Treta da semana: iNdulgência.
Durante a próxima semana vai decorrer no Rio de Janeiro a Jornada Mundial da Juventude católica. Como é costume nestas coisas, a Igreja Católica concede indulgências aos fiéis presentes. Mas uma novidade este ano suscitou alguns comentários. A Igreja Católica declarou conceder indulgência plenária aos fiéis que, impedidos de estar presentes, «sigam estes ritos e exercícios piedosos enquanto se desenrolam, através da televisão e da rádio ou, sempre que com a devida devoção, através dos novos meios de comunicação social»(1). O Guardian anunciou que os católicos poderiam receber indulgências seguindo o Papa no Twitter (2), e as críticas levaram o Vaticano a esclarecer as condições para a adequada concessão deste dom: «"não se pode obter indulgências como se consegue um café da máquina" [...] "o que realmente conta" para receber a indulgência "é que os tweets que o Papa vai postar do Brasil ou as fotos da Jornada Mundial da Juventude que subam ao Pinterest produzam um fruto espiritual autêntico nos corações de todos"»(3)
No que toca ao uso das “redes sociais” para conceder indulgências, devo admitir que não concordo com os críticos. A indulgência é concedida porque a Igreja tem um “tesouro espiritual” de onde os bispos podem retirar magicamente o “pagamento” que a “justiça divina” exige para compensar os pecados confessados e perdoados. Criticar o uso do Twitter como veículo para estas emanações milagrosas é como criticar a Maya por dar consultas por telefone. O problema não está propriamente no meio de comunicação pelo qual o prestador de serviço convence o cliente de ter cumprido as expectativas contratuais.
Os técnicos certificados da Igreja Católica podem perdoar quase todos os pecados. Basta o pecador manifestar sincero arrependimento e o sacerdote entoar os encantamentos de salvação. Não dá para todos os pecados. Por exemplo, eu afirmar que o Espírito Santo é uma fantasia pateta condena-me ao inferno irrevogavelmente, e nem sequer no sentido político. Mas coisas menores como homicídio e roubo, ou irrelevâncias daquelas que nem vêm nos mandamentos, como violar crianças, tudo isso pode ser perdoado pela infinita misericórdia do deus católico sob a mediação e administração da Igreja. No entanto, mesmo depois de perdoado, o pecado carece ainda de uma taxa de sofrimento para “justiça divina”, a pagar no purgatório. O purgatório é «o estado dos que morrem na amizade de Deus, com a certeza de sua salvação eterna, mas que ainda têm necessidade de purificação para entrar na felicidade do céu». É aí que entram as indulgências. «As indulgências são a remissão diante de Deus da pena temporal devida aos pecados, já perdoados quanto à culpa, que, em determinadas condições, o fiel adquire para si ou para os defuntos mediante o ministério da Igreja, a qual, como dispensadora da redenção, distribui o tesouro dos méritos de Cristo e dos Santos.» (4)
Ou seja, quem peca e não é perdoado vai para o Inferno. «As almas dos que morrem em estado de pecado mortal descem imediatamente, após a morte, aos infernos, onde sofrem as penas do Inferno, “o fogo eterno”»(5). Mas mesmo perdoados os pecados, «Os que morrem na graça e na amizade de Deus [...] sofrem depois da morte uma purificação, a fim de obterem a santidade necessária para entrar na alegria do céu. A Igreja chama Purgatório a esta purificação final dos eleitos [...] A Tradição da Igreja, referindo-se a certos textos da Escritura fala dum fogo purificador: “Pelo que diz respeito a certas faltas leves, deve crer-se que existe, antes do julgamento, um fogo purificador, conforme afirma Aquele que é a verdade, quando diz que, se alguém proferir uma blasfémia contra o Espírito Santo, isso não lhe será perdoado nem neste século nem no século futuro (Mt 12, 32). Desta afirmação podemos deduzir que certas faltas podem ser perdoadas neste mundo e outras no mundo que há-de vir”».(5)
Quem conhece do catolicismo apenas os slogans publicitários do deus do amor, infinitamente bom, misericordioso e afins, estranhará a exigência de que o arrependido perdoado ainda seja torturado com o “fogo purificador” antes de entrar no paraíso. Quem sabe algo da história do cristianismo poderá ver aqui restos dos costumes e superstições de uma tribo de nómadas que ainda tentava perceber qual era a parte da frente do camelo quando os Egípcios já construíam pirâmides. Mas não é nada disso. É um Mistério da Fé. Tal como o mistério das indulgências.
Por decreto episcopal, o crente pode receber descontos no tempo que terá de sofrer o fogo purificador ou, em casos como o das Jornadas da Juventude, ficar completamente isento de qualquer sofrimento devido a pecados passados. Deus, por assim dizer, pode aceitar um haircut ou mesmo o perdão completo do sofrimento em dívida. O grande mistério aqui não é que isto funcione igualmente bem em pessoa, por carta ou por Twitter. O grande mistério é como é que os católicos determinaram sequer se isto funciona.
1- Rádio Vaticano, Papa concede indulgência para participantes da JMJ Rio2013
2- The Guardian, Vatican offers 'time off purgatory' to followers of Pope Francis tweets
3- Acidigital, Autoridade vaticana esclarece confusão midiática sobre indulgências pela Jornada Mundial da Juventude
4- Vaticano, Catecismo da Igreja Católica (compêndio)
5- Vaticano, Catecismo da Igreja Católica
Infelizmente voltamos a 1517, quando o Monge Agostiniano Martinho Lutero, depois de estudar a Bíblia com atenção, afixou as 95 teses na porta da Igreja do castelo de Wittenberg, lprotestando contra a autoridade papal e a corrupção da Igreja e defendendo a salvação pela fé na graça de Deus, tal como ensinada na Bíblia.
ResponderEliminar"Sola gratia, sola fides, sola scriptura, solus Christus!" Esse foi o leitmotiv dos reformadores.
Em causa estava o comércio de indulgencias (com que foi paga a Basílica de S. Pedro em Roma), traduzido na mercantilização do perdão de Deus gratuitamente concedido através da morte e da ressurreição de Jesus Cristo.
Na Alemanha, o Papa Leão X, um dos mais reconhecidamente corruptos Papas da história do catolicismo, havia concedido ao Principe Alberto de Brandenburgo (a troco de um adiantamento pecuniário) direitos exclusivos sobre a cobrança das indulgências.
Com o dinheiro dessa cobrança, o ambicioso Príncipe Alberto de Brandenburgo (da família dos Hoenzollern) poderia pagar aos banqueiros Fugger, além do mais, a cátedra de Bispo de Mainz que havia comprado mesmo depois de ser Arcebispo de Magdeburgo.
Nessa altura, tinha-se generalizado a prática da "simonia" (vem de Simão, o mágico descrito nos Actos dos Apóstolos, que quis comprar o poder de Deus por dinheiro), sendo comum a licitação dos cargos eclesiásticos à melhor oferta.
Tudo isso vai totalmente contra o ensino de Jesus e dos seus discípulos nos Evangelhos, tendo indignado intensamente Martinho Lutero, levando-o a enfrentar o Papa e o Imperador sabendo que isso lhe poderia custar a vida.
Lutero havia compreendido que Jesus, Deus incarnado, morreu em nosso lugar exactamente porque nada do que pudéssemos fazer nem nenhum dinheiro que pudéssemos oferecer podia comprar o perdão pelos nossos pecados.
Quando supostos ministros de culto cristão (v.g. católicos, ortodoxos, protestantes, evangélicos) procuram vender a salvação e o perdão a troco de dinheiro, estão a vender algo que Deus concedeu gratuitamente a todos os que quiserem aceitar.
P.S.
Num estudo hoje publicado os cientistas concluem que a adaptação dos lagartos (erroneamente designada por evolução) é um processo não aleatório pré-programado no genoma, o que mostra que nada tem que ver com a suposta evolução, sendo antes uma evidência de design inteligente do género em causa.
O que eles observam:
"They found a striking degree of convergence -- on each island, evolution had produced a set of very similar-looking lizards occupying similar environmental niches."
O erro está apenas em confundirem adaptação dentro de um género (algo que vemos todos os dias!) com a suposta evolução de um género para outro diferente e mais complexo (algum que nunca foi visto!).
Descoberta arqueológica do dia: o Palácio do Rei David em Judá.
ResponderEliminarComo sabemos se funciona ...
ResponderEliminarTempo. Deixar que a narrativa se desenrole e ter alguma paciência.
Semelhante a Einstein com a sua teoria da relatividade. Foi preciso tempo e paciência até se perceber como verificá-la. O desafio que te é colocado qualquer que seja a resposta que te dêem é este: o método pelo qual verificamos que algo fora do domínio da ciência funciona. Isso implica a abertura a outros métodos de conhecer a realidade e não uma restrição absoluta ao científico. Ainda, uma abertura a novas sínteses entre métodos físicos, metafísicos e teológicos.
«o método pelo qual verificamos que algo fora do domínio da ciência funciona» O único método confiável para obter conhecimento até agora é o método científico.
Eliminar«Ainda, uma abertura a novas sínteses entre métodos físicos, metafísicos e teológicos.» Se os católicos têm alguma coisa de concreto a propor, então que proponham.
