sexta-feira, setembro 21, 2012

Treta da semana (passada): o filme.

“A inocência dos muçulmanos” é um filme horrível que, dizem, insulta Maomé (1). O filme foi produzido inicialmente com o título “Guerreiro do deserto” mas depois, sem conhecimento da maioria dos participantes, foi alterado para dizer mal de Maomé (2). A licença de filmagem foi obtida por uma organização fundamentalista cristã e o filme produzido foi por um cristão copta, aparentemente para chatear os muçulmanos (3,4). Depois de uns meses esquecido no YouTube, agora parece que suscita protestos violentos. Nos países mais civilizados, onde a religião tem menos poder, repudia-se a violência mas manifesta-se solidariedade com os muçulmanos ofendidos. No Brasil, até os participantes na Caminhada pela Liberdade Religiosa, ironicamente, condenaram o filme porque «desrespeita o profeta Muhammad»(5). Liberdade sim, mas respeitinho. Nos países e grupos onde o Islão tem mais influência o filme é desculpa para partir, incendiar e matar. Não é por ser uma religião mais violenta do que as outras, porque a violência de qualquer religião depende apenas do que lhe deixam fazer. Até o budismo, agora tão fofinho, foi bem tramado quando estava por cima (6). Também não é por a violência vir de quem não entende o verdadeiro Islão. Os que partem, incendeiam e matam são muçulmanos desde que nasceram. Têm tanta legitimidade como qualquer outro para dizer o que é verdadeiro na sua religião. O problema fundamental é a deturpação generalizada do tal “respeito”.

O respeito é a aversão a fazer mal ao outro. Portanto, não faz sentido respeitar crenças ou ideologias. Esse chavão comum, em qualquer discussão sobre crenças, de se dizer respeitador da opinião contrária é absurdo. Pode ser boa educação, como tirar o chapéu, mas não passa de um berloque retórico (7). E quando é levado a sério é uma chatice porque respeitar opiniões implica desrespeitar quem delas discorde. Eu não respeito o islamismo, nem o cristianismo nem o ateísmo, tal como não respeito a regra de três simples, nem a raiz quadrada de dois nem a Serra de Montejunto. Eu só respeito seres que sentem, como cães, golfinhos, macacos e humanos. Por isso não vou condenar ninguém por “insultar” o ateísmo, Darwin ou o Judo Clube de Odivelas e não vou “respeitar” crenças ou preconceitos em detrimento das pessoas.

Infelizmente, religiões e ideologias dessa índole têm de o fazer. Respeitar as pessoas implica, pelo menos, reconhecer-lhes liberdade de consciência e de expressão. Mas se uma religião não subjuga este respeito a um “respeito” ainda maior pelos dogmas que a identificam acaba por se desfazer ou por se transformar noutra que o faça. A violência à conta deste filme é apenas um de muitos exemplos do que acontece quando se respeita mais as ideologias do que as pessoas.

Pode-se dizer que este desrespeito não é a categorias religiosas abstractas sim às pessoas que se ofendem com o filme. Mas dá no mesmo porque o que ofende estas pessoas é o ataque ás suas crenças. A propósito do filme, a presidente da Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro disse que «são condenáveis quaisquer ataques a personalidades e símbolos religiosos», explicando que «Não gosto que façam com os meus, não farei com os outros»(5), mas é óbvio que esta não pode ser a justificação completa. Nem a ofensa é só questão de gosto nem o gosto justifica a condenação. A premissa implícita é de que esta categoria arbitrária das «personalidades e símbolos religiosos» merece mais respeito do que as pessoas a quem nega o direito de a “atacar”. E isto é verdade para a ofensa em geral. Sentir-se ofendido com a expressão de uma ideia não é um acto meramente passivo de desagrado. Exige decidir que essa expressão desrespeita alguma categoria que é ilegítimo desrespeitar, seja a profissão da mãe, a honestidade do clube ou a sacralidade do profeta. Ou seja, decidir que essa categoria merece mais respeito do que as pessoas.

As reacções ao filme, e as reacções às reacções, ilustram este problema fundamental na religião. Não acho o filme uma boa ideia, tal como não me agrada, por exemplo, alguns posts do Luís Grave Rodrigues (8). Por respeito pelas pessoas evito provocar só para chatear. No entanto, se alguém foi enganado e lhe posso explicar o embuste, maior desrespeito seria ficar calado e ajudar o vígaro com o meu silêncio. Por isso, chamo a treta pelo nome e quem se ofender que se ofenda. Seja como for, se respeitamos as pessoas temos de aceitar que se exprimam como entenderem, gostemos ou não. Até o tipo que fez este filme merece respeito e tem o direito de dizer o que pensa. Reprimir qualquer expressão por não se conformar a uma ideia do que é aceitável, próprio ou sagrado é “respeitar” a categoria desrespeitando a pessoa, um erro absurdo que é evidente em muitas facetas da religião. Na retórica vácua do respeito pelas opiniões quando o politicamente correcto o recomenda. Nas queixinhas de intolerância e ofensa quando faltam os argumentos para defender uma crença mais querida. Na importância auto proclamada das autoridades religiosas e na condenação de «quaisquer ataques a personalidades e símbolos religiosos». E, finalmente, na violência contra pessoas em nome de seres míticos e conceitos abstrusos. O traço comum nesta gama do inconsequente ao intolerável é sempre o de respeitarem mais os dogmas do que as pessoas. O caso à volta deste filme mostra-o claramente, felizmente sem sequer ser preciso ver o filme.

