho num saco de plástico no lixo porque estou cheia de pressa, não tenho onde pô-lo ou a quem o entregar, posso ter todas as desculpas do mundo, mas, para além de ter pena do gato, sinto-me mal comigo própria. Se salvo o gato, mesmo que isso me acarrete uma tonelada de problemas, sinto-me bem comigo próprio e fico feliz pelo gato.
    E suspeito que não sou excepção.
    Bjs.
    Cristy

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  11. Francisco,

    «Eu não digo que eles não contam. Eu desconfio é da imposição dos meus critérios a terceiros.»

    Mas não os contas como terceiros. Por exemplom, não vês o problema dos organizadores da tourada imporem o seu critério ao touro. E assim também a impões o teu critério ao touro.

    A ética partilha uma propriedade com a física. As leis fundamentais devem ser independentes do ponto de vista. Uma ética que só considera a imposição de critérios a seres humanos é como uma física que só funciona em tua casa.

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  12. Oi Cristy,

    A consciência (nesse sentido, de sentimento moral) é um mecanismo que evoluiu como parte do nosso arsenal de navegação social.

    Mas a sua relação com a ética é semelhante à da nossa intuição com a física. Nós sabemos intuitivamente que coisas mais pesadas custam mais a mover, que coisas mais duras magoam mais, etc. Mas essa intuição engana-nos também muito, porque evoluiu para nos ajudar em certas condições que não são universais.

    O que queremos na ética não é simplesmente uma lista daquilo que nos faz sentir melhor com a nossa consciência. Um exemplo: supõe que tinhamos uma droga que removia os problemas de consciência associados à discrimonação racial.

    Mas mesmo eliminando todo o desconforto moral com o racismo não se resolvia o problema ético. Pelo contrário. O problema ético agrava-se quando há sofrimento deliberado e ninguém se importa.

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  13. Ora aqui está um belo exemplo vergonhoso que demonstra que a tonteria não afecta apenas os crentes. O que ninguém ainda parece ter reparado é que entre os dois posts o Ricardo Alves manifesta-se a favor da proibição das praxes, negando o direito dos universitários se divertirem como muito bem entendem à custa do sofrimento dos caloiros, ao mesmo tempo que se insurge contra o direito de quem se manifesta contra os idiotas que se divertem à custa do sofrimento dos toiros. A dualidade de critérios não podia ser mais esclarecedora. Ora o que ele parece não compreender é que o sofrimento nunca pode ser motivo de diversão, estejam em causa pessoas ou animais, muito mais grave quando estão em causa estes últimos, que infelizmente nem às autoridades competentes se podem queixar.

    E para a cambalhota ser completa ainda se compadece com a vida dos coitadinhos dos toureiros, que em caso de proibição das touradas se veriam impossibilitados de ganhar a vida à custa destas barbaridades. Está a precisar é a Milou lhe dê umas dentadas nas canelas, nem que seja para meu divertimento... Um dia destes ainda o vê-mos a defender a abertura de mais igrejas e seminários... afinal a padralhada também tem direito a ganhar vida, ou não?

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  14. Um dia se encontrarmos uma espécie mais inteligente do que nós gostavam de ser toureados?

    A tourada é um acto de extrema estupidez e não tenho qualquer problema de chamar estúpido a qualquer pessoa que a defenda...

    Adorava ver os defensores das touradas a serem toureados!!!

    A tortura é uma acto sempre condenável quer seja com animais quer seja com humanos. Representa aquilo de que pior existe no Espírito humano. O extremo da estupidez.

    Ontem vi imagens daquela rapariga que foi apedrejada durante 30 minutos até à morte por querer namorar com um rapaz de outra religião.

    Foram homens que atiraram as pedras, em nome da tradição.

    Eu foi à casa de banho vomitar a seguir a ver aquilo e fiquei toda a tarde enjoado sem conseguir falar. Foi a coisa mais horrível, cruel e nojenta que alguma vez vi. Tradição!!!? Aqueles homens com as pedras na mão estavam na boa.. Aquilo para eles era perfeitamente natural! Ninguém os consegue convencer que estão a fazer algo de mal!

    É uma treta que os homens são superiores aos outros animais porque são mais inteligentes.. O homem para além de ser inteligente é ao mesmo tempo um ser extremamente estúpido, capaz das piores barbaridades. Capaz de torturar por prazer.. Há muitos poucos animais que o façam, e há poucos animais que matam seres da mesma espécie...

    Não sou extremista em relação à tourada. Sou extremista em relação à estupidez em geral!

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  15. Caro Ludwig,

    Eu posso matar uma vaca para a comer. Fazer o mesmo com um ser humano é pura e simplesmente impensável. Isto é suficiente para demarcar uma diferença sem ser à faca.

    E eu conto-os como terceiros. Simplesmente suspeito da justiça de uma imposição aos organizadores da tourada com o objectivo de que estes não imponham algo aos touros.

