segunda-feira, julho 22, 2013

Projecto de Lei 228/XII

Este foi o meu contributo para a consulta pública acerca do Projecto de Lei 228/XII do PCP. Obrigado à Paula Simões pelo aviso.

O Projecto de Lei 228 do PCP expressa o objectivo meritório de procurar um equilíbrio justo entre os direitos exclusivos de distribuição e direitos humanos fundamentais como os da privacidade, expressão, educação e acesso à cultura. Infelizmente, taxar serviços de acesso à Internet para criar um incentivo económico à autorização voluntária da partilha de ficheiros é uma medida contrária ao objectivo expresso porque reforça a ideia de que o monopólio legal sobre a distribuição subordina incondicionalmente qualquer outro direito que em seu nome tenha de ser sacrificado. Se bem que seja urgente descriminalizar a partilha de informação digital publicada, importa esclarecer e corrigir alguns pressupostos deste Projecto.

O preâmbulo defende que «a política cultural não deve assentar na proteção dos direitos de propriedade, sacrificando a fruição». Se bem que o princípio esteja correcto, o termo é enganador. A “propriedade intelectual” é um conjunto heterogéneo de disposições legais com justificações e propósitos diferentes, desde a protecção de segredos industriais e marca registada até às patentes e aos direitos exclusivos de distribuição de certas obras. Apesar de todos estes direitos legais serem propriedade no sentido em que podem ser transaccionados, não são em si direitos de propriedade. A lei concede monopólios de distribuição apenas sobre algumas obras da criatividade humana. A lei cobre poemas mas não receitas, músicas mas não teorias científicas nem doutrinas políticas. Esta distinção nada tem que ver com poetas ou músicos serem mais proprietários do seu intelecto do que cientistas, cozinheiros ou filósofos. Esta distinção prende-se apenas com os mecanismos tradicionais de distribuição e exploração comercial, em grande parte já ultrapassados pela inovação tecnológica.

Outro problema é o pressuposto de que se deve taxar os «fornecedores de serviços de acesso à internet» por existir, da parte destes, uma «apropriação ilegítima de uma mais-valia sobre os conteúdos que circulam por via telemática». Não é claro o que fundamenta esta conclusão. Se, por um lado, a venda de acessos por banda larga beneficia o prestador deste serviço e facilita a partilha gratuita de conteúdos, por outro lado, o mesmo acesso dá aos detentores dos direitos de distribuição a possibilidade de explorar economicamente as suas obras por via electrónica, seja em serviços de streaming pagos ou suportados por publicidade, seja em lojas virtuais, seja até pela contribuição directa dos seus admiradores (crowdfunding). Trata-se de uma sinergia entre os vários agentes económicos e não de uma apropriação indevida.

Por estas considerações, proponho, em primeiro lugar, que o Projecto reconheça a partilha de ficheiros para fins pessoais como parte de um conjunto de direitos humanos fundamentais que não é legítimo subordinar a interesses económicos. Como tal, a liberdade de partilha sem fins comerciais não deve estar sujeita a autorização prévia dos detentores dos monopólios sobre a distribuição.

Em segundo lugar, proponho que o Projecto deixe claro que não estão em causa direitos de propriedade dos autores. Além dos direitos exclusivos de distribuição não serem direitos de propriedade, é a extensão destes monopólios à esfera pessoal que viola direitos de propriedade de todos os cidadãos a quem se limita a utilização do equipamento informático que lhes pertence. Copiarem este texto não viola os meus direitos de propriedade. Proibir alguém de usar o seu computador para copiar este texto é que violaria o seu direito de usar o que lhe pertence.

Finalmente, proponho que a taxa seja uma medida transitória justificada apenas pela necessidade de respeitar legislação Comunitária que obriga a compensar os detentores de direitos. Importa salientar que esta legislação é imposta por tratados negociados com os agentes económicos que dela beneficiam, sem legitimidade democrática. Durante cerca de um século esta legislação só afectou agentes comerciais, pelo que nunca houve necessidade de ouvir os cidadãos acerca desta matéria. Mesmo quem hoje defende com afinco a “propriedade intelectual”, em jovem gravou cassetes de música e estudou por fotocópias sem problemas com a Lei. Agora que estes monopólios extravasam o âmbito comercial e restringem liberdades a centenas de milhões de cidadãos europeus, urge repensar esta legislação. Enquanto esse processo decorre, pode ser necessário encontrar situações de compromisso como esta taxa que compensa os detentores de direitos pelo enfraquecimento dos seus monopólios. Mas é fundamental que se dê a justificação correcta para estas medidas. A ideia de que os fornecedores de acesso se apropriam do valor das obras erra não só por ignorar os benefícios que esta tecnologia traz aos autores como também por assumir que estes são prejudicados pela partilha gratuita. Os maiores queixosos são sempre os distribuidores e não os autores.

Em suma, é urgente descriminalizar a partilha de ficheiros e este Projecto reconhece que, na conjuntura legal presente, é necessário compensar os detentores de direitos exclusivos de distribuição. Enquanto a Europa não perceber quão injusta é a legislação corrente, medidas como a taxa proposta neste Projecto de Lei serão provavelmente um mal necessário. Mas é importante não contribuir para a deturpação do problema. A terminologia criada pelas partes interessadas em maximizar o poder destes monopólios visa criar a ilusão de que é mais legítimo proibir a partilha do que ser livre de partilhar. É preciso evitar a armadilha de ver o problema como um equilíbrio entre direitos equivalentes. Os interesses comerciais da indústria da distribuição não estão ao mesmo nível dos nossos direitos de comunicar, aprender e partilhar.

30 comentários:

  1. God is love! Catholic blogwalking http://emmanuel959180.blogspot.in/

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  2. Curioso ver o PCP propor uma medida para enriquecer as empresas de telecomunicações (aumentando a sua facturação) e ao mesmo tempo engordar os cofres do Estado (através de uma taxa nova, fugindo ao princípio europeu da consolidação numa taxa única — o IVA).

    Mas compreendo que seja «uma medida transitória». O problema, em Portugal, é que as medidas transitórias tornam-se progressivamente «definitivas». Tal como o «ensino tendencialmente gratuito»... que cada vez o é menos. Olhe-se para o Brasil, que pode ser um mau exemplo em tudo, mas que levam a sério a ideia do welfare state que providencia gratuitamente serviços aos contribuintes em troca de pesadas taxas (os brasileiros pagam impostos elevados, tal como os nossos).

    E também acho positiva a medida de que seja descriminalizada a partilha individual de ficheiros. Já sabes o que acho da outra parte da questão — a necessidade de encontrar um mecanismo justo pela qual os autores sejam remunerados dignamente pelos seus serviços — mas nunca deixei de defender a ideia de que é uma estupidez criminalizar quem por acaso tenha uma sequência de bits aparentemente aleatória nos seus computadores, que muitas vezes pode nem sequer saber como é que lá foi parar (hint: botnets de pirataria... que podem infectar computadores de indivíduos para partilha ilegal de ficheiros sem que os donos do computador se apercebam disso... na legislação actual, os donos dos computadores são presos, mas os criadores da botnet nem por isso — o que é injusto e estúpido).

    Preocupa-me o «poder» concedido implicitamente por esse projecto-lei aos operadores de telecomunicações. Significa que sentirão justificável a censura activa. Bom, sempre fizeram censura, é certo, porque a pirataria desenfreada consome largura de banda preciosa — se não houvesse pirataria, nem spam, teríamos todos em casa 10x mais largura de banda pelo mesmo preço. Em certa medida, estamos a pagar pela banda consumida por outros para fins ilegais. Compreendo que isto é mau. Mas será legítimo taxar toda a gente da mesma forma porque há uns que fazem pirataria e outros não? Porque é que não se aplica o princípio do utilizador-pagador, como nas auto-estradas?

    Seja como for, acho positivo um primeiro passo para a descriminalização da cópia individual. Isso é que não faz sentido algum, e se este projecto-lei for o início de um longo processo nesse sentido, já foi um bom trabalho.

