sábado, junho 29, 2013

Treta da semana (passada): regresso às origens.

A Associação do Comércio Audiovisual de Obras Culturais e de Entretenimento de Portugal (ACAPOR) está a tentar resolver o problema dos clubes de vídeo não darem lucro processando quem não cobra para distribuir filmes. Se o Nuno Pereira, o presidente da ACAPOR, fosse economista, provavelmente não confiaria nesta medida como solução para rentabilizar o aluguer de vídeos em DVD. Se fosse autor, talvez até se incomodasse com a ideia de usar a lei contra quem apreciasse o seu trabalho. Mas a ACAPOR é liderada por um advogado, o que é natural no “comércio cultural” porque o fundamento desta actividade não é a cultura, nem o entretenimento nem sequer prestar qualquer serviço útil. O contributo cultural dos clubes de vídeo é modesto e ter de passear bolachas de plástico para ver filmes nem entretém nem é prático. O “comércio cultural” de hoje apenas cobra, por coação legal, para distribuir aquilo que se pode distribuir de graça. Por isso é que o dirigente ideal para algo como a ACAPOR é um advogado.

Segundo o Nuno Pereira, a ACAPOR «já foi responsável pelo encerramento de 27 sites de partilha de ficheiros ilegais»(1). Agora pedem uma indemnização de 30,000€ a um tal «Humberto Batista, um homem de 31 anos residente nas Caldas da Rainha e administrador do site de streaming não autorizado de obras cinematográficas – www.legendatuga.com»(2). O Nuno não explica o que é um ficheiro ilegal e é difícil perceber o conceito. Um ficheiro digital é apenas, como o nome indica, uma sequência de números. Os tais sites também não são de partilha de ficheiros mas sim de partilha de ligações para onde, noutros sites, se pode encontrar ficheiros. A ACAPOR exige o equivale a condenar por contrafacção quem divulgar a localização da feira de Carcavelos. E até parece que o tal Humberto Batista nem tem muito que ver com o assunto (3). Mas o mais estranho aqui talvez seja o pedido de indemnização.

Vamos ignorar toda esta cegada dos “ficheiros ilegais” e dos “sites de partilha” e fazer de conta que os clubes de vídeo estavam a ser prejudicados por um crime mesmo. Por exemplo, um bando de ladrões tinha assaltado um armazém de DVD em Espanha e, num ataque de generosidade, desatava a distribuir gratuitamente milhares de filmes em Portugal. Já que isto é hipotético, vamos também assumir que o problema dos clubes de vídeo não era toda a gente ter quatro ou cinco canais por cabo a dar filmes o dia inteiro e que a queda nos alugueres se devia aos DVD de borla. Se bem que fosse legítimo a ACAPOR denunciar o crime não faria sentido receberem indemnização por um furto de algo que pertencia a terceiros. Teriam menos lucro, mas o lucro não é um direito que a sociedade tenha de garantir. É isto que se passa com os tais “sites de partilha”. Mesmo que distribuir filmes viole monopólios que a lei concede a alguns estúdios de cinema, a ACAPOR não é detentora desses direitos de distribuição. Como o lucro, por si só, não é um direito, não há razão para a ACAPOR receber os 30,000€ que exige.

Ver o problema nesta perspectiva revela uma falha fundamental no copyright digital. Enquanto que no analógico podemos justificar a concessão de direitos exclusivos ao distribuidor como forma de compensar o investimento que a distribuição analógica exige, a única justificação para o monopólio sobre a distribuição digital é o lucro que de outra forma desaparece por esta distribuição ter um custo marginal praticamente nulo. Mas o lucro não é um direito e não se justifica conceder protecção legal a uma actividade apenas para garantir o lucro. Ao contrário do que alguns defendem, não é verdade que a decisão unilateral de investir num projecto, por si só, dê o direito de cobrar dinheiro a terceiros ou crie algum direito ao lucro que a sociedade tenha a obrigação de proteger.

Esta atitude da ACAPOR mostra como o copyright voltou às origens. No final do século XIX e até quase ao fim do século XX a concessão de direitos exclusivos de distribuição ao autor foi uma forma de mitigar um pouco a vantagem do distribuidor, detentor da infraestrutura industrial da qual o autor necessitava para chegar ao seu público. Não mitigava muito mas sempre era melhor do que o que acontecia antes, quando o copyright servia simplesmente para diminuir a concorrência entre distribuidores. Mas o propósito original destes direitos de cópia foi a censura. Foi isso que levou, em 1557, o rei Filipe e a rainha Maria* de Inglaterra a conceder à Worshipful Company of Stationers and Newspaper Makers(4) o direito exclusivo de imprimir obras e até o poder de policiar os copistas clandestinos e destruir “livros ilegais”, um concito análogo ao dos “ficheiros ilegais” do Nuno Pereira. O propósito não era, obviamente, o de incentivar a criatividade e promover o acesso às obras mas precisamente o contrário, censurar tudo o que não estivesse de acordo com os interesses de quem estava no poder.

Com o copyright digital temos novamente esta situação. O monopólio sobre sequências numéricas é necessariamente censura porque governa informação em abstracto. O Nuno Pereira fala em “ficheiros ilegais” mas não se pode especificar quais as sequências de bytes que são legais e quais são ilegais porque há sempre operações algébricas que permitem calcular umas a partir das outras. O que se vê, na prática, é a necessidade de regular a troca de informação sob todas as formas, condenando até como criminoso quem cria um fórum onde utilizadores possam informar-se acerca de onde descarregar ficheiros.

* Os dois. Maria I, rainha de Inglaterra e da Irlanda, casou com Filipe das Astúrias com um contrato de co-regência.

1- Tek, ACAPOR: 27 sites fechados e mais duas queixas-crime a caminho
2- ACAPOR, ACAPOR apresentou acção contra administrador do site Legendatuga
3- Tugaleaks, Legendatuga encerrado depois da ACAPOR publicar online os dados do dono errado
4- Wikipedia, Stationers' Company. Recomendo também The Surprising History of Copyright and The Promise of a Post-Copyright World, no Question Copyright.

66 comentários:

  1. Eu por acaso até tenho uma dúvida muito grande:

    Em Frankfurt vivo numa zona histórica. Portanto não posso ter parabólica. A Tv cabo é uma boa porcaria e a única forma que tenho de aceder às séries e programas é ver on line ou fazer o download.

    Como os alemães não regulam bem da cabeça e se algo é proibido os gajos nem lhes passa pela cabeça fazer, não uso emule ou torrents para fazer downloads.

    Nessa opção além de descarregar o ficheiro também estou a distribuir.

    Agora se eu vou a um site que me permite descarregar ou assistir ao vivo estou a cometer alguma ilegalidade?

    Eu creio que não.

    Se eu no Sousa da Ponte colocar fotos intimas, tiradas contra a vontade das pessoas, ao arremedo da mais elementar educação estou a violar a intimidade das vitimas. É certamente proibido. Se tiver acesso a uma grelha de resolução dum exame do Ludwig e a publicar estou a violar deliberadamente uma série de leis.

    Agora quem acede ao Sousa da Ponte e vê não me parece que cometa qualquer ilegalidade. Pode ter chegado lá por acaso, nem ter percebido que eram imagens roubadas, etc e etc.

    Ora a minha questão, senhores doutores, é a seguinte:

    Há alguma lei que me proíba de ver, no conforto do meu lar, sozinho, sem partilhar com mais ninguém, qualquer conteúdo que alguém tenha colocado on line ?

    Eu voluntariamente nem guardo os ficheiros. Certamente ficarão zilhões de pedaços no disco mas sem a minha vontade ou consentimento.


    Eu tenho conseguido, sem grande esforço, ver as séries todas que me interessam e o que é mais à hora que me apetece. Ainda não me aconteceu não conseguir encontrar um filme que queira ver.

    Do ponto de vista moral isto mete-me alguns engulhos. Se não pudesse ver de borla e com esta facilidade já tinha pago ao meu kanaka de confiança para a horas discretas colocar sub-repticiamente uma parabólica no telhado.

    É que na Alemanha quem não tiver um kanaka e um libanês de confiança está perdido.

    Isto ia-me fazer pagar, além do kanaka, à empresa de tv cabo que por sua vez ia pagar alguma coisa aos produtores das séries e filmes e incentivá-los a fazer mais.

    Se muita gente fizer como eu o que pode acontecer é que os produtores não tenham estimulo para produzir séries e filmes. Nem o kanaka para subir ao telhado pela calada da noite com uma parabólica debaixo do braço.

    Questão número dois :

    Se liberalizarmos a cópia digital será que vou ter séries e filmes para ver?

    PS:

    Não insistam que não sub-alugo nem o kanaka nem o libanês.
    São meus!

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  2. Outra questão tem a ver com a sequência de bits e bytes....

    Imagina que me convidas para desfrutar num serão em tua casa, com Whisky muito velho, um Coiba e muitas piadas - algumas porcas - acerca do Perspectiva.

    A dada altura tens de aceder ao home banking - e logo daquele que certamente tens nas ilhas virgens onde residem as poupanças da família longe do malévolo olhar do Gaspar - e, num gesto de grande confiança deixas-me ver os códigos.

    Eu, sob os efeitos do whisky e do charuto publico no Sousa da Ponte não os códigos mas os links para uma página onde após algumas operações simples matemáticas que quiser pode ter acesso à tua conta.

    Ora quando me tivesses amarrado numa cadeira, com a família toda munida de mocas de rio maior e paus com pregos na ponta.

    Mesmo o elemento mais jovem da família e me tirasses a mordaça para eu dizer algo em minha defesa eu ia dizer algo do gênero:

    - que não divulguei os códigos, aquilo era só um link e eram bites e bytes, eram algarismos....lindos como tu e a tua simpática família....mas se a criança deixasse de me bater com o pau com o prego na ponta nas partes intimas a conversa certamente fluiria melhor....ai ! ui! e que nem eram os códigos eram fórmulas - xissa que o caco de vidro na uretra dói que se farta - e que eram tudo operações.....



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    1. Já tinha tentado explicar a mesma ideia ao Ludwig, mas nunca de forma tão... peculiar ;)

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    2. as i-dei-as tuas parecem as septimamas du lud with wig

      In Southern California, Palm Springs peaked at 122F (50C) while the mercury hit 111F (44C) in Lancaster and 117F (47C) in Baker. The strip of gas stations and restaurants between Los Angeles and Las Vegas is known by travelers for a giant thermometer that often notes temperatures in the triple digits.

      National Weather Service meteorologists John Dumas said cooling ocean breezes haven't been traveling far enough inland to fan the region's overheated valleys and deserts. In Northern California, record-breaking temperatures were recorded in Sacramento, where the high was 107F (42C); Marysville reached 109F (43F); and Stockton saw 106F (41C).
      Las Vegas heat wave Elvis impersonator Cristian Morales wipes sweat from his brow while standing out on The Strip posing for photos with tourists in Las Vegas. Photograph: Julie Jacobson/AP
      Cooling stations were set up to shelter the homeless and elderly people who cannot afford to run their air conditioners. In Phoenix, Joe Arpaio, the famously hard-nosed sheriff who runs a tent jail, planned to distribute ice cream and cold towels to inmates this weekend. Officials said personnel were added to the Border Patrol's search-and-rescue unit, because of the danger to people trying to slip across the Mexican border. At least seven people have been found dead in the last week in Arizona after falling victim to the brutal desert heat.
      ide passear no desert ó kamel

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  3. Não creio que a ACAPOR tenha sorte com o pedido de indemnização. Nem a associação nem seus os membros são detentores de quaisquer direitos de autor ou conexos que tenham sido violados. Creio que já a PGR referiu isso naquele despacho de arquivamento das 2000 queixas por partilha de ficheiros.

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  4. Sousa da Ponte,

    "Há alguma lei que me proíba de ver, no conforto do meu lar, sozinho, sem partilhar com mais ninguém, qualquer conteúdo que alguém tenha colocado on line ?"

    Não estou, de forma alguma, a par da legislação alemã, mas creio que não. Da mesma forma que comprar um DVD "pirata" numa feira também não é ilegal. Ilegal é vendê-lo. Há uns anos um eurodeputado propôs incluir numa directiva europeia um artigo que fazia equivaler o acesso a conteúdos não autorizados a receptação de material roubado, precisamente para permitir (legalmente falando) perseguir quem faz o simples download ou streaming. Tecnicamente seriam outros quinhentos. É muito difícil apanhar quem o faz, sem violar a privacidade de comunicações de uma forma brutal (tipo NSA). A coisa não passou e ainda bem. Era um principio perigoso. Quem vê um filme num canal de TV também não sabe se está devidamente autorizada a sua transmissão. Parte do principio que está, e havendo algum problema é entre o canal e os detentores de direitos de autor sobre o filme. Com a tal norma, bastava um erro de um canal de TV para tornar criminosos todos os espectadores. Não fazia sentido.

    De resto, já li algures que a Alemanha tinha um conceito de Cópia Privada bastante abrangente que, tal como em Espanha, os tribunais começaram a aplicar à partilha de ficheiros, considerando-a portanto legal. E na Alemanha tudo quanto é dispositivo de armazenamento digital paga taxas, nada meigas, para o compensar. Nos últimos anos tem havido alterações à lei para o contrariar. Começaram por especificar, tal como há quem tenha intenções de fazer em Portugal, que Cópias Privadas só podem ser feitas a partir de "fontes legais". Não chegou. Creio que alteraram novamente a limitar aos "amigos" qualquer eventual partilha de cópias. E agora os tribunais andam a discutir a definição de "amigo". É um dilema curioso o da "indústria cultural" que quer limitar cada vez mais a Cópia Privada, mas não quer reduzir as taxas que os consumidores pagam por elas, que é uma fonte de receitas interessante. Cá em Portugal querem aumentá-las ao estilo francês e alemão.

    "Se liberalizarmos a cópia digital será que vou ter séries e filmes para ver?"

    Na minha opinião, sim vamos continuar a ter muita coisa para ver. Nos últimos anos a cópia digital tem vindo a ser liberalizada, não na lei é certo, mas na prática. E o que se vê é cada vez mais séries e filmes, com orçamentos cada vez mais elevados (na música então foi um aumento explosivo no número de álbuns publicados, apesar das queixas das editoras). A grande maioria das pessoas continua a pagar uma assinatura de cabo, que financia as séries, e as receitas de bilheteira dos cinemas globalmente têm batido records todos os anos.

    Vários estudos indicam que quem "saca" coisas de sites "ilegais" é quem mais gasta em ofertas legais também. Óbvio... são aqueles que se interessam mais e o "sacar" é uma forma de cultivar o vício quando não há dinheiro para tudo.

    Têm também surgido serviços autorizados online que concorrem com sucesso contra os "ilegais". Como o Spotify, Hulu e Netflix, que com pequenas mensalidades ou publicidade dão acesso quando e onde se quiser a grandes bibliotecas de música, séries e filmes. Nos EUA o uso de torrents tem vindo a cair nos últimos anos, e não foi por causa de medidas repressivas, foi por causa do Netflix e Hulu. Contrasta com a França onde perseguiram os partilhadores de ficheiros sem grande sucesso. Sem ofertas legais convincentes fugiram para sistemas de download e/ou streaming puro (sem a detectável partilha), e não se verificou o esperado aumento de vendas.

    No fundo a grande maioria do pessoal que "saca da net" são potenciais clientes, actualmente mal servidos pela oferta legal. Tal como o Sousa da Ponte, que está mal servido pela TV por cabo, e não pode meter uma parabólica. Se quer ver o que quer, ou vai aos sites "ilegais" ou mete uma parabólica ilegal.

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  5. Obrigado Nelson.

    Penso que a próxima guerra de copyright vai começar quando as impressoras 3 d forem baratas....

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  6. Sousa (e João Vasco),

    Penso que há aqui um mal entendido. O meu ponto não é de que tudo o que envolva números é legal. É evidente que se eu espancar alguém até me dizer o seu código do multibanco e depois usar esse número para lhe roubar dinheiro cometo um crime. O meu ponto é apenas o de que os números não são objecto adequado para direitos de propriedade ou monopólios. Ou seja, se o código do desgraçado for 1234, mesmo sendo ilegal espancá-lo e usar o código para lhe roubar dinheiro, isto não o torna dono do 1234 nem torna ilegal que alguém publique o número 1234.

    Há casos, como esse que tu ilustras, em que é possível usar números para cometer crimes de violação de privacidade, devassa da vida íntima, etc (não sei se o teu exemplo seria um desses, mas é possível pensarmos nesses casos). Há casos em que, usando números para alterar sistemas de segurança ou maquinaria pesada, se pode até matar alguém. Tudo isso deve ser punido por lei, mas nada disso justifica direitos de propriedade ou monopólios sobre números, em que se inclui ficheiros de computador.