Cara Maria,
ResponderEliminar«O único método confiável para obter conhecimento até agora é o método científico.» Como aplicas o método científico para aferir essa afirmação?
«Se os católicos têm alguma coisa de concreto a propor, então que proponham.»
- Bernard Lonergan, "Insight"
- John Haught, "Science and Faith: A New Introduction"
Juntamente com outras confissões Cristãs e outras religiões:
- Interdisciplinary Encyclopedia of Religion&Science: http://www.ctns.org/encyclopaedia.html
- Center for Theology and Natural Sciences: http://www.ctns.org/pub_books.html
- The international society of science and religion (ver os membros): http://www.issr.org.uk/
... só para dar alguns exemplos.
Miguel Panão,
ResponderEliminar«Tempo. Deixar que a narrativa se desenrole e ter alguma paciência.»
Presumo que em dois mil anos a Igreja Católica já tenha tido tempo e paciência que chegue para cumprir este requisito. O que peço é os dados que obtiveram e que permitem confirmar a eficácia das indulgências na redução do tempo de sofrimento no purgatório.
Nota que não me importa se consideras os dados científicos ou não. Isso é apenas um rótulo. O que importa é que seja algo que permita avaliar a verdade da hipótese.
Porque razão em 2000 anos haveríamos de ter uma resposta quando isso representa cerca de uma letra no último dos 14 volumes da história do universo se cada volume representar 1000 milhões de anos? Na Igreja não há receitas, mas experiências de vida. A forma como falas de uma indulgência como realidade exterior à experiência religiosa descarta a realidade interior que lhe dá sentido e significado. O que permite avaliar a verdade da hipótese é a narrativa e essa tem de ocorrer, requerendo tempo, paciência, perseverança.
EliminarMiguel Panão,
ResponderEliminar««O único método confiável para obter conhecimento até agora é o método científico.» Como aplicas o método científico para aferir essa afirmação?»
Simples. Se o único método confiável para obter conhecimento for a ciência, isto implica que tudo o que podemos fundamentadamente alegar acerca dos factos (i.e. que não é mera crença ou opinião mas que se pode fundamentar em algo independente de crenças ou opiniões) terá um fundamento científico.
Esta é uma proposição testável e, portanto, podemos aplicar o método científico. Por exemplo, podemos comparar as várias formas de compreender a doença e ver se as alternativas são superiores à medicina com fundamento científico. Podemos comparar as diferentes abordagens cosmológicas e ver se aquela que se fundamenta na ciência se destaca das outras. Podemos comparar astrologia com astronomia, criacionismo com biologia, etc.
A tua justificação é tautológica. Fazes da hipótese o pressuposto, logo, verificas a hipótese. Permanece ainda em aberto como o método científico averigua que o próprio é o único confiável para obter conhecimento. O teu argumento parece-se com um cão atrás da sua cauda a ver se a apanha. Anda em círculos e não chega a lado nenhum.
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Eliminar««O único método confiável para obter conhecimento até agora é o método científico.» Como aplicas o método científico para aferir essa afirmação?» Acho que o Ludwig já disse tudo.
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EliminarEu acho que nada disse. Logo, quem de nós tem razão? Como aplicas o método científico para averiguar as nossas opiniões sobre o que o Ludwig disse? Ou acreditas simplesmente no que ele disse, tendo fé que ele tem razão?
ResponderEliminarNenhum dos dois têm razão...
EliminarQuando estive na Polinésia encontrei a verdade através do “arrebatamento místico” provocado pelo poder de Tangaroa, primogênito de Ranginui (pai céu) e Papatuanuku (mãe terra).
Embora tenha uma personalidade agressiva (pode provocar ondas gigantes no mar e as suas tempestades não poupam vidas humanas, o que explica claramente tanto Fukushima como Katrina), agora sei por experiência direta qual é a verdade da vida e essa certeza não deixa nenhuma dúvida. Assim é o seu poder.
Há uma diferença entre fé em demiurgos e em Deus, como o da fé abraâmica, e é abismal. Porém, voltando ao argumento Sergio, não percebi o teu método. Pareceu-me ser uma fé cega com base em resposta em vez de perguntas, como é o caso dos métodos científico e teológico. Podias esclarecer? Se quiseres, claro ...
EliminarEu acho que era gozo...
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ResponderEliminarBasta olhar para a homeopatia e a acupunctura, a cura pela fé e por rezas e os exorcismos em pessoas doentes para perceber que nenhum destes funciona em contraste com a medicina "normal" que tem por trás o método científico e que é de facto eficaz a curar pessoas ou pelo menos a melhorar a sua qualidade de vida.
EliminarEsta é uma das razões pelas quais eu acho que o método científico é o mais adequado para obter conhecimento (o único em que se pode confiar). Como exemplo, posso indicar-lhe uma situação em que um casal deixou 2 crianças morrer de pneumonia porque acreditava que se rezasse muito a deus este iria salvar a criança e curá-la.
E isto vai precisamente ao encontro do que disse o Ludwig.
A conclusão a que podemos chegar com a comparação a outros métodos é que o método científico presta e os outros não: é o que está mais de acordo com as observações.
Tens toda a razão no exemplo da saúde, mas isso não justifica o método científico como única forma de conhecer a verdade. A medicina nada diz sobre um pensamento, ou responde a "porque existe alguma coisa em vez de nada?" Já agora, como é que o método científico observa um pensamento? Olha para o cérebro? Mas como que é que essas observações nos permitem aferir em relação ao conteúdo desse pensamento? Ou ao porquê desse pensamento? Mais ainda, imagina que esse pensamento é realizado por uma pessoa em estado vegetativo. Como sabe o método científico em que coisa está essa pessoa a pensar? Por fim, conheces algum método em teologia para negar que esse permita conhecer a realidade na sua totalidade? Porque razão haverão os métodos científico e teológico competir quando respondem a questões de natureza diferentes?
ResponderEliminarO que o Ludwig disse é muito prematuro e incompleto. Afirmar não é clarificar.
«Tens toda a razão no exemplo da saúde, mas isso não justifica o método científico como única forma de conhecer a verdade.» como é no caso da saúde e das "medicinas alternativas", é no caso da astrologia, do criacionismo, entre outros. Partir de um texto sagrado para interpretar tudo o que vemos sob esse prisma só deu mau resultado, enquanto que mudar isso e pensar só nas evidências (que nos permitem escolher entre hipóteses) deu resultado.
ResponderEliminarEm relação é parte do cérebro, só lhe posso dizer que não sou neurologista nem nada que se relacione. Não sei que métodos é que os médicos e técnicos da área utilizam e nem sei até onde esse tipo de estudos vão.
Quanto à teologia, pelo que eu sei, os métodos baseiam-se todos no mesmo princípio: interpretar as escrituras e tentarem encaixar o que lá está nas evidências custe o que custar. É praticamente o oposto do método científico. Uma coisa semelhante passou-se com o criacionismo e, volto a repetir, deu mau resultado.
"Partir de um texto sagrado para interpretar tudo o que vemos sob esse prisma só deu mau resultado"
EliminarCerto, mas depende de que tipo de interpretação estás a falar. Em questões científicas, sempre houve vozes na Igreja a adverti-lo. Em questões de antropologia teológica, não é bem assim. Por outro lado, o que são evidências? Uma conversão ao Catolicismo é evidência e existem muitas.
Bom, quanto ao que entendes por método em teologia ... longe, longe da realidade. Basta pensar no "Método de Teologia" de Bernard Lonergan. E como esse existem outros. Por exemplo, Wolfhart Pannenberg em "Theology and the Philosophy of Science" falar da teologia como ciência, com um método não muito diferente do científico na forma, obviamente diferente no contexto.
Talvez fosse bom, lógico, científico, aplicares melhor o cânone da parcimónia: um cientista só pode afirmar o que pode verificar, e não afirmar o que não pode verificar. Mas aí mesmo se verifica a limitação da posição filosófica - nada mais - de fechar a mente apenas a um método, o científico.
No caso da acunptura a Maria Madalena Teodósio não tem razão, pelo menos em Portugal. A Ordem dos Médicos aceita a acunptura desde que seja praticada por médicos.
ResponderEliminarhttp://www.spma.pt/?page_id=78
Á própria OMS reconhece a acunptura como uma prática válida, dentro de certas condições:
Ludwig,
ResponderEliminar«podemos comparar as várias formas de compreender a doença e ver se as alternativas são superiores à medicina com fundamento científico.»
Então compara. Mas para comparar é necessário conhecer os termos de comparação. E, por outro lado, hierarquizar alternativas de compreensão é algo artificial e inconcludente. Como é que o Ludwig compreende, por exemplo, a tuberculose? E como é que a compreende com fundamento científico? Cientificamente, a tuberculose é uma doença? Há alguma doença científica?
O que é medicina com fundamento científico?
Que razões, científicas, poderíamos ter para acreditar que a nossa luta, por exemplo, contra a bactéria que causa a tuberculose, será vista como boa ou positiva ou racional, ou justa, pelas pessoas do século XXII?