1- YouTube, Innocence of Muslims
2- Huffington Post, Anna Gurji & 'Innocence Of Muslims': Horrified Actress Writes Letter Explaining Her Role
3- Huffington Post, 'Innocence Of Muslims' Shot On Hollywood Set, Film Permit Connected To Christian Charity
4- Huffington Post, Christian charity, ex-con linked to film on Islam
5- ECB, Caminhada da Liberdade Religiosa condena filme com ataque a Maomé
6- Wikipedia, Human Rights in Tibet, the teocratic system
7- Por exemplo, estes posts do JFD, Ateísmo, Ateísmo, uma re-resposta., Ateísmo, finalizando, têm sempre a ressalva do respeito pelo ateísmo e outros ismos em geral. O que não é claro é que diferença isso faz.
8- Como estes Conversas com Deus, Pai. Não é o meu estilo. Mas, ao contrário da presidente da Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro, não defendo que se proíba só por isso.

55 comentários:

  1. O meu comentário não vai servir para acrescentar algo ao post ou contrariá-lo, apenas para dizer que o subscrevo na íntegra e que vou partilhar trechos dele no meu blog. Gostei muito da sobriedade da ideia passada aqui. :)

    ResponderEliminar
  2. Excelente texto, com a habitual lucidez do Ludwig.
    Talvez o resuma com a frase "por isso chamo a treta pelo nome e quem se ofender que se ofenda".
    E talvez o complete com uma simples referência ao teor dos emails que recebo de tão fervorosos crentes com os mais variados insultos e as mais raivosas ameaças à minha integridade física. O que obviamente só me impele a continuar...
    As passagens que vi do filme dão-me antes de mais a ideia de uma confrangedora mediocridade cinematográfica e de uma profunda falta de gosto. Mas proibi-lo (ou retirá-lo da Internet, o que o YouTube, muito bem, recusou fazer) seria, mais do que dar razão aos protestos e à fanática violência que os caracteriza, o primeiro passo para a proibição seguinte, desde os cartoons dinamarqueses às minhas modestas caricaturas para acabar, quem sabe, na criminalização generalizada da blasfémia, tal como o pretendem fazer agora junto da ONU.

    ResponderEliminar
  3. Ao tratar por igual todas as expressões religiosas, aquelas pelas quais a humanidade descobriu o valor absoluto de cada pessoa a respeitar e algumas em que este ficou pelo caminho, o Ludwig, o Grave Rodrigues e outros da mesma laia, dão um contributo notável, talvez sem o saberem, para que as formas capazes de lhes cortar a cabeça se aproximem cada vez mais de sua casa.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É absolutamente notável a contradição nos próprios termos deste curioso raciocínio....

      Eliminar
    2. AHahaha...

      Você entendeu o que você disse? haahhahaha

      Eliminar
    3. Teorias são só teorias, deveriam ser respeitadas pela possibilidade de provas e por continuarem sendo apenas teorias.

      As pessoas são as únicas culpadas de assassinatos, cortou-se a cabeça por todo tipo de ideia.

      Eliminar
  4. É irrelevante se hoje foi o filme ou ontem as caricaturas. Para ambos passaram alguns meses após as divulgações e só depois começou o alarido. O que está em causa são jogos políticos, alarido orquestrado em vários países em simultâneo (entenda-se no mesmo dia).

    "ataque ás suas crenças"

    ResponderEliminar
  5. Ludwig,

    com essa noção de (des)respeito corremos o risco apontado pelo Nuno Gaspar. Desrespeito é o quê? O que tu achas?
    Se ficarmos à espera que nos respeitem...
    O respeito tem de ser exigido.
    E isso tu próprio o dizes a propósito das religiões (e da tua religião).

    ResponderEliminar
  6. ND,

    É claro que é política. As religiões são, acima de tudo, instrumentos políticos. Mas nota que sem uma religião, ou algo parecido, é muito difícil incitar pessoas a queimar embaixadas e coisas assim.

    Para um crente, individualmente, a fé religiosa pode ser um fundamento de sentido na sua vida. Mas, colectivamente, as religiões são ferramentas de manipulação. Em todos os actos colectivos organizados em nome de um deus qualquer pode-se encontrar alguém que está a tirar partido disso. Padre, bispo, aiatola, o que calhar.

    ResponderEliminar
  7. Carlos Soares,

    Eu respeito-vos. Não ando atrás de vocês a melgar. Não vos acuso de me odiarem só por discordarem de mim. Não defendo que devam ser condenados pelo que escrevem. Nem sequer acredito que, a longo prazo, depois de morrermos, vocês sofram o que quer que seja por terem opiniões que me parecem erradas. E se alguém vos quiser silenciar só por estarem enganados eu defenderei o vosso direito de dizerem disparates.

    O que não respeito é as vossas ideias, tal como não respeito as minhas. As ideias são ferramentas, para usar se servirem e deitar fora se não forem boas.

