quarta-feira, agosto 26, 2015

O chimpanzé.

Orlando Braga quis participar na discussão sobre a relevância ética da definição de pessoa mas, como é costume, disparou ao lado. Grande parte do texto de Braga critica uma alegada tese minha de que o chimpanzé é pessoa porque tem autoconsciência, dissertando sobre o teorema de Gödel, afirmando que «Há uma diferença entre consciência de si, por um lado, e autoconsciência, por outro lado»(1) e que «A autoconsciência é a condição lógica de todo o mundo», entre outras divagações que dariam matéria para vários posts. O que é irrelevante porque eu não defendo uma definição de pessoa. Definir pessoa como ser que está consciente de si próprio – incluindo, por isso, o chimpanzé – é apenas uma de muitas possibilidades que me parecem aceitáveis. Braga alega também que «as pessoas de Esquerda — como é o caso do Ludwig Krippahl — têm horror às definições, porque as definições limitam o poder fáctico da ideologia política.» Mas eu não tenho horror às definições. Até aceito várias definições de pessoa. Definir termos é necessário para comunicar ideias. Mas, desde que a definição seja clara e não crie problemas desnecessários, está cumprido esse objectivo. Essa é uma das razões pelas quais rejeito que se fundamente a ética numa definição de pessoa. Mas há mais, como Braga, inadvertidamente, demonstra.

Uma definição de pessoa que Braga atribui a Kant é a de que «“a pessoa é aquele sujeito cujas acções podem ser imputadas”». Kant não define pessoa assim – isto é uma mera consequência da ética kantiana – e Braga discorda desta definição mas, seja como for, é uma definição legítima. Que não serve de fundamento para a ética porque, para sabermos se algo é pessoa, precisamos de saber primeiro se lhe podemos imputar alguma responsabilidade pelas suas acções. Se ralhamos com uma criança por atirar os brinquedos contra a televisão estamos implicitamente a imputar-lhe a responsabilidade de não agir assim. O mesmo quando ralhamos com o cão por roer as pernas das cadeiras. Se este nível de imputabilidade bastar para ser pessoa, então tanto a criança como o cão serão pessoas, de acordo com esta definição. Por outro lado, se formos mais exigentes e considerarmos que só é verdadeiramente imputável aquele que tiver uma compreensão sólida da ética e dos deveres que daí advêm, então nem a criança nem o cão serão pessoas. Neste caso, também ficará de fora grande parte da humanidade porque pouca gente tem a vida suficientemente despreocupada para estudar e reflectir sobre os fundamentos últimos das regras morais. Mas o ponto importante aqui, que aparentemente escapou a Braga, não é a defesa de uma ou outra definição de pessoa. É que a definição não faz diferença nenhuma. Qualquer que seja o ponto desta escala onde se coloque a fasquia para ser pessoa, continuaremos a ralhar com a criança e com o cão e a exigir dos adultos mais do que exigimos das crianças. Esta definição de pessoa é eticamente irrelevante.

E não é eticamente irrelevante apenas por se basear na ética e, por isso, depender desta. Outra definição que Braga menciona é a da pessoa como ser autoconsciente. O termo “autoconsciência” normalmente refere apenas a consciência de si como um ser à parte daquilo que o rodeia. Braga, no entanto, exige que a autoconsciência inclua também a capacidade de conceber «proposições descritivas, ou seja, a função representativa, segundo Karl Bühler: frases que descrevem um estado de coisas objectivo, que pode, ou não, corresponder aos factos», concluindo que «O chimpanzé não possui a função representativa, e por isso não tem autoconsciência.» Não vejo que vantagem há em chamar autoconsciência à capacidade de criar proposições. Também me parece errada a opinião de Braga de que os chimpanzés não têm esta capacidade. As tentativas de ensinar linguagem a gorilas e chimpanzés sugerem fortemente o contrário. Mas, mais uma vez, chamar pessoa ao ser que tem consciência de si ou só apenas ao que é capaz de formular proposições não muda nada do que é eticamente aceitável fazer a esses seres. A consciência de si e a capacidade de formular proposições são eticamente relevantes, mas são-no por si próprias e independentemente de as considerarmos condição necessária à categoria de “pessoa”.