    Impor algo aos touros é algo diferente de impor algo a seres humanos. As minhas dúvidas residem na falta de clareza com que se pesam uma e outra imposição.

    E é indiferente se é um espectáculo ou não. Para mim não passa de um espectáculo estranho. Mas para os organizadores da tourada não é só isso.

    Todos os dias impomos a morte debaixo do nosso critério da fome a centenas de vacas. Para algumas pessoas esse critério é insuficiente, pelo que se tornam vegetarianas. Mas não se impõe que todas as pessoas se tornem vegetarianas porque claramente o peso desse critério é diferente para diferentes pessoas.

    O facto de, para mim, a tourada ser um espectáculo prescindível e desnecessário é relativo. Poderá ser um caso em que a relatividade se esbate mais do que no caso de um açouge, mas ainda assim parece-me relativo o suficiente para estranhar uma proibição.

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  16. Esse exemplo não me convence, porque as pessoas com consciência não tomariam semelhante droga. Não me entendas mal, concordo com tudo o que tu dizes. Claro que agir apenas para nos sentirmos em paz com a nossa consciência é insuficente e até perigoso: não só nem todos têm consciência, como temos consciências muito diferentes. Só que reduzir o comportamento humano a decisões racionais e «invalidar» as emoções não será o mesmo que dizer que todo o debate sobre a importância da «inteligência emocional» é treta? Ui, estou a meter-me numa alhada, como qualquer «philosophically challenged» que se preze, não estou?
    Cristy

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  17. Cristy e Francisco,

    Rawls sugeriu uma experiência conceptual que é útil (mais para a política e justiça, mas dá para ilustrar parte do problema da ética).

    Imaginem que eramos alminhas desencarnadas e estavamos a chegar a acordo sobre as regras da sociedade onde iamos encarnar. Mas podiamos encarnar numa pessoa ou animal, num esperto ou num estúpido, rico ou pobre, etc.

    Nessas circunstâncias parece-me que todos iam concordar que os humanos não tivessem que passar fome para proteger os animais, desde que os animais de que se alimentam sejam criados em boas condições e mortos com um mínimo de sofrimento, e desde que se restrinja isso a alguns animais -- por exemplo, aqueles que não são conscientes de si próprios.

    Por outro lado duvido que alguma alma racional quisesse que essa sociedade permitisse a tourada. Os benefícios da tourada não justificam o risco de nascer touro e ser torturado na arena.

    Evidentemente, isto é hipotético, mas ilustra bem o problema da ética. Não se trata daquilo que me faz sentir bem ou mal (e por isso não se resolve fazendo-me sentir melhor com o mal que pratico), mas sim de encontrar uma forma imparcial de ponderar o bem e mal que é feito a todos os afectados.

    Penso que se deve proibir a tourada e o consumo de baleias e chimpanzés porque nestes casos o mal que se faz é muito superior ao beneficio, com uma diferença suficiente para justificar a proibição.

    Não acho que se deva proibir o consumo de galinhas ou perús mas deve-se regular a sua criação para reduzir o sofrimento desses animais.

    O caso das vacas e porcos está na fronteira. Eu evito porque me parece que essa industria é demasiado cruel e não tenho necessidade de comprar carne dessa. Mas não sei bem quais os efeitos de proibir que se coma esses animais. Nesta altura provavelmente seria pior que permitir, considerando todos os afectados.

    Mas nunca devemos descriminar o touro só porque é touro. Se o touro não tem consciência da sua existência como individuo, então matá-lo é menos problemático que matar um humano -- subjectivamente, é uma experiência muito diferente para o touro que para o humano.

    Por outro lado, se o touro tem tanta consciência da dor e do sofrimento como o ser humano, torturar o touro é tão mau como torturar um humano. Não há justificação para dizer que a tortura do touro é menos má se lhe doi o mesmo...

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  18. Mais um belo texto, ó Ludwig! :)

    Ainda assim, as tais éticas pré-fabricadas em placas de pedra até vão no mesmíssimo sentido do que aqui se afirma, curioso!

    Ah! mas a sua aplicação prática pelos que se dizem crentes e dessas tais leis seguidores, bem, deixa muitíssimo a desejar, é um facto...

    Há uma regra de ouro universal que se pode considerar transversal a todas as tradições religiosas e é assim o 1º fundamento ético da Humanidade. Tal regra pode enunciar-se pela positiva ou pela negativa, mas o preceito é sempre o mesmo:

    Faz aos outros o que gostarias que te fizessem a ti.

    ou

    Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti.

    Bem, é certo que este enunciado foi estabelecido para ser aplicado ao Ser Humano, mas o Budismo, por exemplo, estendeu-o a TODOS os seres sencientes, já que o sofrimento e a dor são universais.

    A este respeito, é bom realçar que na moral budista existe um só "pecado" e apenas um: causar sofrimento voluntário e evitável a qualquer ser vivo senciente.

