quarta-feira, julho 10, 2013

Treta da semana (passada): taxas de juro.

Enquanto aguardo que o nosso Presidente acabe de fingir que está a tomar uma decisão, confirme a fantochada* das últimas semanas e me dê o tema da treta desta, vou pondo o blog em dia com uma (das muitas) da semana passada. Com as zangas entre Passos Coelho e o seu patrão Paulo Portas, a bolsa de valores teve uma queda e as chamadas “taxas de juro” da dívida pública subiram no mercado secundário. Segundo o Correio da Manhã «A demissão de Portas mergulhou o país numa profunda crise política e não só. O dia de ontem custou ao País 813 milhões de euros»(1). As contas foram que «o aumento da taxa de juro da dívida pública a 10 anos no mercado secundário provocará um aumento potencial dos encargos com juros de 244 milhões de euros. Já ontem, as empresas cotadas no PSI 20 da Euronext sofreram uma desvalorização de 569 milhões de euros. No conjunto, estas perdas ascendem a 813 milhões de euros.» E no texto em rodapé na CM-TV, «Crise no governo: dívida pública disparou nesta sessão»(2). Isto é um chorrilho de disparates.

A queda no PSI 20 deve-se às acções nesse dia terem sido transaccionadas a um preço, em média, mais baixo do que a média dos dias anteriores. E do que a média dos dias seguintes. Foi uma baixa temporária, e muito curta, tão irrevogável quanto a palavra do Portas. O cálculo do CM consiste em multiplicar essa variação de preço pelo total das acções em bolsa mas, obviamente, o que se transacciona num dia é muito menos que o total das acções. Uma maneira mais correcta de ver o que se passou foi que alguns investidores entraram em pânico, venderam as suas acções com urgência e, por isso, aceitando um preço abaixo do normal, enquanto outros aproveitaram para as comprar em saldos. No dia seguinte estava tudo igual a menos de alguns arrependimentos pela venda precipitada, essa sim irrevogável.

No mercado da dívida pública foi também isto que aconteceu só que, nese caso, o disparate é ainda maior. A tal “taxa de juro” da dívida pública é aqui uma interpretação errada do termo “yield”, que é a rentabilidade, ou o rendimento, desse investimento. Se o Estado vende um título de dívida a um ano no valor de 110€ isto quer dizer que se compromete a pagar 110€ ao detentor do título findo esse prazo. Se eu paguei 100€ pelo título terei um rendimento de 10% quando receber os 110€. Se a coisa ficar só entre mim e o Estado, o que eu ganho é igual aos juros que o Estado paga por receber 100€ agora e pagar 110€ daqui a um ano. Mas a variação que o CM reporta ocorreu no mercado secundário. Se, por alguma necessidade ou temor, eu vender o meu título do tesouro por 55€, o comprador irá pagar 55€ agora e receber 110€ do Estado quando o prazo terminar. O seu ganho será de 100% mas o Estado, que já recebeu os meus 100€ quando comprei o título e que terá de pagar 110€ à mesma ao fim de um ano, fica na mesma. Seria um disparate dizer que a minha venda precipitada tinha custado ao Estado 90€ em juros agravados.

A notícia no CM faz algum contorcionismo em reconhecimento deste problema e em contradição com os cabeçalhos bombásticos. Mas o resultado não é menos disparatado. «Como o stock da dívida pública a amortizar a partir de outubro de 2014 [é de] 87 298 milhões de euros [...] os encargos adicionais com essa dívida ascenderão a 244 milhões de euros caso aquele agravamento da taxa de juro se mantenha no futuro.» Ou seja, se em Outubro de 2014 não estivermos já no terceiro ou quarto resgate, e nos anos que se seguirem o Estado for vendendo partes daqueles 87 298 milhões sempre ao preço que a dívida tinha no mercado secundário no dia em que Paulo Portas fez que saía, então o Estado perderá 244 milhões em relação ao que perderia se o preço tivesse ficado preso para sempre no da segunda-feira anterior. Além de ser uma suposição rebuscada nem sequer condicionalmente é verdadeira porque, com o nosso crescimento económico, uma taxa de juros de 6,33% é tão proibitiva quanto a de 6,62%.

Seja como for, se esta novela continuar até Outubro de 2014 a taxa de juros será um problema menor.

* Chamar-lhe palhaçada é arriscado.