    É até justificável a censura para proteger a privacidade. Por exemplo, se o João Vasco descobre uma preferência tua por práticas sexuais socialmente condenadas, pode-se justificar condená-lo se ele divulgar essa informação, sob que forma o faça. Incluindo usando números. Isto por assumirmos que o direito à privacidade nesses casos é superior à liberdade de divulgar essa informação. Mas isso é assumidamente censura, e justificável como tal.

    A minha objecção é apenas a que os números sejam objecto de direitos de propriedade e de monopólios. Primeiro, porque as sequências de números já estão todas no domínio público. Temos milénios de tradição no uso livre de sequências numéricas. Em segundo lugar, porque não é possível delimitar esses direitos de propriedade ou monopólio de forma clara que estabeleça quais os números de uso livre. Por exemplo, se tens um monopólio sobre o 1234 um espertalhão pode criar um blog chamado “Soma um” e escrever lá 1233. Finalmente porque o que está em causa aqui é a troca de informação, e essa só se pode impedir pela censura. Há casos em que a censura se justifica – por exemplo, para impedir que se conheça os detalhes sórdidos da tua vida sexual – mas não se justifica por meros interesses económicos como se passa no caso do copyright.

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    1. AS VÁRIAS FASES DO DEBATE DO LUDWIG COM OS CRIACIONISTAS:

      Já repararam que o Ludwig foge dos criacionistas como o diabo da cruz? (Algo semelhante aconteceu ao João Vasco...)

      Mas nem sempre foi assim. Importa recordar como tudo começou, tendo em mente as diferentes fases do debate.

      1) Numa primeira fase, o Ludwig provocou orgulhosamente os criacionistas com alguns artigos sobre Jónatas Machado e a teoria da informação.

      2) Numa segunda fase procurou discutir com criacionistas 1) autodescrevendo-se como macaco tagarela, 2) dizendo que o DNA não codifica nada mas que afinal codifica alguma coisa, 3) afirmando um dever de racionalidade sem conseguir fundamentá-lo racionalmente, 4) dizendo que as Falésias de Dover provam a evolução, 5) dizendo que a chuva cria códigos, 6) afirmando que todo o conhecimento é empírico sem qualquer evidência empírica nesse sentido, 7) dizendo que a meiose e a mitose criam DNA, entre muitos outros disparates.
      Nesta fase, ele disse algumas coisas acertadas: gaivotas dão gaivotas, moscas dão moscas, lagartos dão lagartos, alguns órgãos perdem funções, etc. Os criacionistas concordam com esta parte.


      3) Numa terceira fase, esses argumentos foram respondidos pelos criacionistas.

      4) Numa quarta fase, esses argumentos e as respectivas respostas foram repetidamente publicados no blogue.

      5) Numa quinta fase, o Ludwig começa ficar calado, porque percebeu que, não existindo provas de evolução, tudo o que dizia era usado contra ele...

      6) Numa sexta fase, o Ludwig prefere mesmo bater em retirada, vitimizar-se e ir fazer queixa à mãezinha…

      7) Numa sétima fase, fase o Ludwig decide interromper pontualmente o seu silêncio com frases sem nexo como "a chuva cria códigos", " a vida não depende de informação codificada" ou "a evolução irracional cria um dever de racionalidade", "a evolução amoral cria valores morais"....

      8) Numa oitava fase, os amigos do Ludwig mostram que já sentem pena dele e tentam defendê-lo… acho bem que tenham pena do Ludwig...

      9) Numa nona fase, os amigos (V.G. Bruce Lose, Barba Rija) do Ludwig decidem fugir à discussão procurando refúgios informativos...

      10) Numa décima fase, o Ludwig tenta provar a evolução discutindo a conduta dos religiosos, embora sem explicar como é que a teoria da evolução gera os valores que ele apregoa… O melhor que o Ludwig consegue fazer é condenar os cristãos com base nos valores… cristãos!

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  7. « Por exemplo, se tens um monopólio sobre o 1234 um espertalhão pode criar um blog chamado “Soma um” e escrever lá 1233.»

    É isso: é uma "espertalhice".

    Mas a Lei não funciona como os algoritmos computacionais. Se a cada espertalhão que usasse esses truques de meia tijela para contornar a Lei os Tribunais respondessem "bolas, essa não estávamos nada a ver" a Lei não funcionaria nem pouco mais ou menos.
    O que acontece é que nos Trinunais julgam-se "intenções", julga-se o "espírito da lei" a não apenas a "letra da lei", e portanto o "espertinho" que divulgar o 1234 nesse cenário hipotético em que não o pode fazer, com esse truque de meia tigela, comete a mesma ilegalidade que cometeria se não usasse o truque - em certos casos a sua situação pode ficar agravada, pois a sua intenção de contornar a lei pode tornar-se mais clara do que a de um individuo que tenha colocado o 1234 mas tenha alguma outra coisa a dizer em sua defesa.

    Este exemplo que encontraste é muito bom, porque é precisamente o mesmo tipo de atitude que estaria associada a quem colocasse um mp3 de uma música e depois fosse alegar que aquilo são senos e cossenos e não está lá o ficheiro .wav.
    Sim, sim, muito espertinho. Teve muita graça. Ora a sentença é...

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  8. Os evolucionistas, tendo como porta voz entre nós um autodenominado "macaco tagarela" (sim, ele chamou isso a si mesmo!) chamado Ludwig Krippahl, acreditam que as mutações e a selecção natural transformam bactérias em bacteriologistas e sapos em príncipes...

    Infelizmente para eles, a literatura científica médica encarrega-se de os refutar todos os dias, mostrando que as mutações e a selecção natural degradam e eliminam informação genética, causando doenças e morte.

    Mais uma vez isso pode ser confirmado, num estudo sobre genes e sistema linfático...

    O que eles observam,

    "Rare, inheritable lymphatic disorders are thought to be caused by gene mutations, many of which are unknown."

    "...we were able to image lymphatic abnormalities in both a patient and a mouse model that harbored similar mutations known only to be associated with vascular malformations."

    Os evolucionistas gostam de dizer que os criacionistas não ligam aos dados da ciência. Mas a ciência é mesma para ambos. E ninguém apresenta mais notícias científicas neste blogue do que os criacionistas.

    E a ciência mostra que as mutações são evidência de corrupção (de que a Bíblia fala) e não de evolução (nunca vista mas sempre imaginada)...

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  9. O João Vasco juntou-se ao clube dos amuados... ...os evolucionistas mostram-se intelectual e emocionalmente débeis... ...o que se passa com eles?

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  10. O LUDWIG ERRA: VIOLA O DEVER DE RACIONALIDADE SEMPRE QUE AFIRMA A SUA EXISTÊNCIA!

    A certa altura, o Ludwig referiu-se a um dever de racionalidade a que, alegadamente, todos estamos subordinados.

    O problema do Ludwig é que, por causa da sua visão ateísta e naturalista do mundo, não consegue justificar racionalmente a existência desse dever de racionalidade.

    Em primeiro lugar, se o nosso cérebro é o resultado acidental de coincidências físicas e químicas torna-se difícil ter certezas sobre a nossa própria racionalidade.

    Não é por acaso que o Ludwig se autodescreveu como “macaco tagarela” quando é certo que o próprio Charles Darwin punha em causa a fiabilidade das convicções que os seres humanos teriam se fossem descendentes dos macacos.

    Em segundo lugar, se Universo, a vida e o homem são fruto de processos cegos, aleatórios e irracionais, não se vê como é que de uma sucessão naturalista de acasos cósmicos pode surgir qualquer dever, e muito menos um dever de racionalidade.

    Já David Hume notava o que há de falacioso em deduzir valores e deveres (que são entidades imateriais) a partir de processos físicos.

    O Ludwig é o primeiro a dizer que não existem deveres objectivos e que toda a moralidade é o resultado, em última análise, de preferências subjectivas arbitrárias.

    Na verdade, se a visão ateísta do mundo estiver correcta, quando afirma que o Universo, a vida e o homem foram o resultado de processos irracionais, a ideia de que existe um dever de racionalidade é, em si mesma, totalmente arbitrária, porque destituída de qualquer fundamento racional.

    Ou seja, o Ludwig mostra a sua irracionalidade porque sempre que afirma o dever de racionalidade o faz sem qualquer fundamento racional.

    Ele viola o dever de racionalidade sempre que afirma a sua existência.

    O dever de racionalidade existe apenas se for verdade que o Universo e a vida foram criados de forma racional por um Deus racional que nos criou à sua imagem e semelhança e nos dotou de racionalidade.

    Apesar da corrupção moral e racional do ser humano, por causa do pecado, continuamos vinculados por deveres morais e racionais porque eles reflectem a natureza do Criador.

    Daí o dever de racionalidade.

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  11. Estimado Sousa Ponte

    O Génesis é claro, até uma criança percebe. Ele diz que Deus criou o Universo em seis dias. Leia e veja.

    O problema é que não é só o Génesis. Toda a Bíblia confirma isso e edifica sobre a Criação e a Queda.

    O problema dos "especialistas" é que não acreditam no que a Bíblia diz e querem reinterpretá-la.

    Mas ela diz o que diz. A coisa é bem fácil. O problema é talvez ser demasiado fácil. Até uma criança imediatamente percebe.

    Talvez tenha sido por isso que Jesus disse que temos que nos fazer como crianças para entendermos.

    Essa é a dificuldade dos "especialistas"...

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  12. João Vasco,

    Podes criar uma lei que proíba que digam mal do governo. Os juízes terão de considerar a intenção, o contexto, a opinião do acusado e assim por diante, mas é possível, e muitos países têm coisas dessas. Podes fazer o mesmo com os ficheiros. Por exemplo, supõe que fazes um ficheiro que é o XOR entre uma música do Quim Barreiros que compraste no iTunes e um .txt com as obras completas de Shakespeare. Nesta legislação, distribuíres esse ficheiro será legal se a intenção for que as pessoas que compraram a música do Quim Barreiros possam obter o ficheiro com as obras de Shakespeare, que estão no domínio público, mas será ilegal se a intenção for que outros possam obter a música a partir do ficheiro de texto das obras de Shakespeare. Os juízes avaliarão o contexto e as tuas intenções e decidirão conforme lhes pareça melhor.

    Por questões de valor, tenho duas objecções quanto a isto. Primeiro, é censura, indo muito além da regulação da cópia que, por exemplo, te podia proibir de publicar um desenho do Rato Mickey mas não de publicar um texto com as instruções para desenhar o Rato Mickey. E, em segundo lugar, é uma bosta de lei que deixa tudo ao critério arbitrário do juiz.

    Mas tirando este meu juízo de valor, há também um problema prático mais objectivo. Nem os detentores destes monopólios querem uma coisa tão vaga e incerta, nem o sistema de justiça tem a capacidade para estar a avaliar as intenções de toda a gente. Por isso o que isto resultaria, na prática, era num sistema em que simplesmente se proibia a divulgação do XOR entre a música e as obras de Shakespeare com a justificação de que aquele ficheiro podia ser usado para obter a música.

    O problema disto é a álgebra. O mesmo argumento se aplica não só ao ficheiro das obras de Shakespeare como a qualquer ficheiro. Para voltar à analogia do 1234 e a espertice do soma mais 1, nota que se pode fazer o mesmo com soma mais n, com qualquer n, e mais qualquer operação ou conjunto de operações algébricas.

    Ou seja, se quiseres criar monopólios legais sobre conjuntos de números, precisas de ter um juiz a decidir arbitrariamente caso a caso porque é impossível estabelecer qualquer conjunto de regras que, ao mesmo tempo, garanta a um o monopólio sobre aqueles números que decidiu publicar e permita que outros números possam ser divulgados. Esse juiz terá de decidir em função não das mensagens trocadas mas da intenção e forma como são interpretadas. Isso não só é censura, pondo os interesses comerciais à frente de direitos muito mais importantes, como nunca funcionaria na prática.

    O bottom line é que é estupidez conceder monopólios sobre números. Não funciona, não faz sentido e só tentar atropela coisas bem mais valiosas do que o lucro das editoras.

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    1. Ludwig,

      «Para voltar à analogia do 1234 e a espertice do soma mais 1, nota que se pode fazer o mesmo com soma mais n, com qualquer n, e mais qualquer operação ou conjunto de operações algébricas.»

      Mas a analogia era excelente precisamente por causa da facilidade com se compreende que a intenção do "1233" "soma mais um" é contornar a lei.
      Ninguém gosta de deixar as coisas completamente ao critério dos juízes e não dos legisladores, seja em que caso for. E ninguém gosta de basear condenações em julgamentos de intenção incertos e por provar. Mas o exemplo do "soma mais um" que acabaste de dar, é claro para qualquer pessoa razoável que "o espírito da lei" que proíbe a divulgação do "1234" proíbe também esse tipo de truquezinhos. Usamos "Juízes" (e não algoritmos) para aplicar a lei também para lidar com essas situações.

      A questão da censura diz respeito a saber se o "1234" pode ser divulgado ou não.
      Se não puder, é verdade que a aplicação da lei fiel ao seu espírito constrange ligeiramente mais a comunicação que a aplicação da lei estritamente fiel à "letra da lei". A primeira proíbe os tipos de comunicação que têm como objectivo evidente contornar a segunda. Mas digamos que quem considerar aceitável a proibição de divulgar "1234" em princípio também considerará aceitável a proibição de divulgar "1233 e soma um". Se não, está muito enganado a respeito de como funcionam as leis, a da facilidade com que poderiam ser contornadas se não fosse dada qualquer margem aos juízes para fazerem julgamentos de intenções quando elas são tão transparentes.

      Agora, se disseres que concordas comigo que no caso do "1233+1" a intenção é evidente, mas que no caso do ficheiro .mp3 (que lido pelo winamp e ligado às colunas dá um som igual ao .wav em causa) a intenç~«ao pode ser codificar uma imagem original, então aí temos uma noção das probabilidades muito diferente...

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  13. O Ludwig diz:


    "O bottom line é que é estupidez conceder monopólios sobre números."

    O problema é que a informação não se reduz a simples sequências de números ou de letras ou outros símbolos (v.g. nucleótidos)...

    Só quem não percebe isso é que pode fazer afirmações estúpidas como "o DNA não codifica nada" ou "a chuva cria códigos"...


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  14. Por falar na frase idiota do Ludwig de que "o DNA não codifica nada", o Ludwig e o João Vasco podem tentar outra vez mostrar que a Bíblia está errada quando afirma que a vida foi Criada pela Palavra de Deus.


    Há uns meses foi publicado, na revista Cell, um estudo interessante sobre o alfabeto do controlo genético das estruturas e funções dos seres vivos...

    Os autores do estudo diziam:

    "The genome is like a book written in a foreign language, we know the letters but cannot understand why a human genome makes a human or the mouse genome a mouse,"

    Um livro? Interessante! A Bíblia ensina que a vida foi criada pela Palavra de Deus...

    Os cientistas diziam ainda:

    "...the basic machinery of gene expression is similar in humans and mice, and that the differences in size and shape are caused not by differences in transcription factor proteins, but by presence or absence of the specific sequences that bind to them."

    Ou seja: evidência de um Criador comum, que programa diferentes instruções para obter diferentes géneros de seres vivos...

    Tal como a Bíblia ensina...



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  15. A tecnologia trouxe problemas de direitos de autor que nem a ficção cientifica previu.

    O problema é bicudo mas parece-me que passa por uma solução como nas ameaças e injurias. Nestes casos o juiz tenta perceber, no caso concreto, se houve ou não animus injuriandi.

    Isto é se o senhor a quando chamou ao senhor b filho da puta o fez com intenção de injuriar. É diferente no Porto e em Lisboa, temos de ter em conta o meio social e por aí fora.

    Dificilmente uma lei geral e abstrata pode definir, e por região, as expressões e gestos que sejam injuriantes ou não.

    Desde logo por uma lista de expressões injuriantes era fácil de dar a volta. Filho duma grande puta era a expressão número 13 considerada sempre injuriante logo quando eu quisesse foder o policia sem chatices chamava-lhe nº 13. Que não estava na lista.

    No caso dos direitos de autor há algo de parecido.

    Parece ser pacifico que os autores tem direito a serem remunerados pelo seu trabalho e que se cópias com tanta qualidade como os originais forem livres os autores vão ter pouco estimulo à produção.

    Por outro lado a fiscalização pode implicar uma intromissão intolerável na privacidade. Por outro lado pode-se questionar a ilegalidade de ver uma coisa que é publica como um site na internet.