    E se o que escrevo aqui vos incomodar, pois têm bom remédio. Não se preocupem que não vos vou obrigar a ler o que escrevo.

    ResponderEliminar
  8. Ludwig,

    "Eu respeito-vos. Não ando atrás de vocês a melgar."

    Se não fôr a melgar os outros o neoateísmo não existe. Ninguém obriga o neoateísta a participar em ritos ou a ler textos considerados importantes numa religião, muito menos observar a preceitos ou sinais de comunhão. Mas o neoateísta não se conforma com essa indiferença. Encontrou a sua razão viver, no fundo, a sua religião, em importunar, zombar, escarnecer das convicções diferentes da sua. Quando alguém chama a atenção para a incivilidade da sua atitude reclama que o atacam pessoalmente e que ele afinal apenas quer discutir ideias, longe dele desrespeitar pessoas como fazem os que de si discordam. E andamos nisto.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Na verdade ele estava falando de assassinatos e mortes, as religiões só serviram de arma política.

      Além disso, ele disse no texto que ideias servem para serem debatidas.

      Eliminar
  9. Nuno Gaspar,

    Eu escarneço e zombo de convicções. Gozo com a astrologia, faço troça da cartomancia e ridicularizo a teologia. Mas não importuno ninguém. Só cá vem quem quer e dedico muito mais tempo a discutir ideias do que pessoas.

    Em contraste, os ofendidos como tu e o Carlos vêm comentar aqui e vêm falar muito mais de mim do que das ideias de que defendo. Nem me lembro de alguma vez te ter visto criticar o ateísmo. Parece que só sabes dizer mal é dos ateus...

    Se eu te for bater à porta a falar do ateísmo, se entupir o trânsito na tua rua com procissões, se só os meus livros de ateísmo forem isentos de IVA, se o Estado reservar lugares em capelanias e escolas para ateus nomeados pela AAP e coisas afins, então tens razão para falar de falta de civismo.

    Mas se achas que é falta de civismo eu escrever o que penso onde só vem ler quem quer, então penso que tens uma noção de civismo muito deturpada. A censura é que é falta de civismo.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. "e vêm falar muito mais de mim do que das ideias de que defendo"

      Além de te ter convidado para beber um copo, que nem comentaste, quantas observações de índole pessoal e não estritamente relacionadas com o conteúdo ou a atitude que acho presente naquilo que escreveste em locais públicos aqui deixei? Dá lá um exemplo, Ludwig.

      Eliminar
    2. E quantas citações queres das vezes em que falas de gestos, práticas e interesses de natureza pessoal que julgas ver noutros, sem que ninguém te tenha pedido opinião?

      Eliminar
  10. Ludwig,

    «Eu escarneço e zombo de convicções. Gozo com a astrologia, faço troça da cartomancia e ridicularizo a teologia. Mas não importuno ninguém. Só cá vem quem quer e dedico muito mais tempo a discutir ideias do que pessoas.»

    Estou habituado às tuas respostas. Não respondes à questão. E, de resto, o problema do respeito não fica resolvido com tiradas do estilo. Continua assim, que terás quem te aplauda.

    ResponderEliminar
  11. Nuno Gaspar:

    "Mas o neoateísta não se conforma com essa indiferença. Encontrou a sua razão viver,"

    Diz-me uma coisa. Acreditas mesmo nisso? A sua razão de viver? Não. Isso é um exagero.

    Então tu achas que também não se pode criticar o facto de eles andarem a lançar ameaças violentas (algumas executadas)? É que é a religião deles que diz que o crime de criticar o profeta é fatal.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Este comentário foi removido pelo autor.

      Eliminar
    2. Ó João,
      Acho que a maior parte dos que fazem esse alarido ao longe não tem outra intenção senão atacar as religiões que lhes estão próximas e que muito contribuiram para que possam dizer o lhes passa pela cabeça sem que nada lhes aconteça. Se vivessem nesses países estariam caladinhos e quando aquelas influências chegarem mais perto não se conte com eles para as contrariar.

      Eliminar
    3. Nuno Gaspar:

      Então, por esta resposta, tu achas que podemos criticar algumas coisas da religião, como por exemplo reagir com violencia a insultos não fisicos. Boa. Até parece que achas mal que não se critique isso só porque se tem medo de ser torturado.

      Resta agora saber que critério usas para saber o que podemos criticar e o que não podemos.

      Por exemplo, para o Islão é blasfémia dizer que Jesus é Filho de Deus. Achas que podemos criticar isso?

      Eliminar
  12. "Mas [...] sem uma religião, ou algo parecido, é muito difícil incitar pessoas a queimar embaixadas e coisas assim."

    É bastante fácil incitar pessoas a fazerem coisas assim. Basta pensar em nacionalismo, etnias, raças, clubismos ou na TSU.


