segunda-feira, janeiro 30, 2012

O pirata, o autor e a carraça (ou a taxa do tacho).

Muitos proponentes do Projecto de Lei 118/XII defendem a taxa sobre equipamento informático como uma medida anti-pirataria. Muitos oponentes apontam que a cópia privada não tem nada que ver com a pirataria. Se bem que os primeiros estejam a aldrabar, os últimos não estão completamente certos. No tempo da cassete e da fotocópia era fácil distinguir cópia privada e pirataria. À permissão legal da «reprodução em qualquer meio realizada por pessoa singular para uso privado e sem fins comerciais directos ou indirectos» bastava a ressalva de não «atingir a exploração normal da obra, nem causar prejuízo injustificado dos interesses legítimos do autor» (CDADC, Artº 75) para ficar claro o que se podia ou não podia fazer.

No domínio digital criou-se, em parte propositadamente, uma enorme confusão e ambiguidade acerca disto. A propaganda das editoras diz que o download é ilegal, mas a IGAC admite que o juiz é que tem de decidir, com base no tal «prejuízo injustificado» (1). Há quem diga que o acesso à obra tem de ser lícito – também a IGAC começou por aí, quando perguntei sobre isto, mas não me souberam indicar onde estava essa exigência no CDADC – mas, na prática, isto não ajuda. Por exemplo, um escritor inglês cede os direitos exclusivos de distribuição no Reino Unido e EUA a duas editoras, alguém põe o pdf do livro num servidor ucraniano e um português copia esse ficheiro para o seu computador. Não é nada claro como é que um tribunal português decide se o acesso é legítimo, à luz da legislação nacional, ou sequer se tem autoridade legal para decidir tal coisa. E ninguém consegue perceber até onde vão os seus direitos de cópia privada sem ir a julgamento.

O PJL-118/XII não faz nada para resolver isto. Não ajuda a distinguir cópia privada de pirataria nem combate esta última. Pelo contrário. Sendo o tal «prejuízo injustificado» o critério explicitamente enunciado no CDADC, pagar 20€ de taxa pelo disco rígido onde se guarda os downloads vai esbater ainda mais a diferença entre a cópia privada e aquilo a que chamam pirataria. A ideia de que o PJL-118/XII adapta a lei à realidade digital e combate a pirataria é simplesmente absurda.

Também para o autor há uma grande diferença entre a taxa que já temos, em CD, cassetes e fotocópias, e a taxa proposta sobre o armazenamento digital. A anterior era injusta para os autores – de software livre, por exemplo – que distribuíam as suas obras fora do sistema comercial e industrial de cópia. Mas, pelo menos, a taxa distinguia entre os meios de distribuição da maioria das obras, como os CD, cassetes, discos e DVD de fábrica, e os mais usados para cópias não autorizadas, como os CD graváveis, cassetes virgens e fotocópias. Se aprovarem o PJL-118/XII essa distinção desaparece. Vão taxar pela cópia privada o mesmo disco ou cartão de memória onde se guarda o ficheiro comprado, ou o leitor onde se ouve a música licenciada. Esta taxa não vai prejudicar apenas uma minoria de autores mas sim todos os autores, porque penaliza toda a distribuição digital. O que, mais ano menos ano, será toda a distribuição. E com a agravante dos valores cobrados serem muito maiores.

Só beneficia com isto quem vive com a cabeça espetada entre os autores e o público. As sociedades de colecta, a SPA e as maiores editoras, por exemplo, cujo negócio é cobrar pelo acesso. Dizem que a pirataria é uma desgraça para o artista, a quem querem “proteger”, mas isso é treta. A pirataria comercial foi a primeira vítima da partilha gratuita – já há anos que não vejo CD e DVD pirata à venda às portas do Metro – e a partilha para uso pessoal não tira dinheiro aos rendimentos dos artistas. Pelo contrário. Ao facilitar a distribuição, permite que o artista seja financiado directamente pelo seu público, a quem até pode cobrar antecipadamente o que julgar mais justo pelo seu trabalho (2). É isto que a taxa pretende combater. Se o artista pode trabalhar directamente para os seus fãs acaba-se a mama da “gestão de direitos”. Só com uma taxa sobre toda esta tecnologia é que associações de cobrança e vendedores de rodelas de plástico poderão ganhar dinheiro.

1- Ilegais? Porquê? – (in)conclusão.
2- E.g. Kickstarter

2 comentários:

  1. Oi Ludi: só dois comentários ao teu texto.

    O primeiro é que na hipótese que apresentas no 2º parágrafo, o Estado Português só poderá perseguir criminalmente alguém nessas condições se a obra for representada por uma entidade em Portugal (existem, por exemplo, muitas marcas de roupa que são contrafeitas e nada se pode fazer em portugal pois como é um país pequeno elas não estão para gastar dinheiro em representantes e cá ninguém quer pagar para o ser por ser economicamente um mau negócio). No caso negativo - não existir representante - não existe legitimidade para acusar e condenar ninguém (penso que estatisticamente a maioria dos milhares de ebooks escritos não serão representados em terras lusas embora no caso da música seja o oposto)...
    O segundo comentário é que estás certo na crítica e havia alternativas. Sem pretender que seja a melhor opção recordo o que fez a França: criou uma "taxa" sobre os internet providers que é tanto mais alta quanto mais veloz o custo da ligação "vendida" ao seu cliente, e o dinheiro obtido é entregue aos representantes dos autores. Para bom entendedor meia palavra basta sobre a intenção do legislador francófono...
    Cumps amigo (long time no see)
    Carlos Casimiro

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  2. Sem violar direitos de autor, e como o Ludwig é adepto da partilha de materiais online, permitam-me que partilhe com todos vós as palestras da Super-Conferência Criacionista do Canadá, 2011

    Só vê quem quer! Mas podem ver e partilhar à vontade!

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