    Esta é uma das razões pelas quais essa religião advoga a prática do vegetarianismo, que pessoalmente sigo não sendo budista, mas também não é necessário ser tão fundamentalista assim, é claro.

    Aliás, como foi escrito acima nalguns comentários, há também que medir algumas prioridades e a vida também é, que gostemos ou não, morte e dor e sofrimento.

    Compete-nos, contudo, escolher a via da minimização do sofrer e da maximização do prazer para todos os seres vivos em geral. Olhando para a História pretérita e actual, é fácil concluir quão longe estamos desse desiderato idílico e bem utópico. Mas podemos e devemos tentar, não desistir e prosseguir. Com a consciência de que jamais podemos impor a outrem aquilo que não vivemos ou praticamos...

    Rui leprechaun

    (...pois é nos actos que a ética louvamos! :))

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  19. Ó mui bela e compassiva...

    ...meiga Gatinha furtiva! ;)

    Discordando do fero e justo mano...

    ...será que não há engano?! :)

    ...reduzir o comportamento humano a decisões racionais e «invalidar» as emoções não será o mesmo que dizer que todo o debate sobre a importância da «inteligência emocional» é treta?

    Bem, de facto não me parece que o Ludwig tenha feito isso, ele apenas fundamentou, e muito bem, a sua posição num critério que contempla também esse "sentir-se bem" emocionalmente, mas o transcende para outro plano onde a racionalidade de facto impera.

    Anyway... vejo que ele até acaba de responder a essa objecção e apresentando o critério da utilidade ou benefício que eu mesmo salientei no post atrás. Em tudo há que fazer escolhas, onde a razão e a emoção têm naturalmente a sua quota parte. Aliás, ao que sei e se bem entendi Damásio, não existe oposição mas bem mais complementaridade entre o pensar e o sentir, noutro exemplo da milenar concepção dos opostos complementares "yin" e "yang", os dois princípios universais da criação.

    Oh! mas será sempre terno um coração...

    Rui leprechaun

    (...que assim vibra de amor e compaixão! :))

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  20. Caríssimo e verdíssimo gnomo,
    lamento desiludi-lo. É verdade, é desolador, mas, de vez em quando, tenho uma opinião própria. No entanto, mesmo nessas raríssimas ocasiões, prometo solenemente que não infligirei ao público inocente as consequências nefastas de eventuais ataques de verborreia.
    Cristy

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  21. Não... não!...

    Cristy do meu coração! :)

    Baratíssimo e coradíssimo...

    ...mas concordamos no doidíssimo! ;)

    Mas não é desolador... nada disso, ó lindo amor!

    Eu acho até divertido... ou não fora eu o mais querido...

    ...Gnomito ensandecido...

    Rui leprechaun

    (...pela jovem Cris perdido! :))

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  22. «o que ele parece não compreender é que o sofrimento nunca pode ser motivo de diversão, estejam em causa pessoas ou animais, muito mais grave quando estão em causa estes últimos, que infelizmente nem às autoridades competentes se podem queixar»

    Delicioso! ;)

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  23. Olá Ludwig,

    Acho que a pega é que é...Deixem lá os ferros e a segurança do cavalo e tenham os "ditos" para se por em frente ao bicho e pega-lo de caras. Com ele fresquinho que nem uma alface, isso é que é de homem e o resto é treta!!

    Caro Francisco
    Não se confunda a leoa que mata a gazela para dar de comer ás crias com o toureiro montado no cavalo que espeta ferros nas costas do touro para meia centenas de pessoas aplaudirem.
    A leoa assim como o crocodilo mata rapidamente, não fica ali a espetar dentadinhas na sua vitima enquanto os outros crocodilos aplaudem. E nesse caso tem mais etica que o toureiro.



    E note que como carne e gosto muito, mal passadinha, em sangue é boa!!!

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  24. Caro Ludwig,

    Os masai torturam animais ritualmente. Vacas, que são o centro de toda a sua cultura. Eu acho que a morte ritual de animais é completamente desnecessária, tal como a tortura para entretenimento.

    Deverá proibir-se os masai de realizarem esses rituais?

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  25. Olá Francisco,
    não sei se se refere ao facto dos massai se alimentarem, sobretudo, do sangue e do leite das vacas. O processo de extracção de sangue não tem nada de ritualístico, é um método, de resto pouco doloroso para o animal, para obter um alimento básico. Os massai consideram as vacas «presentes de deus», e só as abatem para consumo próprio no último dos casos. Ou seja, comer a carne é um sinal de derrota: ou seja, mostra que não se conseguiu tomar conta devidamente da manada e da família (valem mais ou menos o mesmo ;))
    Acho que acusar os massai de maltratarem o que de mais valioso têm na vida é ir um pouco longe demais. A não ser que se esteja a referir a outra prática qualquer que me seja desconhecida.
    Cristy

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