Para o Ludwig tudo é simples. Mas as ciências só o são relativamente às questões que, simultaneamente, sabem colocar e sabem responder validamente. E, ainda assim, esta validade não é mais do que uma validade "epistemológica", que pode não ter nada a ver com verdades de outras dimensões. Eu explico. O facto de ser cientificamente válido que uma determinada bactéria causa a tuberculose e que um determinado fármaco livra as pessoas infectadas dessa ameaça, não quer dizer que seja cientificamente válido que ao aplicarmos esse fármaco estamos a realizar...algum desiderato...científico... a salvação do planeta ou da galáxia, ou da espécie, ou perdas irreversíveis de...
Se me faço entender, a escala dos nossos interesses actuais não é nada que se pareça, ou compare, com a escala dos processos históricos, nem estes com a escala do intemporal, nem esta com os desígnios de Deus. Tudo é susceptível de ser científico, mas tudo o que é científico não tem a virtualidade de nos mostrar a verdade, porque esta é de uma escala que nos excede em conhecimento, visão e tempo. Por outras palavras, talvez nem todos os cientistas, nem toda a ciência juntos sejam susceptíveis de nos mostrarem a mais ínfima aparência da verdade. E isto não se aplica apenas na compreensão da doença, aplica-se na compreensão de todas as coisas.
Miguel Panão,
ResponderEliminar«A tua justificação é tautológica. Fazes da hipótese o pressuposto, logo, verificas a hipótese.»
Não. Eu considero várias hipóteses, confronto-as com o que observo e assim determino se alguma corresponde à realidade.
«Permanece ainda em aberto como o método científico averigua que o próprio é o único confiável para obter conhecimento.»
Não é complicado. Vamos considerar estas duas hipóteses, como esquema genérico para muitas que se pode instanciar daqui:
A- O método X é superior à ciência para obter conhecimento.
B- O método X não é superior à ciência para obter conhecimento.
Será evidência clara a favor de A se o método X sistematicamente nos conduzir à resposta mais correcta sempre que nos indicar algo contrário à ciência, e tivermos de rejeitar as conclusões científicas em favor das de X.
Será evidência clara a favor de B se ocorrer o contrário, se em caso de inconsistência entre as conclusões dos métodos for a da ciência a que se revela mais correcta.
Olhando para a história e substituindo X por qualquer das alternativas apresentadas, seja os dogmas cristãos, seja a astrologia, seja a tentativa de curar doenças pelo equilíbrio dos humores e milhentas outras coisas, o que se constata claramente é que todas as afirmações factuais testáveis destas doutrinas que contradiziam as da ciência foram abandonadas. Na tua religião em particular, a ciência obrigou a alterações radicais na forma como interpretam a Bíblia e deixou muitos milhões de cristãos a defender posições claramente ridículas e erradas (e.g. criacionistas evangélicos).
É desta forma que se testa a hipótese de não haver qualquer outro método, pelo menos que os humanos tenham descoberto, para obter conhecimento de forma tão fiável como a ciência.
Resta as afirmações impossíveis de testar. Mas o problema dessas também é fácil de perceber. É que se dizes que Deus é três pessoas e isso é impossível de testar, nunca haverá fundamento para concluir que tens mais razão do que quem disser que Deus é duas, uma ou zero pessoas, visto ser tudo igualmente impossível de testar.
Miguel Panão,
ResponderEliminar«Tens toda a razão no exemplo da saúde, mas isso não justifica o método científico como única forma de conhecer a verdade. A medicina nada diz sobre um pensamento, ou responde a "porque existe alguma coisa em vez de nada?"»
A ciência apresenta muitas respostas para estas perguntas. O que está ainda por resolver é como testar essas respostas e determinar qual a que está certa, e esse é um trabalho em curso.
As religiões diferem da ciência porque cada uma considera apenas o seu dogma como hipótese, ignora a necessidade de procurar fundamento e afirma ideias vagas com base na fé como sendo a Verdade última. Mas, usando as tuas palavras, «Afirmar não é clarificar.»
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Eliminar1) reduzes a realidade ao que observas. Parece-me uma visão muito limitada da realidade. Como observas o pensamento que te levou a escrever este post? E se o tivesses pensado, mas não o tivesses escrito, como poderia eu observá-lo?
Eliminar2) A e B supõem que os métodos para conhecer a realidade competem. Não partilho desta visão, nem sei em que base assenta a tua visão competitiva dos métodos.
3) O teu exemplo é exclusivista. Ou método X ou método científico (prefiro esta expressão a "ciência"). Exclui a hipótese "método X e método científico", logo, é um exemplo coxo à partida. Ainda assim, dogmas Cristãos não são método, e concordo contigo que a ciência contribuiu (em vez de obrigou) para melhorar a forma como interpretamos a Bíblia, mas isso favorece aquilo que considero a hipótese
C- O método X é reciprocamente complementar ao método científico para obter conhecimento.
Se X é "teológico", ninguém tem a pretensão de procurar responder a uma questão científica, como a ebulição de um líquido, com teologia. Perdoa-me a expressão, mas seria estúpido. Agora, questões como o sofrimento, seu sentido e significado, ciência e teologia são muito complementares.
Por isso, no fim, a tua justificação "olhando para a história" recorda-me o positivismo que há muito tem sido abandonado e sugiro que abandones também. O conhecimento científico e saber teológico não são competitivos, mas cooperativos. São métodos distintos e que respondem a questões de natureza diferente sobre a realidade que é uma só.
Resta as afirmações impossíveis de testar
O facto de ser impossível testar Deus-Trindade deve-se simplesmente ao "facto" de Deus-Trindade não ser um ser entre outros seres, causa entre outras causas, ou seja, é uma realidade-que-tudo-determina que se fosse determinada pelo método científico, implicaria necessariamente que esse método seria "maior" - por assim dizer - que uma realidade-que-tudo-determina, entrando por isso em contradição (escrevi algo sobre isso aqui). Daí que não é de esperar que o método científico alguma vez determine o que o determina. Pensa no teorema de Godel. Mas tens razão. Não sou eu com o método científico que posso aferir se Deus é uma, duas, três ou mais "pessoas", daí que o método teológico seja naturalmente mais fiável para aferir essas hipóteses teológicas.
Assim, penso que concordarás comigo de que talvez o método científico não seja o único que permite conhecer a realidade na sua totalidade. Atenção, não são as nossas convicções humanas (crentes ou não-crentes) que definem o que é a realidade. Essa existe por si. Mas excluir outros métodos e reduzir todos a um só, não leva a lado nenhum.
A ciência apresenta muitas respostas para estas perguntas.
4) Quais as respostas que o método científico dá sobre um pensamento em si mesmo, seu conteúdo, ou ao porquê de existir alguma coisa em vez de nada?
5) A religião que "ignora a necessidade de procurar fundamento e afirmar ideias vagas com com base na fé como sendo a Verdade última" não vai longe. O Cristianismo não é um exemplo disto. Basta olhar para o património milenar de conhecimento com base no método teológico. A teologia existe precisamente para clarificar as afirmações de fé que se fazem. Logo, uma vez mais, penso que tens matéria para reconsiderar que o método científico não é o único que permite conhecer a realidade.
Miguel,
EliminarPode, por favor, explicar o metodo teológico? E, recorrendo ao metodo teológico, como é que eu afiro a verdade que diversas teologias defendem e que são contraditórias entre si?
Caro LL,
Eliminarsou investigador em ciências da engenharia, logo, menos apto a responder à tua pergunta. Pela falta de conhecimento que tenho nessa área, mas apaixonado por ela, tenho lido e estudado alguns autores como Bernard Lonergan. Este tem um livro que gostei bastante intitulado "Method in Theology", logo convido-te a ler a introdução que partilho aqui. É uma referência que responde às tuas questões, embora existam outras como Wolfhart Pannenberg ("Theology and the Philosophy of Science"), ou Cobb e Griffin ("Process Theology: An Introductory Exposition"), entre outros.
Em relação às afirmações contraditórias, essas existem sempre que reduzimos a realidade a um determinado nível de interpretação. Entender o contraditório implica, na minha opinião uma abordagem transdisciplinar.
António Parente,
ResponderEliminarO termo “acupunctura” refere duas coisas muito diferentes. Por um lado, refere a prática de espetar agulhas de forma a aliviar certos sintomas, e há evidências que em alguns casos isso ajuda o paciente a lidar com alguns problemas (por exemplo, náuseas, dor crónica, etc). Mas, por outro lado, refere também uma filosofia chinesa segundo a qual há meridianos, fluxos de chi pelo corpo e as agulhas regulam esses caudais de substância mística por linhas invisíveis. Essa parte é um disparate.
O problema das associações de acupunctura, cursos de medicina tradicional chinesa e afins é que misturam estes dois aspectos. Por exemplo, a aspirina já é usada há muitos séculos, extraída da casca do salgueiro. E funciona para aliviar dores e febre. Mas não faz sentido tomarmos como verdadeiras todas as teorias acerca das doenças inventadas por todas essas pessoas que usavam chá de casca de salgueiro para aliviar dores...
Ludwig Krippahl,
ResponderEliminarApenas quis informar a comentadora Maria Madalena Teodosio de um aspecto sobre a acupuntura que ela desconheceria. Nada mais. Nem me pronunciei a favor nem contra, nem comentei o post.
EStou na bancada a assistir ao diálogo com o Miguel Oliveira Panão.