    Portanto parece-me que será necessário inventar um sistema legal que satisfaça a todos e que seja praticável e que não viole as liberdades individuais.

    Ora vamos ver um caso que no futuro nem me parece impossível.

    Um nerd descobre um algoritmo que consegue encontrar no número pi filmes. Por esse algoritmo, sabendo que todas as combinações possíveis se encontram lá, ele descobre que o casablanca começa no algarismo 173663534343353553534 e que o ultimo filme do cinema e em HD começa no 88484848487726726298766225.

    Não contente com isso, os nerds são assim, descobre um algoritmo que através de fotos de rosto de domínio público localiza a sequência onde se encontra um tiff, em altíssima resolução, com teor pornográfico e gay e - suprema perfídia um cão.

    Os nerds gostam de partilhar a nerdisse com o mundo.

    Vai daí o moço publica um site apenas com algarismos. Sabemos que é o ponto de inicio e o bom do Sousa farta-se de ver filmes.

    Um dia o Sousita tecla um número e o que lhe sai:

    Uma foto a cores, em alta resolução, pornográfica, gay e com cão. O problema é que um dos rostos é o Sousa, outro o Perspectiva, o Ludwig e o Mats.

    O Sousita espuma de raiva. Dada a rápida distribuição destas coisas no próximo almoço com a mãe e a sogra e após se desculpar por chegar tarde por causa do trânsito vai ouvir risinhos abafados e a dizer que isso do trânsito parece-lhes ktreta....

    O nerd bem podia argumentar que se limitou a distribuir um algarismo. Até podia defender-se que esse algarismo foi por mero acaso.

    Não há dúvidas que ninguém tem direitos sobre o pi ou sobre qualquer algarismo.

    Aqui a única forma, descoberto o nerd, seria o juiz julgar a intenção e não o meio.

    Parece-me é que é um problema quase insolúvel.O nerd em vez de distribuir os números podia disponibilizar o software e quem quisesse podia descobrir sozinho onde estava o filme ou fotos dos senhores ministros e logo com cão e tudo.

    AÍ a coisa até se complicava porque que cometia a ilegalidade era o usuário do software. O nerd safava-se pondo um aviso "Proibido usar contra a lei".


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  16. A única solução que me parece razoavelmente possível seria uma associação de produtores que criassem um site de descarga de todos os filmes e musicas existentes. Rápido, fácil de utilizar e gratuito. Se esse site existisse desincentivava outros sites de fazerem o mesmo. Contavam o número de downloads e recebiam dum imposto qualquer uma quantia por download.

    Claro que já estou a imaginar um produtor a fazer um robot que faça o download e assim enganar o sistema. Um sistema muito complicado de detectar os robots ia tornar o site tão complicado que incentivava a criação de outros.

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  17. João Vasco,

    «Mas a analogia era excelente precisamente por causa da facilidade com se compreende que a intenção do "1233" "soma mais um" é contornar a lei.»

    É importante distinguir entre contornar a lei e respeitar a lei. Se o limite de velocidade é 120km/h e andas a 119km/h não estás a contornar a lei; estás a respeitá-la. E a diferença entre respeitar a contornar deve estar clara na lei.

    Se a lei for “é proibido divulgar a informação necessária à reprodução não autorizada da obra”, então descrever como se desenha o Rato Mickey será uma violação da lei. Se a lei for “é proibido agir com intenção de reduzir os lucros do distribuidor” então uma crítica negativa pode violar a lei. Se a lei for “é proibido distribuir cópias” é preciso distinguir entre o que é cópia e o que não é cópia. O problema que eu aponto surge porque a lei é desta última forma e não das outras. Se tu sugeres alterar a lei de forma a ignorar o conceito de cópia e focar a limitação da troca de informação ou a intenção da pessoa, preciso de uma proposta minimamente concreta para poder distinguir entre os casos em que se respeita a lei e os casos em que se tenta violá-la contornando os mecanismos de controlo.

    Na lei que temos, não é proibido agir de forma a reduzir os lucros dos distribuidores nem é proibido fornecer toda a informação necessária à reprodução fiel da obra, mesmo sem autorização, porque a lei restringe a distribuição de novas cópias. Por exemplo, é legal partilhares um livro que compraste com todos os teus amigos mesmo que o faças com a intenção expressa e pública de privar o distribuidor dessas vendas (assumindo que compraste mesmo o livro; cada vez mais o modelo de negócio é vender licenças e com isso ficas sem qualquer direito...).

    Com este tipo de legislação, a aplicação ao domínio digital tem o problema fundamental de não ser possível definir o que é a cópia de forma a aplicar a lei. Se dizes que 1233 é cópia de 1234 porque há um n que somado a um resulta no outro, tudo passa a ser cópia de tudo. Se limitas esse n então é trivial respeitar a lei distribuindo algo que não é legalmente cópia.

    Se propões resolver isto alterando fundamentalmente a legislação, então, em primeiro lugar, estás já a concordar comigo que o direito de cópia não se pode aplicar ao domínio digital. E, em segundo lugar, tens de propor algo mais concreto para podermos discutir. Eu concordo contigo que em muitos casos é fácil perceber que a intenção é apreciar a obra sem pagar. Mas se tu proíbes actos com base na intenção de obter a obra sem pagar prescindindo da noção de cópia vais ter de alterar drasticamente a forma como a lei funciona, porque há muitas coisas legais (e legítimas) que fazemos que permitem a outros apreciar a obra sem pagar. Por isso, parece-me importante apresentares uma proposta minimamente concreta para podermos decidir se é viável.

    A minha é esta: se, e só se, a sociedade achar que é importante subsidiar certas actividades culturais sem ser por via dos impostos, então esse apoio deve ser na forma de um direito de comparticipação dos lucros da exploração comercial da obra. Por exemplo, o autor (realizador, etc) tem direito a 5% dos lucros durante 10 anos. Este direito não deve dar o poder de impedir a divulgação da obra (isso o autor tem à partida, pelo seu direito à privacidade) nem deve afectar usos sem fins comerciais. Isto parece-me que é claro e simples de implementar porque a parte financeira já é bastante controlada para efeitos fiscais, pelo que a cobrança aí não devia ser difícil (há fugas, mas essas têm de ser combatidas de qualquer forma) e não depende de um juiz, em cada um de centenas de milhões de casos diários, decidir sobre a intenção do acusado.

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    1. «É importante distinguir entre contornar a lei e respeitar a lei. Se o limite de velocidade é 120km/h e andas a 119km/h não estás a contornar a lei; estás a respeitá-la.»

      Sim. Mas esse exemplo não tem nada a ver com o "1233+1". No caso do "1233+1" o objectivo é claramente fazer algo ilegal - dizer o "1234" que a lei proíbe.
      No caso de andar a 119km/h não é esse o objectivo. Aliás, muitas vezes faz-se o contrário: a lei é aplicada preferencialmente sobre quem anda consideravelmente acima dos 120km/h e não ligeiramente acima. O "espírito da lei" não é o de distinguir entre quem anda a 121 de quem anda a 119, mas sim o de distinguir quem anda a 140/160/200/etc.. de quem anda a 90/110/119/etc.
      De forma alguma quem viaja a 119km/h viola o espírito da lei.
      Agora o indivíduo que fosse a andar a 200km/h na direcção contrária à rotação da terra, mas num paralelo tal que pudesse argumentar que no referencial do eixo ele não está a violar os 120km/h, ainda era capaz de ser penalizado só por "perder o tempo do Tribunal" com essa "brincadeira" que ninguém levaria a sério. Ninguém iria acrescentar à lei os referenciais de inércia a que se referem, porque é claro para todos.

      «Se dizes que 1233 é cópia de 1234 porque há um n que somado a um resulta no outro, tudo passa a ser cópia de tudo.»
      Mas ninguém falou em cópia.
      Eu falei de situações em que o objectivo de um acto é claramente contornar a lei.
      Lembra-me os miúdos, que como não podiam dizer palavrões, soletravam-nos. O sistema de justiça não é tão parvo, e não anda (ou não deve andar, se estiver bem construído) a acrescentar leis "a posteriori" para cada "chico esperto" que tenta contornar as leis desta forma. Quando é evidente a intenção de ilegalidade, quando o acto vai claramente contra o espírito da lei, o juiz usa o seu bom senso (sim, a sociedade confia nos juízes para isso) e condena o "Chico esperto".
      Isto não é uma questão de copyright, ou cópias, ou seja o que for, é simplesmente a forma como a lei funciona em geral.
      É válido para as questões dos homicídios, dos furtos, para tudo e mais alguma coisa.


      «Mas se tu proíbes actos com base na intenção de obter a obra sem pagar prescindindo da noção de cópia vais ter de alterar drasticamente a forma como a lei funciona, porque há muitas coisas legais (e legítimas) que fazemos que permitem a outros apreciar a obra sem pagar.»

      Eu não proponho nada a este respeito - nesta discussão, pelo menos.
      Vejamos: eu não estou a discutir se devia ser ou não legal divulgar o "1234". Eu estou a partir da assumpção que não é, e a dizer que nesse caso o acto de divulgar "1233+1" está na mesma categoria.

      Tu estás a resumir agora a tua posição geral face ao copyright. Eu nem estou a contestá-la. Estou a dizer que o facto dos ficheiros estarem codificados em .wav, .mp3 ou seja o que for não faz diferença. Eu percebo que um caso seja análogo ao "1234" e o outro ao "1233+1", mas a lei considera as "chico-espertices com intenção óbvia de a contornar" igualmente ilegais.

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    2. (Nota: em princípio perto do Polo Norte não existe o limite dos 120 km/h - mas para efeitos do argumento imaginemos que sim...)

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  18. Sousa,

    «O problema é bicudo mas parece-me que passa por uma solução como nas ameaças e injurias. Nestes casos o juiz tenta perceber, no caso concreto, se houve ou não animus injuriandi.»

    A lei que condena alguém por chamar palhaço a outro é uma aberração. Se queres “resolver” o problema do copyright com uma lei dessas, acho que estás é a criar um problema maior. Nota também que a violação destes monopólios, se for crime, é um crime que praticamente toda a gente comete várias vezes por dia. Não é prático levar a malta toda diante do juiz para este apreciar se houve animus do que quer que fosse.

    E mesmo isto teria o problema de lidares com um meio sem convenções firmes. Como tu notas:

    «Isto é se o senhor a quando chamou ao senhor b filho da puta o fez com intenção de injuriar. É diferente no Porto e em Lisboa, temos de ter em conta o meio social e por aí fora.»

    Mas quando não há essas convenções, não tens forma de resolver isto. Por exemplo, se eu definir X como “o pior insulto de todos” e disser “o Sousa é um X” não me parece que o juiz me vá condenar, mesmo que, por definição, eu te tenha insultado da pior forma possível... No domínio digital é tudo convenções arbitrárias.

    «Aqui a única forma, descoberto o nerd, seria o juiz julgar a intenção e não o meio.»

    Nem isso. Imagina que há uma monumento romano antigo e desgastado onde as letras já mal se vêem, mas, há hora certa, parece ler-se lá um insulto ao Presidente da República. Se alguém escrever no blog “vão lá ler o que está naquele monumento às 3 da tarde” não me parece que seja considerado culpado por injúrias ao Presidente. Pelo menos, não deveria ser por qualquer lei minimamente razoável.

    Este problema já ocorreu na prática. Por exemplo, quando várias pessoas divulgaram que uma forma simples de contornar algum DRM nos CD é premindo a tecla Shift quando se insere o CD, porque, no Windows, isto desactiva o autorun. Claramente a intenção era que se contornasse o DRM, e isso é ilegal, mas, que eu saiba, ninguém foi condenado por isto e seria absurdo se fossem. Pelo que conheço destes problemas, uma lei baseada nas intenções seria uma péssima ideia...

    «Contavam o número de downloads e recebiam dum imposto qualquer uma quantia por download.»

    Receberem de um importo um subsídio para criar obras acho bem. Receberem por download faz tanto sentido como o cabeleireiro receber pelo número de vezes que alguém diz do cabelo da cliente “olha, que bem que ficou”.

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  19. João Vasco,

    « No caso do "1233+1" o objectivo é claramente fazer algo ilegal - dizer o "1234" que a lei proíbe.»

    Depende da lei. Uma dificuldade grande que estou a sentir nesta conversa é discutirmos uma lei que tu não especificas qual é.

    A lei que temos é explícita acerca da cobertura do monopólio: abrange formas específicas de exprimir certo conceito mas não o conceito em si. Nessa linha, seria de esperar que a lei concedesse monopólio sobre, por exemplo, “1234” como forma particular de exprimir o conceito de 1234, mas não, por exemplo, sobre “1233+1” porque o monopólio não é sobre o conceito mas sim sobre aquela forma de o exprimir.

    Infelizmente, quando a lei que temos é aplicada ao domínio digital, consideram que “1233+1” é uma cópia de “1234”, e que por isso é a mesma forma de exprimir o conceito 1234, e fazem isto com qualquer forma de exprimir esse número. É esta lei que eu digo ser inconsistente.

    O problema de pôr o juiz a decidir se esta lei é contornada ou respeitada é o problema da lei ser contraditória. Por um lado, restringe o monopólio a expressões materiais específicas e excluí os conceitos em si mas, por outro, diz que qualquer codificação de um certo número é coberta pelo monopólio sobre uma codificação específica desse número, o que equivale a conceder um monopólio sobre o conceito em si.

    Não sei se estou a perceber bem a tua posição (falta-me detalhes para ter confiança nisto) mas parece-me que tu queres que o juiz resolva esta contradição caso a caso considerando a intenção do acusado. Mas isto presume uma lei muito diferente, porque a intenção do acusado não tem nada que ver com a decisão de permitir ou não que o monopólio sobre uma expressão material de um conceito abranja todas as representações possíveis do conceito. Não excluo a possibilidade de considerarmos uma lei fundamentalmente diferente (até é o que acho que teremos de fazer) mas para a discutir preciso que me indiques, pelo menos, qual o seu fundamento e objectivos...

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  20. «Por um lado, restringe o monopólio a expressões materiais específicas»

    Depende daquilo que consideras "expressões materiais específicas". Como tu sabes, as letras são uma abstracção nossa (o que existe são moléculas de tinta no papel, etc...) e aquilo que consideras a "expressão material específica" de um livro é uma cadeia de caracteres, que já de si é uma abstracção imaterial e não uma "expressão material específica" se levarmos os conceitos até ao limite.

    Em última análise bastaria um mudar a "fonte" para dizer que as "imagens" estão completamente diferentes, e portanto a expressão material específica do livro é diferente.

    E como não existe nenhuma forma da lei limitar que "desenhos" se referem a qualquer dos caracteres (deixa isso ao "bom senso" de todos) levado ao limite eu posso dizer que qualquer desenho se arrisca a ser interpretado como sendo a cadeia de caracteres que corresponde a uma obra protegida - é sempre possível codificar um conjunto de caracteres de forma a que isso aconteça.

    Isto parece-te familiar? Sim, é o teu argumento contra os .mp3. Se os considerarmos igual ao .wav respectivo, onde é que isto vai parar? É sempre possível codificar o .wav de infinitas maneiras, portanto um pobre coitado pode muito bem mandar um bitmap original que acaba por ser a banda sonora da guerra das estrelas. E o malvado do juiz a ter de assumir intenções...

    Pois, só que como vês, esse tipo de argumento não precisa de senos e cossenos nem .mp3 para ser usado. Com a cadeia de caracteres que consideras "expressão material específica" (quando no limite não passa de uma abstracção) os mesmos problemas já se colocam. Basta levar os conceitos ao limite e deixar claro que nunca se pode assumir um mínimo de bom senso.

    O que me impressiona é que não compreendas que fora deste assunto específico do copyright, nunca se pode usar esse tipo de critérios quando se lida com a Lei.

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  21. Ministério da Cultura francês e a agência HADOPI criada para combater a "pirataria" online estão ambos a lançar estudos independentes sobre a possibilidade de legalizar a "partilha de ficheiros não comercial" e remunerar autores de alguma forma.
    http://www.numerama.com/magazine/26386-revolution-la-hadopi-propose-une-pseudo-licence-globale.html

    A HADOPI é a agência que aplica em França o sistema de "resposta gradual", que a ACAPOR queria ver implementado também em Portugal, em que são enviados até 3 avisos a quem for apanhado (na prática, acusado por empresas privadas, com provas falíveis) de partilhar ficheiros protegidos por direitos de autor, após os quais há uma potencial multa (aplicada em apenas 3 casos) e/ou corte temporário do acesso à internet (aplicado pela primeira vez há 1 ou 2 semanas).