    à parte: Em Fátima, há 100 anos, dezenas de milhares de pessoas apareceram no mesmo local porque 3 crianças afirmaram que a nossa senhora falou para elas. Realmente é preciso ser-se crente :)

    * http://4.bp.blogspot.com/__f_Uzm7gUTU/S-Qmgz7SDoI/AAAAAAAABvo/ziLRSxnAN0A/s1600/fatima_jornal2.jpg

    ResponderEliminar
  13. Nuno Gaspar,

    Exemplos de «observações de índole pessoal»:

    «Tu queres lá saber dos privilégios da Igreja para alguma coisa! Quem te lê percebe que o que te faz sentir bem é enxovalhar seja de que maneira fôr tudo o que te cheire a religioso. »

    «Estás constantemente a intrometer-te e a zombar de quem convive com subjectividades distantes das tuas. [...] Tu e os teus gurus fazem a figura de quem tenta jogar futebol com uma bola de rugby.»

    «O teu ateísmo (se até alguma coisa tiver a ver com isso) vive de escarnecer e zombar de pessoas; está-se pouco lixando para alegações de facto»

    Estive a rever umas dúzias de comentários teus, e só num sobre os impostos e a curva de Laffer é que encontrei um argumento em que criticas uma afirmação minha com razões e inferências. De resto parece que tudo é afirmações simples, sem justificação, acerca do que tu julgas ser a minha atitude pessoal.

    Quanto a isto:

    «E quantas citações queres das vezes em que falas de gestos, práticas e interesses de natureza pessoal que julgas ver noutros, sem que ninguém te tenha pedido opinião?»

    é uma deturpação recorrente. Já afirmei muitas vezes que não me preocupam práticas e interesses de natureza pessoal dos outro. Por exemplo, não me importa, nem menciono, que tu odeies o ateísmo, adores o ateísmo ou sejas indiferente ao ateísmo. Não interessa nem tenho nada com isso.

    O que abordo aqui são coisas como questões de facto, negócios, instituições e afirmações públicas, ou, quando abordo questões de valor, faço-o de forma o mais universal possível, para que sejam eticamente relevantes. Por isso, se tu afirmares que sabes quem criou o universo digo que estás a pregar tretas. Se defenderes que a hóstia se transubstancia gozo com a ideia, por ser ridícula. Se ganhares dinheiro a falar sobre os deuses por alegares que sabes mais disso do que qualquer pessoa (ou rocha) digo que és aldrabão. Mas se rezares, andares convencido de que tens uma alma imortal ou amares Maria não tenho nada que ver com isso nem me dá para escrever posts sobre essas coisas.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ludwig:

      Citaste:
      «observações de índole pessoal»
      e eu tinha escrito:
      "observações de índole pessoal e não estritamente relacionadas com o conteúdo ou a atitude que acho presente naquilo que escreveste em locais públicos"

      Dos exemplos que deste, nada se refere a algo que não se relacione com o que escreves ou que tenha a ver com a tua vida pessoal. Ao contrário, grande parte dos textos que penduras em duplicado, aqui e no Diário Ateísta, não vá alguém ficar sem conhecer as tuas magníficas opiniões, são tentativas de agressão a aspectos pessoais e íntimos de muita gente.

      "Se ganhares dinheiro a falar sobre os deuses por alegares que sabes mais disso do que qualquer pessoa (ou rocha) digo que és aldrabão"

      Dinheiro não sei se já ganhas. Alguns dos teus colegas e gurus vivem disso. Dizes bem: são uns grande aldrabões.

      Eliminar
  14. ND,

    «É bastante fácil incitar pessoas a fazerem coisas assim. Basta pensar em nacionalismo, etnias, raças, clubismos ou na TSU.»

    Nem por isso. Com sistemas de crenças nos quais o respeito pela ideologia seja superior ao respeito pelas pessoas (racismo, nacionalismo, cristianismo, etc) sim. Mas, em geral, não. É muito mais fácil um aiatola iraniano incitar multidões a queimar embaixadas do que um dirigente sindical português incitar pessoas sequer a ir para a rua manifestar-se.

    O objectivo, concordo, pode ser semelhante. Política, poder, manipulação, etc. Mas a religião é uma ferramenta muito potente para mexer as massas. Demora anos a cimentar e precisa de um bom substrato de miséria e ignorância, mas quando endurece é uma alavanca do caraças.

    ResponderEliminar
  15. "Reprimir qualquer expressão por não se conformar a uma ideia do que é aceitável, próprio ou sagrado é “respeitar” a categoria desrespeitando a pessoa, um erro absurdo que é evidente em muitas facetas da religião."

    Penso que não estejas seriamente a considerar que a repressão de qualquer expressão que não se conforme a uma ideia do que é aceitável não deva ser...reprimida. À ideia de liberdade deverá estar anexa a de responsabilidade, para que não vivamos numa anarquia.

    Consideras, por exemplo, que queimar a bandeira portuguesa em praça pública, enquanto acto de vandalismo de um símbolo nacional, deva ser punível por lei?

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Se a bandeira é propriedade de quem a está a queimar e desde que não ponha em causa de intregridade fisica de terceiros, porque raio é que queimar a bandeira deve ser punível por lei e queimar um par de quecas, no mesmo sitio, não?

      É um simples objecto, não tem sentimentos, não sente dor, não sofre, não ... nada.

      Eliminar
    2. Eu também seria incapaz de queimar uma queca.

      Eliminar
    3. Não está em questão o ser ou não capaz de queimar coisas. Está em questão se deve, ou não, ser punivel por lei. E se, não sendo para a geralidade das coisas, o deve ser para os simbolos nacionais religiosos e afins.