Miguel Panão,
ResponderEliminar«reduzes a realidade ao que observas. Parece-me uma visão muito limitada da realidade. Como observas o pensamento que te levou a escrever este post?»
Não é produtivo, nem muito decente, cada vez que encetamos um diálogo ignorares tudo o que já dialogámos antes. Como já te expliquei carradas de vezes, não reduzo nada a realidade. Apenas reconheço limitações à forma como a podemos conhecer. Por exemplo, se me disseres que é provável que exista vida noutros planetas, concordo. Se me disseres que sabes que existe vida noutros planetas por recurso a um método místico de saber se existe vida noutros planetas digo que isso é treta. Não se trata de uma redução da realidade – essa continua a mesma – mas apenas de não aceitar como epistemicamente justificada essa alegação.
O mesmo se aplica com o método místico para saber que um conjunto de três pessoas numa só substância eterna criou o universo de propósito para nós, e uma dessas pessoas veio treze mil milhões de anos mais tarde a este planeta para ser crucificado pelos romanos e salvar do pecado quem conhecer e aceitar a sua mensagem, condenando ao inferno quem conhecer e recusar a sua mensagem mas, curiosamente, não quem a desconhecer. Considerar que isto não é conhecimento teu mas mera crença não implica reduzir a realidade.
Quanto ao pensamento, é observável. Eu sei quando penso, e posso testar os efeitos de substâncias químicas e estímulos eléctricos no meu pensamento. Posso ver que pensamentos e sensações deixam de ser possíveis quando certas partes do cérebro são afectadas, e assim por diante.
«Se X é "teológico", ninguém tem a pretensão de procurar responder a uma questão científica, como a ebulição de um líquido, com teologia.»
A origem do universo é uma questão teológica e científica. A consciência também. E já houve muitas outras. A dor era uma questão teológica, e houve objecções teológicas ao uso de anestesia. A doença era uma questão teológica e houve objecções teológicas à vacinação, porque era deus que, supostamente, determinava quem adoecia. Hoje ainda aplicam esse raciocínio à reprodução.
Mas este nem é o problema principal. O problema principal é que conhecimento é algo que exige um fundamento objectivo, no sentido de não depender de que sujeito se trata, para que possa haver convergência. O teu “método teológico” assenta fundamentalmente na tua decisão subjectiva de preferir essa religião em vez de qualquer uma de milhares de alternativas. Isso não pode ser base para conhecimento.
«O facto de ser impossível testar Deus-Trindade deve-se simplesmente ao "facto" de Deus-Trindade não ser um ser entre outros seres, causa entre outras causas»
Novamente, ignoras o que já discutimos muitas vezes. Não é o deus que é testável ou impossível de testar. O que se testa são as proposições que formulamos. Por exemplo, as proposições “o deus que criou o universo é quatro pessoas numa só substância” ou “o deus que criou o universo é duas pessoas e um bicho numa só substância” são tão impossíveis de testar quanto “o deus que criou o universo é três pessoas numa só substância”. Sem reduzir a realidade, isto implica que não podes saber se alguma destas é verdadeira em vez das outras. Estão todas ao mesmo nível de testabilidade.
«4) Quais as respostas que o método científico dá sobre um pensamento em si mesmo, seu conteúdo, ou ao porquê de existir alguma coisa em vez de nada?»
Que o pensamento é actividade do sistema nervoso e que o universo surgiu porque o nada eterno é instável. Não são respostas definitivas, mas são respostas que dão proposições testáveis e, essas sim, podemos saber se acertam ou falham na correspondência com a realidade.
«Basta olhar para o património milenar de conhecimento com base no método teológico.»
Exacto. Milhares de anos a dizer disparates. Parece-me uma evidência forte de que esse método não funciona.
Dá-me um exemplo de conhecimento teológico, de algo que sabemos, eu e tu, ser verdade pelo método da teologia.
Ludwig,
Eliminarquando exiges sistematicamente observações para aferir se uma coisa é real, não reduzes a realidade ao que podes observar? Eu penso que sim e isso pode tornar um diálogo pouco produtivo, de facto …
Alguns comentários à tua resposta:
- Deus-Trindade = "conjunto de três pessoas". Define "conjunto"? Será esta expressão apropriada num discurso teológico? Não precisas de um método teológico para aferir se uma determinada expressão é apropriada ou não?
- "substância eterna" é vago. Referes-te a "ousia" ou "hypostasis"?
- "criou o universo de propósito para nós" é uma posição muito antropocêntrica e pouco consensual;
- a ideia de Jesus "salvar" e "condenar" pessoas por causa da aceitação da sua mensagem é terrivelmente infantil e desatualizada. Esquece isso. Não vás por aí.
- ainda que consigas testar efeitos de substâncias químicas, estímulos elétricos, que partes dos cérebro são afetadas quando pensas, como é feita essa associação, de modo a que seja inequívoca? És tu que fazes esse juízo? É outro que o faz contigo? Se for outro, como pode esse outro aferir essa associação? Terá ele de "acreditar" em ti? Como se distingue, pelo método científico, quando pensas de quando não pensas?Ainda, nada desses efeitos te permite aferir o conteúdo desse pensamento. Testas "que" pensas, mas és omisso sobre a forma como o método científico afere "em que é que" pensas. Por outro lado, um pensamento é "atividade do sistema nervoso"? Penso com o cérebro ou com os nervos? Ou uma mistura de ambos?
- se a realidade é uma questão para os métodos científico e teológico, o facto de, através do método científico, se resolverem as "objeções teológicas à vacinação" (nunca ouvi falar de tal coisa, mas enfim …), não implica necessariamente que a doença deixa de ser uma questão teológica. Muito pelo contrário, o método científico, nesse caso, pode contribuir para que o método teológico evolua.
- o teu juízo de que o método teológico assenta numa decisão subjectiva com base numa preferência pessoal por uma religião é incompreensível. E não percebo também como a diversidade de resultados em métodos epistémicos é base para conhecimento. As tarefas específicas nos métodos é que estabelecem a sua base, não o conhecimento que é produzido através do método. No caso do teológico, e considerando como exemplo o trabalho de Lonergan, a base para o conhecimento através de um método teológico consiste na aplicação de tarefas distintas como: investigação, interpretação, história, dialética, fundamentações, doutrinas, sistemática e comunicações. Seria necessário leres Lonergan agora para perceber cada uma, mas importa aqui é salientar que essa estrutura existe e não assenta em subjetividade ou preferências pessoais.
- testar "o deus que criou o universo é três pessoas numa só substância" é mais testável do que as restantes hipóteses por razões hermêuticas, exegéticas, de sistemática, de revelação, históricas, assim como em mais áreas de estudo do método teológico.
- "o universo surgiu porque o nada eterno é instável" … isto faz-me sentir um anão no "Hobbit" que depois de afirmar que nada de pior podia acontecer, cai-lhe metade do rei goblin em cima e diz "you have got to be joking" … não se percebe o que queres dizer com instabilidade de um nada que é - por assim dizer - eterno (!!?!), muito menos como pode um universo surgir daí. Parece-me mais "crença" que "ciência", embora eu compreenda porque também em ciência é preciso crer para conhecer e não mal nenhum nisso.
Eliminar- "Milhares de anos a dizer disparates. Parece-me uma evidência forte de que esse método não funciona." Crença injustificada. É o que transparece nesta frase e são afirmações deste tipo que dificultam um diálogo porque indicam uma mente fechada. Porquê? Porque reduziu toda a forma de conhecer a uma método (científico), ignorando outros. São as crenças em pressupostos filosóficos que permitem chegar a este tipo de afirmações, não quaisquer resultados produzidos pelo método científico.
"Dá-me um exemplo de conhecimento teológico, de algo que sabemos, eu e tu, ser verdade pelo método da teologia."
A experiência religiosa vive de paradoxos.
A justificar o exemplo, uma frase de Orígenes para pensares: "Deus permitiu inconsistências na Bíblia para nos mostrar que não podemos assentar numa interpretação literal da Escritura, mas devemos procurar sempre o seu significado mais profundo"
Passo-me dos carretos quando leio "o nada eterno é instável". Sem necessidade de estímulos químicos nem choques eléctricos.
ResponderEliminarP.S. - Foi só um desabafo.
António Parente,
ResponderEliminarNão estás sozinho. Imensa gente se passou dos carretos com a ideia de que a nossa espécie teria evoluído a partir de outros primatas e não fora criada as is, com umbigo e tudo, num passe de magia. Mas uma coisa que a ciência nos ensinou, e que se poderia chamar de humildade se a religião não tivesse deturpado tanto esse termo, é que a realidade se está nas tintas para o que nos choca.
Deixei de acreditar em deus(es) quando pude ouvir com mais tranquilidade aos ateus e seus argumentos e também quando fui capaz de reconhecer as necessidades emocionais que estão involucradas neste processo de acreditar no “sobrenatural”. Aqui em Espanha noto isto nos defensores da monarquia; não são capazes de assumir que a sua posição está contaminada por um grande vínculo afetivo com os representantes da casa real.
ResponderEliminarAos que creem no sobrenatural, também é importante a valentia para saber até onde a defesa “intelectual” dos seus deuses não esconde o medo de reconhecer que sem eles se sentiriam desamparados...