Em suma, e ao contrário do que Braga alega, não me oponho a que se defina o termo “pessoa” nem exijo que o chimpanzé esteja nesta categoria. Por exemplo, o dicionário online da Priberam define “pessoa” como “criatura humana”. Por mim também serve. Desde que se perceba o que quer dizer, qualquer definição serve porque cumpre o propósito de tornar claro o que o termo refere. O que defendo é que a definição de pessoa não deve fundamentar qualquer juízo ético. Importa saber quais seres têm responsabilidades, quais são livres de decidir, quais sentem, quais são conscientes e quais podem apresentar ou compreender razões. Essas coisas são relevantes. Mas a decisão de usar estes ou aqueles atributos para definir “pessoa” não tem qualquer importância na ética.

1- Orlando Braga, Um chimpanzé não é uma pessoa

6 comentários:

  1. A CIÊNCIA DOS CHIMPANZÉS A SINGULARIDADE BÍBLICA DOS SERES HUMANOS

    Os evolucionistas dizem que chimpanzés e humanos evoluíram de um antepassado comum. Isso nunca foi observado por ninguem, sendo imaginado pelos evolucionistas.

    A Bíblia ensina que todos os seres vivos foram criados para se reproduzirem de acordo com o seu género e que os seres humanos foram criados à imagem de Deus, sendo racionais, morais, criativos e comunicativos.

    Homens e macacos são seres vivos de géneros distintos, contemporâneos uns dos outros. A evidência científica corrobora o ensino bíblico.

    Estudos recentes vieram demonstrar que chimpanzés e os seres humanos têm semelhanças genéticas importantes. Mas também há semelhanças entre seres humanos e orangotangos.

    E não falta até quem diga que os humanos são híbridos de chimpanzés e porcos!

    E daí? Desde logo, há que ter presente que as mesmas palavras genéticas têm diferentes significados nos diferentes seres vivos.

    Além disso, chimpanzés e seres humanos têm sistemas de regulação da expressão genética muito diferentes.

    Mesmo sequências genéticas comuns com outras espécies têm uma expressão genética específica, claramente recente, desencadeando características únicas nos seres humanos, evidenciando a desadequação dos chamados “relógios moleculares” que têm tantas velocidades quantas as necessárias para salvar a teoria da evolução.

    As diferenças no sistema de regulação da expressão dos genes dos chimpanzés e dos seres humanos são muitas e extremamente complexas, dificultando a sua explicação por simples mutação e seleção natural.

    Eles dispõem de cérebros que se desenvolvem de forma muito diferente , o que corrobora a ideia bíblica de que têm um Criador comum que os criou como géneros distintos...

    Também a dispersão dos macacos compreende-se melhor à luz do dilúvio recente, do que dos actuais modelos e cronologias evolucionistas e uninformitaristas.

    Os cientistas procuram explorar as semelhanças anatómicas e fisiológicas para tentarem aproximar evolutivamente macacos (ou porcos!) e seres humanos.

    Isto, apesar de nenhum macaco ter pensamento abstrato e linguagem gramaticalmente estruturada ou se interessar por religião, filosofia, política, direito, economia, literatura, arquitetura, escultura, pintura, música, etc.

    As diferenças são muito mais significativas do que as semelhanças.

    As semelhanças que existem entre seres humanos e macacos não provam qualquer antepassado comum, já que também corroboram a existência de um Criador comum que os criou na mesma semana para viverem no mesmo planeta, respirando o mesmo ar e partilhando o mesmo ambiente e os mesmos nutrientes.

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    1. Criacionista,

      Isso nunca foi observado por ninguem, sendo imaginado pelos evolucionistas.
      Certo. Mas a criação de homens e chimpanzés já foi observada, logo, não precisa que imaginemos um criador a fazer tal serviço.

      Homens e macacos são seres vivos de géneros distintos
      O que é o género? Se é para indicar que são machos ou fêmeas, é normal que existam machos e fêmeas entre os vertebrados... Afinal do que fala quando diz "género"?