      Eu digo que não.

      Eliminar
  16. Nuno Gaspar,

    «Dos exemplos que deste, nada se refere a algo que não se relacione com o que escreves»

    Duh... se tu escreves um comentário em reacção ao que eu escrevi podes sempre dizer que está relacionado com o que escrevi porque se eu não escrevesse tu não comentavas. Essa desculpa até o Jónatas pode dar. O problema é este:

    «observações de índole pessoal e não estritamente relacionadas com o conteúdo ou a atitude»

    Tu passas o tempo quase todo a falar da minha atitude em vez de abordares o conteúdo dos meus textos. Por exemplo, se digo que é falso que a hóstia se transubstancie, tu dizes que eu quero promover o ódio e tretas do género.

    Eu acho que acreditar que o pai natal existe é ter uma crença falsa.
    Eu acho que acreditar que Allah ditou o corão a Maomé é ter uma crença falsa.
    Eu acho que acreditar que o Espírito Santo é uma pessoa da substância de Deus é uma crença falsa.

    Por isso agrupo estas crenças todas na categoria das crenças falsas.

    Se o teu comentário é que «Encontrou a sua razão viver, no fundo, a sua religião, em importunar, zombar, escarnecer das convicções diferentes da sua.» o que concluo é que não tens nada de substantivo a contribuir. Além disso, reparo que és inconsistente. Porque se achas que isto é a minha religião e condenas que se importune e escarneça de religiões diferentes, então não devias vir aqui importunar-me durante a minha prática religiosa dizendo que eu promovo o ódio etc.

    Eu não tenho nada contra, por princípio, que discordes de mim. Nem me dá grandes abalos as coisas que vens aqui escrever. Se reparares, anda por aqui pessoal ainda mais transtornado do que tu :)

    Queria apenas apontar porque é que acho que os teus comentários são pouco relevantes. São principalmente críticas a um bicho-papão que inventaste para me substituir e não faz sentido dizeres, ao mesmo tempo, que o ateísmo que criticas é a minha religião e que não se deve criticar as religiões dos outros.


    ResponderEliminar
    Respostas
    1. "não faz sentido dizeres, ao mesmo tempo, que o ateísmo que criticas é a minha religião e que não se deve criticar as religiões dos outros."

      Ok.,Ludwig. Vou passar a acrescentar: excepto em situação de legítima defesa, isto é, quando a religião em causa consistir na tentativa de exterminar as outras.

      Eliminar
    2. Só a tua é que pode dizer abertamente o que quer é? Podes dizer Deus existe. Mas nós não podemos dizer Deus não existe... Reservas-te na mesma um direito que queres negar aos outros.

      Em contrapartida a maioria dos ateus sempre defendeu a discussão e a liberdade de expressão. Pelo que dizes, é essa liberdade que só aceitas para ti - Se não disser nada contra a TUA crença. E essa pode dizer o que quiser sobre a realidade. Mas os outros não porque atacam a TUA crença.

      E achas que isso te dá o direito de atacares as pessoas em vez da ideia. Atacas os ateus (ou neoateus, como queiras), em vez do ateismo, insultas e nem perdes tempo a justificar o que pretendes defender...

      Era melhor tentares de outra maneira.


      Eliminar
  17. Nuno,

    «Consideras, por exemplo, que queimar a bandeira portuguesa em praça pública, enquanto acto de vandalismo de um símbolo nacional, deva ser punível por lei?»

    Considero que queimar coisas na rua devia ser restringido por questões de poluição e riscos de queimaduras para os transeuntes. Mas «enquanto acto de vandalismo de um símbolo nacional» é um disparate. Algo é um símbolo de outra coisa meramente pela decisão arbitrária, e abstracta, de ditar que é um símbolo. Limitar a liberdade de alguém apenas por nisso é inadmissível. É exactamente como proibir que se desenhe um tipo de turbante e se escreva “Maomé” por baixo só porque isso simboliza Maomé e é vandalismo desse símbolo religioso desenhá-lo.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Disparate ou não, está consagrado no artigo n.332 do Código Penal:

      "1 - Quem publicamente, por palavras, gestos ou divulgação de escrito, ou por outro meio de comunicação com o público, ultrajar a República, a Bandeira ou o Hino Nacionais, as armas ou emblemas da soberania portuguesa, ou faltar ao respeito que lhes é devido, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.
      2 - Se os factos descritos no número anterior forem praticados contra as Regiões Autónomas, as Bandeiras ou Hinos Regionais, ou os emblemas da respectiva autonomia, o agente é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias."

      O assunto é tão interessante que até existe um artigo na wiki sobre este mesmo crime em vários países:
      http://en.wikipedia.org/wiki/Flag_desecration

      Caracterizar um símbolo como o resultado de um processo arbitrário é irrelevante, o que interessa é que evoca determinado valor que se quer ver preservado. Ninguém queima uma bandeira porque ela é verde e vermelha, mas porque evoca a pátria, que, nesse sentido, se quer ver afectada. Logo, não se está efectivamente a queimar uma bandeira, está-se a criar determinada expressão que pode, ou não, ser repreensível. Neste caso, pelos vistos é.