    Nice work!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Miguel,

    «a necessidade de encontrar um mecanismo justo pela qual os autores sejam remunerados dignamente pelos seus serviços»

    Já existe. Antes de prestar o serviço, o autor, como qualquer prestador de serviço (cientistas, cozinheiro, treinador de yoga, matemático, filósofo, jogador profissional de canasta, etc) celebra com quem quer que esteja interessado em pagar-lhe um contrato que estipule a remuneração. Depois presta o serviço, recebe o dinheiro e pronto.

    Não há razão para restringir a milhares de milhões de pessoas em todo o mundo os seus direitos de propriedade sobre o equipamento electrónico que possuírem só para remunerar o autor que se esqueceu de celebrar sequer um acordo verbal com os interessados no seu serviço.

    Queres também criar um imposto para compensar os arrumadores de carros pelo serviço que prestam? :)

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  5. Não há razão para que um autor seja obrigado a celebrar contratos individuais com centenas de milhões de clientes potenciais quando existem mecanismos bem mais eficazes e muito mais baratos para fazer a mesma coisa :)

    Mas isso são questões ideológicas. Seja como for, li e reli a proposta e acho-a que é bem melhor do que pensava; o problema é que uma leitura preliminar dá a entender que isto é «mais uma taxa» aos contribuintes, quando na realidade é tornar os ISPs em distribuidores de conteúdo com direito de autor — tal como as emissoras de rádio e televisão ou as discotecas ou os promotores de concertos públicos. Se for esse o entendimento dos proponentes, então realmente a ideia foi excelente. Apenas propus que isso ficasse um pouco mais claro.

    Ou seja, em resumo, estou plenamente de acordo com esta proposta, que acho que resolve todos os problemas, e ainda por cima tem um mecanismo de opt-out engraçado que permite aos autores serem burros e não receberem remuneração nenhuma :) Qualquer lei que autorize as pessoas a serem burras e a não receberem dinheiro, a meu ver, compreende perfeitamente a inevitável estupidez da natureza humana, e só por isso merece o meu louvor :)

    Mais a sério, o que de facto me parece excelente nesta proposta é conseguirem conjugar todos os interesses dos agentes numa única lei. Os autores recebem dinheiro. Os consumidores podem continuar a fazer pirataria, e até são encorajados a fazê-lo; os autores são encorajados a que esta distribuição seja feita (pois recebem dinheiro por isso). A polícia deixa de ter tanto trabalho estúpido. As cadeias ficam vazias. O Estado recebe mais uma receita para aplicar na cultura e incentivar a produção de obras culturais. Os ISPs passam a pagar por uma mais-valia que dão aos seus utilizadores (o direito a consumirem obras culturais no conforto das suas casas). Sim, têm de pagar uns milhões por isso, mas aumentam os preços e pronto, por isso não é grave. Ou seja, todos saiem daqui felizes e contentes, mas especialmente os consumidores finais, que no fundo são a maioria.

    Por isso tudo parece-me que a proposta é excelente. Ainda por cima, apesar de vir do PCP, é muito menos ideológica do que o teu comentário, por exemplo. Não admira que já tenha sido aprovada na generalidade por unanimidade parlamentar.

    Quanto ao strawman obviamente que não vou responder :)

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  6. Miguel,

    «Não há razão para que um autor seja obrigado a celebrar contratos individuais com centenas de milhões de clientes potenciais quando existem mecanismos bem mais eficazes e muito mais baratos para fazer a mesma coisa :)»

    Nenhum autor é obrigado a celebrar contratos. O que é importante, e há boas razões para isso, é que ninguém tenha o dever de zelar pelo lucro do autor, ou de sacrificar os seus direitos pelo lucro do autor, se não se comprometeu a isso voluntariamente primeiro. Por exemplo, eu não sou obrigado a celebrar um contrato contigo antes de escrever este comentário. O ponto importante é que tu também não incorres em nenhuma obrigação de me remunerar a menos que celebres comigo primeiro um contrato nesse sentido.

    Quanto aos outros mecanismos serem mais baratos, isso é falso. Proibir todas as pessoas do mundo de copiar este comentário só porque eu quero aproveitar o monopólio para ganhar dinheiro custaria muito mais dinheiro do que vale este comentário só em custos judiciais e de polícia se quiséssemos levar isto a sério, e custaria mais ainda em restrições aos direitos de propriedade de quem ficaria assim proibido de usar o botão da direita do seu rato para escolher “save as” e o seu computador gravar esta página.

    «Mas isso são questões ideológicas.»

    Claro que sim. Qualquer questão que exija um juízo de valor é necessariamente ideológica. A questão que se pode colocar é se somos consistentes na ideologia.

    Até há uns anos havia uma justificação consistente para estes monopólios. Por restrição tecnológica, a distribuição de uma obra por milhões de pessoas estava fora do alcance dos autores, em geral. Só distribuidores comerciais especializados podiam fazer isso, na prática. E esses só o fariam se daí obtivessem lucro. Uma solução para esses casos era criar um monopólio legal para reduzir a concorrência e dar mais garantias de lucro ao distribuidor, e conceder inicialmente esses monopólios aos autores para que, assim, tivessem um pouco mais poder de negociação.

    Com a nova tecnologia isto mudou e é preciso outra narrativa para tentar justificar o status quo. No entanto, não há outra narrativa consistente. O direito a ser remunerado só existe se alguém, voluntariamente, se comprometer a remunerar. Escrever este comentário deu-me trabalho mas, por si só, isso não chega para te obrigar a dar-me dinheiro só porque o lês. O direito de propriedade sobre algo como um texto, música, etc, é um absurdo também.

    E podes ver isso claramente na lei que temos. Se escreves um poema dão-te o direito legal de usar o sistema judicial para coagir pessoas de forma a que não copiem o teu poema. Mas se crias uma teoria científica, uma doutrina política ou uma receita do bacalhau não tens direito a nada. Isto não tem nada que ver com remuneração ou direitos de propriedade. Deve-se simplesmente à necessidade de subsidiar a distribuição de livros ou discos (o livro de receitas tem copyright, apesar das receitas em si não terem) mas não de teorias científicas, receitas, etc.

    «Ainda por cima, apesar de vir do PCP, é muito menos ideológica do que o teu comentário, por exemplo.»

    A ideologia segundo a qual é legítimo proibir toda a gente de copiar certos ficheiros apenas para que o autor possa ganhar dinheiro vendendo cópias desse ficheiro é tão ideológica como a ideologia segundo a qual proibir os outros não é um modelo legítimo de negócio. São ambas totalmente ideológicas. São apenas ideologias diferentes.

    A vantagem da segunda é ser consistente. Se vires bem, a primeira é demasiado absurda para se aplicar no caso geral, e tens até de fazer leis a dizer que se aplica a poemas mas não a receitas, a canções mas não a equações, etc.

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  7. Um artigo científico recente mostra que no passado o nível do mar subiu pelo menos 20 metros, embora haja outra evidência de que ele subiu ainda mais e até bastante rapidamente.

    A Bíblia diz que isso assim foi, mas que foi por causa de um dilúvio global recente.

    No entanto, aqueles que rejeitam o dilúvio datam esses eventos em muitos milhões de anos atrás, partindo de premissas uniformitaristas (arbitrariamente propostas pelos geólogos Hutton e Lyell), segundo as quais "o presente é a chave do passado".

    Mas se no passado a água do mar esteve, várias vezes e rapidamente, a dezenas de metros acima do nível que observamos hoje, tendo coberto os próprios continentes, como é que podemos dizer que os processos naturais que se observam hoje(v.g. taxas de erosão e sedimentação) podem explicar esses eventos passados?

    Não se vê como isso pode ser racionalmente sustentável...

    E como é que essa subida tão acentuada poderia acontecer sem causas e consequências catastróficas de impacto global?

    Também não se compreende...