      Mas também há semelhanças entre seres humanos e orangotangos
      Claro que sim. É por isso que a Taxonomia os agrupa, bem com os chimpanzés, gorilas e outros na família dos hominídeos (https://en.wikipedia.org/wiki/Hominidae).

      Eles dispõem de cérebros que se desenvolvem de forma muito diferente , o que corrobora a ideia bíblica de que têm um Criador comum que os criou como géneros distintos.
      Deixe-me adivinhar: não pode ser que tiveram um antepassado comum, porque a Bíblia não diz isso. A ideia da evolução está errada, porque se estivesse certa vinha na Bíblia. E a Bíblia está certa, porque a Bíblia diz que é a palavra de Deus, que nunca falha e por isso tem de estar certa. E nós sabemos que que Deus existe porque a Bíblia diz que existe. Acho que posso passar a eternidade neste pensamento cíclico...

      Também a dispersão dos macacos compreende-se melhor à luz do dilúvio recente, do que dos actuais modelos e cronologias evolucionistas e uninformitaristas.
      Certo. Os macacos do novo mundo, foram para lá nadando ao longo do Atlântico, ou melhor, foi magia, porque Deus pode tudo! O mesmo vai para os cangurus, coalas, e restante bicharada que povoa em locais remotos, a milhares de quilómetros do monte Ararat na Turquia. E como sabemos isso? Porque a Bíblia diz que sim!

      Os cientistas procuram explorar as semelhanças anatómicas e fisiológicas para tentarem aproximar evolutivamente macacos (ou porcos!) e seres humanos.
      Parvoíce. Os métodos de classificação taxonómicos são bem mais antigos que a "Origem das espécies" de Darwin. Basta uma vista em https://en.wikipedia.org/wiki/Taxonomy_(biology): «from Ancient Greek: taxis, "arrangement," and -nomia, "method"».

      As diferenças são muito mais significativas do que as semelhanças.
      E depois? Também existem muitas diferenças entre o cérebro dos primatas e o cérebro dos cetáceos, que tiveram uma evolução paralela. Como se diz, "o Diabo está nos pormenores"... Mas se foi Deus que criou tudo, porque é que inventou soluções diferentes para fazer a mesma coisa. Não faz sentido nenhum. A resposta dos criacionistas à chamada "evolução convergente" é dizer que ela não existe, que é invenção dos biólogos. É assim que esta gente quer ser levada a sério.

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    2. "Os evolucionistas dizem que chimpanzés e humanos evoluíram de um antepassado comum. Isso nunca foi observado por ninguem, sendo imaginado pelos evolucionistas."

      Irrelevante. O método hipotético-dedutivo não exige que se observe um fenómeno para admitir que aconteceu ou que virá a acontecer, senão, por exemplo, a ciência forense e a ida à Lua não seriam viáveis. A hipótese de que os chimpanzés e humanos evoluíram de um antepassado comum é falsificável e tem a sua força nas provas geológicas, genéticas e anatómicas.

      "A Bíblia ensina que todos os seres vivos foram criados para se reproduzirem de acordo com o seu género e que os seres humanos foram criados à imagem de Deus, sendo racionais, morais, criativos e comunicativos."

      Também não foi observada a criação, sendo pura imaginação criacionista e dos escritores da Bíblia. A Bíblia é um documento escrito por humanos que não viram o que descreveram e humanos contemporâneos alegam que tem proveniência divina.

      "Homens e macacos são seres vivos de géneros distintos, contemporâneos uns dos outros. A evidência científica corrobora o ensino bíblico."

      Homens e macacos são seres-vivos da mesma família, contemporâneos uns dos outros, tal como os leões em relação aos gatos, no entanto criacionistas acreditam que os leões evoluíram em menos de 5 séculos em gatos.

      "Estudos recentes vieram demonstrar que chimpanzés e os seres humanos têm semelhanças genéticas importantes. Mas também há semelhanças entre seres humanos e orangotangos."

      Eu e os meus primos também têm semelhanças genéticas importantes, mas eu e os meus pais temos mais semelhanças genéticas importantes. Os primatas têm semelhanças genéticas importantes entre si porque tiveram um ancestral comum próximo. O que interessa é que os genomas apresentam indícios reutilização por descendência com modificação, em vez de injecção de partes que não poderiam provir de antepassados (excepto de retro-vírus, que injectam o seu material genético), como acontece com as criações humanas.