Ludwig Krippahl,
ResponderEliminarO que me faz passar dos carretos é a ciência da treta. Tal e qual como na religião há coisas que não aceito (embora não as comente em caixas de comentários dos blogues) há coisas pretensamente científicas que me deixam, temporariamente, fora de mim. O nada absoluto instável é uma delas (há outras mas fica para quando eu tiver mais tempo disponível).
P.S. - O fora de mim já passou.
Sérgio Campos
ResponderEliminarMas nós estamos desamparados, homem! Nunca ouviu falar no "silêncio de Deus", "escuridão", etc.? É mais fácil ser ateu e sentir o conforto da "ciência", da aspirina, dos choques eléctricos e das substâncias químicas que dão felicidade e tiram a dor do que ser crente e sentir um enorme desamparo.
Claro que ouvia o “silencio de deus”..., até que descobri que era uma fantasia minha, e olha que não foi preciso aspirina.
EliminarLembra “O Dragão na minha garagem” de Carl Sagan? A história vai por aí.
Mas o meu comentário anterior não fala disso, apenas propõem aos teístas que observem suas necessidades emocionais com a ideia de deus(es).
Mas olhe que para outros não é fantasia, caro Sérgio Campos. Quanto às necessidades emocionais não percebo o que quer dizer. A religião preenche uma necessidade emocional? É provável que para algumas pessoas assim seja e que funcione. O Sérgio tornou-se ateu e de repente deixou de se sentir "desamparado", tornou-se um ser livre, independente, com ideias próprias e cheio de ciência e pensamento crítico, sem necessidade de amparo emocional? Caro Sérgio, parece-me que isso é mais uma fantasia sua, vai-me desculpar.
EliminarMiguel Panão,
ResponderEliminar«quando exiges sistematicamente observações para aferir se uma coisa é real, não reduzes a realidade ao que podes observar?»
Desculpa lá corrigir-te, mas em função do argumento do Ludwig o que tu queres perguntar é: “Quando exiges sistematicamente observações para aferir se uma PROPOSIÇÃO é válida, não reduzes a realidade ao que podes observar?”
E a resposta será sempre NÃO. O que reduzimos ao que podemos observar é o conhecimento, não a realidade. Podes arrumar no arquivo morto a tua objecção ao positivismo...
Voltando um pouco atrás, perguntava-te o LL muito simplesmente qual é o “método” em teologia. Como não lhe respondeste e em vez disso remeteste para um tipo de autores que têm por hábito procurar na paciência do leitor uma alternativa às premissas consensuais, vou tentar contribuir com uma proposição verificável: não há método em teologia. O que há em teologia são teólogos, e estes dividem-se em duas categorias funcionais.
1) os que se fazem de espertos e fingem ter motivos que mais ninguém encontra para validar certas proposições;
2) os que se fazem de estúpidos e fingem não ter motivos para rejeitar proposições que todos reconhecemos como inválidas.
Se tens motivos sérios para discordar, por favor discorda.
Bruce,
Eliminarhá dois tipos de pessoas no mundo:
1) aqueles que acreditam que há dois tipos de pessoas no mundo;
2) e os outro ...
O que queres dizer com reduzir o conhecimento à observação?
Se não há método em teologia porque o que há em teologia são teólogos, então, também poderia dizer que não há método em ciência porque o que há em ciência são cientista. Ou seja, parece-me uma forma infantil de ver as coisas.
«O que reduzimos ao que podemos observar é o conhecimento, não a realidade.»
ResponderEliminarSim!
Quantas vezes será necessário repetir?
Já foram dadas explicações tão elaboradas e detalhadas disto mesmo, e é sempre como se ninguém ainda o tivesse dito.
Será desta?
Ou na próxima conversa isto terá de ser repetido?
João Vasco,
ResponderEliminar... you can think better than that ...
Explica-me também como reduzo o conhecimento ao observável. Se não te observo, como posso conhecer-te? Será que existes? Ou não passas de um avatar virtual com o qual trocos comentários? Em mecânica quântica não observo um spin de um eletrão, logo como posso sequer conhecer que essa noção existe sequer? Quando Einstein formulou a sua teoria da relatividade, não havia ainda observações, logo, como poderia Einstein desenvolver sequer a sua teoria?
Pois é ... tinha fé na razão ... em nada diferente dos teólogos.
«Se não te observo, como posso conhecer-te?»
EliminarEssa é uma boa pergunta. Se nunca me tivesses observado, como me poderias conhecer?
Na verdade, podes conhecer-me tanto melhor quanto me puderes observar.
«Em mecânica quântica não observo um spin de um eletrão, logo como posso sequer conhecer que essa noção existe sequer?»
Espera, agora tu negas que a Ciência apenas pode conhecer o observável? Alegas que a Ciência pode conhecer o inobservável?
É essa a tua nova objecção?
Parece estranho, porque alegavas antes que não se podia limitar o conhecimento à ciência, precisamente porque esta estava limitada ao observável. Parece que na ânsia de contradizeres o esclarecimento (a respeito daquilo que o Ludwig efectivamente "reduz" - o conhecimento e não a realidade), contradizes também a tua própria posição.
«Quando Einstein formulou a sua teoria da relatividade, não havia ainda observações, logo, como poderia Einstein desenvolver sequer a sua teoria?»
A grande questão não é como é que ele pode desenvolver a sua teoria. Podemos especular sem observar. Ele especulou que a forma de conciliar o electromagnetismo com o princípio da relatividade era aquela, mas podia ser outra. Foram as observações que nos permitiram SABER que a especulação de Einstein correspondia à realidade.
Especulações tão imaginativas e interessantes como aquele houve muitas, e dessas não reza a história.
Não fui eu que afirmei que a ciência estava limitada ao observável, mas sim o Ludwig, logo, não vejo onde está a contradição na minha afirmação. Muito pelo contrário, vejo que não concordas com o Ludwig.
EliminarSeguindo o teu raciocínio, se podemos especular sem observar, e apenas "saber" quando se observa, Einstein não desenvolveu conhecimento enquanto não houve observações que confirmassem a sua especulação. Não partilho desta visão epistémica, nem creio que consigas justificá-la convenientemente.
«Não fui eu que afirmei que a ciência estava limitada ao observável»
EliminarO Ludwig diz que a Ciência é o método correcto para conhecer a realidade e tu acusas o Ludwig de «reduzir a realidade ao observável». Além do erro muitas vezes esclarecido do Ludwig não reduzir "a realidade" mas sim "aquilo que pode ser conhecido a respeito da realidade", essa acusação assume que a Ciência se reduz ao observável.
E claro que concordo com o Ludwig. Nada do que não é observável foi estudado pela ciência.
Muito menos a mecânica quântica, completamente suportada em observações.
«Não partilho desta visão epistémica, nem creio que consigas justificá-la convenientemente.»
A relatividade só foi aceite pela comunidade científica como "facto" depois de várias confirmações experimentais. Isto não é uma originalidade minha: toda a comunidade científica só torna conjecturas em factos depois de confirmação empírica.
A realidade é tudo o que pode ser conhecido, logo, podemos considerá-las uma e a mesma coisa. É a minha posição filosófica, e por isso sujeita a debate e quando faço uma interpretação daquilo que o Ludwig diz, é óbvio que essa interpretação pode não corresponder ao que ele pensa, mas isso leva-me a um outro ponto.
EliminarO Ludwig exige sistematicamente a existência de observações para confirmar qual das diversas hipóteses colocadas sobre um determinado assunto é aquela que mais corresponde à realidade. Estou de acordo, desde que seja claro qual a natureza dessas hipóteses e observações, e não procure uma resposta científica a uma questão teológica, assim como dar uma resposta teológica a uma questão científica. Quando o fazemos - e podemos fazê-lo - importa estar conscientes de estarmos no domínio filosófico. Assim, quando vocês afirmam que "a Ciência é o método correcto para conhecer a realidade" (método científico seria mais correcto porque teologia é considerada uma ciência humana), sem que sejam claros relativamente a que aspeto da realidade se estão a referir, é confuso começar a concluir coisas sobre Deus sem nexo espitémico.
Por outro lado, existem aspetos da realidade não observáveis cientificamente. Dei o exemplo de um pensamento. Embora possa observar os efeitos fisiológicos que um pensamento suscita, não o posso observar cientificamente com qualquer instrumento de medida, ou técnica matemática. Porém, depois de ocorrerem e de ele os manifestar escrevendo-os num post, ou comentário, posso interpretar a realidade nesses implícita. O que me parece é que esse pensamento é limitado quando restringe toda a forma de conhecer ao método científico.
A relatividade só foi aceite pela comunidade científica como "facto" depois de várias confirmações experimentais.
So what. Sabes bem que estou consciente disso, mas aparentemente apercebeste-te que é preciso "crer" para conhecer. Em teologia, não é muito diferente nesse aspeto. As proposições são de outra natureza, as observações também, consequentemente, a confirmação empírica, mas existem. A teologia, pelo menos a Cristã, possui uma natureza muito experiencial. Se pensas o contrário, estás fora da realidade. Se há revistas com peer-review em editoras creditadas sobre assuntos teológicos (e.g. Theology and Science - Taylor and Francis, Zygon - Blackwell, Christian Theology and Medical Ethics - Springer), é óbvio que se trata de um método. Todo este forçar de que a teologia não tem método não passa de wishfull thinking …
«A realidade é tudo o que pode ser conhecido, logo, podemos considerá-las uma e a mesma coisa.»