    É interessante ver a HADOPI depois de 3 anos em que até conseguiu reduzir alguma coisa o P2P, mas sobretudo por empurrar utilizadores para meios de download puro ou streaming, e sem impacto positivo nas vendas e receitas da indústria cultural, admitir que é um fenómeno "complexo, migratório e resiliente". Numa palavra, imparável. Tal como tantos de nós andamos a dizer há 10 anos.

    Será que vamos ver uma "revolução francesa" neste campo?

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  22. João Vasco,

    Eu não sinto dificuldade em compreender que o juiz tenha de considerar vários factores quando o caso vai a tribunal. E há casos, como homicídios, em que é importante considerar todos os detalhes. Tenho alguma dificuldade em compreender como é que podes aplicar este tipo de leis a algo como o copyright. Também podíamos pensar em melhorar o limite de velocidade pondo o juiz a considerar o estado do automóvel, a idade e habilidade do condutor, as condições climatéricas e assim e decidir, caso a caso, se a velocidade era excessiva ou não. Mas isso seria demasiado complexo para o número de decisões que teriam de tomar, e por isso a lei dá a cada condutor uma forma clara de distinguir entre o que é legal e o que é ilegal.

    No copyright também é assim, fora do domínio digital:

    «1 – Consideram-se obras as criações intelectuais do domínio literário, científico
    e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, que, como tais, são protegidas
    nos termos deste Código, incluindo-se nessa protecção os direitos dos
    respectivos autores.
    2 – As ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os
    conceitos, os princípios ou as descobertas não são, por si só e enquanto tais,
    protegidos nos termos deste Código.»

    Não há um limite bem definido como nos 120km/h, mas há formas claras de distinguir entre o que é e o que não é permitido. Por exemplo, não podes mandar ao Sousa uma cópia de um desenho do Rato Mickey. Mas podes descrever o processo de desenhar o Rato Mickey, processo esse que não pode ser alvo de protecção por esta lei, e transmitir a descrição do processo ao Sousa com a intenção de que o Sousa possa reproduzir o desenho sem autorização dos detentores do monopólio. Isto não é uma tentativa de contornar a lei. Isto é respeitar a lei, tanto na letra como no espírito, porque esta lei não visa censurar a informação em si mas sim certas expressões concretas da criatividade humana.

    Isto funciona bem em linguagem natural porque todos nós conseguimos facilmente distinguir o desenho do Mickey de um texto que descreve como desenhar o Mickey. O aspecto é completamente diferente. Não é preciso perguntar a um juiz nem a lei precisa de considerar as intenções. O monopólio sobre o desenho não cobre o processo de obter o desenho, e pronto.

    O problema de transpor isto para o domínio digital é que esta regra não funciona. No papel consegues distinguir facilmente, e claramente, entre o desenho e a descrição do processo. Nos bits não há diferença, porque a codificação é arbitrária.

    Tu propões resolver isto perguntando ao juiz qual será a intenção do acusado, mas isso é uma lei radicalmente diferente de qualquer uma que eu conheço acerca destes monopólios, e é por isso que preciso de que a descrevas em mais detalhe para perceber o que queres fazer. Queres tornar um crime de usurpação de direitos o telefonema ao Sousa a explicar como desenhar o Mickey se for feito com a intenção do Sousa obter um desenho do Mickey sem pagar à Disney?

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  23. Ludwig,

    «Eu não sinto dificuldade em compreender que o juiz tenha de considerar vários factores quando o caso vai a tribunal.»

    Mas a semelhança não era essa. A semelhança é que em ambos os casos (aliás, em todos) o Juiz usa o bom senso para não deixa passar "truques de meia tigela" com o objectivo de contornar o espírito da lei.


    «Não há um limite bem definido como nos 120km/h»

    Cuidado com os 120 km/h, que a lei não estipula o referencial. Agora surge um indivíduo a dizer que usando como referencial o carro do amigo ele estava abaixo desse limite de velocidade, e que portanto a lei não menciona nem referenciais nem intenções, ele está inocente.
    Isso não aconteceria, porque todos sabemos que o Juiz usaria o seu bom senso para rejeitar por completo uma defesa tão ridícula.
    Não menos ridícula que "Eu não disse 1234, disse 1233+1. Dei instruções para chegar ao código, é muito diferente!".

    «Por exemplo, não podes mandar ao Sousa uma cópia de um desenho do Rato Mickey. Mas podes descrever o processo de desenhar o Rato Mickey»

    O meu comentário anterior é todo ele uma resposta a esta suposta distinção "clara". Como se qualquer forma de enviar uma cópia à distância (mesmo que no formato .bmp, ou por fax) não pudesse ser ela própria considerada uma descrição muito precisa do processo de desenhar a imagem. Que eu saiba a "imagem propriamente dita" não viaja pelas linhas telefónicas.

    Vou repetir o que escrevi, porque ignoraste completamente:

    «Depende daquilo que consideras "expressões materiais específicas". Como tu sabes, as letras são uma abstracção nossa (o que existe são moléculas de tinta no papel, etc...) e aquilo que consideras a "expressão material específica" de um livro é uma cadeia de caracteres, que já de si é uma abstracção imaterial e não uma "expressão material específica" se levarmos os conceitos até ao limite.

    Em última análise bastaria um mudar a "fonte" para dizer que as "imagens" estão completamente diferentes, e portanto a expressão material específica do livro é diferente.

    E como não existe nenhuma forma da lei limitar que "desenhos" se referem a qualquer dos caracteres (deixa isso ao "bom senso" de todos) levado ao limite eu posso dizer que qualquer desenho se arrisca a ser interpretado como sendo a cadeia de caracteres que corresponde a uma obra protegida - é sempre possível codificar um conjunto de caracteres de forma a que isso aconteça.

    Isto parece-te familiar? Sim, é o teu argumento contra os .mp3. Se os considerarmos igual ao .wav respectivo, onde é que isto vai parar? É sempre possível codificar o .wav de infinitas maneiras, portanto um pobre coitado pode muito bem mandar um bitmap original que acaba por ser a banda sonora da guerra das estrelas. E o malvado do juiz a ter de assumir intenções...

    Pois, só que como vês, esse tipo de argumento não precisa de senos e cossenos nem .mp3 para ser usado. Com a cadeia de caracteres que consideras "expressão material específica" (quando no limite não passa de uma abstracção) os mesmos problemas já se colocam. Basta levar os conceitos ao limite e deixar claro que nunca se pode assumir um mínimo de bom senso.

    O que me impressiona é que não compreendas que fora deste assunto específico do copyright, nunca se pode usar esse tipo de critérios quando se lida com a Lei.»

    Se és tão radical a dizer que a única coisa que um .mp3 tem de igual a um .wav é a "ideia" que não está protegida, só falta explicares porque é que o mesmo não se aplica ao próprio .wav. Em última análise nem os discos de vinil estão a salvo: nenhum é uma cópia perfeita, as moléculas que os compõem não são as mesmas. As únicas semelhanças já correspondem a um nível de abstracção que está no mundo das ideias, e portanto não pode ser protegido.

    Quando se perde de vista o bom senso, chegamos a estes absurdos.

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  24. João Vasco,

    «Se és tão radical a dizer que a única coisa que um .mp3 tem de igual a um .wav é a "ideia" que não está protegida, só falta explicares porque é que o mesmo não se aplica ao próprio .wav.»

    Penso que há aqui um mal entendido acerca da minha posição. Eu não defendo que um .wav de 20 MB seja igual ao um mp3 de 3MB. Pelo contrário. A minha posição é que são sequências de números diferentes, com tamanhos diferentes e valores diferentes. Mas isso não é a parte relevante.

    De todas as coisas que podes fazer num papel com canetas, facilmente distinguimos aquele conjunto que são desenhos do Rato Mickey, o conjunto que são desenhos do Batman e o conjunto que são descrições de processos. Em abstracto, não podes conceber regras explícitas que façam esta distinção em todos os casos se tivermos total liberdade de fazer corresponder marcas no papel a qualquer significado porque, nesse caso, podias fazer um ponto no papel, dizer que aquilo representa a imagem do Rato Mickey e ir preso por violação de copyright. Mas há enviesamentos cognitivos e convenções sociais estabelecidas que permitem facilmente a cada um de nós dizer se estamos perante um desenho do Batman, do Rato Mickey ou de uma descrição de algum processo.

    Aproveitando isto, a lei internacional nos últimos 130 anos determinou que umas pessoas podem ter direitos exclusivos de cópia dos desenhos do Rato Mickey, outras do Batman e ninguém pode ter direitos exclusivos de cópia ou transmissão de processos. Desta forma conseguiu-se um equilíbrio entre o subsídio da reprodução e distribuição, por um lado, e a liberdade de expressão por outro.

    Precisamente por a lei fazer esta distinção, nunca concedeu monopólios sobre a cópia de sequências de números. Se escreveres 1234 num papel não podemos distribuir fotocópias desse papel porque aquela exteriorização da tua ideia é protegida. Aquela figura, aspecto, caligrafia, cores, etc, naquela combinação. Mas nunca a lei te dará o direito de impedir outros de transmitir o 1234, o 1233+1 ou qualquer outra combinação de dígitos que queiram, porque isso está fora do âmbito desta lei.

    Tudo isto exige juizos, caso a caso, para distinguir entre a cópia da obra ou uma descrição não monopolizável de algum processo, operação algébrica, número, etc. Mas por causa dos enviesamentos cognitivos e das convenções sociais com as quais crescemos, todos nós podemos fazer isso facilmente na maioria dos casos sem recurso a um juiz.

    Um ponto importante aqui que devo salientar é que o objectivo e âmbito da lei não é impedir a troca de informações. É precisamente por isso que deixaram toda aquela parte mais abstracta fora dos monopólios. Tu tens o direito legal de dar a qualquer pessoa a informação necessária para que esta possa reproduzir o desenho do Batman ou do Rato Mickey. Não podes é distribuir cópias desses desenhos. Esta distinção sempre foi parte fundamental do copyright.

    No domínio digital isto torna-se impossível. Podes realmente fazer um juízo acerca das intenções, mas isso muda por completo o fundamento destes monopólios, que passam a ser uma forma de censura, algo que os legisladores sempre tiveram o cuidado de evitar até que os distribuidores tomaram conta do processo legislativo.

    O problema que eu aponto não é que o wav seja igual ao mp3. O problema é que nas sequências de números não podes fazer estas distinções essenciais entre o que é um desenho do Rato Mickey, um soneto de Camões ou que está no domínio público ou uma descrição de um processo que não é susceptível de monopólio. Já para n~ºao falar no problema de que as sequências de números nunca foram susceptíveis de monopólios destes precisamente porque a sua relação com qualquer significado é arbitrária e não está restrita pelos enviesamentos e convenções sociais dos quais esta legislação necessita.

    Daí que a única alternativa que tu vês seja a censura. Ou seja, permitir ou impedir a transmissão de certa informação conforme a intenção do emissor e do receptor e o significado que dão à mensagem.

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  25. «De todas as coisas que podes fazer num papel com canetas, facilmente distinguimos aquele conjunto que são desenhos do Rato Mickey, o conjunto que são desenhos do Batman e o conjunto que são descrições de processos. Em abstracto, não podes conceber regras explícitas que façam esta distinção em todos os casos se tivermos total liberdade de fazer corresponder marcas no papel a qualquer significado porque, nesse caso, podias fazer um ponto no papel, dizer que aquilo representa a imagem do Rato Mickey e ir preso por violação de copyright. Mas há enviesamentos cognitivos e convenções sociais estabelecidas que permitem facilmente a cada um de nós dizer se estamos perante um desenho do Batman, do Rato Mickey ou de uma descrição de algum processo.»

    Exacto!!

    Enviesamentos cognitivos e convenções sociais estabelecidas.

    Não podes levar os conceitos "ao limite", existe um sentido de "bom senso" dificilmente explicitável formalmente que justifica a existência de juízes, e cuja importância e razão de ser acabaste de reconhecer.

    Quando dizes que o mp3 não é um ficheiro que tem uma música mas sim uma descrição de um processo de a criar, estás a levar os conceitos ao limite, mas esqueces-te que o mesmo se aplica ao .wav, a qualquer tipo de formato que permita gravar a música (em última análise, quem a cria são as colunas, e o suporte permite às colunas criá-las).

    Qualquer pessoa reconhece a que um ficheiro zip de uma cadeia de texto é "a" cadeia de texto e não uma descrição de como a criar. Não é propriamente como uma descrição minha do livro - permite descrever o livro EXACTAMENTE. E se bem que nalguns formatos para guardar imagens ou som exista alguma perda de informação, essa perda é tão insignificante (não é nada como uma descrição que uma pessoa faça de uma música, livro ou imagem), e o processo de criar o original a partir desse ficheiro é tão acessível, que os «enviesamentos cognitivos e convenções sociais estabelecidas» chamam ao .mp3 "música" e não "descrição da música".

    «Daí que a única alternativa que tu vês seja a censura. Ou seja, permitir ou impedir a transmissão de certa informação conforme a intenção do emissor e do receptor e o significado que dão à mensagem.»

    Nada disso, porque nós não estamos a discutir o que é que eu acho que devia ser a lei, se devia censurar ou não.

    O que eu digo é que a distinção que fazes entre o .wav e o .mp3 não tem razão de ser do ponto de vista da lei. Em toda a tua discussão sobre o copyright foi esse o ponto em que sempre tiveste menos razão. Quem compreenda o que escreves fica com a sensação que "tudo serve" para atacar o copyright, por mais absurdo que seja. E o absurdo de dizer "se não podemos dizer 1233+1, então estamos tramados porque qualquer número que coloquemos pode ser transformado em 1234" só te tira razão. Se acreditas que devias poder escrever "1234" à vontade, defende isso, sem distinguires entre "1233+1" e "1234", porque essa distinção lembra os miúdos que achavam que não fazia mal dizer palavrões desde que fossem soletrados...

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  26. João Vasco,

    «Qualquer pessoa reconhece a que um ficheiro zip de uma cadeia de texto é "a" cadeia de texto e não uma descrição de como a criar. Não é propriamente como uma descrição minha do livro - permite descrever o livro EXACTAMENTE.»

    Nem todos os algoritmos de compressão descrevem o original exactamente. Além disso, a descrição ser exacta é irrelevante. Supõe que eu faço um desenho que é um círculo de 5cm de raio centrado a 7cm da margem esquerda e da margem do topo numa folha A4. Este texto, “um círculo de 5cm de raio centrado a 7cm da margem esquerda e da margem do topo numa folha A4”, descreve exactamente o meu desenho mas nem é o meu desenho nem a sua distribuição viola a lei porque a lei especifica que descrições destas não são passíveis de estar sob monopólio.

    Outro problema com esta tua alegação é ser falsa. Faz a experiência. Escreve um soneto de Camões num ficheiro de texto e guarda com o nome texto1.txt. Comprime esse ficheiro e chama ao resultado texto2.txt. Abre ambos com o notepad e pede a alguém para te dizer se acha que são o mesmo texto. A menos que a pessoa consiga aplicar o zip de cabeça e saiba de cor todos os códigos ASCII, o mais certo é dizer-te que não.

    É claro que se processares o segundo ficheiro com um algoritmo adequado vais obter um ficheiro de texto com o ficheiro original. Mas isso também é verdade para o texto “7z¼¯'xþ)6^<Ôµ"›Š'Õ÷"cjw›×Ž¤&o_‚•V• ©–y”I†0ˆŸw÷@é©_¥±...”. É possível obter um soneto de Camões a partir deste se aplicares um conjunto adequado de transformações aos caracteres (até tirei isto de um txt com um soneto de Camões comprimido com o 7zip, como se vê nos primeiros dois caracteres). Mas penso que concordas que é absurdo afirmar que “7z¼¯'xþ)6^<Ôµ"›Š'Õ÷"cjw›×Ž¤&o_‚•V• ©–y”I†0ˆŸw÷@é©_¥±...” é um soneto de Camões. O resultado de aplicar o 7zip ao texto de um soneto de Camões não é o mesmo texto.

    A inconsistência da tua posição pode-se ilustrar com o já batido exemplo do desenho do Mickey e das instruções para desenhar o Mickey. Se ambos estão no papel, toda a gente, incluindo tu e eu, concordará que não são a mesma coisa. Um é o desenho, sob copyright, e outro é um texto a descrever como fazer o desenho e que não pode estar sob copyright. Mas se digitalizarmos os dois e criarmos um programa que execute as instruções e agora tu já dizes que o txt das instruções é o jpg do desenho. Isto, proponho, é absurdo. Não faz sentido que as mesmas instruções que a lei expressamente exclui de qualquer monopólio quando estão no papel passem a ser violação de copyright quando transcritas no notepad.