1- CM, Crise custa 813 milhões
2- CM-TV, Crise custa 813 milhões

17 comentários:

  1. Numa descoberta muito interessante para a arqueologia Bíblica, foi encontrada uma muito antiga efigie de um Faraó egípcio (what else?) em Israel, o que é fascinante para quem leia as conexões entre Israel e Egipto, desde Abraão até Moisés, nos livros de Génesis e Êxodo.

    O que eles dizem:

    "As the only known Sphinx of this king discovered anywhere in the world -- including in Egypt -- the find at Hazor is an unexpected and important discovery."

    "The city was rebuilt and fortified by King Solomon and prospered in the days of Ahab and Jeroboam II, until its final destruction by the Assyrians in 732 BCE."

    Ou seja, a Arqueologia continua a confirmar a Bíblia...



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    1. «Ou seja, a Arqueologia continua a confirmar a Bíblia... »

      Perspectiva,

      Estava aqui a mordiscar-lhe os mamilos no meu pensamento, mas uma dúvida irrompeu no gabinete: há registos arqueológicos que confirmem a presença de judeus no antigo Egipto? É que ouvi por aí o boato de que não há nota disso sequer nos hieróglifos.

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    2. Estimado Bruce Lóse

      De si já esperava essa ignorância...

      Mas posso corrigi-la facilmente com evidência genética, paleográfica... só para começar...

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    3. Perspectiva,

      A minha inquietação não se refere ao Egipto relativamente antigo de há dois mil anos com várias linhas rastreáveis de judeus, mas ao Egipto antigo. Tipo XVIII dinastia, Moisés, e o caneco.

      Agora. Voltamos ao post, ou aos mamilos?

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  2. Parece-me ver aqui uma boa notícia.

    O acesso directo do público às OT reduz o volume dos depósitos a prazo (remunerados olimpicamente abaixo da inflação) e das comissões dos bancos sobre ordens de compra e venda no mercado secundário. Ainda assim parece ter havido no IGCP um lampejo de compromisso com o povo português...

    Pena é que a mesma ignorância financeira que propicia o obscurantismo «jornalístico» assinalado no post leve mais e mais ignorantes a instalar software de tradind nos seus smartphones, não para contornar a presença devastadora dos bancos, mas pelo prazer de lhes pagar operações de bolsa ao ritmo do absoluto acaso. Estes são mais ou menos os nossos «investidores».

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  3. Depois de muitos quilómetros a

    1) comprimir toda a história no período homologado pelo criacionismo;
    2) forjar evidências que corroborem o Génesis;
    3) escrever macacadas sobre genética de populações;

    o Perspectiva está sem dúvida determinado a

    4) comprimir toda a história no período homologado pelo criacionismo;
    5) forjar evidências que corroborem o Êxodo;
    6) escrever macacadas sobre o Antigo Egipto.

    Ora aí está a polivalência. Mas o consenso parece contrariá-lo mais uma vez:

    «Although the Book of Genesis and Book of Exodus describe a period of Hebrew servitude in ancient Egypt, more than a century of archaeological research has discovered nothing which could support its narrative elements— the four centuries sojourn in Egypt, the escape of well over a million Israelites from the Delta, or the three months journey through the wilderness to Sinai.

    The Egyptian records themselves have no mention of anything recorded in Exodus, the wilderness of the southern Sinai peninsula shows no traces of a mass-migration such as Exodus describes, and virtually all the place-names mentioned, including Goshen (the area within Egypt where the Israelites supposedly lived), the store-cities of Pithom and Rameses, the site of the crossing of the Red Sea (or, more commonly among modern Biblical scholars, the Sea of Reeds), and even Mt Sinai itself, have resisted identification. Scholars who hold the Exodus to represent historical truth concede that the most the evidence can suggest is plausibility.
    »


    (já que ninguém fala em taxas de juro...)

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  4. Se o Bruce Lóse quer um debate sobre a evidência egípcia da presença de Israel vai tê-lo. Ainda bem que alguém quer discutir factos.

    O "consenso" de que ele fala é um excelente ponto de partida, porque iremos ver como ele rapidamente se desmorona nas próximas semanas. Mas anuncio desde já que o Bruce Lóse não vai sair bem deste debate...

    Mas, como temos tempo, comecemos antes disso, com a saída dos animais da Arca de Noé na Ásia, e com a sua dispersão pelo mundo.

    Um estudo genético recente mostra que as variedades de cães que vemos nas Américas descendem de variedades asiáticas.