    É bem mais racional concluir que o dilúvio súbito e global ocorrido no passado recente é que é a chave para compreender as montanhas, rochas, os fósseis, os tecidos moles de dinossauro e as calotes polares que observamos hoje...

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  8. Ludwig, imagino que por causa da dimensão do texto, da página do parlamento da timeout ao tentar visualizá-lo. Talvez um link fosse melhor solução? À semelhança do que fez a CNPD...

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    1. ... eu acho é que o site do Parlamento tem tido muito mais tráfego que habitualmente, por isso está sempre a dar timeouts. É bom e mau ao mesmo tempo. Bom porque significa que os cidadãos estão a «acordar» e a reparar que, afinal de contas, sempre tiveram o direito de participar nas consultas públicas, só que não sabiam como, e agora aprenderam a fazê-lo. Mau porque evidentemente os administradores de sistema que tratam do site em questão nunca se tiveram de preocupar com o excesso de tráfego... e agora não devem ter verbas para resolver o problema.

      Mas pessoalmente prefiro olhar para o lado positivo da coisa: é ter cidadãos a participar mais! Se depois a tecnologia falha, azar, mas que isso não seja um pretexto para não participar.

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  9. Ok, leva a taça — por abandono do ringue do adversário! :)

    Não vale a pena continuar a discutir ideologias; nunca haverá base de entendimento quando os pressupostos são radicalmente opostos. Na tua ideologia, os direitos da maioria devem ser sempre mais importantes do que o dos autores, independentemente de tudo o resto, como princípio director; na minha, típica das democracias modernas, salvaguardam-se os direitos das minorias em todas as circunstâncias e defende-se o património cultural e intelectual acima dos interesses pessoais das maiorias, especialmente quando são desejos meramente materialistas :)

    O meu ponto não era voltar a discutir ideologias; isso é tão ridículo como discutir teologias :) Era, sim, afirmar que esta proposta de projecto-lei está razoavelmente bem escrita porque é praticamente livre de ideologias. Não se afirma que «piratear é moralmente errado» mas que em vez disso o conceito de «pirataria» não faz sentido de ser aplicado neste contexto. Não se diz que os autores devem ser colocados num pedestal e venerados como deuses, mas dá-se a devida importância ao seu contributo, assegurando-lhes o direito de serem remunerados de forma simples e eficaz, ao mesmo tempo que se arrecadam verbas para o Min. Cultura poder incentivar ainda mais projectos culturais. Não se diz que os autores sejam «obrigados» a prestarem os seus serviços da forma X ou Y, mas dá-se-lhes o direito de negarem esta proposta de partilha livre (através de um modelo que permite o opt-out), e, sendo assim, não vêem nem um tostão (o que é mais que justo). Estabelece-se para as obras culturais o mesmo princípio que para as aplicações informáticas (o direito a fazer cópias, a usufruir das obras de forma não necessariamente da forma que os autores pensaram que estas deveriam ser utilizadas, a transmissão de cópias), mas, tal como para estas, proibe-se a sua exploração comercial sem autorização dos autores seja de que forma for. Acaba-se com o princípio de que as plataformas de partilha de conteúdo são «sites de pirataria». Absolve-se os utilizadores finais da necessidade de pagarem o que quer que seja por coisas que já possuam — por acaso ou não — nos seus equipamentos informáticos. Não se diz que os ISPs são «os maus da fita», mas reconhece-se que estes obtém uma mais-valia pelo facto de permitirem livre acesso a conteúdo protegido por direito de autor, tal como uma discoteca ou um restaurante proporciona uma mais-valia aos seus utilizadores por lhes permitir, nesses espaços, ouvir música ou ver filmes/televisão — e que, justamente por isso, as discotecas e demais distribuidores de conteúdo com direitos de autor são obrigados a remunerar os mesmos, pagando uma licença em moldes muito semelhantes (mas não iguais) aos propostos neste projecto-lei. E alguma alma caridosa lembrou-se de acrescentar ao projecto-lei uma proibição explicita de os ISPs de passarem esse custo directamente aos utilizadores, para não se criar a mesma aberração legislativa que existe com a «taxa de radiodifusão» (claro que irão passar o custo de forma implícita, mas isso é outra história — o mercado dos ISPs é liberalizado, pelo que fazem os preços como lhes apetecer).

    Por tudo isto, por envolver todos os agentes — utilizadores, autores, agentes, ISPs, entidades reguladoras e fiscalizadoras, Min. Cultura e afins — é que considero que esta proposta carrega muito pouca ideologia, resolve o problema (pelo menos temporariamente, até a «manha» dos portugueses conseguir subverter o sistema) apresentando soluções válidas, e não impõe nem uma carga moralista, nem ideológica. Ainda por cima, enche os cofres do Estado com mais uns tostões. Não é por acaso que nas primeiras rondas de votação na generalidade foi aprovada por unanimidade por todos os partidos.

    As ideologias são só fonte de discórdia :) ... enquanto que as soluções não-ideológicas encontram consenso. Irónico ser justamente o PCP a apresentar uma proposta não-ideológica!

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  10. Miguel,

    Não podes ter leis, ou qualquer norma ou regulamento, sem ideologia. Porque se não houver ideologia não há preocupação nenhuma nem motivação para regular. Portanto, qualquer regra será ou fruto de uma ideologia ou compromisso entre ideologias diferentes. Logo, o problema de discutir esses aspectos normativos não pode ser resolvido como propões, eliminando ideologias.

    « Na tua ideologia, os direitos da maioria devem ser sempre mais importantes do que o dos autores»

    Isto é falso. Um passo importante em qualquer diálogo é tentar perceber o que o outro está a dizer. O meu ponto não é que há duas categorias de pessoas, autores e não-autores, e que os últimos têm mais direitos que os primeiros. O meu ponto é que há uma categoria de pessoas, todas têm os mesmos direitos, e há direitos que são mais importantes do que outros. E isto penso que é uma ideologia que partilhamos.

    «defende-se o património cultural e intelectual acima dos interesses pessoais das maiorias, especialmente quando são desejos meramente materialistas :)»

    Outro aspecto importante de um diálogo é evitar ambiguidades. Esta tua afirmação parece razoável porque pode ser interpretada desta forma: a cultura, educação e expressão da criatividade intelectual humana são bens de maior valor para a humanidade do que meras questões económicas. Toda a gente concordará. No entanto, pelo contexto, parece que queres dizer exactamente o contrário. Por “defende-se o património cultural” tu estás a dizer “cria-se leis de forma a que o acesso ao património cultural seja restrito para que alguns detentores do direito de restringir possam cobrar por esse acesso”, o que é radicalmente diferente.

    Considera a ciência, a linguagem e a ética, como exemplos de elementos do nosso património cultural e intelectual. Eu proponho que a melhor maneira de defender este património é tornando o acesso e a divulgação o mais livres possível. A atribuição de monopólios para que uns possam regular o acesso a vocabulário, conhecimento científico ou noções de ética teria o efeito contrário ao de defender o património. E nisto penso que estamos de acordo.

    «O meu ponto não era voltar a discutir ideologias; isso é tão ridículo como discutir teologias»

    Não vejo que seja ridículo discutir seja o que for, mas o nosso problema aqui não é uma diferença fundamental de ideologia. Por um lado, é a ilusão que tu tens de que eu tenho ideologia e tu não, o que está completamente errado. Se não tivesses nem te incomodavas em discutir isto.

    Mas o problema principal é aplicares a tua ideologia de forma inconsistente, e é por isso que recorres a esses chavões ambíguos como o da “defesa do património cultural” ou do “direito a uma remuneração justa” sem olhares para as implicações concretas desses princípios.

    Toma, por exemplo, os meus posts e comentários. À luz da legislação em vigor, são obras originais expressas e publicadas, e tenho direito a um monopólio legal sobre a sua distribuição. Vamos supor que a justificação para isto é, como tu defendes, o meu direito a ser remunerado pelo meu trabalho. Isto implica que eu tenho direito a ser remunerado pelo trabalho de escrever posts e comentários. É isto que defendes?