    Daí a minha posição de que os princípios fundamentais do qual a lei de copyright depende não se podem aplicar a representações algébricas. Problema, aliás, que não é novidade nenhuma. Nota que nunca se aplicou o copyright a equações ou sequências de números nem podes registar uma sequência de números como obra original. De letras sim, desde que numa linguagem que se perceba e que não seja a mera descrição de um processo, acontecimento, descoberta, etc, mas de números não. Nem mesmo que digas ao juiz que aqueles números, por uma transformação adequada, resultam num poema maravilhoso. Nesse caso ele dirá para registares o poema que o copyright não é para números.

    Uma coisa muito boa que resultou desta discussão. A tua insistência no problema da marosca para contornar e abusar da lei é muito acertada, se bem que no alvo errado. O copyright aplicado ao domínio digital é precisamente essa marosca e abuso. Por isto: o copyright não se pode aplicar a sequências de números, mas o pessoal vem e diz ah, e tal, isto não são números, são músicas, textos e desenhos, e por isso agora é tudo nosso. E mesmo que em vez do ficheiro mp3 escreverem um ficheiro de texto com um número entre 0 e 255 por linha indicando os valores numéricos do ficheiro mp3, vamos dizer que são a mesma coisa porque podem converter um no outro. Isso é que é esperteza de abusador :)

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  27. "Nem todos os algoritmos de compressão descrevem o original exactamente."

    Ai essa citação que fizeste... Omitiste "E se bem que nalguns formatos para guardar imagens ou som exista alguma perda de informação, essa perda é tão insignificante (não é nada como uma descrição que uma pessoa faça de uma música, livro ou imagem), e o processo de criar o original a partir desse ficheiro é tão acessível, que os «enviesamentos cognitivos e convenções sociais estabelecidas» chamam ao .mp3 "música" e não "descrição da música"."

    Que era suficiente para dispensar essa observação.


    « Supõe que eu faço um desenho que é um círculo de 5cm de raio centrado a 7cm da margem esquerda e da margem do topo numa folha A4. Este texto, “um círculo de 5cm de raio centrado a 7cm da margem esquerda e da margem do topo numa folha A4”, descreve exactamente o meu desenho»

    Mas essa descrição não está num formato automatizável a partir do qual se construa a imagem original de forma trivial.
    As pessoas consideram que o .mp3 é a música, mas não consideram que "essa" descrição da imagem seja a imagem. Os "enviesamentos cognitivos e convenções sociais estabelecidas" mostram a diferença.

    «Outro problema com esta tua alegação é ser falsa. Faz a experiência. Escreve um soneto de Camões num ficheiro de texto e guarda com o nome texto1.txt. Comprime esse ficheiro e chama ao resultado texto2.txt. Abre ambos com o notepad e pede a alguém para te dizer se acha que são o mesmo texto. A menos que a pessoa consiga aplicar o zip de cabeça e saiba de cor todos os códigos ASCII, o mais certo é dizer-te que não.»

    Que experiência tão gira. Só que o texto1.txt já está a ser interpretado (descodificado) para ser reconhecido como o soneto de Camões. O texto1.txt são zeros e uns e como (quase) ninguém conhece a tabela ASCII de cor, se vir ambos os origninais vai colocá-los na mesma categoria: "zeros e uns que é incapaz de decifrar" mas que o computador transforma trivialmente num soneto de Camões - e portanto ambos são um "soneto de Camões" codificado.

    «A inconsistência da tua posição pode-se ilustrar com o já batido exemplo do desenho do Mickey e das instruções para desenhar o Mickey»
    Mas quando levas as coisas ao limite, como continuas a fazer de forma inconsistente (mesmo depois de, na mensagem anterior, teres percebido que não podem ser levadas ao limite), esqueces-te que o próprio .bmp do rato mickey pode ser encarado como um conjunto de instruções para criar a imagem. "Neste pixel põe esta cor". O que lá está não é uma imagem: são zeros e uns. Na verdade, se enviar a imagem por fax, posso dizer que enviei as instruções para a outra máquina de fax construir a imagem, e não enviei imagem nenhuma. É o que dá levar as coisas ao limite como insistes em fazer.

    (continua)

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  28. «Daí a minha posição de que os princípios fundamentais do qual a lei de copyright depende não se podem aplicar a representações algébricas.»
    Qualquer ficheiro de computador é uma representação algébrica. Mesmo um .wav ou um .bmp ou um .txt.
    "De letras sim" - num computador elas também são uma representação algébrica.
    "Nem mesmo que digas ao juiz que aqueles números, por uma transformação adequada, resultam num poema maravilhoso." - por essa lógica, nem o .txt do poema pode ser protegido.

    "Isso é que é esperteza de abusador"
    Sim, sim. E as pessoas que chamam aos ficheiros .mp3 "músicas" (toda a gente) estão todas a soldo dos advogados da indústria.
    A tua posição não é razoável, mas eu percebia o teu erro pela dificuldade de formalizar explicitamente a fronteira e pela subjectividade de proibir "1234" e "1233+1" mas não "abcd". Quando compreendeste que passava por "enviesamentos cognitivos e convenções sociais estabelecidas" fiquei com esperança.

    Tens razão: é por causa desses enviesamentos cognitivos e convenções sociais estabelecidas que podes proteger o .txt com o soneto de Camões e não levar a tua lógica da "descrição" ao limite. Só que o mesmo se aplica aos .mp3 ou .txt zippados. A trivialidade com que uma máquina converte automaticamente esses ficheiros num indistinguível do original (como acontece com o .wav e .txt) faz com que as pessoas considerem - e bem - o .mp3 na mesma categoria que o .wav, ou um .jpg na mesma categoria que um .bmp ou as "instruções via fax" para desenhar o rato Mickey.

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  29. João Vasco,

    «por essa lógica, nem o .txt do poema pode ser protegido.»

    Exacto. Penso que estás a assumir uma inconsistência na minha posição que não existe.

    A lei internacional do copyright, durante mais de um século de existência, excluiu explicitamente a álgebra e as sequências de números de qualquer protecção, seja em que representação fosse. Por exemplo, nunca poderias exigir copyright sobre uma configuração das contas de um ábaco nem sobre uma lista de números, nem sobre uma sequência de operações de uma máquina de calcular.

    Sendo o computador uma máquina de calcular que processa listas de números e os guarda na versão electrónica de um ábaco, eu defendo que nada no computador deve ser sujeito a copyright sob pena de termos inconsistências.

    A diferença mais importante está aqui:

    «Só que o texto1.txt já está a ser interpretado (descodificado) para ser reconhecido como o soneto de Camões.»

    Quando tens o texto representado no ecrã ou escrito no papel ou numa fotocópia ou declamado em público, a interpretação é feita pelo cérebro do leitor ou ouvinte de acordo com convenções culturais e com os enviesamentos e limitações cognitivas dos seres humanos. É esse conjunto de convenções culturais, enviesamentos e limitações que permitem o copyright funcionar porque permitem uma distinção consensual fácil entre aquilo que o copyright designa monopólio de um, o que designa como monopólio de outro e o que exclui de monopólio. Por exemplo, as instruções para fazer um desenho e o desenho.

    Quando estendes o suporte a coisas como cassetes, discos e assim por diante, a coisa complica-se um pouco mas as limitações tecnológicas fazem o papel das limitações neurológicas e o sistema ainda funciona. Podes estender o monopólio aos rolos de papel perfurado das pianolas ou ás cassetes porque, na prática, essa codificação não é arbitrária. Está limitada pela tecnologia que não é fácil de alterar.

    Mas quando usas um computador genérico e representas tudo como sequências de dígitos deixa de haver esse conjunto de limitações, cognitivas ou tecnológicas, das quais o copyright depende. Por exemplo, se «Mas essa descrição não está num formato automatizável a partir do qual se construa a imagem original de forma trivial.» é razão para permitir a divulgação livre desse tipo de descrição, basta em seguida criar um programa capaz de receber um ficheiro de texto com algo como “um círculo de 5cm de raio centrado a 7cm da margem esquerda e da margem do topo numa folha A4” e mandar para a impressora o desenho correspondente. Nos tempos da impressora de Gutemberg ou do gira-discos isto não era um problema relevante porque era, na prática, impossível fazer estas coisas. Com os computadores isto é trivial e essa facilidade destrói as barreiras das quais o copyright depende.

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  30. «Mas quando levas as coisas ao limite, como continuas a fazer de forma inconsistente (mesmo depois de, na mensagem anterior, teres percebido que não podem ser levadas ao limite),»

    “Levar ao limite” é uma metáfora enganadora neste caso. Eu concordei contigo que o copyright precisa que se faça um juízo para determinar se algo é uma cópia que viola o monopólio ou se é uma descrição de um processo que não pode ser sujeita a monopólio, por exemplo. Onde discordei foi da possibilidade prática de ter um juiz no tribunal a fazer isso caso a caso, e da legitimidade dessa distinção ser feita em função das intenções da pessoa em vez das características do objecto em causa. Distribuir um texto ou viola o copyright de alguém ou não viola, e isso é independente da intenção com a qual se distribui. A intenção pode influenciar a pena mas não influencia o facto jurídico de violar o monopólio, a menos que a lei seja radicalmente diferente.

    O problema que vejo no domínio digital não tem nada que ver com levar ao limite. É o problema que sempre foi reconhecido com os ábacos, as máquinas de calcular e as listas de números. Não havendo limitações à forma como as combinações de números, posições de contas ou operações algébricas podem representar algo, seja por factores tecnológicos, culturais ou neurológicos, nesse domínio não se pode fazer as distinções entre o que é monopólio de um, o que é de outro e o que não é sujeito a monopólio.

    «Na verdade, se enviar a imagem por fax, posso dizer que enviei as instruções para a outra máquina de fax construir a imagem, e não enviei imagem nenhuma.»

    Esse é um bom exemplo. Num fax como eles existem, se tu meteres no teu fax um texto como “um círculo preto no meio da página, mais dois com metade do tamanho do primeiro a um ângulo de...” etc e me enviares o fax, do meu lado sai o mesmo texto. Não há violação nenhuma de copyright. Se mandares um desenho do Rato Mickey já há violação de copyright. Isto é claro porque é fácil para todos distinguirmos entre o desenho e o texto com as instruções para fazer o desenho.

    Mas imagina que era trivial eu programar o meu fax para processar instruções como aquelas desse texto e gerar, como output, não o texto enviado mas o boneco que resulta de executar essas instruções. Quando tu me mandasses o texto saía do meu fax o boneco. Como aplicamos a lei do copyright mantendo a distinção entre o que é protegido, que é o desenho, e o que é de partilha livre? Proibir-me a mim de programar o meu fax não faz sentido na legislação do copyright porque programar o meu fax para obedecer a esse tipo de instruções não viola copyright nenhum. O desenho pode ser qualquer um e um programa é uma descrição de um processo numa linguagem formal. Proibir-te de me enviar a descrição do processo também é contrário ao espírito e à letra da lei.

    Se propões resolver este problema olhando para a intenção dos intervenientes estás já a admitir que o copyright como o conhecemos não se pode aplicar neste domínio e é preciso uma legislação radicalmente diferente.

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  31. «Num fax como eles existem, se tu meteres no teu fax um texto como “um círculo preto no meio da página, mais dois com metade do tamanho do primeiro a um ângulo de...” etc e me enviares o fax, do meu lado sai o mesmo texto. Não há violação nenhuma de copyright. Se mandares um desenho do Rato Mickey já há violação de copyright.»

    Há, não há?

    Se a tua lógica não distingue um mp3 da primeira imagem, então também não devia distinguir da segunda.
    Nos TRÊS casos (1-"sinais eléctricos que codificam desenho do rato mickey" 2-"zeros e uns do .jpg do rato mickey" 3-"sinais eléctricos que codificam papel com instruções") aquilo que tens são INSTRUÇÕES para que o original seja reproduzido.

    Enquanto que tu queres criar uma distinção artificial e arbitrária - e ridícula, desculpa que te diga - entre o 1 e os restantes (2 e 3), eu proponho uma distinção baseada no bom senso entre o 3 e os restantes (1 e 2). As tais "convenções sociais" que chamam ao .jpg do rato mickey "imagem do rato mickey" mas já não dão esse nome ao papel com a descrição da imagem (em parte porque a conversão desse papel numa imagem (praticamente) indistinguível da original não está automatizada de forma trivial, mas não vale a pena pensares num cenário hipotético em que não seria assim, porque nesse cenário as convenções sociais seriam diferentes das actuais).

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  32. Onde escrevi mp3, substitui por .jpg - já que falamos na imagem do Mickey.

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  33. João Vasco,

    «Se a tua lógica não distingue um jpg da primeira imagem, então também não devia distinguir da segunda.»

    Não há “lógica” que permita distinguir estas coisas. Não existe nenhum conjunto de regras que permita distinguir entre representações simbólicas de um desenho do Mickey, representações simbólicas de um desenho do Batman e representações simbólicas das instruções para fazer um desenho do Mickey que possas usar como fundamento para o copyright. É por isso que o copyright, por necessitar de fazer distinções como estas, depende crucialmente de enviesamentos cognitivos ou limitações tecnológicas. Distingue-se entre o desenho do Mickey, do Batman e as instruções para desenhar o Mickey literalmente a olho. Olha-se para o papel. Distingue-se entre um disco de vinyl do Tony Carreira e um dos Queen pondo no gira-discos e escutando. Isto funciona enquanto as nossas limitações cognitivas ou tecnológicas tornarem irrelevantes a possibilidade de codificar o desenho do Mickey como uma lista de valores RGB escritos no papel ou codificar no Vinyl um conjunto de parâmetros numéricos para equações trigonométricas que representam a música do Tony Carreira.

    «Nos TRÊS casos (1-"sinais eléctricos que codificam desenho do rato mickey" 2-"zeros e uns do .jpg do rato mickey" 3-"sinais eléctricos que codificam papel com instruções") aquilo que tens são INSTRUÇÕES para que o original seja reproduzido.»

    Certo. Quando não tens as limitações tecnológicas, culturais ou cognitivas nas quais te baseares e precisas de ir à procura de diferenças fundamentais o copyright deixa de ser aplicável. É por isso que sempre foi reconhecido como impossível aplicar o copyright a coisas como processos, sequências de números, operações algébricas, etc.

    «Enquanto que tu queres criar uma distinção artificial e arbitrária - e ridícula, desculpa que te diga - entre o 1 e os restantes (2 e 3)»

    Eu não quero criar uma distinção. Eu estou a apontar o facto de, aos nossos sentidos e para o nosso cérebro, um desenho do Mickey é diferente de um desenho do Batman, de um texto a descrever como desenhar o Mickey e de um conjunto de números que representaria o Mickey se convertessemos os valores RGB em cores. Se apresentares estas três coisas em papel a qualquer pessoa essa pessoa vai ver coisas diferentes. É disso que depende o copyright.

    Agora imagina que eu e tu sofríamos de um caso raro de sinestesia e se olhássemos para um papel com números postos em certos sítios o que víamos era o desenho do Rato Mickey. Isso não tornava essa disposição de números no papel uma violação do copyright sobre o desenho do Rato Mickey porque a lei faz a distinção recorrendo à norma dos processos cognitivos e, segundo o que normalmente as pessoas vêem, um papel com um 3 escrito num sítio e um 8 noutro não é um desenho do Rato Mickey.

    Agora imagina que o nosso cérebro era completamente programável e cada um de nós podia decidir, a qualquer momento, como é que o input sensorial era convertido em sensações. Imagina que tínhamos o poder de combinar com alguém qualquer codificação arbitrária para o desenho do Rato Mickey de forma a que a pessoa, ao olhar para essa mensagem (ou ouvir esse som, ou ver as bandeiras a levantar e baixar com aquele ritmo, ou fazer aquela operação algébrica) tinha exactamente a sensação de estar a olhar para um desenho do Rato Mickey. Se o nosso cérebro funcionasse assim não podíamos ter uma legislação de copyright como a que temos, que tenha de distinguir entre o desenho do Batman, o desenho do Mickey e a receita do bacalhau à Brás.

    É isso que se passa no domínio digital.