EliminarOk. Nesse caso, por definição, o incognoscível não pode ser real.
Parece bizarro que um católico acredite nisso, mas tudo bem...
«Sabes bem que estou consciente disso, mas aparentemente apercebeste-te que é preciso "crer" para conhecer.»
Claro que sim. Conhecimento é uma crença verdadeira e justificada.
Lá está a necessidade de maior leitura em teologia. A palavra "incognoscível" num contexto teológico implica, simplesmente, que nós não podemos conhecer Deus por nós mesmos, mas é sim Deus que se dá a conhecer. Bizarro? Nem por isso.
Eliminar"Conhecimento é uma crença verdadeira e justificada."
Logo, Einstein não produziu conhecimento até que alguém produzisse uma observação que a justificasse. Francamente...
«A palavra "incognoscível" num contexto teológico implica, simplesmente, que nós não podemos conhecer Deus por nós mesmos, mas é sim Deus que se dá a conhecer. Bizarro? Nem por isso.»
EliminarIsso nada obsta ao que escrevi, visto que estava a usar o termo de acordo com o significado do dicionário «que não se pode conhecer.»
«Logo, Einstein não produziu conhecimento até que alguém produzisse uma observação que a justificasse. Francamente...»
A relatividade só foi aceite pela comunidade científica como "facto" depois de várias confirmações experimentais.
Concordo com o facto de teres ido ao dicionário. Neste caso, a aplicação dessa palavra implica que não se pode conhecer, não excluindo que Aquele que se pretende conhecer se dê a conhecer.
EliminarA relatividade só foi aceite pela comunidade científica como "facto" depois de várias confirmações experimentais.
Certo, mas não me parece que seja a aceitação pela comunidade científica que determina se algo é conhecimento ou não. Apenas reflete "conhecimento aceite".
Este comentário foi removido pelo autor.
Eliminar"Neste caso, a aplicação dessa palavra implica que não se pode conhecer"
EliminarImplica apenas que - de acordo com essa definição de realidade - aquilo que não se pode conhecer não é real.
«Certo, mas não me parece que seja a aceitação pela comunidade científica que determina se algo é conhecimento ou não.»
O que determina se uma crença é conhecimento é se ela é verdadeira e justificada.
As confirmações experimentais tornaram-na justificada, e consequentemente aceite como conhecimento.
Implica apenas que - de acordo com essa definição de realidade - aquilo que não se pode conhecer não é real.
EliminarEsqueces deliberadamente o resto da frase que escrevi?
O que determina se uma crença é conhecimento é se ela é verdadeira e justificada.
O que afirmas é uma crença, ou então, como aferiste se é verdadeira e justificada, logo, conhecimento? Santo Agostinho afirmou "Crede ut intelligas, intellige ut credas", ou seja, crer para perceber, e perceber para crer. Questiono se percebes aquilo em que crês, ou se crês perceber aquilo que usualmente afirmas.
«Esqueces deliberadamente o resto da frase que escrevi?»
EliminarNão. Ela não obsta à implicação que explicitei.
«O que afirmas é uma crença, ou então, como aferiste se é verdadeira e justificada, logo, conhecimento?»
O que afirmo não é uma crença sobre a realidade, mas sim uma afirmação sobre a linguagem - que é uma convenção nossa.
«Questiono se percebes aquilo em que crês, ou se crês perceber aquilo que usualmente afirmas.»
Obrigado pela parte que me toca, mas não me parece que isso acrescente muito à discussão.
Ela não obsta à implicação que explicitei.
EliminarInfelizmente sim porque omites o sentido do incogniscível em Deus. É Ele que se dá a conhecer, não és tu ou eu que o conhecemos por nós mesmos.
O que afirmo não é uma crença sobre a realidade, mas sim uma afirmação sobre a linguagem - que é uma convenção nossa.
Não percebo de que convenção estás a falar.
Obrigado pela parte que me toca, mas não me parece que isso acrescente muito à discussão.
Separa crença de conhecimento, abrindo à possibilidade de conversão de um a outro, quando me parecem ser distintos e complementares. É isso que aquilo que disse acrescenta. As tuas afirmações têm mais crença, por vezes, que conhecimento.
«Infelizmente sim porque omites o sentido do incogniscível em Deus.»
EliminarNão. Eu esclareci o sentido em que estava a usar o termo incognoscível: o do dicionário.
Se - usando esse sentido do termo - o Miguel Panão acredita que o incognoscível é necessariamente irreal, mas não há problema porque esse sentido de incognoscível (do dicionário) não se aplica a Deus, tudo bem.
Não deixa de ser curioso que um católico acredite que o incognoscível (no sentido do dicionário) é necessariamente irreal.
E que, acreditando nisso, vá acusar outros de "reduzir a realidade".
«Não percebo de que convenção estás a falar.»
Quando discutimos qual o significado de uma palavra (ex. conhecimento) estamos a discutir as convenções linguísticas que usamos para comunicar.
«Separa crença de conhecimento, abrindo à possibilidade de conversão de um a outro, quando me parecem ser distintos e complementares.»
Como poderiam ser distintos e complementares se todo o conhecimento é crença?
Nem toda a crença é conhecimento, mas qualquer conhecimento é crença. Não existe distinção ou complementaridade.
«As tuas afirmações têm mais crença, por vezes, que conhecimento.»
E isto é escusado.
Posso dizer o mesmo a respeito do Miguel Panão, e ficarmos aqui a lamentar a falta de lucidez do outro, mas não creio que isso seja uma discussão muito construtiva...
Escrevi algo sobre as hipóteses impossíveis de testar.
ResponderEliminar«Se não há método em teologia porque o que há em teologia são teólogos, então, também poderia dizer que não há método em ciência porque o que há em ciência são cientista.»
ResponderEliminarMiguel,
Estás determinado a desconversar e a única coisa que consegues é descer na escala da honestidade. Eu não disse que “em teologia não há método porque há teólogos”. O que eu disse é que em teologia não há método e que, estranhamente, há teólogos. A causalidade sacaste-a tu do nariz.
Se conseguires acompanhar o resto do raciocínio percebes que, na ausência de método em teologia, eu proponho dois veículos funcionais para obter conhecimento:
1) os teólogos que se fazem de espertos e verificam proposições sem mais ninguém perceber como;
2) os teólogos que se fazem de estúpidos e não verificam proposições que todos os não teólogos conseguem verificar.
Convidei-te a desmentir-me com argumentos válidos e continuo à espera.
Bruce,
Eliminarda forma como escreves a causalidade ficaria implícita, caso contrário, o que classifica alguém como teólogo se não há método em teologia? É impossível desconversar perante a inconsistência de argumentos.
Miguel Panão,
ResponderEliminar«quando exiges sistematicamente observações para aferir se uma coisa é real, não reduzes a realidade ao que podes observar?»
Não. Em primeiro lugar, não vou aferir se a coisa é real mas sim se as proposições acerca das coisas correspondem à realidade. Pode parecer chato estar sempre a insistir nisto, mas um problema persistente nestas conversas é confundires o teste das hipóteses com um imaginário (e absurdo) teste das coisas em si.
Em segundo lugar porque admito que haja proposições cuja verdade não posso aferir por não ser capaz de observar os aspectos da realidade relevantes para determinar a verdade dessas proposições. Por exemplo, “o universo tem um número par de estrelas” ou “o universo tem um número ímpar de estrelas”. Isto não é uma limitação que imponho à realidade mas apenas uma limitação que reconheço na minha capacidade de conhecer as coisas. Neste caso, não sei qual das duas afirmações é verdadeira.
«ainda que consigas testar efeitos de substâncias químicas, estímulos elétricos, que partes dos cérebro são afetadas quando pensas, como é feita essa associação, de modo a que seja inequívoca?»
É uma boa pergunta. Como tal, merece que as respostas sejam devidamente testadas.
«A realidade é tudo o que pode ser conhecido»
Não me parece justificado assumires que podes conhecer toda a realidade. Talvez sim, mas neste momento julgo mais sensato deixar esta questão em aberto. A realidade é tudo o que é. Se o podemos conhecer no todo ou só em parte, logo se vê.
«e não procure uma resposta científica a uma questão teológica, assim como dar uma resposta teológica a uma questão científica.»
A questão é sempre da mesma natureza: dada uma proposição P que refere algum aspecto da realidade, será que essa proposição P corresponde ao aspecto da realidade que refere?
A resposta pode ser filosófica, científica ou teológica, mas a pergunta é a mesma. Será filosófica se ainda não dispusermos de informação que permita dizer sim ou não mas precisarmos entretanto de perceber bem o que P quer dizer. Será científica se, depois de percebido bem o que P quer dizer, também conseguirmos formular a pergunta de forma a ver como testá-la. E será teológica, tanto quanto percebo, se dissermos que os outros métodos não encontram a resposta, só pela teologia se chega lá, mas nunca se disser a resposta. Ah, o pensamento, a ciência não compreende. Ah, o amor, a ciência não compreende. Ah, o destino do universo, a ciência não compreende. OK, então, teologia, explica lá o que sabes disso. Ah, o pensamento, a ciência não compreende. E assim por diante.