    Eu proponho que nem eu tenho o direito a receber dinheiro por escrever posts só porque me ponho a escrever posts e, mais importante ainda, ninguém incorre em obrigações para comigo só por ler os meus posts ou comentários. É por isso que não considero o meu alegado “direito a ser remunerado” justificação legítima para proibir todos de fazer “save as”.

    Tu invocas regularmente o “direito de ser remunerado”. Isto é um princípio ideológico. Mas não há mal nenhum nisso. O mal é tu nunca explicares que raio de direito é esse. Parece-me evidente que não consideras, no caso geral, que uma pessoa tem direito a ser remunerado só porque fez alguma coisa. Explica então porque é que o “autor”, que inclui músicos mas não cientistas nem cozinheiros, tem esse direito que outros não têm, o direito de exigir dinheiro por um trabalho que ninguém lhe encomendou.

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    1. Se queres discutir semântica para justificares ideologias, por mim tudo bem, mas é um exercício que farás sozinho. Para discutir semântica, participo já num grupo de discussão todas as 3as. feiras à noite :) É giro, é divertido, mas só tem interesse meramente como exercício intelectual — para além do divertimento dos participantes, e alguma aprendizagem (pouca), não tem implicações nenhumas fora de um círculo de conhecidos.

      Claro que tenho ideologia; o mero defender de um modelo de sociedade democrática estabelecida segundo certos princípios enumerados constitucionalmente é uma ideologia. Pode-se defender modelos não-democráticos (outra ideologia), ou modelos democráticos não assentes na nossa constituição (ainda uma outra ideologia). Neste contexto, no entanto, a minha «ideologia» é a defesa do que já está estabelecido, pelos representantes da maioria dos portugueses — independentemente das suas ideias políticas ou outras — nos últimos 39 anos.

      Se queres insistir que «todo o conjunto de ideias consistente» é uma ideologia — uma forma moderna de definir «ideologia» — então até podia argumentar que não defendo nenhuma ideologia, porque não sou (deliberadamente) consistente. Também poderia argumentar que a nossa constituição, numa tentativa de abarcar vários conjuntos de ideias que podem não ser consistentes entre si (deliberadamente, para não «forçar» nenhuma ideologia sobre outra), procura ser não-ideológica. Estabelece, no entanto, a base para que qualquer ideologia (consistente) possa ser livremente expressa por qualquer cidadão, que a possa defender quanto ao seu mérito, e, se assim o entender, manifestar essa ideologia em termos de legislação que oriente a sociedade em determinado sentido (de acordo com os princípios dessa ideologia), de acordo com os interesses dos cidadãos em certo período do tempo.

      Ao longo das décadas, no entanto, fez-se um esforço para tentar limitar pré-orientações ideológicas na nossa constituição. E isso, a meu ver, é positivo — e deve ser um esforço contínuo. Um exemplo clássico: a remoção do arcaico palavreado de 1974 que estabelecia que «Portugal é um estado tendencialmente socialista» (estou a citar de cor). O pensamento dos constitucionalistas e dos legisladores que implementaram esse pensamento foi de que essa carga ideológica colocada a priori na constituição forçava determinada linha de actuação que podia não coincidir com o desejo expresso pelos cidadãos nas urnas e na participação cívica activa na sociedade; deixou-se essa orientação ideológica para o trabalho legislativo, diferente consoante a composição partidária na AR.

      Podes ainda argumentar que o princípio de estabelecimento de uma sociedade democrática não-ideológica é, em si, uma ideologia. Argumentaria que isso seria efectivamente verdade se os princípios dessa sociedade fossem consistentes; não o são. Mas são quase. Entendo, pois, que o trabalho do legislador é, sempre que possível, emitir leis de acordo com esse princípio — pois este tipo de leis será mais facilmente aprovado e corresponderá a um interesse manifestado por uma maioria da população.

      É assim que até partidos como o PCP, cuja ideologia é bem clara e inambígua, ao apresentar trabalho legislativo, consegue — com um esforço notável — apresentar legislação de acordo com princípios que estão «para além» da sua própria ideologia. Mas não posso afirmar que o faça de forma «perfeita», porque os seres humanos não são perfeitos. Por exemplo, neste projecto-lei em particular, é assumido que, a haver alguém que remunere os autores, esse encargo deve estar do lado de quem obtém um maior número de mais-valias — segundo os proponentes do projecto-lei, os ISPs. Isto é uma posição ideológica: a da taxação daqueles que obtém mais benefícios, com o objectivo de distribuir riqueza por aqueles que não têm benefícios nenhuns. Logo, se eu fosse uma pessoa rigorosa, não poderia dizer que este projecto-lei é isento de carga ideológica — não o é. No entanto, não tem uma carga ideológica consistente, e dessa forma, tecnicamente não é «ideológico».

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    2. Mais importante ainda (para mim) é que este projecto-lei não tenta aplicar «moralidade ideológica». Pelo contrário: tenta remover essa carga moral, ao dizer que é ridículo considerar quem faz cópias de artefactos culturais como um «criminoso» ou «pirata». Estas, sim, são designações ideológicas e moralistas, provenientes de outras ideologias, que este projecto-lei visa abolir. Em certa medida, defendo que a maior parte da legislação que tem como objectivo a erradicação de ideologias moralistas do corpus jurídico português é positiva, bem-vinda, e deve ser encorajada.

      Era esse o sentido que pretendia com o meu comentário. Propostas que tenham como objectivo eliminar o direito à remuneração dos autores quando o público usufrui das suas obras são propostas que partem de uma ideologia bem clara — a de que o usufruto do público (a maioria da população) é mais importante do que a remuneração do trabalho de uma minoria, e que os interesses da maioria se devem sobrepor aos das minorias. Isso pode ser verdade noutro tipo de democracias em que o princípio da «tirania da maioria» seja, de facto, a sua ideologia. Na nossa democracia, pelo contrário, impera o princípio da protecção das minorias contra a «tirania da maioria». Mas há muitas formas de o fazer, e é graças à criatividade do legislador que se consegue, em simultâneo, proteger os direitos das minorias sem retirar direitos às maiorias, e sem apontar «moralmente» quem é que tem mais ou menos «razão» de acordo com a ideologia X ou Y. Este projecto-lei é justamente um excelente exemplo disso: não sou «obrigado» a «comprar» uma ideologia que imponha a não-remuneração dos autores, nem sou obrigado a aceitar uma ideologia em que todos são criminosos (culpados do crime de pirataria informática, nem que seja por negligência...), nem sequer sou obrigado a aceitar ideologicamente que os autores devem ser remunerados (porque não é a maioria dos consumidores de produtos culturais que os vai remunerar directamente). Mas nem sequer preciso de aceitar a ideologia que condena os «porcos capitalistas» que controlam os ISPs e que os faz taxar de forma pesada «porque merecem» (numa perspectiva de que é imoral ganhar dinheiro à custa do trabalho dos outros). Este projecto-lei acaba por conseguir resolver todas as questões para todos os agentes, sem precisar de meter uma carga ideológica ou moralista no seu texto — pelo contrário, o preâmbulo justamente procura erradicar a carga ideológica/moralista da legislação portuguesa.

      Tudo isso é de louvar, e daí a razão do meu comentário.

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    3. Ficou por responder: «Parece-me evidente que não consideras, no caso geral, que uma pessoa tem direito a ser remunerado só porque fez alguma coisa. Explica então porque é que o “autor”, que inclui músicos mas não cientistas nem cozinheiros, tem esse direito que outros não têm, o direito de exigir dinheiro por um trabalho que ninguém lhe encomendou.»