      Eliminar
    2. Não. O problema é um bug do cerebro humano que me ensinaram em filosofia no 10º ano como pertencendo a um tipo de pensamento primitivo e que afinal podemos encontrar ainda hoje por aí... É o da indistinção simbolo/realidade.

      Eliminar
    3. Quanto a faltar ao respeito que é devido à própria coisa também discordo que seja punivel.

      Porque isso do que é respeito ou falta dele é uma coisa muito escorregadia e já tivemos até um primeiro ministro, pos ditadura, a acusar de anti-patriotismo quem criticava o estado da nação e a ele proprio.

      Eliminar
  18. Relegar a relevância do signo (não estou a falar de astrologia) a matéria filosófica própria de crianças, característica de um tipo de pensamento primitivo, é dever muito pouco à inteligência. E o ar com que se dá a esta balela pode ser tal que a bazófia para o mais distraído até pode passar despercebida. A minha professora de filosofia do 10. ano tinha uma expressão para essa atitude: "ignorância atrevida".

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Nuno,

      O nosso cerebro tem centenas de enviesamentos cognitivos que, apesar de nos terem sido uteis durante milhares (milhoes) de anos, não deixam de ser atalhos primitivos, que objectivamente estão errados.

      Este tipo de atalho é o que faz com que o BES gaste milhoes em publicidade com o Ronaldo. Apesar de ele não perceber nada de poupanças, economia ou banca, as pessoas têm uma prediposição a assumir que ele é bom naquilo apenas porque é extremamente capaz noutra area. Isto é um enviesamento cognitivo. Tal como a questão de confundir simbologia com realidade.

      Ignorância atrevida é estar errado e nem sequer querer admitir que tal é possivel. Mais uma vez tu não suportas as tuas posições com factos, razões e inferencias. Limitas-te a dizer que a posição do João fica a dever muito pouco à inteligencia. Justificações? Factos? Isso é para os fracos. Não é?

      Os enviesamentos cognitivos (cognitive bias) estão AMPLAMENTE estudados e documentados. Ajudam a explicar muitos dos nosso comportamentos e são usados em diversas areas do conhecimento. Que não soubesses isto antes do comentário do joão é aceitavel, afinal ninguem nasce ensinado. Que nem te tenhas preocupado em pesquisar um bocadinho que seja sobre o assunto antes de vires chamar burro às pessoas é que já me parece um bocadinho ignorante e atrevido.

      O que é que teria a tua professora de filosofia do 10º ano a dizer sobre a tua atitude?

      Eliminar
    2. "O nosso cerebro tem centenas de enviesamentos cognitivos que, apesar de nos terem sido uteis durante milhares (milhoes) de anos, não deixam de ser atalhos primitivos, que objectivamente estão errados"

      Um deles pode ser, por exemplo, a propensão que uma série de gente tem para explicar tudo o que mexe no registo da evolução através do mais apto a reproduzir-se.

      Eliminar
    3. Este comentário foi removido pelo autor.

      Eliminar
  19. LL:

    "O nosso cérebro tem centenas de enviesamentos cognitivos que, apesar de nos terem sido uteis durante milhares (milhoes) de anos, não deixam de ser atalhos primitivos, que objectivamente estão errados"

    A ciência corrobora a ideia de que o nosso cérebro é uma maravilha de design que nos diferencia dos demais animais, incluindo os chimpanzés, tal como a Bíblia ensina.

    No entanto, como a Bíblia também diz, o cérebro está sujeito à corrupção moral e física resultante do pecado, a qual não necessita de hipotéticos milhões de anos como explicação cognitivamente enviesada.

    É claro que mesmo as formigas são capazes de feitos bioinformáticos fantásticos.

    Mas isso é apenas porque foram criadas por um Deus super-inteligente que programou uma inabarcável complexidade nos genomas.



    ResponderEliminar
  20. LL, a tua conversa é que é um belo enviesamento cognitivo. Falávamos da bandeira nacional, um símbolo que não tem outra razão de existir a não ser o de cumprir com determinada representação da nação. As cores têm um propósito, os símbolos que a compõem têm um propósito, e, de forma semelhante, uma história, e, por assim dizer, uma identidade. Ninguém confunde a razão de ser de uma bandeira, com o motivo pelo qual o BES põe o Ronaldo nos seus anúncios, que, diga-se de passagem, é justificado porque os fãs querem ser como ele e não porque assumem, erradamente, que ele é bom a gerir spreads.

    Obviamente, queima-se uma bandeira não pelo tecido, mas pelo símbolo que ela representa, e que se quer ver, assim, afectado.

    Caracterizar esta construção, representativa de determinada realidade como se a tentasse espelhar, como uma prática primitiva não é só ignorante, é estúpido. Realmente, o que a semiótica mais é é primitiva, e o Umberto Eco dos tipos mais trogloditas que a história conheceu.

    Por acaso sempre achei curiosa a relação do ateu com a simbologia poética da arte em geral. Forçados a considerá-las como excrescências da actividade bio-eléctrica do córtex pré-frontal, suponho que subsistam como curiosidades para o cérebro se entreter, nada mais. Mas aqui onde tu vês apenas tecido, o Estado vê uma bandeira, e, como vês, é capaz de te punir se a vandalizares, e não é pela poluição do tecido queimado.