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  34. «eu proponho uma distinção baseada no bom senso entre o 3 e os restantes (1 e 2)»

    Não dá. Estás-te a deixar enganar pela tua própria terminologia. Não existem «sinais eléctricos que codificam papel com instruções». O que existe é um processo de codificação que faz corresponder sinais eléctricos a certas coisas. Quando o processo de codificação é fixo por limitações cognitivas (quando vês um desenho ou lês um texto) ou tecnológicas tu podes assumir que àqueles sinais eléctricos corresponde aquela coisa (desenho, texto, etc) e assim partir o conjunto de sinais eléctricos naqueles que são monopólio do Chico, os que são monopólio do Manel e os que não são monopólio de ninguém.

    Mas quando o processo de codificação é arbitrário, quando cada coisa pode ser codificada por qualquer sequência de sinais e quando cada sequência de sinais pode codificar qualquer coisa já não podes fazer essa partição. Daí que o copyright tenha sido usado para repartir monopólios sobre sequências de caracteres que representam textos em linguagem natural, onde é possível distinguir entre uma representação do Hamlet de uma representação do Vira do Minho, mas nunca tenha sido aplicado a sequências de números. Apesar de qualquer coisa que se possa codificar com letras seja trivialmente codificável com números.

    «As tais "convenções sociais" que chamam ao .jpg do rato mickey "imagem do rato mickey" mas já não dão esse nome ao papel com a descrição da imagem»

    A convenção que chama ao jpg do Mickey uma imagem do Mickey também chama a um ficheiro de texto com números um ficheiro de texto com números. Mas nota que é trivial codificar num ficheiro de texto com números toda a informação necessária para recriar o jpg do Mickey. Daí a inconsistência da tua posição. Tu tens de depender da convenção para dizer que jpg não pode ser distribuído porque é a imagem do Mickey, mas abandonar a convenção para dizer que um txt não pode ser distribuído porque, apesar de por convenção descrever apenas uma lista de números, isso também é imagem do Mickey porque se pode transformar essa lista nos bytes do jpg.

    Qualquer conjunto de convenções que tu estabeleças para distinguir entre sonetos de Camões e jpgs do Mickey pode ser usado para transmitir toda a informação necessária para recriar os jpgs do Mickey apenas usando sonetos de Camões. Esta é a grande diferença entre o domínio digital e o que havia antes, porque dantes nunca foi prático fazer isto.

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  35. «É por isso que sempre foi reconhecido como impossível aplicar o copyright a coisas como processos, sequências de números, operações algébricas, etc.»

    É por isso?

    Se fosse por isso não terias dito que é trivial aferir que o envio do desenho do rato por fax violava o copyright. Irias insistir que estás a transmitir apenas um processo, uma abstracção, uma ideia, uma sequência de números sujeita depois a operações algébricas de descodificação que o algoritmo da máquina de fax faz.

    Enfim, isto é cansativo. Já não tenho nada de novo para dizer.
    Chegas ao ponto de dizer que a "A convenção que chama ao jpg do Mickey uma imagem do Mickey também chama a um ficheiro de texto com números um ficheiro de texto com números" sem te aperceberes que caso exista uma forma "convencional" que qualquer pessoa usa para converter esses números numa música ou imagem ninguém chama "ficheiro de textos com números".

    Desculpa, mas a esmagadora maioria das pessoas não distingue entre .bmp e .jpg a não ser pelo espaço que ocupam no disco. Qualquer desses ficheiros é a mesma coisa: uma codificação da imagem - e o descodificador é tão acessível que "na prática" o que lá está é a imagem. As pessoas nem se dão conta que existe uma descodificação a acontecer, como no caso da imagem que passa pelo fax. A tecnologia não alterou nada - os cálculos de conversão e compressão podem ser mais complicados, mas isso não tem nenhum impacto nesta problemática, porque continua a ser trivial saber "na prática" o que é que um determinado ficheiro pretende representar, se é um soneto de Camões ou uma imagem do rato Mickey.

    Depois de falares em "convenções sociais" e "enviesamentos cognitivos" tens de recorrer a "situações limite" para levares os conceitos ao limite, e fugires às evidências.

    Sei que nada do que escrevi aqui te irá persuadir. Esta já é uma conversa de surdos, porque quanto mais argumentas mais convencido fico da tua falta de razão neste assunto (e era bem difícil!). Um outro leitor também não verá nada de novo nesta fase da conversa.

    Se não te responder à próxima mensagem não é por não ter resposta, é mesmo por acreditar que a resposta não traria nada de novo à conversa. Já estamos em círculos.

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  36. João Vasco,

    Talvez andemos aos círculos pela minha incapacidade de explicar algo que me parece óbvio. Como mesmo que não te convença é vantajoso melhorar a minha capacidade de me exprimir, vou tentar novamente.

    «caso exista uma forma "convencional" que qualquer pessoa usa para converter esses números numa música ou imagem ninguém chama "ficheiro de textos com números".»

    Existe uma forma convencional (sem aspas, senão é que não nos entendemos mesmo) de representar o Rato Mickey com um certo padrão de cores no papel. Existe uma forma convencional de representar as instruções para desenhar o Rato Mickey. E existe também uma forma convencional de converter as instruções num desenho do Rato Mickey. Mas nota, e isto é muito importante, que o facto de se poder converter as instruções no desenho não quer dizer que as instruções sejam o desenho. Até é por isso que se diz converter. Desta forma, a lei distingue entre o que é objecto de monopólio – o desenho – e o que não é – as instruções – havendo sempre forma convencional de as distinguir.

    No domínio digital tens isto também. Há formas convencionais de representar desenhos do Rato Mickey. Por exemplo, num jpg ou bmp. Há formas convencionais de representar as instruções para desenhar o Rato Mickey. Por exemplo em xml, odt ou txt. E há formas de converter as instruções no desenho. Neste aspecto não há qualquer problema em aplicar a lei tal e qual se aplica fora do domínio digital: aquilo que é convencionalmente uma imagem do Mickey só pode ser distribuído com autorização da Disney, e o que se convenciona ser instruções para fazer o desenho pode ser distribuído livremente mesmo havendo forma de o converter num desenho.

    O problema não está em casos limite. O problema é que no domínio digital isto assenta tudo numa representação algébrica manipulada por computadores genéricos, o que torna trivial qualquer conversão. O resultado é que este esquema, no domínio digital, é inútil para proteger monopólios.

    O resultado é que a lei se transfigura numa lei de censura, em que se ignora a distinção entre o que é ou não coberto pelos monopólios concedidos a obras criativas, mesmo havendo convenções acerca disso, e se olha apenas para o efeito. O que incluir condenar por pirataria quem gere fóruns na net onde se discute onde estão certos ficheiros.

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  37. Ocorreu-me uma forma simples de resumir esta conversa.

    Imagina que eu descrevo o procedimento para desenhar o Mickey mas, em vez de escrever em Português escrevo em javascript. Duas perguntas, assumindo que tu percebes o suficiente de javascript para reproduzir o desenho e que é essa a minha intenção:

    Escrever isto à mão e mandar-te por carta deve ser ilegal por violar os direitos de cópia da Disney?

    Escrever isto num ficheiro html e mandar-to por email deve ser ilegal por violar os direitos de cópia da Disney?


    Se respondes sim a ambas a tua posição é consistente mas isso implica defender a censura como forma legítima de conceder monopólios sobre a cópia, o que não é compatível com a lei que temos neste momento e é uma posição da qual discordo inteiramente.

    Se respondes não a ambas partilhas o meu juízo de valor de que nenhum monopólio sobre a cópia pode legitimar censura, mesmo implicando que o monopólio se torna ineficaz.

    Se respondes não à primeira e sim à segunda já percebeste porque é que a lei de copyright que se aplica fora do domínio digital não protege os monopólios no domínio digital, devido precisamente à facilidade de conversão.

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  38. Ludwig,

    Não me convenceste. No entanto, para te explicar porquê não iria acrescentar nada de novo. Responder às tuas perguntas passaria novamente por referir as convenções sociais, facilidade de automatização, etc e tal...
    Não creio que essa mensagem tenha ajudado a que saíssemos desta conversa em círculos, nem me parece que alguma resposta minha o consiga.

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  39. João Vasco,

    Não percebo porque é que afirmas que a conversa está a decorrer “em círculos”. Começámos com a ideia de que o juiz podia usar o bom senso. Era um pouco vago e não seria prático, mas resolvemos esse problema identificando convenções consensuais que permitem facilmente distinguir coisas como o desenho do Mickey, o desenho do Batman e uma descrição do processo de desenhar estas coisas. Concordámos que essas convenções se aplicam tanto fora como dentro do domínio digital, onde também temos convenções pelas quais um jpg do Mickey é uma imagem e um txt com uma descrição “desenha um círculo preto no centro da página” etc é uma descrição de um processo. E, pelo que me parece, agora estamos de acordo em que a grande diferença entre estes dois domínios é que no domínio digital é fácil automatizar a execução do processo descrito e dessa forma reproduzir a obra protegida.

    Isto não é nada circular. Eu até diria que, comparado com as conversas que normalmente temos por aqui, nesta houve imenso progresso :)

    Sem querer ser chato (mas sem me importar se for ;) gostava de salientar que a lei que temos neste momento exclui categoricamente os processos sem qualquer ressalva acerca da facilidade com que se podem automatizar. Por exemplo, a descrição de um processo pelo qual facilmente se obtém uma máquina de imprimir um milhão de desenhos do Mickey não é violação de copyright nenhum. Esse factor é irrelevante para a lei que temos.

    Posto isto, gostava de te perguntar se achas que devia ser. Ou seja, se achas que a lei deve ser modificada de forma a que descrever um conjunto de instruções passe a ser ilegal sempre que seja fácil usar essas instruções para violar um monopólio sobre a cópia.

    Seja como for, ao identificarmos este problema da facilidade com que as instruções são executadas, já concordamos acerca da necessidade de alterar os fundamentos da legislação para poder defender monopólios no domínio digital. Nota que esta questão dos processos estarem categoricamente fora do âmbito da lei ou poderem ser uma violação de copyright se o juiz decidir que são é uma diferença bastante fundamental. É tão fundamental como a legalização do aborto, em que antes era o juiz que decidia e agora a lei diz que é legal naquelas condições e pronto...

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  41. Ludwig,

    «gostava de salientar que a lei que temos neste momento exclui categoricamente os processos sem qualquer ressalva acerca da facilidade com que se podem automatizar.»

    Desculpa se te soar repetitivo. Eu avisei...

    O problema aqui é aquilo a que chamas processos. Se a "facilidade com que se podem automatizar" influencia a forma como as pessoas consideram que algo é a descrição de um processo ou não, a percepção que as pessoas têm do que é "uma imagem" ou "uma descrição de uma imagem".
    E tu compreendes bem isto porque defendes que o ".bmp" da imagem poderia ser protegido por lei, certo?
    Pelo menos disseste que caso eu enviasse a imagem original por fax, eu violaria a lei. Só que o fax não enviou imagem nenhuma: enviou o processo para reconstruir a imagem.

    Aquilo em que eu insisto é na semelhança entre o envio por fax da imagem, qualquer que seja o formato. Quer seja uma codificação/descrição simples como o .bmp ou codificação/descrição mais complexa como o .jpg, o processo em causa permite reconstruir uma imagem (praticamente) indistinguível da original com tão pouco esforço para o utilizador, que do seu ponto de vista "prático" o ficheiro de zeros e uns "é" o original.

    Portanto a lei não protege "qualquer processo" que dê origem à imagem. Ela protege aqueles processos - e isto inclui aqueles em relação aos quais reconheces que seriam uma violação da lei, como o envio via fax do original do Mickey - que (dadas as convenções sociais, o software disponível e facilmente acessível, a facilidade com que são convertidos automaticamente num indistinguível do original) na linguagem comum chamamos "imagens".

    Podem existir vários problemas com o copyright - a forma como têm de invadir a privacidade das pessoas para poder aplicar a lei de forma que ela não perca o seu significado é o principal - mas ter de usar o bom senso para aferir se um ficheiro "é a imagem" ou não, não me parece uma delas. Só levando os conceitos ao limite é que isso é um problema - ah e tal... podes ter um ficheiro que codifica os resultados da tua experiência, e depois vais a ver existe um método de conversão que torna isso no rato Mickey. Não, isso é um disparate. A probabilidade do método de conversão que faz isso ser minimamente usual, e de eu não ter forma de demonstrar que o ficheiro não era efectivamente uma imagem é absurda.

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  43. Outra observação: "uma cadeia de caracteres" pode facilmente ser vista como a descrição do processo que leva uma impressora a criar livros indistinguíveis do original.

    Se eu usar uma mesma cadeia de caracteres, mas usar tipos de papeis diferentes, estou a produzir "objectos" diferentes.

    Assim vês que o problema que colocas é muito anterior à generalização do computador pessoal. É só uma questão dos "níveis de abstracção" que a lei assume como razoáveis para aferir o que é uma "cópia" e não é.

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  44. João Vasco,

    «Se a "facilidade com que se podem automatizar" influencia a forma como as pessoas consideram que algo é a descrição de um processo ou não, a percepção que as pessoas têm do que é "uma imagem" ou "uma descrição de uma imagem".
    E tu compreendes bem isto porque defendes que o ".bmp" da imagem poderia ser protegido por lei, certo?»


    Só aqui já temos muita margem para progressos :)

    Primeiro, não, não defendo que o bmp possa ser protegido por uma legislação de copyright semelhante à que temos agora. Pode ser protegido por legislação que censure, como as de protecção de privacidade ou assim, mas não pelo monopólio sobre a cópia. Esse considero inaplicável ao domínio digital, ponto final.

    A outra parte também é importante. Não é verdade que a facilidade com que se pode automatizar algo influencie a forma de considerar a descrição de um processo ou não. O que determina se algo se pode considerar a descrição de um processo é o mesmo que determina se algo se pode considerar um soneto de Camões. Lês, e se o que está lá escrito é a descrição de um processo então aquilo é a descrição de um processo. Portanto, um ficheiro de texto que tenha escrito “nas coordenadas 1,1 da imagem misturar 70% de intensidade de vermelho, 90% de intensidade de azul ...” é a descrição de um processo, independentemente de que maquineta tu depois possas ter que faça dali uma mousse de chocolate ou um desenho do Mickey. Da mesma maneira que o texto “O amor é fogo que arde sem se ver...” não deixa de ser um soneto de Camões só por alguém inventar um programa que com aquele input produz ruídos estridentes nas colunas.

    «Pelo menos disseste que caso eu enviasse a imagem original por fax, eu violaria a lei. Só que o fax não enviou imagem nenhuma: enviou o processo para reconstruir a imagem.»

    Se as máquinas de fax funcionam todas da mesma maneira e não podemos pô-las a funcionar da forma que nós quisermos, então é fácil fazer corresponder os sinais enviados pelo fax às imagens a proteger e fazer uma partição do conjunto de sinais possíveis da mesma forma que se faz uma partição do conjunto de imagens possíveis. Estas são da Disney, estas da Marvel, estas toda a gente pode usar. Por isso podes aplicar aos sinais de fax a mesma lei que aplicas às marcas no papel.

    Se cada um de nós tiver controlo completo sobre o nosso sistema nervoso e poder mapear o input em sensação como quiser, então deixas de poder conceder monopólios pela partição das marcas no papel, atribuindo as imagens do Mickey à Disney e as do Wolverine à Marvel, porque isso não vai adiantar de nada. Sem uma correspondência fixa entre marcas no papel e a imagem que as pessoas vêem, bastava reprogramarem o sistema nervoso para ver o Wolverine nas marcas que consideraste de uso livre.

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  45. Quando usas marcas no papel podes depender das restrições do sistema nervoso, que permitem apenas certas interpretações sensoriais. À parte de casos como os de sinestesia, sem grande impacto económico, o pessoal só consegue ver o Mickey se o padrão de marcas for daquele tipo. Com tecnologias como o fax acrescentas uma camada interpretativa mas que é fixa. Ninguém consegue ver o Mickey nos impulsos eléctricos na linha telefónica, mas a máquina que transforma isso em imagem fá-lo sempre da mesma maneira, por isso podes usar o mesmo princípio. Estas sequências de impulsos são da Marvel, estas da Disney e estas de quem as quiser usar.

    Mas se qualquer uma das camadas interpretativas for flexível e permitir mudar o mapeamento à vontade o sistema da protecção da cópia deixa de funcionar. Isto aconteceria no caso hipotético de podermos reprogramar o cérebro para poder ver o desenho do Mickey no número 23 e depois bastava distribuir o 23, e acontece no caso real em que se dizem que os jpg daquele tipo pertencem à Disney mas os txt daquele outro género podem ser partilhados livremente, basta programar essa camada interpretativa que torna bytes em imagens para dar a imagem que queremos a partir do txt em vez de a partir do jpg.