      Esqueci-me de responder à provocação :)

      Gosto de casos extremos porque por vezes ajudam a ilustrar processos, deliberadamente exagerando-os para que o ponto se torne «óbvio». No entanto, é sabido que não são os casos extremos que representam a norma: tomar os extremos pela norma é também uma falácia :)

      Se um autor tem obras disponíveis mas ninguém quer usufruir delas, então obviamente que não merece remuneração! Isto não é meramente um caso hipotético: as livrarias estão cheias de obras de autores que ninguém lê. Logo, o autor não é remunerado por elas. Simples. Da mesma forma, um músico que se anuncie como tal e que tenha músicas para download que ninguém quer ouvir... não tem mercado, não ganha dinheiro. Poderíamos alegar que isto são não-autores e não-músicos, mas as coisas são mais complicadas no «negócio cultural», porque quem define o valor do trabalho artístico são os críticos, e, em segunda linha, os editores/produtores (que podem fazer batota com publicidade, mostrando que isto tudo não é tão preto-no-branco como muita gente gostaria que fosse).

      Podia ir buscar um exemplo de que tu gostas muito: o que é ciência? Do ponto de vista filosófico, podemos ir discutir Popper. Mas do ponto de vista pragmático, ciência é aquilo que é publicado em publicações com peer review. A diferença é que a ciência é mais democrática: um reviewer normalmente também publica, e qualquer cientista, em princípio, pode ser chamado a fazer peer review. Na arte e na cultura geralmente não são os produtores de conteúdo que definem o que é arte e cultura. E, ao contrário da ciência, o valor comercial do produto cultural é fulcral para a arte — um artista que não venda não é um artista. Mais subtilmente poderíamos mesmo argumentar que o que faz um artista ser artista é ter a capacidade de obter remuneração do seu trabalho (não interessa se essa remuneração é em cash ou noutros bens intangíveis, como, por exemplo, o «prestígio» de ser convidado a expôr numa galeria, porque um crítico de arte acha o seu trabalho vendável — mesmo que não seja).

      Isto tudo são exemplos para mostrar que há muita diferença entre um artista, um cientista, ou um barbeiro. As pessoas que adoptam uma destas três profissões usam mecanismos bem diferentes para serem intitulados de profissionais na área. Assim, um barbeiro basta aprender o ofício; é barbeiro, se souber fazer a barba (basta-lhe o potencial), independentemente de ser bom, mau, ter clientes, estar empregado por conta própria, ou trabalhar no San Jam. Um cientista tem também de aprender o ofício, e pode saber tudo e mais alguma coisa da sua área, mas tecnicamente, se não publicar, não será considerado um «cientista». Pode ser um excelente professor ou divulgador da ciência, por exemplo, mas, tecnicamente, não é «cientista» — até que os restantes cientistas digam que é e aceitem algo para publicar (estou deliberadamente a ser simplista...). Actualmente, a capacidade de publicar está indexada ao salário do cientista, mas nem sempre foi assim — não há muito tempo atrás, o cientista podia ser remunerado pela sociedade meramente pelo seu potencial, independentemente se «fizer ciência» ou não. Isto é muito diferente do barbeiro, que, se não executar o seu ofício, não recebe nada. O cientista, até recentemente, podia não fazer nada e mesmo assim a sociedade pagava-lhe um salário.

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    4. Porquê? É porque a nossa sociedade dá igualdade de oportunidades — qualquer pessoa pode ser cientista ou barbeiro, ninguém é discriminado — mas reconhece que as pessoas não são iguais. Ao fim de uns meses, qualquer pessoa pode ser barbeiro — mau ou bom, isso já depende do jeito, do talento, e da experiência, mas treinar um novo barbeiro é um procedimento relativamente simples e acessível (mais acessível ainda é ser-se trolha ou estivador, que ainda requer menos características). Já treinar um cientista é completamente diferente. Leva pelo menos uns 17 anos de estudo (a custo do Estado), provavelmente mais, até estar apto a publicar. A maioria das pessoas não consegue tornar-se cientista — não é que seja «impossível», ou «apenas para uns iluminados», mas ser-se um «mau cientista» sem experiência não é para qualquer um. Mesmo assim temos, neste mundo, 250 milhões de cientistas, o que não é mau; mas temos muito mais profissões que não requerem tantas características.

      Logo, a sociedade, considerando que a ciência é importante para a sociedade como um todo — não menosprezando o barbeiro; mas dando-lhe a importância que merece — protege os cientistas mas não os barbeiros. Isto não é discriminação: discriminação seria se os barbeiros fossem impedidos de se tornarem cientistas (ou vice-versa, claro...). Mas claro que não são. Pelo contrário: damos, na nossa sociedade, aos barbeiros todas as oportunidades para se tornarem cientistas se assim o quiserem, e se acharem que têm capacidades. Só depende deles, não do Estado, da sociedade, ou de qualquer outra coisa.

      Artistas ainda são mais raros — especialmente quando se usa a definição mais pragmática: artista é aquele que vive exclusivamente da produção de artefactos culturais que vende ao público. É que não basta estudo, treino, técnica (todas as profissões necessitam disso); é preciso, para além disso, talento e génio — ou, se formos pela via da batota, publicidade e marketing para fazer as pessoas pensar que o artista tem talento e génio. As coisas para o artista são completamente diferentes. Essa é a primeira diferença.

      A segunda diferença é que os artistas, regra geral (não se aplica a todos, mas aplica-se a músicos, autores literários, fotógrafos, produtores de cinema....), têm uma particularidade interessante: podem fazer chegar o usufruto do seu trabalho — que é caríssimo, por ser único — a milhões de pessoas ao mesmo tempo. Acho que o exemplo mais simples de dar é o do cinema. Se eu quiser encomendar ao Spielberg um filme só para mim, custaria 150 milhões de Euros. Parece um absurdo, mas a verdade é que há quem tenha dinheiro para pagar isso — são poucos, mas existem. Isto era o que acontecia na Renascença e até ao século XIX: quem tinha dinheiro para pagar 150 milhões de Euros, podia ter o usufruto de um filme, a título pessoal. Bem, não um filme, claro... mas uma peça de música de câmara, talvez um oratório ou uma ópera, ou uma estátua ou uma pintura, ou eventualmente até um livro. Ou seja: o modelo de ter o artista a produzir uma peça única por encomenda de um milionário existia, e graças a esse modelo é que tivémos arte durante tantos séculos.

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    5. No entanto, a partir do século XVIII, e definitivamente já no XIX, começou-se a considerar que a cultura não devia ser um «monopólio dos ricos» (para pegar numa expressão de que gostas, «monopólio»...) mas sim deveria ser usufruída por toda a população. E a solução foi simples: produção em massa de cópias do artefacto cultural e venda a baixo custo. Se houver 15 milhões de pessoas dispostas a pagarem €10 por um filme do Spielberg, ele não precisa de um patrono, mas pode vender a essas 15 milhões de pessoas directamente.

      Mas o contrário não é verdade! Suponhamos que o Spielberg faz um filme pagando do seu próprio bolso. Mas o filme não tem interesse nenhum, e ninguém o quer comprar. Não tem «direito» a ser remunerado por trabalho efectuado mas que não tem interesse comercial e cultural (aqui ambos estão de braço dado). Este é, pois, o risco do artista: se o seu trabalho não presta, não vende nada, e não tem «direito» a ser remunerado.

      Voltando ao teu ponto, ilustras o caso extremo. Alguém que produza algum artefacto alegadamente cultural não tem direito absolutamente nenhum a ser remunerado por este — se ninguém usufruir do fruto do seu trabalho. Ou seja, um artista potencial não «merece» ser pago.

      Mas no momento em que há usufruto do seu trabalho... então a conversa é diferente. Prestou um serviço — a elaboração de um produto cultural que tem valor para alguém, porque esse alguém quer usufruir desse produto cultural — e, como em toda a indústria de serviços, merece remuneração pelo seu trabalho.