    Mas gosto quando me mandas pesquisar antes de falar. Foi, claramente, o que tu fizeste antes de escreveres o teu comentário.


    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Nunca me viste a dizer que a Bandeira Nacional, as quinas, etc, não foram feitas com um propósito especifico. Foram, sem duvida. Mas não é isso que está em questão. Era chato ter de pôr Portugal inteiro num estandarte à entreda da ONU. Por isso, em vez de Portugal, está lá um simbolo, a Bandeira.

      No entanto, há uma gigantesca diferença entre a bandeira e Portugal. Eu posso queimar 10 mil bandeiras oficiais, que Portugal continua ileso.

      Chamares a semiotica para a conversa não faz grande sentido. Quando eu apago o 'M' da equação, E=MC^2, por exemplo, não estou a destruir a teoria da relatividade de Einstein.

      "Caracterizar esta construção, representativa de determinada realidade como se a tentasse espelhar, como uma prática primitiva não é só ignorante, é estúpido."

      Lá estás mais uma vez a não dar nenhum facto, nenhuma inferencia, nenhuma razão. É ignorante e estupido porque tu assim o decidiste. Apesar de o termo "semiotica" ser recente, desde o homem primitivo que são usados simbolos para respresentar uma determinada realidade - desde as pinturas rupestres à sinalética das casas de banho actuais, passando por bandeiras e simbologia religiosa é tudo semiótica, e muitas destas coisas já eram usadas há milhares/milhoes de anos.

      Um ateu, como qualquer outra pessoa, pode apreciar a arte em todo o seu explendor. Mas se lhe disseres que a escultura de um anjinho com asas e harpa é uma representação da realidade, ai é que as coisas podem dar para o torto.

      "Mas aqui onde tu vês apenas tecido, o Estado vê uma bandeira, e, como vês, é capaz de te punir se a vandalizares, e não é pela poluição do tecido queimado."
      O Estado não vê nada. Os conceitos não vêm, não sentem, não choram, não sofrem. Quando, quer eu, quer tu, quer qualquer pessoa sã vê uma bandeira, está a ver um tecido. Sabe que o simbolo representa um pais, mas também sabe que os dois são entidades distintas. E se acontecer alguma coisa à bandeira, o pais manter-se-à ileso.

      A Lei pune a vandalização da bdandeira porque a Lei foi escrita por nós, humanos, era dificil que não estivesse suscetivel às nossas limitações e enviesamentos. A Lei tb "pune" quem chame nomes ao Primeiro-Ministro e ao Presidente da República, figuras que representam o nosso estado.

      Eliminar
    2. "No entanto, há uma gigantesca diferença entre a bandeira e Portugal"

      Há. Como há entre uma palavra escrita e aquilo que representa. Só que sem a capacidade de atribuir e partilhar significados a simbolos, o LL andava a esta hora a catar os piolhos do parceiro em cima de uma árvore.

      Eliminar
  21. "Quando, quer eu, quer tu, quer qualquer pessoa sã vê uma bandeira, está a ver um tecido."

    Realmente, creio que isto diz tudo.
    Não me incluas nesse rol de pessoas "sãs", que quando olham para uma bandeira só vêem tecido. Aliás as bandeiras devem ter um tecido especial que dá gozo queimar, sobretudo no médio-oriente. Mas gosto especialmente da tua cultura wiki, que, não pescando um chavelho do que se está a discutir, assume a semiótica como o estudo de um "bug" primitivo do cérebro em confundir a realidade com sei lá o quê que consideras ser a simbologia. Mas os crentes seguramente não atingem o "explendor" nem "vêm" o alcance da tua explicação.

    Cumprimentos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não me viste dizer que a semiótica e o enviesamento cognitivo eram a mesma coisa.

      O enviesamento é precisamente confundir o simbolo com aquilo que o simbolo representa. Se tu ao olhares para uma bandeira não vês um tecido és, no minimo delirante.

      Quando olhas para uma caricatura de maomé, o que é que vês? um desenho ou o profeta propriamente dito?

      é o mesmo principio.

      Eliminar
  22. Nuno,

    «Relegar a relevância do signo»

    Não é disso que se trata. A bandeira portuguesa pode ter muita importância para uns e pode ter pouca para outros. Mas como, para funcionarmos melhor em conjunto é mais importante a liberdade de expressão do que o valor simbólico de um pano, defendo que a lei dê prioridade à liberdade de queimar o pano (que só queima quem quer, e cada um queima o seu) do que se ponha a punir só porque sim quem comprar um pano verde, um vermelho, cozer os dois de deitar fogo.

    ResponderEliminar
  23. Nuno Gaspar,

    «sem a capacidade de atribuir e partilhar significados a simbolos»

    Também não tem nada que ver com isso. Se eu escrevo num papel "tudo o que há de mais sagrado", tanto o LL como tu como o outro Nuno conseguem perceber esses símbolos.

    Mas se a seguida queimar o papel será um erro concluirem que eu queimei tudo o que há de mais sagrado.