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    3. "E não falta até quem diga que os humanos são híbridos de chimpanzés e porcos!"

      1) http://ktreta.blogspot.pt/2015/02/nao-e-por-ser-cientifico.html?showComment=1423556562996#c4573615173651932766

      2) http://ktreta.blogspot.pt/2014/06/miscelanea-criacionista-os-tipos.html?showComment=1402333982710#c1841570156161782632

      3) http://observationdeck.kinja.com/no-humans-are-not-chimp-pig-hybrids-1474029809

      Os criacionistas têm um problema grave de autismo, de amnésia e de "confirmation bias", como o Banana Man.

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    4. Criacionismo Bíblico:
      1) "há que ter presente que as mesmas palavras genéticas têm diferentes significados nos diferentes seres vivos."
      Ex:
      2) "chimpanzés e seres humanos têm sistemas de regulação da expressão genética muito diferentes."

      Sem notar, ele apresenta algo que fortalece a teoria da evolução mas enfraquece o criacionismo e a ideia de que o ADN é um código.

      Vamos supor que o ADN é software de uma aplicação e a célula é um computador.
      O que o Criacionismo Bíblico quer dizer é que:
      1) duas aplicações foram implementadas separadamente,
      2) as duas aplicações têm código fonte quase iguais;
      3) as duas aplicações estão instaladas em dois computadores diferentes que interpretam as instruções de forma diferente;
      4) 40% das diferenças dos resultados das duas aplicações devem-se ao modo como os computadores interpretam as suas instruções;

      Ou seja, ele diz que, por exemplo, Deus, como programador, introduziu isso no ADN:
      ACAAGATGCCATTGTCCCCCGGCCTCCTGCTGCTGCTGCTCTCCGGGGCCACGGCCACCGCTGCCCTGCCCCTGGAGGGTGGCCCCACCGGCCGAGACAGCGAGCATATGCA GAAGCGGCAGGAATAAGGAAAAGCAGCCTCCTGACTTTCCTCGCTTGGTGGTTTGAGTGGACCTCCCAGGCCAGTGCCGGGCCCCTCATAGGAGAGGAAGCTCGGGAGGTGGCCAGGCGGCAGGAAGGCGCACCCCCCCAGCAATCCGCGCGCCGGGACAGAATGCC
      CTGCAGGAACTTCTTCTGGAAGACCTTCTCCTCCTGCAAATAAAACCTCACCCATGAATGCTCACGCAAGTTTAATTACAGACCTGAA
      em células diferentes que traduzem o trecho de formas bastante diferentes, com resultados esperados, e que isso corrobora o criacionismo.
      O que o Criacionismo Bíblico quer dizer é que os binários destinados a Windows funcionam perfeitamente em Linux, até numa arquitectura incompatível com x86, mas com pequenas diferenças nos resultados. Mas atenção, que se esse trecho, ou parte dele, for repetido seja em que lugar, muito provavelmente também vai ter um significado diferente.

      Por outro lado, de acordo com a teoria da evolução, esse trecho é igual em genomas diferentes porque foram herdados e como o ADN levou à reprodução de células um pouco diferentes, pode ser que o trecho leve a resultados diferentes, porque o ADN não é um código como de um computador.

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  2. Ludwig,

    O problema de atribuir capacidades cognitivas aos animais é um dos últimos esteios do antropocentrismo. Já faltou mais para cair de vez, mas é só uma questão de tempo.

    No cerne da resistência estão milhares de anos de conceitos como "criado à imagem do criador" e "lugar especial na criação".
    É complicado cair na real e perceber que somos só pó de estrelas e nada mais do que isso.

    Como diz a canção do Lennon (http://www.azlyrics.com/lyrics/johnlennon/instantkarma.html)
    «Better get yourself together darlin'
    Join the human race
    How in the world you gonna see
    Laughin' at fools like me
    Who in the hell d'you think you are
    A super star
    Well, right you are

    Well we all shine on
    Like the moon and the stars and the sun
    Well we all shine on»

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