      Agora é evidente que um produto cultural é uma coisa diferente de um corte no barbeiro, da publicação de trabalho de investigação científico, de uma consulta no médico, da construção de uma mesa e de uma cadeira. Podes dizer que não, que é a mesma coisa, mas não é — não é porque insistes que é que as coisas se tornam naquilo que queres que sejam :) Há, obviamente, uma analogia: foi produzido um bem intangível mas ao qual alguém dá valor, portanto há uma prestação de serviços. Não há, no entanto, necessariamente um «contrato» — mas isto depende de factores tecnológicos e da «ideia genial» que alguém teve no passado de que os produtos culturais podiam ser facilmente duplicados e os custos de produção divididos pela massificação dos mesmos — pois no passado, efectivamente, os artistas trabalhavam todos sob contrato para os seus patronos.

      Também é legítimo afirmar que «os tempos mudam» — o teu argumento de que os custos de massificação hoje em dia são nulos e que não é legítimo cobrar pela duplicação do trabalho do artista é 90% correcto. Efectivamente, o custo de duplicação de uma música ou de um e-Book é nulo (ou quase nulo), e é suportado por quem faz a cópia, não pelo artista/editor/produtor. Logo, não faz sentido «obrigar» as pessoas a pagarem o mesmo por um e-Book que por um livro em papel, porque o custo de produção não é, de todo, o mesmo (o que não impede a Amazon.com de tentar...). Mas isso é o pagamento da cópia do objecto cultural. Quanto a isso estou inteiramente de acordo que o artista não tem nada que receber um pagamento pelo processo de cópia. Mas não é isso que ele cobra! O que ele cobra é uma percentagem do trabalho que lhe custou a produzir o original do artefacto, ou seja, o trabalho da prestação do serviço em si. E é isso que ele «merece» receber como remuneração. Se, efectivamente, há quem queira duplicar o seu trabalho para usufruto pessoal. Caso contrário, tal como dizes, e penso que muito bem, não é porque alguém crie um blog que tem «direito» a receber dinheiro por isso. Tem, sim, mas só se alguém estiver interessado em usufruir da leitura desse blog. Se não houver interessados, o blogger não «merece» ganhar absolutamente nada — apenas contribuiu para mais lixo na Internet :) e não para o aumento do património cultural da sociedade.

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    6. O meu problema contigo e com os defensores de que os artistas não têm direito a ser remunerados pelo seu trabalho é que, graças ao fruto de uma argumentação (ideo)lógica, conseguiram «subtrair» a essência do trabalho do artista do produto que é distribuído na casa das pessoas, e, observando ser indistinguível de uma sequência aleatória de bits, não compreendem porque é que «vale dinheiro para alguém».

      Se eu produzir uma sequência aleatória de bits, isso tem valor ou não? Não indo para casos extremos (podem existir coleccionadores de sequências aleatórias de bits...), diria que é seguro afirmar que, para a esmagadora maioria das pessoas, uma sequência aleatória de bits não tem qualquer interesse. Logo, mesmo que eu tenha tido uma trabalheira a criar essa sequência, não há ninguém que queira usufruir dela — não há nada para usufruir — e é legítimo afirmar que essa sequência aleatória de bits, embora contenha informação, esta não tem valor comercial nenhum. Logo, não é legítimo criar um mecanismo que me permita ser remunerado, seja por quem for, por essa sequência.

      O teu argumento (não só teu...) é que, externamente, um ficheiro MP3 é indistinguível de uma sequência aleatória de bits. É verdade, do ponto de vista filosófico :) No entanto, a música codificada por essa sequência de bits (que na realidade não é aleatória...) tem valor para quem a ouve. Foi preciso que alguém criasse o original dessa sequência para que eu, por exemplo, possa usufruir dela — enquanto descodificada como música. Ora é verdade que não houve nem esforço, nem custo (ou este é negligível) para duplicar essa sequência de bits, e ainda por cima usei o meu equipamento e a minha largura de banda para isso, pelo que não é legítimo cobrar-me pela duplicação. Mas sem ter havido o original, que foi criado por alguém — alguém esse que tem uma profissão muito diferente da minha, capacidades diferentes das minhas, etc. — nunca poderia obter uma cópia. O que pago pelo usufruto da cópia não é o trabalho de a duplicar, mas o trabalho de criar o original.

      Os produtos culturais ainda têm uma peculiaridade diferente. Vulgarmente em economia se diz que quanto mais massificado é um produto, menor é o seu custo para o consumidor, e, regra geral, assim é — um automóvel é menos massificado do que uma embalagem de Skip, por exemplo. É verdade que esta analogia não é 100% correcta e que há muitas excepções, mas poder-se-ia argumentar que, em muitos casos (senão mesmo em todos), quanto mais se massifica um produto, mais barato este fica.

      Usando este princípio, como já vi argumentar, um MP3 que seja duplicado vezes sem conta «perde o valor», por isso não faz sentido remunerar um artista, quando o valor da cópia cada vez vale menos à medida que é duplicado mais e mais vezes. Mas a verdade é que um produto cultural vale mais quanto mais for duplicado — significa a diferença entre um artista «desconhecido» e um artista que está no Top 10 de vendas e conhecido em todo o mundo. O que baixa os custos finais para o consumidor é o processo de duplicação; mas o valor da obra, quanto mais duplicada for, maior é — e o sistema de royalties funciona precisamente para assegurar isto.

      Então o que resta como alternativa? Como já disse, estou de acordo que existam outros modelos de renumeração, e também estou de acordo que não seja cobrado nada pela cópia, visto que o editor/produtor/distribuidor realmente não tem custos com a mesma. Mas o trabalho do artista não está na cópia, está na produção do original. E esse deve ser remunerado por quem usufrui deste trabalho (modelo actual), pela sociedade como um todo (através de subsídios/empregos aos artistas fornecidos pelo Estado — tal como o Estado emprega cientistas pela mesma razão), ou por quem obtém mais-valias pela distribuição das cópias (o que a proposta do PCP propõe — identificando que quem tem mais mais-valias são os iSPs. Nota que isto é discutível, mas é sem dúvidas uma forma inteligente de resolver o problema).

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    7. Conclusão, o problema não está, como dizes, de que estamos a pagar por algo que não «encomendámos» (no sentido em que não temos contrato com o artista). Está em pagarmos por algo de que usufruimos e ao qual damos valor (senão não queríamos fazer cópias para usufruto pessoal!) — mas pelas quais pessoas como tu não querem pagar, considerando que é um «direito» que tens, de usufruir do trabalho alheio sem pagar por este (porque tens sempre argumentos [ideo]lógicos intrincados para «demonstrar» como na realidade não estás a adquirir nada, pelo que não deves pagar nada por isso :) ).

      Geralmente a minha pergunta é sempre a mesma... para quê tanta discussão? :) Mesmo no modelo actual, ninguém é obrigado a usufruir de produtos culturais. E, além disso, há já excelentes artistas que oferecem o fruto do seu trabalho. A minha analogia é a seguinte: não gosto do preço que a Microsoft cobra pelo Office. Mas em vez de procurar legislar para que a Microsoft seja obrigada ter custos de desenvolvimento mas que depois ofereça o Office a toda a gente — que é no fundo o que tu pretendes — eu uso o LibreOffice. «Ah, mas não é a mesma coisa!» Pois não! Mas a escolha é minha. Se quero usufruir dos produtos da Microsoft, porque porventura são melhores, mais bonitos, crasham menos, etc., pago por esse privilégio. Se não quero pagar nada mas usar um processador de texto à mesma, uso um que seja open source, livre e gratuito. Não percebo porque é que o mesmo princípio não se aplica aos restantes conteúdos com direito de autor :) — ninguém é obrigado a usufruir deles, podem usufruir de conteúdos Creative Commons em alternativa... Mas pronto, não vou voltar outra vez ao mesmo argumento...

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    8. Versão TL;DR —

      Tu: «O trabalho dos artistas é prestação de serviços e deve ser remunerado como todas as prestações de serviços»
      Eu: Há muitas formas de prestação de serviços e muitas formas de remunerar a mesma; não há um modelo standard; alego que justamente por a forma da prestação do serviço ser muito diferente (porque o artista é diferente das restantes profissões; e estas são diferentes entre si) não há problema algum em a forma de remuneração ser diferente.