«Embora possa observar os efeitos fisiológicos que um pensamento suscita, não o posso observar cientificamente com qualquer instrumento de medida, ou técnica matemática»
É o mesmo problema com a temperatura. Podemos observar o movimento das moléculas. Podemos medir a expansão do mercúrio. Podemos calcular daqui valores numéricos. Mas nunca conseguimos observar a temperatura em si. Isto, é claro, se assumirmos que a temperatura é alguma substância extra para além disso tudo. Se não cometermos esse erro, deixa de haver mistério.
Eu diria que é esse o erro que tu cometes com o pensamento, o amor, e até o teu deus. Estás a olhar para o que é, mas sempre a imaginar algo extra de misterioso que não faz mais nada a não ser acomodar algumas crenças infundadas.
Ludwig,
EliminarPode parecer chato estar sempre a insistir nisto, mas um problema persistente nestas conversas é confundires o teste das hipóteses com um imaginário (e absurdo) teste das coisas em si.
Não chateias, mas o problema é averiguares a aproximação da realidade a uma das hipóteses possíveis através de observações, que, por sua vez, não são feitas às hipóteses, mas às "coisas" a que essas hipóteses se referem (não me agrada o termo "coisas" como o empregas, e.g. um pensamento seria uma coisa em que sentido?). Tu não observas a hipótese do número de estrelas no universo ser par ou ímpar. Tu observas estrelas para averiguar a hipótese do seu número ser par ou ímpar.
Mas estou de acordo contigo que devido à nossa limitação em observar, não somos capazes de por vezes afirmar se algo é verdadeiro ou não. É esse o cânone da parcimónia (como formulado por Lonergan e que subscrevo): só podemos afirmar o que podemos verificar, e não podemos afirmar o que não podemos verificar. Assim, em rigor, ao afirmares que apenas o método científico permite chegar ao conhecimento, não poderias nunca afirmar o que sistematicamente fazes sobre a não-existência de Deus, ou até mesmo as indulgências como é o tema deste post. A limitação não está no método científico, mas em confundir esse método com correntes filosóficas.
A questão é sempre da mesma natureza: dada uma proposição P que refere algum aspecto da realidade, será que essa proposição P corresponde ao aspecto da realidade que refere?
Eu penso que a natureza de uma questão não está na forma, mas no conteúdo. E a forma como distingues respostas filosóficas, científicas e teológicas é incompreensível. Se perguntar:
- dado que "um pensamento teu existe" ( P ) e que se refere a Deus (aspeto da realidade), será que um pensamento teu sobre Deus corresponde a Deus?
Disponho da informação de que escreveste muitos posts referindo-te a Deus, logo, isso permite-me afirmar que sim, um pensamento teu sobre Deus existe, e a resposta à pergunta não é filosófica.
Mas … antes de dar uma resposta científica exiges que se perceba bem o que é a existência de um pensamento teu. Segundo o que disseste antes, são efeitos de substâncias químicas, estímulos elétricos em determinadas partes do cérebro, mas como não se percebe bem a associação entre essas e o conteúdo de um pensamento teu, ainda que exista, não conseguimos formular a pergunta de forma a ver como testar a existência de um pensamento teu sobre Deus, e a resposta à pergunta não é científica.
Resta a teológica, e porque resta a teológica, a resposta à pergunta é teológica. Que dialética tão estranha … não é preciso ser teólogo para perceber isso … Só mesmo no âmbito de uma comédia epistémica.
Eu diria que é esse o erro que tu cometes com o pensamento, o amor, e até o teu deus. Estás a olhar para o que é, mas sempre a imaginar algo extra de misterioso que não faz mais nada a não ser acomodar algumas crenças infundadas.
Como é que sabes se aquilo que acabaste de afirmar é verdadeiro? Qual o método que aplicaste para chegar a esta conclusão? Se não sabes, ou aplicaste o método científico, melhor seria não teres afirmado?
Miguel Panão,
ResponderEliminarJá agora, como o Bruce e o LL também pediram, gostava de perceber qual é o método da teologia.
Considera esta questão: será que o Espírito Santo proveio apenas do Pai ou proveio em igual medida do Pai e do Filho?
Penso que é claramente teológica, como se reconhece logo pela sua relevância prática e pertinência para qualquer pessoa, quer seja cristão quer não seja.
Para ajudar a esclarecer estes pontos, pedia-te que delineasses o método que nos permite chegar a uma conclusão. Nota bem que o que peço é para explicares, não para listares uma série de autores que achas que dizem coisas interessantes e profundas acerca disto.
Estás a pedir que um engenheiro te explique o que teólogos dedicaram volumes a fazer … não pode ser uma pergunta honesta …
EliminarEnfim, do pouco que me informei e procurei compreender o que li, o método teológico poderia ser este:
1) entender bem o objetivo por detrás da pergunta, de modo a que a resposta seja expressão de uma compreensão e não de uma certeza;
2) distinguir bem "o que é" (o Pai, o Filho e o Espirito Santo) de "porque é" (Pai, Filho e Espírito Santo), procurando as razões ou causas para esta distinção e concebendo uma definição ou hipótese;
3) questionar "será assim?" e pesar a compreensão realizada no passo 2 com as evidências providenciadas pela revelação e pela doutrina;
4) com base nessas evidências emitimos um juízo verdadeiro, e através dessa verdade, vivêmo-la.
Em síntese:
1) Entender o objetivo da pergunta;
2) distinguir o conteúdo;
2) compreender o conteúdo;
3) ser crítico na resposta vivendo-a.
Miguel Panão,
ResponderEliminar«Logo, Einstein não produziu conhecimento até que alguém produzisse uma observação que a justificasse. Francamente...»
Einstein já tinha boas razões para o que defendia, mas é essa a ideia, precisamente.
Se tu atirares uma moeda ao ar em tua casa e eu, daqui, sem nada ver, afirmar convicto “caiu coroa!”, mesmo que acerte e mesmo que tenha toda a fé possível nessa afirmação, não terei ainda conhecimento de como caiu a moeda. Para isso tenho também de ter uma justificação epistemicamente válida. Caso contrário foi só um palpite que acertou por sorte.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarPenso que confundes conhecimento com resultado, mas enfim, posso estar enganado.
ResponderEliminarre indulgências. O tema é aliciante e apresenta um potencial de negócio para se montar um site de compra, venda e troca de indulgências pela internet, em que o organizador do site podia receber uma pequena comissão (tipo taxa Tobin) por cada indulgência negociada. O mercado parece-me ser da ordem das centenas de milhões de consumidores. Sabe se isso é actualmente algum monopólio da ICAR? Poderá ser negociado com a administração local ou tenho de me dirigir ao Vaticano? Agradeço informação. Obrigado.
ResponderEliminarMiguel Panão,
ResponderEliminar«Estás a pedir que um engenheiro te explique o que teólogos dedicaram volumes a fazer … não pode ser uma pergunta honesta …»
Estou a pedir a alguém que defende uma posição diferente da minha que me explique a posição que defende. Não vejo porque isto há de ser desonesto nem vejo o que tem que ver com a profissão da pessoa em causa. Se fosses cabeleireiro, pescador ou astrólogo fazia o mesmo sentido perguntar-te o que é o método teológico quando defendes que o método teológico é uma forma válida de obter conhecimento.
Os pontos que mencionas são, essencialmente, o mesmo método da ciência mas com uma restrição adicional no ponto 3. Também em ciência se tem de perceber bem a pergunta, formular cuidadosamente as hipóteses distinguindo o que postulamos ser entidades e o que postulamos ser relações causais ou explicações, também confrontamos a hipótese com as evidências e também nos guiamos na conclusão, assumindo provisoriamente que conseguimos algo próximo da verdade.
A diferença entre o método científico e o teológico, pelo que percebo da tua descrição, é apenas que o científico usa todas as evidências enquanto o teológico olha apenas para «as evidências providenciadas pela revelação e pela doutrina», ignorando as restantes. Isto parece-me um erro.
Por exemplo, a abordagem científica da questão “Jesus ressuscitou?” considera o dogma cristão, o que os cristãos dizem ter sido revelado, mas considera também o que sabemos da medicina e fisiologia humana, da psicologia e sociologia dos movimentos religiosos, da ocorrência deste tipo de mitos noutras culturas e assim por diante. Considerando essas evidências todas, a resposta mais plausível é de que não ressuscitou, trata-se de uma ficção, importante para muitas pessoas mas fictícia à mesma. A abordagem teológica consegue chegar à conclusão contrária porque ignora tudo o que não está de acordo com o dogma cristão. Ou seja, conclui as premissas seleccionando as evidências com base na conclusão desejada. Isto não é uma via alternativa de conhecimento. É aldrabice.
Ao nível da teologia, proponho a bruceologia. Os passos são os mesmos. Primeiro, perceber a pergunta. Segundo, formular cuidadosamente a hipótese. E, em quarto lugar, pronunciar a conclusão como verdadeira. A diferença está apenas no passo 3. Em vez de considerar «as evidências providenciadas pela revelação e pela doutrina», na bruceologia considera-se as evidências providenciadas pelo Bruce. Como todas as hipóteses são testadas confrontando-as com a opinião do Bruce, nunca a opinião do Bruce pode ser falsa, e isto é ideal porque temos uma fonte autoritária infalível por definição. Parece-te uma boa via alternativa para obter conhecimento? Bruce, o que achas?