    À luz da dispersão pós-diluviana, isso faz todo o sentido...







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  5. Quem quiser acompanhar o meu debate com o Bruce Lóse sobre a presença do povo de Israel no Egipto pode começar por visualizar um interessante vídeo sobre o assunto...

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    1. Apenas noto que me parece ilógico tentar encontrar causas naturais para eventos bíblicos(v.g. pragas) que assumidamente tiveram causas sobrenaturais...

      Seria como tentar encontrar uma causa natural para os milagres de Jesus ou para a sua ressurreição...

      Nem isso é possível, nem faz sentido, porque o seu objectivo consiste em provar a existência de causas sobrenaturais...

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  6. Penso que isto já não é no mercado secundário:

    http://www.publico.pt/economia/noticia/taxas-de-juro-da-divida-portuguesa-ultrapassam-os-75-1600088

    O que começa a dar significado aos sinais da bolsa e mercado secundário, já que eram apenas isso, sinais.

    O que importa considerar é que as mudanças que precisávamos não estão a ser feitas como precisamos. Muito pelo contrário.

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  7. João,

    Tudo isso é mercado secundário. Mais uma vez a notícia não destaca esse aspecto ao início, na boa tradição obscurantista da informação financeira, mas é mercado secundário.

    Podes seguir esta regra: salvo raras excepções, no caso das obrigações do tesouro (> 1ano) e dos bilhetes do tesouro (< 1ano) não há mercado primário. A operação de lançamento de dívida é feita à porta fechada, entre um punhado de interessados que dão pelo nome de «compradores institucionais».

    Tudo o que sejam notícias sobre «variação das taxas» referem-se ao mercado secundário, porque para as cotações variarem alguém tem que comprar a alguém.



    Ludwig,

    Aproveito para insistir na velha conversa: o mercado secundário além de forçar os potenciais interessados a pagar (muito) aos bancos e de empastar com especulação o equilíbrio da oferta-procura que segundo os entendidos representa o valor real dos títulos, tem esta particularidade de se ter tornado numa máquina de profecias auto-realizáveis. Ou seja, a expectativa de incumprimento que se gera no mercado secundário produz - por si só - o efeito real de se concretizar ao pressionar artificialmente as futuras colocações de títulos.

    Morte ao mercado secundário das dívidas soberanas.

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  8. Bruce:

    Sim já confirmei que era um mercado secundário. Obrigado pela deixa de qualquer maneira. Não deixa de ser um sinal para quando quisermos mesmo emitir divida.

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  9. Já agora, os tais «mercados» que compram dívida portuguesa são estes senhores:

    Banco Espirito Santo, SA
    Banco BPI, S.A
    Banco Santander
    Barclays Bank, plc
    BNP Paribas
    Caixa Banco de Investimento, SA
    Citigroup Global Markets Limited
    Crédit Agricole CIB
    Credit Suisse
    Deutsche Bank, AG
    Goldman Sachs International Bank
    HSBC France
    ING Bank, NV
    Jefferies International Limited
    Morgan Stanley & Co International
    Nomura International
    Société Générale
    The Royal Bank of Scotland, plc
    UniCredit (HVB)
    Caixa Central de Crédito Agricola Mútuo
    Commerzbank
    Millenniumbcp
    BBVA
    Caixa Geral de Depósitos, SA
    Crédit Agricole CIB
    The Royal Bank of Scotland, plc


    Podemos de facto chamar «leilão» à venda e colocação de dívida, assumindo que eles não têm o número de telefone uns dos outros. Mas agora digam-me: existe um «mercado primário» da dívida portuguesa?

    E com um pouco de paciência (e alguns números) alguém me explica porque é que em vez de «mercado primário» e mercado secundário não se opta por um único mercado de títulos não transaccionáveis sem uma habilitação prévia do IGCP?

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  10. Bruce,

    «Morte ao mercado secundário das dívidas soberanas.»

    Há várias razões para não partilhar este sentimento.

    É praticamente impossível impedir que vendam o que querem vender. Mesmo que conseguisses proibir a venda dos títulos dificilmente conseguirias proibir contratos pelos quais uma parte se comprometia a dar à outra o dinheiro recebido pelo título quando atingisse maturidade em troca de um adiantamento agora.