      Tu: «As pessoas não devem ter direito a remuneração só porque produziram uma coisa.»
      Eu: Absolutamente de acordo. Não é a produção que implica uma remuneração; é o usufruto (no caso dos artistas).

      Tu: «Os artistas são como qualquer outra pessoa e não merecem tratamento especial.»
      Eu: Sim, perante a lei, todos temos os mesmos direitos e deveres; e todos temos as mesmas igualdades de oportunidade. No entanto, somos diferentes, e nem toda a gente tem a capacidade de produzir artefactos culturais que sejam vendáveis — tal como nem toda a gente consegue ser médico, cientista, juíz, político. Por isso, na nossa sociedade, as profissões que são mais difíceis de obter são tratadas de forma diferente — «protegidas», se quiseres — porque são raras e preciosas por causa disso. Agora impera o princípio da igualdade de oportunidades: ninguém pode ser impedido/discriminado de ser médico, cientista, juíz, político, ou artista. Desde que tenha capacidade de o ser.

      Tu: «O custo da duplicação de artefactos culturais hoje em dia é nulo (ou praticamente nulo), pelo que não é legítimo cobrar o que quer que seja por ele. Ademais, quem faz a cópia é quem usufrui dela, pagando do seu bolso o computador, a energia, o tempo, etc., pelo que não é legítimo cobrar o custo de uma duplicação a quem usufrui de uma obra.» (Argumento da alteração tecnológica)
      Eu: Correcto, pelo menos em 90% dos casos — os 10% são quando usamos um site de partilha — há alguém que tem de pagar pela largura de banda e espaço em disco. Mas estou de acordo que não é legítimo cobrar por algo que não teve custos para o produtor (e apenas para quem tem o usufruto), em especial porque estes custos são praticamente nulos. O problema é que não se paga pela cópia; paga-se uma percentagem por existir um original!

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  11. Um estudo interessante mostra como a a adaptação da levedura depende da acção concertada de várias mutações (sugerindo que estão pré-programadas no genoma) e não de uma única mutação que aumenta a sobrevivência da espécie e por isso é seleccionada.

    Os autores reconhecem que esta observação desmente a concepção tradicional de evolução...

    "The finding goes against the traditional view of evolution being determined by individual mutations that provide a large fitness advantage by themselves"


    "We found that small groups -- which we call cohorts -- of mutations were associated with increased survival. No single mutation is driving adaptation. The whole group, which includes hitchhikers, drives adaptation together."


    O erro destes cientistas consiste em confundir adaptação com evolução.

    É que por mais adaptações que se observem, a levedura "evolui" sempre para...levedura!


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  12. Uma descoberta acabada de anunciar mostra a cauda de um dinossauro (datado em 72 milhões de anos!) descoberta em condição quase perfeita.

    O que eles observam:

    "Remarkably preserved for their estimated age of 72 million years"

    Porque será que encontramos fósseis muito bem preservados de dinossauros, por vezes com tecidos moles, proteínas e DNA?


    É simples, porque não têm milhões de anos, mas apenas alguns milhares... ... de resto, é impossível recuar 72 milhões de anos para confirmar se nesse tempo havia dinossauros...


    Este é o tipo de evidência que corrobora inteiramente o sepultamento abrupto recente dos dinossauros, corroborando o ensino Bíblico sobre criação e o dilúvio.







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  13. Miguel,

    Não estou particularmente preocupado com a semântica nem defendo que todas os conjuntos consistentes de ideias são ideologias. O que me preocupa é a justificação para que uma pessoa que criou certo tipo de obra por livre iniciativa e voluntariamente a publicou passe a ter à sua disposição recursos policiais e judiciais para impedir que outros distribuam essa obra sob pena de multa ou prisão. Tanto ser contra como a favor disto é ideológico, e em ambos os casos deve ser possível justificar essa posição e não dizer simplesmente ao outro que está a ser ideológico por isso não vale a pena discutir...

    Este ponto preocupa-me porque isto tem um impacto significativo nos direitos de milhões de pessoas e porque, à partida, não é óbvio porque é que ser autor de um poema ou de uma foto digital há de dar a alguém tal poder.

    Tu apresentaste como justificação essa pessoa ter direito a ser remunerada. No entanto, esta justificação é problemática porque o simples facto de se fazer algo não dá automaticamente o direito a ser remunerado. Isso é óbvio no caso geral. Se for à tua rua e te lavar o carro não me ficas a dever dinheiro automaticamente por isso. E é até evidente nos casos particulares que esta lei cobre. Voltando ao exemplo que tão notavelmente ignoraste, não me parece que eu mereça ser remunerado pelos posts que escrevi e, no entanto, a lei concede-me o poder de coagir quem os queira distribuir, se eu quiser.

    Outra coisa que me causa fascínio, neste caso nesta discussão em particular contigo, é como tu evitas qualquer tentativa de justificar essa tua posição, ignoras os exemplos incómodos e limitas-te a acusar-me de ideologia como se isso bastasse para resolver o problema. Isto faz-me suspeitar que tu és a favor da concessão destes monopólios por conveniência ou porque sim sem teres propriamente como justificar essa posição.

    Mas aguardo que demonstres como estou errado acerca disto ;)

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    1. Vai ler a resposta acima. Levei tempo a responder, porque claramente não estávamos a partir das mesmas bases de discussão. Podes ler a versão TL;DR primeiro, que é curtinha e esclarece tudo, e depois ler o resto :)

      A essência da resposta, mais uma vez (quem repete duas, também repete três vezes...) é que não é por produzires uma coisa que «mereces» remuneração, é só quando alguém manifesta interesse em usufruir dela e que, por desejar esse usufruto, lhe dá valor — então, sim, merece uma remuneração.

      Sim, tens «direito» a seres remunerado pelos teus posts se houver gente que dá valor aos mesmos, perde tempo a lê-los, e goza do usufruto do teu trabalho. Não, se ninguém ler o teu blog e estiver apenas a consumir espaço em disco num servidor da Google (nesse caso a Google devia-te cobrar por estares a encher os discos deles com lixo, mas isso é outra conversa).

      Hint: não «ignorei» nada — já discutimos isto há pelo menos uns três anos e já respondi quinhentas mil vezes a tudo e mais alguma coisa :P seja aqui, seja em trinta outros sítios... mas tudo bem, ainda não tinha respondido aqui :)

      Bolas, eu andava a discutir isto com os fãs do Stallman na USENET em 1992/3... :-) Acusar-me de «não justificar a minha posição» é divertido — tenho aí uns vinte anos de discussão pública hehe. Pronto, infelizmente não é pesquisável, ou, se é, deve estar muito fragmentado...

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  14. Miguel,

    Penso que te dispersaste um bocado por várias coisas. Só para esclarecer as mais importantes. Em todos os exemplos que deste excepto os artistas, dos cientistas aos barbeiros, a remuneração resulta de um contrato entre quem é remunerado e quem remunera. Pode ser meramente verbal, mas há um entendimento e um compromisso prévio e voluntário entre ambas as partes que o serviço será remunerado. O artista é a excepção. Parece ser o único cujo direito a remuneração não depende de um compromisso de terceiros em remunerá-lo.

    O meu argumento de ”«subtrair» a essência do trabalho do artista” não tem nada que ver com esta conversa. Esse aspecto é relevante apenas para quem defende que o produto do intelecto é propriedade ou quem defende que se pode distinguir por algum critério objectivo que bits correspondem a qual obra. Esses problemas são independentes do tal direito à remuneração que tu invocas.

    Mas já temos grandes progressos na parte que interessa:

    «Tu: «As pessoas não devem ter direito a remuneração só porque produziram uma coisa.»
    Eu: Absolutamente de acordo. Não é a produção que implica uma remuneração; é o usufruto (no caso dos artistas).»