    É por isso que eu acho que podes aplicar a mesma lei aos fax, gira-discos, cassetes, VHS e essa tralha toda, mas a coisa estoira com os computadores.

    «Portanto a lei não protege "qualquer processo" que dê origem à imagem. Ela protege aqueles processos [que] na linguagem comum chamamos "imagens".»

    Seja. Não tenho problema nenhum em aceitar isso. Isso vale para o gira-discos, para a fotografia e para o computador. Há coisas que na linguagem comum chamamos imagem e não o texto que descreve um processo, e essas a lei protege. Jpg, bmp, isso assim.

    O problema é que há outras coisas que na linguagem comum classificamos de processo. Um texto com as instruções para desenhar o Mickey é um exemplo. Essa descrição a lei não cobre. Qualquer pessoa é livre de descrever como desenhar o Mickey. Como no domínio digital tens uma camada interpretativa facilmente configurável, essa descrição pode ser usada para gerar a imagem de forma automática, e isso abre um rombo no monopólio.

    «Podem existir vários problemas com o copyright [...] mas ter de usar o bom senso para aferir se um ficheiro "é a imagem" ou não, não me parece uma delas. »

    Concordo. Não há problema nenhum em distinguir entre um bmp do Mickey e um txt com a explicação de como se desenha o Mickey. Essa parte não é minimamente problemática e já concordei contigo várias vezes. O problema surge é na capacidade de facilmente gerar o bmp do Mickey a partir desse txt.

    Onde discordamos é se tu defenderes que o “bom senso” dita que agora se classifique o texto da explicação como uma imagem só porque alguém escreveu um conversor que calcula o bmp a partir deste. Isso parece-me muito mau senso.

    «Outra observação: "uma cadeia de caracteres" pode facilmente ser vista como a descrição do processo que leva uma impressora a criar livros indistinguíveis do original.»

    Em abstracto talvez. Mas se dependeres do tal “bom senso” das convenções, então a cadeia de caracteres “O amor é fogo que arde sem se ver...” é evidentemente o soneto de Camões e não a descrição de um procedimento, mesmo que possas criar um sistema que o execute como procedimento. O problema do copyright no domínio digital é que este bom senso e convenções funcionam para os dois lados. O mesmo bom senso e as mesmas convenções também dita que , a cadeia de caracteres “7z¼¯'xþ)6^<Ôµ"›Š'Õ÷"cjw›×Ž¤&o_‚•V• ©–y”I†0ˆŸw÷@é©_¥±...” não é um soneto de Camões, e isto independentemente de poderes criar um algoritmo que calcule o soneto a partir desta informação.

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  46. Nota bem onde já chegámos. Concordamos no bom senso, na necessidade das convenções, na necessidade de olhar para a cadeia de bits, caracteres, o que for e avaliá-la à luz dessas convenções.

    A única coisa que falta é perceberes como esse sistema deixa de funcionar se houver uma camada interpretativa capaz de ignorar livremente as convenções.

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  47. «Em abstracto talvez. Mas se dependeres do tal “bom senso” das convenções, então a cadeia de caracteres “O amor é fogo que arde sem se ver...” é evidentemente o soneto de Camões e não a descrição de um procedimento, mesmo que possas criar um sistema que o execute como procedimento. O problema do copyright no domínio digital é que este bom senso e convenções funcionam para os dois lados. O mesmo bom senso e as mesmas convenções também dita que , a cadeia de caracteres “7z¼¯'xþ)6^<Ôµ"›Š'Õ÷"cjw›×Ž¤&o_‚•V• ©–y”I†0ˆŸw÷@é©_¥±...” não é um soneto de Camões, e isto independentemente de poderes criar um algoritmo que calcule o soneto a partir desta informação.»

    O teu grande erro está aqui. Vou supor que essa cadeia de caracteres que mencionas é o zip do txt, para simplificar.

    Se tu vires os zeros e uns originais de ambas as cadeias de caracteres, nenhuma pessoa normal as distingue. Não conhece as tabelas ASCII e aquilo que vê são zeros e uns.

    Mas a pessoa normal considera que ambas as cadeias de zeros e uns são o soneto de Camões, pois sabe que tem acesso a uma máquina que facilmente as converte nas palavras que correspondem ao soneto. Ela não compreende as operações que a máquina tem de fazer para efectuar a conversão, por isso para ela ambas as operações de conversão são igualmente "exotéricas".

    Para ti não é o caso. Vais a uma tabela ASCII e convertes a primeira com facilidade, enquanto que a segunda custa-te mais. Talvez por isso caias no erro de pensar que a segunda tem algo de fundamentalmente diferente da primeira. Não tem, e a pessoa normal que tem igual dificuldade em fazer ambas as conversões está livre dessa tua ilusão.

    Então essa ilusão leva-te a dizer que a segunda é uma "descrição" enquanto que a primeira é o "original" e que o "bom senso" justifica essa distinção. Não, o "senso comum" rejeita-a, e o único "senso" que a justifica é o teu, condicionado que estás por considerares certos processos de conversão automáticos enquanto que outros muito mais sofisticados. Mas não existe alteração de grau. Existem procedimentos comuns, formatos comuns, automatizações acessíveis mesmo a quem não conhece os algoritmos.

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  48. João Vasco,

    «Vou supor que essa cadeia de caracteres que mencionas é o zip do txt, para simplificar.»

    Não. A cadeia de caracteres é o texto, em abstracto. Pode ser instanciado num suporte de muitas formas. Escrito à mão, gravado na pedra ou, num supore digital, num txt em ascii, num txt em utf-8, num doc, pdf, xls, odt, gif, o que quiseres. O ponto importante que quero salientar é que o texto “7z¼¯'xþ)6^<Ôµ"›Š'Õ÷"cjw›×Ž¤&o_‚•V• ©–y”I†0ˆŸw÷@é©_¥±...” não é o texto de nenhum soneto de Camões.

    «Se tu vires os zeros e uns originais de ambas as cadeias de caracteres, nenhuma pessoa normal as distingue. Não conhece as tabelas ASCII e aquilo que vê são zeros e uns.»

    Certo. A esse nível não podemos contar com os enviesamentos cognitivos que usamos com as marcas no papel para distinguir entre o desenho do Mickey, o soneto de Camões e 7z¼¯'xþ)6^<Ôµ"›Š'Õ÷"cjw›×Ž¤&o_‚•V• ©–y”I†0ˆŸw÷@é©_¥±. Pior ainda, temos zeros e uns guardados num aparelho capaz de converter facilmente qualquer sequência de zeros e uns em qualquer outra sequência de zeros e uns. É essa combinação que torna impossível a atribuição de monopólios sobre sequências de zeros e uns. É como se os gira-discos pudessem tocar qualquer música a partir de qualquer disco, com uma relação totalmente arbitrária e à escolha do utilizador e, além disso, tivessem a capacidade de transformar qualquer disco em qualquer outro. Penso que percebes que seria impossível aplicar a lei de copyright nessa situação...

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  49. «Mas a pessoa normal considera que ambas as cadeias de zeros e uns são o soneto de Camões, pois sabe que tem acesso a uma máquina que facilmente as converte nas palavras que correspondem ao soneto.»

    Isto, como regra geral, é falso. Qualquer pessoa que já usou uma calculadora sabe que pode facilmente converter o número 1000 no número 2000 multiplicando por dois. No entanto, nenhuma pessoa de bom senso vai daí concluir que 1000 é 2000. A possibilidade de conversão não implica identidade entre as coisas convertidas. Pelo contrário; quando dizemos que convertemos A em B estamos até a indicar que não consideramos que A e B sejam idênticos, caso contrário não havia conversão.

    O que se passa é que, pelo hábito, convencionamos que quando falamos no soneto de Camões num suporte digital estamos a referir algo como um ficheiro txt, pdf, doc, odt ou afins. Da mesma forma que num suporte analógico podemos estender o conceito para incluir o papel e a tinta. É a tal questão do bom senso. Só que enquanto que fora do domínio digital podemos usar estas convenções para partir o espaço de possibilidades em partições disjuntas e atribuir dessa forma monopólios sobre bonecos, músicas, etc, no domínio digital há uma camada adicional independente dessas convenções que permite converter o que quisermos e assim ultrapassar qualquer barreira que dependa da possibilidade de distinguir entre o desenho do Mickey e o desenho do Batman. É que os bits que desenham o Batman podem igualmente desenhar o Mickey.

    «Então essa ilusão leva-te a dizer que a segunda é uma "descrição" enquanto que a primeira é o "original" e que o "bom senso" justifica essa distinção.»

    Em tempos, admito, tentei explicar-te isto distinguindo entre cópia de descrição. Penso que agora que chegámos a consenso acerca do papel das convenções e dos tais enviesamentos cognitivos a que chamamos “bom senso” talvez fosse possível avançar nesse campo. Mas é desnecessário. Basta-me que concordes que, por uma questão de bom senso, o texto “7z¼¯'xþ)6^<Ôµ"›Š'Õ÷"cjw›×Ž¤&o_‚•V• ©–y”I†0ˆŸw÷@é©_¥±” não é um soneto de Camões, independentemente do suporte em que o exprimes (em papel, pintado na parede, num doc, pdf ou txt). Se concordares que a concessão de um monopólio sobre a distribuição de sonetos de Camões não implica condenar a distribuição de 7z¼¯'xþ)6^<Ôµ"›Š'Õ÷"cjw›×Ž¤&o_‚•V• ©–y”I†0ˆŸw÷@é©_¥±, então deves facilmente perceber como o copyright se desmancha no domínio digital.

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  50. "Isto, como regra geral, é falso. Qualquer pessoa que já usou uma calculadora sabe que pode facilmente converter o número 1000 no número 2000 multiplicando por dois."

    Isso não é um contra exemplo à regra que estipulei. É fazeres-te desentendido.

    Eu posso agora tentar explicar a que tipo de conversões automáticas me refiro, e porque é que se distinguem do caso que expões. O problema é que estaria a formalizar algo tão óbvio, que seria inútil.

    Mas que se lixe. Já escrevi tanto desde que disse que não valia a pena... Vamos lá explicar a distinção.


    Tens uma mensagem original, e tens uma cifra. Quem aplica a cifra de forma tão automática e imediata passa a ler na mensagem cifrada a mensagem original, e a chamar à mensagem cifrada a mensagem original.

    Na verdade, a própria cadeia de caracteres é uma "tradução" tão automática que nem nos damos conta dela. Os sons são transformados em imagens, que nós convertemos tão automaticamente na nossa mente, que podemos olhar para um conjunto de desenhos e ver/ouvir lá o poema original.

    Para alguém que traduza uma cifra simples com a facilidade com que lê, a cadeia de caracteres cifrada tem lá "tanto" o poema original como a cadeia de caracteres "normal".

    E todos nós usamos um conjunto de programas que nos fazem "ver/ouvir" nas cadeias de zeros e uns poemas, imagens, sons. Com a facilidade com que lemos.

    Vamos imaginar que não existem computadores, e o espertalhão do Luís quer violar os direitos de quem detém "A Peregrinação" de Fernão Mendes Pinto. Ele aproveita que todos os potenciais clientes sabem latim, traduz a peregrinação para latim, e vende muito mais barato que a concorrência. O Juiz obviamente não vai na conversa e condena-o. O Luís insiste que a cadeia de caracteres que usou tem pouca semelhança com a cadeia de caracteres protegida, e que se vão condená-lo a ele, terão de condenar todos os que publicam livros. É que é trivial criar uma linguagem nova na qual exista uma correspondência que torne qualquer livro original numa "cópia" de um livro protegido. Para não se cair neste disparate, só existe uma solução: deixar de proteger obras e inocentá-lo. O Juiz fica surpreso pois está convencido que o Luís acredita mesmo no que está a dizer...

    O problema é que uma coisa é criar uma linguagem nova de propósito para mostrar como se podem transformar os Lusíadas no Auto da Barca do Inferno, outra muito diferente é recorrer a um método de conversão de informação usual e obter uma cadeia de caracteres que com elevadíssima probabilidade tem o objectivo de codificar uma cadeia protegida.

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  51. João Vasco,

    O que eu queria mostrar com o 1000 não ser 2000 é este ponto importante: o facto de teres uma forma simples de converter A em B não implica que a convenção e o bom senso automaticamente façam considerar A igual a B. Se tiveres uma máquina de converter CD em salsichas não é verdade que as expressões “CD” e “salsicha” passem a ser sinónimos por convenção e bom senso.

    Por isso, o simples facto de ser fácil converter 7z¼¯'xþ)6^<Ôµ"›Š'Õ÷"cjw›×Ž¤&o_‚•V• ©–y”I†0ˆŸw÷@é©_¥± num soneto de Camões não torna 7z¼¯'xþ)6^<Ôµ"›Š'Õ÷"cjw›×Ž¤&o_‚•V• ©–y”I†0ˆŸw÷@é©_¥± o mesmo que um soneto de Camões. Eu aceito que se respeite as convenções e o tal bom senso, mas rejeito que seja bom senso que as convenções sejam alteradas de forma a que todo o X a partir do qual se possa calcular Y seja considerado o mesmo que Y.

    «Vamos imaginar que não existem computadores, e o espertalhão do Luís quer violar os direitos de quem detém "A Peregrinação" de Fernão Mendes Pinto. Ele aproveita que todos os potenciais clientes sabem latim, traduz a peregrinação para latim, e vende muito mais barato que a concorrência.»

    Aí podes aproveitar a convenção que te associa, de uma forma bastante inflexível, o texto em Português ao texto em Latim e estender o monopólio do Português para o Latim. Com essa convenção e bom senso é possível aplicar a lei ao Latim da mesma forma que se aplica ao Português, porque o mapeamento é simples e fixo.

    Mas vamos imaginar que o Luís inventa uma máquina que projecta o texto de um livro na parede. Só que a máquina tem uma data de botões e alavancas que se pode mexer e, conforme a configuração em que se põe a máquina, o texto projectado é uma transformação diferente do texto na página. Então o Luís passa a vender instruções para configurar a máquina de forma a que as pessoas possam ler “A Peregrinação” pondo na máquina a lista telefónica.

    Neste caso, o problema é que não podes mapear “A peregrinação” àquelas instruções que o Luís distribui da mesma maneira que fizeste com a tradução em Latim. Por um lado porque não há qualquer convenção relacionando o texto desse livro com um texto como “alavanca 238 na posição 52, botão 1895 em on, ...”. Por outro lado porque essa configuração também serve para outras coisas e não determina, por si só, que o texto projectado seja “A peregrinação”. Isso depende do livro que se põe na máquina.

    A consequência disto é que precisarias de uma lei completamente diferente. Em vez de uma lei que ia olhar para o que o Luís vendia e determinar se há uma relação convencionada entre isso e o texto de “A peregrinação”, precisas de uma lei que vá olhar para o que as pessoas fazem em casa com a máquina e ver se elas estão a conseguir obter o texto. É o tal problema da censura...

    «É que é trivial criar uma linguagem nova na qual exista uma correspondência que torne qualquer livro original numa "cópia" de um livro protegido.»

    É. E isso seria legal. O Luís pode vender instruções para transformar o texto de “Os Lusíadas” no texto de “O código de da Vinci” sem problemas com a lei que temos neste momento. O facto das pessoas poderem em casa usar essas instruções para obter uma obra a partir da outra é irrelevante para a lei porque a lei olha apenas para o que o Luís escreveu e não há convenção alguma que permita defender que “Trocar, por ordem, todos os caracteres “a” de Os Lusíadas por: o, i, b, ...” é uma cópia de qualquer uma destas obras.

    O problema com os computadores é que tornam isto tão fácil de fazer que deixa de ser um mero exemplo hipotético e passa a ter aplicação prática. No domínio digital, a lei de copyright que depende de estender o monopólio a outros meios usando convenções e bom senso deixa de funcionar porque é trivial converter 1000 em 2000 e não se pode ter uma convenção que diga que 1000 é 2000 sem ficar tudo um absurdo.

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  52. "Aí podes aproveitar a convenção que te associa, de uma forma bastante inflexível, o texto em Português ao texto em Latim e estender o monopólio do Português para o Latim. Com essa convenção e bom senso é possível aplicar a lei ao Latim da mesma forma que se aplica ao Português, porque o mapeamento é simples e fixo."

    Se a Lei mencionasse explicitamente o latim, o Luís nem sequer tinha tentado o latim. Teria usado outro esquema que a lei não mencionasse. E é sempre possível fazê-lo, mesmo sem computadores.
    Por exemplo, ele podia criar uma cadeia "completamente diferente" se de 200 em 200 caracteres colocasse lá um L. Em termos matemáticos objectivos a nova cadeia de caracteres é muito diferente da anterior. Mas seria fácil ignorar a diferença.
    O meu ponto é que a lei não tem nada que mencionar o latim. É óbvio para todos que a "Peregrinação" em Latim é o mesmo livro que a "Peregrinação" em Português.