Ludwig,
Eliminarao contrário de ti que falas sobre tudo, mesmo que não estejas informado ou tenhas competência para tal, eu não sou assim e não pediria isso a alguém a não ser por desonestidade intelectual. Eu não defendo que o método teológico é ou não uma forma válida de conhecimento, apenas constato com base nas evidências (jornais da especialidade, universidades, cursos, livros produzidos, etc.) O que argumento (não defendo) é que um reducionismo metodológico é auto-contraditório, visão limitada da realidade e mitigador de aprofundamento do conhecimento.
A diferença entre o método científico e o teológico, pelo que percebo da tua descrição, é apenas que o científico usa todas as evidências enquanto o teológico olha apenas para «as evidências providenciadas pela revelação e pela doutrina», ignorando as restantes. Isto parece-me um erro.
Também me parece um erro, logo não percebeste bem a minha descrição. O método teológico olha para todas as evidências, incluindo as científicas. A forma como expus o método referia-se a uma questão teológica particular, logo tenho de ir procurar evidências no sítio certo. Se o meu objeto de estudo incluísse a relação da Trindade e o mundo, então deve-se incluir evidências provenientes da ciência. Neste caso, à partida, não vejo essa necessidade.
a abordagem científica da questão “Jesus ressuscitou?” considera (… várias fontes de evidência …) [e] a resposta mais plausível é de que não ressuscitou
Esta é uma questão diferente da que colocaste. Mas permanece obscuro a solução senão dentro de um cientismo materialista. Conheço diversos livros sobre esse assunto, que consideram todas as evidências que apontas e não chegam a essa conclusão.
A abordagem teológica consegue chegar à conclusão contrária porque ignora tudo o que não está de acordo com o dogma cristão.
Tens a certeza?
Ao nível da teologia, proponho a bruceologia.
Obrigado pela proposta tretológica.
JPRibeiro,
ResponderEliminar«Sabe se isso é actualmente algum monopólio da ICAR?»
Tanto quanto percebo, o céu e o purgatório são áreas concessionadas à ICAR, e reservadas aos sócios. Quem não é membro fica na terceira região, alegadamente menos bem localizada mas, ao que parece, muito melhor frequentada.
«Ao nível da teologia, proponho a bruceologia.»
ResponderEliminarLudwig,
Estás a tocar-me as cordas boas do coração. O meu sonho é a pastorícia.
A teologia parece-me um bocado confusa. Fesde logo sobre o objecto. Um hindu, um melanesio, um cristão e um judeu terão objectos diferentes.
ResponderEliminarDepois vem as fontes. Certamente um cristão não usará o Alcorão como fonte infalível nem um hindu o livro de mormon.
Portanto podemos fazer uma teologia baseada nas fontes que mais nos derem jeito e podemos escolher arbitrariamente o objecto.
Que pode sair daqui um best-seller não duvido.
Agora conhecimento. ...
«Por exemplo, a abordagem científica da questão “Jesus ressuscitou?” considera o dogma cristão, o que os cristãos dizem ter sido revelado, mas considera também o que sabemos da medicina e fisiologia humana, da psicologia e sociologia dos movimentos religiosos, da ocorrência deste tipo de mitos noutras culturas e assim por diante. Considerando essas evidências todas, a resposta mais plausível é de que não ressuscitou, trata-se de uma ficção, importante para muitas pessoas mas fictícia à mesma. A abordagem teológica consegue chegar à conclusão contrária porque ignora tudo o que não está de acordo com o dogma cristão. Ou seja, conclui as premissas seleccionando as evidências com base na conclusão desejada. Isto não é uma via alternativa de conhecimento. É aldrabice.»
ResponderEliminarO Ludwig, é guardião da verdade contra a aldrabice? A verdade é um clube a que pertence quem ele acha digno? A aldrabice é a condição daqueles que lhe dizem a ele que tenha juízo, que páre de dizer disparates e que argumente, se puder e souber, sem prejuízos e sem preconceitos ditados por ateísmos que de inocentes não têm nada, nem de descomprometidos com lutas ideológicas e de poder? Daqueles que lhe sugerem, não que seja científico, porque isso é pedir muito, mas que seja objectivo e imparcial? Nem era preciso que dissesse nada de novo, ou de interessante, mas que abordasse as questões com preocupação de objetividade e imparcialidade. Quando alguém procede assim, só por isso, merece o respeito dos que amam a verdade e o conhecimento.
A ressurreição de Jesus, uma ficção? Por causa do «que sabemos da medicina e fisiologia humana, da psicologia e sociologia dos movimentos religiosos, da ocorrência deste tipo de mitos noutras culturas e assim por diante.»?
Se fosse por isso, não haveria dúvida: pura ficção. Essa questão foi imediatamente colocada por aqueles que, em primeira mão, deram conta do problema. E, passados dois mil anos, eis que o Ludwig também. E tem toda a razão em colocar a questão. Não conheço ninguém, inclusive cristãos, que não se tenha apercebido desse pormenor importantíssimo, central, incontornável. Para o Ludwig, o que leva as pessoas a dizer que Jesus ressuscitou é elas serem aldrabonas ou estarem a ser aldrabadas. Mas, muito sinceramente, não acredito que o Ludwig esteja convencido desta explicação.
Aproveito para partilhar um post com algum tempo que escrevi sobre a ressurreição da carne.
ResponderEliminar«Aproveito para partilhar um post com algum tempo que escrevi sobre a ressurreição da carne.»
ResponderEliminarMiguel,
O texto que escreveste tem o título «Qual o significado da ressurreição da carne?» e fiquei com uma suspeita de que o teu objectivo era responder à pergunta que tu mesmo colocas. Diz-me se estou enganado.
Só que não é isso que acontece. Lançado no método teológico, invocas uma «necessidade de reler o texto de S. Paulo sobre o “modo da ressurreição”». Foi pena, porque logo a seguir passas a «desenvolver esta reflexão com base num artigo de Denis Edwards» e por aqui já o teu leitor menos religioso sentirá alguma vertigem da circularidade. A certa altura atiras este ponto da situação:
«Em consonância com as explicações científicas, e as evidências, “Rahner insiste que a nossa participação futura na vida da ressurreição será uma transfiguração do nosso ser espiritual, corporal e social, de uma forma completamente imprevista e inimaginável.”»
Hã? Disseste “consonância com as explicações científicas”? E esse Rahner «insiste» em quê?
Agora a sério, Miguel. Tens o desplante de vir esgrimir a validade do método teológico, da complementaridade com a ciência, e lá lá lá, e depois pões-te a cogitar merdas sem uma única base que possas partilhar com os gentios aqui deste lado? Que fiasco... Pareces um mártir da complementaridade, para te ser franco.
A injúria é o argumento dos ignorantes.
Eliminar«A injúria é o argumento dos ignorantes.»
ResponderEliminarAh, uma bomba caseira. Tanto tempo a falar em "método teológico" e nem me lembrava da única implementação conhecida :)
Será?
EliminarAINDA A RESSURREIÇÃO NA CARNE
ResponderEliminarA ressurreição dos mortos, por ser humana e naturalmente impossível, é a maior evidência da divindade e sobrenaturalidade de Jesus Cristo.
Para os discípulos, é claro que se tratou de um evento humana e naturalmente impossível, que, tendo apesar disso acontecido diante deles, só poderia ser atribuído a Deus.
Como eles dizem,
"Deus ressuscitou este Jesus, e todos nós somos testemunhas desse fato." (Actos 2:32)
"Vocês mataram o autor da vida, mas Deus o ressuscitou dos mortos. E nós somos testemunhas disso." (Actos 3:15)
“…nós que comemos e bebemos com ele depois que ressuscitou dos mortos” (Actos 10:41) .
Existe evidência mais sólida deste facto que mudou o curso da história universal, do que de que a matéria e a energia surgiram do nada ou a vida surgiu por acaso a partir de químicos pré-bióticos.
Há testemunhas destes supostos factos? Onde estão elas?
A ressurreição de Jesus valida inteiramente o relato do Génesis, porque mostra que Deus não necessita de milhões de anos de tentativas e erros para criar um corpo humano, vivo perfeito e incorruptível a partir de matéria sem vida. Com Adão e com Cristo, ele fez isso instantaneamente pelo poder da sua Palavra.
As causas da morte e da ressurreição de Jesus podem ser encontrados no relato do Génesis, em que é claro que a morte física e espiritual e a maldição da Criação ocorreram no mundo por causa do pecado.
Através da morte física, Jesus Cristo levou sobre si o castigo físico que impendia sobre todos nós, por causa do pecado.
Através da sua ressurreição, temos a certeza da possibilidade de vida eterna com Jesus, com um corpo incorruptível.
O túmulo vazio, nunca negado por romanos ou judeus, mostra que se trata de uma ressurreição física e histórica.
Através da ressurreição de Jesus Cristo podemos ter a certeza de que também ressuscitaremos se aceitarmos a sua salvação.
Como disse o Apostolo Paulo:
"Por seu poder, Deus ressuscitou o Senhor e também nos ressuscitará."
(I Coríntios 6:14)