    Proibir a revenda iria tornar os títulos de dívida pública muito pouco apetecíveis, especialmente os de mais longo prazo, o que iria aumentar os juros para o Estado. Além de impedir o mercado de retalho, porque dificilmente o cidadão privado iria comprar um título a 10 anos sem qualquer possibilidade de o trocar por dinheiro nesse período.

    A compra e venda de títulos de dívida pública é um mecanismo importante para a regulação das taxas de juro dos bancos, e parte essencial da política monetária (e controlo da inflação, etc).

    Provavelmente há mais uma data delas que se me escapam agora, mas penso que isto já chega para não achar boa ideia proibir a revenda de títulos de dívida.

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  11. Ludwig,

    «É praticamente impossível impedir que vendam o que querem vender.»

    É verdade, mas no caso das obrigações a abordagem a esse problema não é novidade nenhuma: a identificação do comprador (primário, chamemos-lhe) pode constar nos títulos de compra. E pronto, problema resolvido.

    «Mesmo que conseguisses proibir a venda dos títulos dificilmente conseguirias proibir contratos»

    Também é verdade. Há por aí uma infinidade de contratos a que chamamos «derivados financeiros» mas que ainda assim têm *muito* menos influência na cotação de um activo do que a transacção do activo em concreto, como acontece no mercado secundário da dívida.


    «Proibir a revenda iria tornar os títulos de dívida pública muito pouco apetecíveis»

    Repara que o mercado das dívidas soberanas era substancialmente diferente há cerca de trinta anos. Havia oferta, havia *muita* procura, e pronto. A motivação para «enriquecer» a liquidez deste mercado com um mercado secundário nem sequer foi a potencial diminuição das yields... isso é que nos diz por exemplo o site do IGCP acerca do nosso caso em particular, infelizmente sem apresentar um graficozito. O mercado secundário surgiu quando os bancos descobriram o mundo maravilhoso das dívidas dos países emergentes (ou menos que emergentes). Trocar títulos em mercado secundário foi a chave que os bancos encontraram para encontrar, entre eles, algum com mais capacidade de extorsão sobre o país em incumprimento a quem tinham emprestado dinheiro. Depois evoluiu para a situação que temos agora.

    Se o propósito do mercado secundário é hoje o de aumentar liquidez e com isso diminuir as taxas, não percebo porque não surgiu há mais tempo e por outros motivos. Gostava pelo menos de ver um histórico com alguns valores que mostrassem a liquidez a subir e as taxas a descer. É que no nosso caso em concreto houve esforços para agilizar o mercado secundário dos nossos títulos a partir do ano 2000 e hoje estamos na merda. Expostos a um mecanismo que serve vários interesses, mas não o nosso.

    «Além de impedir o mercado de retalho, porque dificilmente o cidadão privado iria comprar um título a 10 anos sem qualquer possibilidade de o trocar por dinheiro nesse período.»

    Falso. Esse cidadão iria optar por maturidades mais curtas, a não ser que tenha uma estima particular por depósitos no banco. Referes o caso de títulos a 10 anos, que exige um perfil diferente de investimento, mas há prazos a partir dos três meses... Além disso seria sempre possível estabelecer uma cláusula de resgate antecipado nalgumas emissões de juro mais baixo. Mesmo sem que pudesse vender o título.

    «A compra e venda de títulos de dívida pública é um mecanismo importante para a regulação das taxas de juro dos bancos, e parte essencial da política monetária (e controlo da inflação, etc).»

    Pois, também já sei disso. A questão que se coloca é avaliar esse mecanismo sem nos deixarmos na posição de o defender só porque existe. Aliás, não fui procurar, mas recordo um ou outro texto teu em que não tens dúvidas em reconhecer que esse mesmo mecanismo outorga demasiado poder aos bancos, ao ponto de se darem ao luxo de obter crédito a 1% para nos emprestarem (comprando dívida) a taxas muito superiores. Não me digas que agora achas bem andarmos a engordar famílias da máfia :)

    «penso que isto já chega para não achar boa ideia proibir a revenda de títulos de dívida.»

    Eu não. Pelo que consigo perceber deste enredo, há bons motivos para devolver às dívidas soberanas um mercado muito menos exposto à especulação e mais impermeável à manipulação da comunicação social (que, se recordares, abriu ao abismo do mercado secundário da dívida portuguesa e quase marcou a data para o nosso pedido de resgate). Por outro lado, temos maus motivos para defender uma coisa destas só porque sim.

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