    Já estamos de acordo numa parte. Não é por eu escrever um post que tu tens obrigação de me remunerar. No entanto, estás a dizer que se tu leres o meu post e gostares (ou talvez baste que leias, não é claro o que é o “usufruto”), então já tens a obrigação de me remunerar. Daqui concluo que ou tu nunca usufruíste de um post ou comentário meu, ou és pouco consistente na aplicação do princípio que tu defendes. Mas há problemas piores do que este.

    Primeiro, pões “no caso dos artistas” entre parênteses sem explicar porque é que só no caso dos artistas é que o usufruto é importante. Por exemplo, não é claro porque é que um cozinheiro não há de merecer remuneração pelo usufruto de uma receita que tenha inventado e que outras pessoas usem na sua cozinha. Ou um atleta. Em 1968, Dick Fosbury inventou o “Fosbury flop”, a técnica de salto em altura dominante ainda hoje. Milhões de pessoas nos jogos olímpicos desde então usufruíram desta invenção, vibrando com a quebra sucessiva de recordes. E os organizadores usufruíram lucrando milhões e milhões com os jogos olímpicos, graças a contributos como os do Dick. Mas o Dick não mereceu qualquer “protecção” pela sua invenção. Em contraste, em 2006 Shiloh Nouvel tirou uma foto aos bebés da Angelina Jolie e do Brad Pitt que lhe renderam quatro milhões e meio de dólares principalmente porque a lei concede um monopólio a quem aponta uma máquina fotográfica para alguma coisa e carrega num botão. A regra de que o usufruto só conta no caso dos “artistas” – termo difícil de definir, já de si – carece de justificação e não a dás.

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  15. A regra do usufruto também é estranha, mesmo sem este problema de discriminar os artistas. É fácil de perceber que alguém que deseja algo e se comprometa a pagar para usufruir disso tenha depois de remunerar quem lho fornece. Mas não pelo usufruto. É pelo compromisso. Isto é evidente em qualquer transacção. O preço que tu tens obrigação de pagar por um bitoque não é função de quanto tu gostas de bitoque, nem de quanta fome tens, nem sequer de estares bem ou mal disposto. É função unicamente do preço que concordaste pagar quando encomendaste o bitoque. Até podes pegar no prato e deitar a comida toda para o lixo, não usufruindo nada da refeição. Se te comprometeste a pagar, pagas o que prometeste. Sempre que o teu gosto influencia o preço que pagas, é influenciando a negociação. Mas uma vez acordado o preço é esse que conta, e conta porque é esse que foi acordado. Quando defendes que em certo caso é o “usufruto” que conta e não o que é acordado entre ambas as partes, além do problema de justificares porque é que é nesses casos e não noutros, tens o problema de indexar o preço a algo estranho, impossível de quantificar, e que não faz sentido determinar o preço.

    Finalmente, há o problema de passar do dever moral de remunerar no caso de se usufruir, já de si questionável, para o poder legal do autor de coagir essa remuneração proibindo a distribuição gratuita. Mesmo que tu aches que gostares de um post meu te impõe a obrigação de me pagares pelo trabalho de o escrever, falta ainda um grande passo para concluíres que o sistema judicial deve pôr à minha disposição mecanismos coercivos para te obrigar a pagar-me. Se um artista excepcional fizer uma escultura maravilhosa na praia, deve a lei condenar a três anos de cadeia quem tirar fotografias à escultura sem lhe pedir autorização?

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  16. Quando pretendem provar a evolução, os evolucionistas recorrem a várias técnicas paleontológicas e argumentativas:

    1) fazem o “downgrade” de seres humanos para macacos (v.g. Neandertais);

    2) fazem o “upgrade” de macacos para homens (v.g. Lucy);

    3) misturam fósseis de macacos, homens e outros animais (Homo erectus; Homem de Nebrasca),

    4) fazem fraude (v.g. Homem Piltdown)

    5) auto-intitulam-se macacos tagarelas (v.g. Ludwig Krippahl)

    No caso desta notícia científica, temos um exemplo de uma tentativa falhada de “upgrade" de macacos para homens (2)

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  17. Dois artigos recentes, na revista Nature, mostram que a teoria do Big Bang está longe de ter "transitado em julgado"

    Um mostra como o bosão Higgs ameaça os modelos dominantes do Big Bang

    Outro propõe uma cosmologia radicalmente diferente...

    Para os criacionistas todas as cosmologias naturalistas terão sempre problemas, já que o Universo não foi o resultado do nada que explodiu por acaso e criou tudo...

    Provavelmente nunca entenderemos totalmente um Universo inteligentemente criado por um Deus omnipotente e omnisciente...


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  18. "Se um artista excepcional fizer uma escultura maravilhosa na praia, deve a lei condenar a três anos de cadeia quem tirar fotografias à escultura sem lhe pedir autorização?"

    É por isso que alguns falam em obrigação moral por oposição à obrigação legal. Também tens uma obrigação moral de não soltares gazes num elevador fechado mas se o fizeres ninguém te prende.

    E, por favor, uma receita culinária é comparável a pauta. Ou tu também gostas de debater como se não tivessem existido conversas anteriores? :)

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  19. Wyrm,

    «É por isso que alguns falam em obrigação moral por oposição à obrigação legal.»

    É precisamente um dos meus pontos. Uma coisa é divergirmos acerca da obrigação moral de remunerar alguém só porque beneficiamos da sua criatividade, seja os posts que eu escrevo, as canções do Quim Barreiros ou os descendentes de Einstein e Plank, de cuja criatividade muita tecnologia moderna depende. Outra bem diferente, e que carece de uma justificação mais forte, é defender que quem escreve e voluntariamente publica um poema passe a ter à sua disposição o poder policial e jurídico de multar ou mandar prender qualquer outro que distribua o poema, ou que tenha o Estado a cobrar taxas para o remunerar por ter escrito o poema, em vez de lhe pagar para escrever poemas.

    «E, por favor, uma receita culinária é comparável a pauta. Ou tu também gostas de debater como se não tivessem existido conversas anteriores? :)»

    Eu concordo que a receita é e a pauta são equivalentes. E lembro-me de ter concordado contigo nisto. Também me lembro de ter ter apontado que a lei não concede monopólios sobre a reprodução de receitas mas concede monopólios sobre a reprodução de partituras e, no caso especial das partituras, o monopólio é ainda mais forte do que no resto. O ponto 2 do artigo 75º do CDADC estipula o direito da cópia privada desta forma (ênfase meu):

    «São lícitas, sem o consentimento do autor, as seguintes utilizações da obra:
    a) A reprodução, para fins exclusivamente privados, em papel ou suporte similar, realizada através de qualquer tipo de técnica fotográfica ou processo com resultados semelhantes, com excepção das partituras


    Ou seja, podes livremente divulgar receitas porque as receitas em si não são protegidas por esta lei. Podes fotocopiar livros de receitas para uso privado porque, se bem que a composição gráfica do livro seja protegida, tens o direito de fazer cópias para uso privado. Mas no que toca a partituras nem as podes divulgar nem as podes sequer copiar para uso privado. Porquê?, perguntas tu indignado. Porque esta legislação não tem nada que ver com direitos de remuneração, usufruto e essas outras coisas. Tem que ver simplesmente com a tecnologia dos últimos séculos, que dava aos distribuidores de coisas como partituras, poemas, músicas e filmes (mas não receitas, que essas passavam facilmente de boca em boca) um monopólio incontornável sobre a distribuição. Esta lei resulta da pressão de vários grupos de interessados (distribuidores, autores, etc) para resolver este problema da impressão e distribuição ser cara e não estar ao alcance de todos. Uma vez desaparecido esse problema surgiu uma campanha de propaganda fingindo que isto tem algo que ver com propriedade sobre obras do intelecto ou justiça remuneratória, mas isso é uma treta, como podes ver, por exemplo, no tratamento diferenciado de receitas e partituras, duas coisas equivalentes em extremos opostos na lei.

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    Respostas
    1. resume pá resume

      nã ensinas que pensar critica mente requer poder para não di vagar?

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