    -----------

    Imagina que és o primeiro a converter a 9ª sinfonia de Bethoven para .mp3. Envias o mp3 aos teus amigos, e dizes que é uma criação tua. Afinal de contas, aquilo não é a música de Bethoven, é uma descrição que tu fizeste da música.

    Imagina que és o primeiro a converter a música do Ismael para .mp3. Envias o mp3 aos teus amigos, e dizes que é uma criação tua. Afinal de contas, aquilo não é a música do Ismael, é uma descrição que tu fizeste da música dele.
    Quando ele te processar por plágio dás essa explicação ao Juiz.

    Podes fazer o mesmo distribuindo um .zip de um .txt criado por outras pessoas. Ninguém se pode queixar que tu violaste a sua autoria, porque ali estão apenas "descrições". E claro que tu és livre para dizer que "um quadrado preto com 2cm de lado num fundo branco" é uma descrição da tua autoria de um quadro, logo também pode dizer que esses .zip e .mp3 e sabe-se lá que mais são da tua autoria.

    Para as outras pessoas isto não é tão bizarro. A tua alegação de que o .mp3 é da tua autoria é falsa porque lá não está uma "descrição" da música - está a música codificada por uma via diferente que o .wav. Com bom senso, não precisamos de dizer que as leis relativas ao plágio e autoria passaram a ser obsoletas com a automatização que os computadores permitem. Pela tua lógica, o mesmo teria de lhes acontecer.

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  53. João Vasco,

    «É óbvio para todos que a "Peregrinação" em Latim é o mesmo livro que a "Peregrinação" em Português.»

    Certo. Já concordei várias vezes com isso, e é por isso que usar o Latim como forma de transmitir essa informação será ilegal à luz de uma lei como esta que já temos. Em contraste, é óbvio para toda a gente que as instruções para desenhar o Mickey não são o mesmo que um desenho do Mickey e, por isso, a lei permite que se use essa forma de codificação para transmitir dados que permitam a outro desenhar o Mickey. E permite-o explicitamente excluindo do seu âmbito tudo aquilo que seja óbvio para toda a gente que é a descrição de um processo, descoberta, relato de acontecimentos, receita, etc.

    «Imagina que és o primeiro a converter a 9ª sinfonia de Bethoven para .mp3. Envias o mp3 aos teus amigos, e dizes que é uma criação tua [...] Ninguém se pode queixar que tu violaste a sua autoria»

    Se tu descreves algo que outro criou alegando teres sido tu o autor estás a mentir. Mas essa questão é irrelevante para a nossa discussão porque podes evitar esse problema simplesmente não mentindo e dizendo que obtiveste aqueles dados a partir da música que o Beethoven compôs.

    A questão é se isso é o mesmo que a música. Imagina que o que eu dizia isto:

    “Medi os valores da intensidade de som daquela gravação a 44KHz, dividi-os em frames de 50 ms, e calculei para cada frame os parâmetros das equações trigonométricas que vos mando em anexo. Os valores dos parâmetros que minimizaram o erro quadrático médio em cada frame foram os seguintes: ...”

    Este texto é daquelas coisas que a lei explicitamente põe fora do âmbito do que é protegido e que é consensual, e bom senso, não considerar ser o mesmo que uma música de Beethoven. É claro que eu podia também mentir acerca da autoria, mas isso seria só uma treta para baralhar a conversa :)

    « A tua alegação de que o .mp3 é da tua autoria é falsa porque lá não está uma "descrição" da música - está a música codificada por uma via diferente que o .wav. Com bom senso, não precisamos de dizer que as leis relativas ao plágio e autoria passaram a ser obsoletas com a automatização que os computadores permitem.»

    Concordo. Os computadores não alteram nada a noção de autoria nem a noção de plágio. Se tu me ensinares a tocar uma canção e eu disser que fui eu que a inventei estou a mentir. Se me ensinares a calcular o dobro de 1000 e eu disser que inventei a multiplicação estou a mentir. Isso é evidente. Mas é irrelevante para a nossa conversa porque a concessão de monopólios legais sobre a cópia não é esta questão de plágio ou autoria. É a questão bem diferente de conceder monopólios sobre formas particulares de exprimir certas obras sem que isso possa interferir nem com a concessão de monopólios análogos a expressões de outras obras nem com a liberdade de partilhar informação acerca de conceitos, ideias, processos, etc.

    Se tu me explicares como se desenha o Rato Mickey tu não estás a violar o copyright da Disney porque a lei restringe-se, deliberadamente e explicitamente, apenas a algumas formas de codificar o Mickey; aquelas que consensualmente consideramos uma imagem do Mickey. Se me disseres que foste tu que inventaste o Mickey estás a mentir, mas isso não tem nada que ver com o que viola o monopólio sobre a cópia desses desenhos.

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  54. "Se tu descreves algo que outro criou alegando teres sido tu o autor estás a mentir."

    Não não. Tu dizes apenas ser autor do .mp3
    A tua alegação é que o .mp3 é uma descrição, portanto tu estás apenas a enunciar ser autor dessa descrição.
    Também podes ser autor de uma descrição dos Maias, então - se fores o primeiro a zippar um .txt com esse texto, podes anunciar que és o autor do .zip que mandas em anexo: uma descrição dos Maias.

    Mas isto é absurdo. A razão pela qual qualquer pessoa consideraria desonesta a tua alegação de seres autor desse .mp3 é porque ninguém vê no .mp3 uma descrição, mas sim uma codificação.

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  55. João Vasco,

    Não vejo que ser autor de uma codificação mp3 por se ter clicado um icon no desktop seja mais absurdo do que ser autor de uma codificação jpg por se ter clicado o botão da máquina fotográfica digital. Por mim, podemos considerar ambos autores.

    Ou então também podemos considerar que nenhum dos dois é autor. Estou-me nas tintas, porque não é um problema que me interesse em particular.

    Apesar da legislação ser de "direitos de autor", o nome é enganador. O grosso dessa legislação tem que ver com a distribuição. Fotografia aparece lá porque é de interesse comercial para muitas editoras. Teorias como a da relatividade não são reconhecidas por essa lei, apesar de ser autor de uma teoria científica de sucesso ter muito mais mérito e dar muito mais trabalho do que tirar uma foto, simplesmente porque o negócio de distribuir teorias nunca teve grande peso. O mesmo para receitas, regras de jogos ou equações diferenciais.

    Por isso, se quiseres dizer que é absurdo ser-se autor de uma codificação, não vou dizer sim nem não. Vou passar à frente ao que me interessa.

    E o que me interessa é que a diferença entre copyright e censura sempre foi clara na lei. O copyright cobria certas formas de exprimir conceitos, ideias, etc, mas nunca as ideias e os conceitos e nunca teve como objectivo impedir totalmente que a informação fosse transmitida. Daí eu insistir tanto naquela coisa do desenho do Mickey versus as instruções para desenhar o Mickey. Independentemente de quão fácil possa ser desenhar o Mickey, e independentemente da questão de se quem escreve essas instruções é autor do texto das instruções ou se as instruções são uma mera codificação da informação necessária para desenhar o Mickey e é absurdo ser autor disso, a lei não cobre essas instruções porque se o fizesse seria uma lei de censura e não uma lei de concessão de monopólios sobre a cópia.

    Quando tens um sistema em que é trivial gerar essas instruções e executá-las, é trivial gerar cópias respeitando essa lei. Nesse caso temos duas opções. Ou aceitamos que é trivial gerar cópias nesse meio e paciência, ou optamos por uma lei de censura para defender os monopólios.

    O bom senso e as convenções são parte deste problema. Não o resolvem, porque nem o bom senso nem as convenções permitem justificar que o monopólio sobre a cópia do número 1000 cubra o número 2000 e, no entanto, é trivial converter um no outro.

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  56. "Por isso, se quiseres dizer que é absurdo ser-se autor de uma codificação, não vou dizer sim nem não. Vou passar à frente ao que me interessa."

    Isto não é um ponto irrelevante. O "bom senso" que considera desonesto quem se diz autor do .mp3 fá-lo precisamente porque não vê no .mp3 a descrição que alegas lá estar. Vê uma codificação. Vê uma música.

    O "bom senso" que dizes aceitar para "compreender" que a "cadeia de caracteres" apesar do nível de abstracção presente pudesse ser protegida antes dos computadores, esse mesmo "bom senso" estende as "representações que «são» a obra" (como admites acontecer com a cadeia de caracteres) a uma série de sistemas de codificação que sejam usuais. A lei não tem de estipular quais, nunca estipulou, nunca precisou, e continua sem precisar. O problema que apresentas é um falso problema.

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  57. João Vasco,

    «Isto não é um ponto irrelevante. O "bom senso" que considera desonesto quem se diz autor do .mp3 fá-lo precisamente porque não vê no .mp3 a descrição que alegas lá estar. Vê uma codificação. Vê uma música.»

    Vamos assumir então que o “bom senso” considera que quem cria um mp3 a partir do wav não é um autor. Seja. Há duas razões pelas quais isto não tem relevância para a nossa discussão.

    A primeira é que quer o “bom senso” assuma que quem explica como se desenha o Mickey também não está a ser autor de nada por as instruções serem uma codificação, quer o “bom senso” assuma que quem explica como desenhar o Mickey está a ser autor da descrição de um processo, a lei exclui esse texto do âmbito da protecção de cópia porque, independentemente do estatuto de autoria, isso está fora do conjunto de expressões para as quais se concede monopólio. Portanto, essa questão do bom senso considerar que é autor ou não é irrelevante para se identificar o que está fora do copyright. Podes ser o autor de uma nova receita de bacalhau mas não terás direitos exclusivos de cópia da receita porque não se concede direitos exclusivos de cópia a receitas.

    A segunda é que não é importante o que o mp3 em si é considerado. Até já concedi que podemos considerar, por convenção, que o mp3 é a música e estender ao mp3 a protecção concedida à cassete e afins. Não é o mp3 em si que é relevante. O que é relevante é que existe algo que podes escrever no computador que o bom senso e a convenção classificam de descrição de um processo, tal como a explicação de como desenhar o Mickey, e que explica como calcular o mp3 (ou o wav, ou o que for). Pode ser um pdf com equações, pode ser um wav com um longo monólogo em voz sintética a dizer “gera um ficheiro com os seguintes valores de bytes: 12, 234, ...”, pode ser um ficheiro de texto, doc, odt, o que quiseres. Tenho a certeza de que há pelo menos uma coisa que se pode criar no computador que cumpra estes dois requisitos: ser consensualmente uma descrição de um processo e transmitir a informação necessária. Basta que isto seja verdade para que a lei como a temos não possa ser usada para delimitar monopólios no domínio digital porque é trivial depois usar essa informação para recriar o ficheiro que queremos.

    O problema que apresento é, fundamentalmente, este. A lei de copyright que temos serve para limitar a cópia de certas expressões de uma obra sem limitar a troca de informação em abstracto. Por exemplo, o desenho do Mickey. Isto só funciona quando, na prática, a obtenção das formas de expressão protegidas depende da cópia dessas. Quando depende apenas da informação em abstracto, esta lei deixa de funcionar. Ou deixa de haver monopólios ou a lei tem de censurar a informação em si e não apenas certas formas de exprimir a obra (as tais que o bom senso e a convenção dizem "isto é uma música" ou "isto é uma fotografia").

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  58. Estou a gostar de ler esta caixa de comentários.

    Há algumas alturas em que o argumento do Ludwig me parece andar à volta de "o ar é de todos", mas noutras alturas sinto-me inclinado a dar-lhe razão.

    Pensei num exemplo que creio ser bom para trazer ao de cima as diferenças das posições do Ludwig e do João Vasco, que é o dos tipos.

    O Garamond é uma família de tipos de grande qualidade que começou com o tipo original de Claude Garamond no séc. XVI. A Adobe cunhou um tipo de Garamond, o Adobe Garamond, de que é proprietária e que só se pode obter a pagantes.

    Ora, o nosso grande amigo Donald Knuth inventou o Metafont, que permite desenhar todos os tipos de letra que quisermos, com base em curvas de Bezier.

    Para além de podermos produzir tipos porporcionais em casa, quem tiver um pequeno programa de cálculo pode fazer um ajuste simples às curvas de Bezier que melhor se adaptam ao Adobe Garamond (ou qualquer outro tipo) e divulgar os parâmetros publicamente, se o desejar.

    O Adobe Garamond é uma descrição relativamente universal (seja em TrueType ou PostScript) de como desenhar símbolos alfanuméricos. Os tipos produzidos em Metafont podem ser usados em PostScript ou convertidos em tabelas para ser usadas como no TrueType.

    As perguntas que me parecem mais relevantes para todos estes casos, e que creio que são tornadas evidentes com este exemplo são:

    - Uma empresa pode deter direitos comerciais sobre um tipo, quando as letrinhas já não são peças de chumbo mas sim descrições geométricas do que vai aparecer no papel?

    - Se o direito comercial não permite a distribuição de produtos contrafeitos, mas permite a divulgação de descrições, como resolver este problema?

    - Se um engenheiro fanático por edição caseira programar em Metafont um tipo de letra que é indistinguível à vista desarmada do Adobe Garamond, e publicar todos os seus livros nesse tipo, está a violar os direitos da Adobe?

    - Se um tribunal decidir que sim, e que ele não pode publicar os seus livros sem pedir autorização à Adobe, e ele argumentar que nunca no processo de publicação dos seus livros ele cometeu alguma ilegalidade nem teve acesso a um ficheiro obtido ilegalmente, o seu argumento reduz-se a uma espécie de "o ar é de todos"?

    Eu sinto-me sempre inclinado a dar razão ao engenheiro, sob qualquer ponto de vista.

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  59. Francisco,

    É um bom exemplo. O João Vasco pode dizer que não interessa usar curvas de Bezier porque o que conta é a intenção de imitar a fonte da Adobe, mas o recurso às intenções é já em si um desvio radical do sistema de copyright. Se copiares o último livro do José Rodrigues dos Santos em rolos de papel absorvente e os doares a um lar de invisuais com a intenção de que o usem para fins de higiene e não de literatura, violas o copyright à mesma. O meu ponto é que não se pode aplicar ao domínio digital o sistema que desenvolvemos nos cem anos que precederam esta nova tecnologia.

    Parte do argumento é “o ar é livre”, sim. Porque um aspecto importante do copyright é a irreversibilidade do domínio público. Não podes registar como obra protegida algo que já foi declarado de todos (se bem que não deixem de tentar abrir excepções a isso...). Uma vez que a álgebra e listas de números já estão no domínio público, se inventares uma fonte nova e tentares registar as equações vão te dizer que isso não pode ser protegido. O truque é esconderes as equações no “ficheiro” e aí já te deixam registar a fonte como exclusivo teu.

    Mas este é só um de vários problemas. Outro problema é o copyright depender de uma atribuição inequívoca da obra ao dono. Um desenho que eu faço é meu, um desenho do Batman é da DC. Um bmp que é o XOR daqueles dois bitmaps cria aqui um problema. Podes dizer que é da DC porque é apenas uma forma de codificar o desenho da DC encriptando-o usando o meu como chave. Mas podes dizer também o contrário, que é apenas uma forma de codificar o meu desenho encriptando-o com a sequência de bits do bmp da DC. Se decides que todos os ficheiros que podem ser usados para recriar o Batman por XOR pertencem à DC, então todos os ficheiros pertencem à DC, o que não funciona bem.

    Há um projecto no sourceforge sobre isto (monolith). Há também muitas críticas de advogados que dizem so what, o XOR é apenas outra forma de codificar o ficheiro e continua a ser uma cópia à mesma. Mas ainda não encontrei ninguém que resolvesse e o verdadeiro problema: o XOR é cópia de que obra? Da da DC ou da minha? Esse é que é o ponto importante. O mais próximo que encontrei foi isto;

    «Finally, if you could produce an uncopyrighted work by XORing a copyrighted work with some other text, you could eviscerate copyright law. We could all just agree to use a common text -- Down and Out in the Magic Kingdom, say -- as the other half of our munge, and we could ship around and trade any file we wanted. Putting on my legal realist hat, I can't imagine a judge standing for that kind of result; therefore, she would interpret copyright law in such a way as to avoid reaching it. Therefore, XORs are copies.»

    Ou seja, a lei deixava de funcionar mas o juiz simplesmente diria que se lixe, é proibido, acabou-se...



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