    O problema não é o de não compreender o símbolo. É de não perceberem que é apenas um símbolo. Queimar uma pessoa viva é mau. Queimar um papel a dizer "uma pessoa viva" não é a mesma coisa. Queimar Portugal é mau. Queimar um pano com uma combinação de cores que se convenciona representar Portugal em certos contextos não é a mesma coisa.

    ResponderEliminar
  24. Se uma bandeira serve para representar um país em determinados contextos, serve para suporte de uma mensagem (violenta) que se quer passar ao queimá-la. A pessoa que queima uma bandeira não quer queimar um país, nem os seus habitantes, nem nada de palpável, quer queimar ideologias, identidades, estados gerais da nação, a própria história, tudo abstracções que encontram, de maneira simbólica, suporte nesse tecido a cores.

    Quando aquilo que nos potencia como humanos é o poder de criarmos e manipularmos estas abstracções, formando verdadeiros sistemas que até acabam por também criar e manipular a própria realidade, não vejo outra forma de classificar a vossa reacção, a de encarar uma bandeira como um tecido que dá gozo queimar sem qualquer outro tipo de ilações, como tola. Mas no fundo acaba por ser perfeitamente coerente com a vossa visão. Nada significa nada, apesar do que conhecem hoje ter um dia significado, sempre, algo para alguém.

    E eu também defendo que retirarem-me dois subsídios de férias é injusto face às alternativas, mas é irrelevante a minha vontade, tal como a tua perante a lei.

    ResponderEliminar
  25. Nuno,

    Parece-me que o que está aqui em discussão não é a lei actual, mas a lei desejável. O Ludwig, como eu, acredita que uma lei que impede essa mensagem é imoral. mas não defende que não existe.

    Sei que nos EUA foi permitido fazê-lo pelo menos até muito recentemente, e creio que ainda é. Nesse respeito, creio que são um exemplo a seguir. Não só nisso, mas noutras questões que dizem respeito à defesa radical do princípio da Liberdade de expressão.
    Devem existir limitações (tais como ameaças, burlas, etc..) mas nós exageramos quando mandamos para a prisão um indivíduo por ter dito que na margem sul "há uma justiça para brancos e outra para os pretos" porque supostamente os juizes ficaram ofendidinhos. Que raio de infantilidade. Por essas e por outras, somos um dos países europeus que recebeu mais multas do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por violações deste direito fundamental - e nota que a Europa inclui "paraísos democráticos" como a Bielorrúsia, a Ucrânia, o Vaticano e outros que tais...

    A mensagem associada à queima da bandeira é legítima. No máximo pode impedir-se a queima com base em questões de segurança, que devem ser devidamente acauteladas (não convém andar a provocar incêndios por aí). É uma mensagem violenta? Podemos dizê-lo a respeito de N mensagens legítimas: desde os que acreditaram que se devia invadir o Iraque para nossa segurança até aos que acreditam que os políticos são todos um bando de ladrões. Faz algum sentido impedir estas mensagens alegando que são violentas? Somos criancinhas que não podemos ter discussões abertas e frontais, deixando cada uma das partes exprimir-se livremente?

    Por mim, se as mentalidades e as leis evoluirem no sentido de alargar a Liberdade de expressão, toda a sociedade fica a ganhar. E as pessoas que se ofendem com certas e determinadas mensagens têm de aprender a viver num mundo onde nem todos pensam como elas. Ao contrário de muitas pessoas neste blogue incomoda-me que o Cesar das Neves não possa difundir livremente as suas mensagens odiosas em relação aos homossexuais e outras minorias sem ser "calado" pelos Tribunais. Temos todos de aprender que existem pessoas que pensam de formas diferentes, e somos nós quem decide o crédito e a atenção que têm. As discussões públicas devem ser livres, abertas e frontais, e só essa é uma base sólida para que se caminhe para uma maior sofisticação das ideias sobreviventes numa sociedade que respeita a Liberdade.

    ResponderEliminar
  26. Ludwig,
    "Mas se a seguida queimar o papel será um erro concluirem que eu queimei tudo o que há de mais sagrado."

    Sim. Queimas um papel onde está escrito "tudo o que há de mais sagrado" de que duvido alguém atribua o significado de sagrado.

    Como diz mestre Taleb: "If you can't spontaneously detect (without analyzing) the difference between sacred and profane, you'll never know what religion means. You also never figure out what we commonly call art. You will never understand anything".

    ResponderEliminar
  27. Ludwig,

    "Não é disso que se trata. A bandeira portuguesa pode ter muita importância para uns e pode ter pouca para outros."

    A importância que tu dás ou que eu dou é irrelevante. A simbologia que lhe é intrínseca subsiste mesmo que lhe dês pouca importância, porque ela foi criada com esse propósito. Podes não ligar ao acto de a queimar, mas suponho que não tens dúvidas quanto ao que ela representa, e entendes a mensagem que está implícita no acto, ainda antes de ele (não) te afectar. Agora, é lícito fazê-lo? A lei diz que não. Podia ser diferente? Quem sabe. A questão é que achas inadmissível a repressão de uma expressão que vá contra o aceitável, sem dizer mais nada. Porque falar da liberdade de expressão directamente a partir do sofá da sala enquanto anda gente inocente a morrer para que ela seja admissível é fácil. Não defendo a restrição, pelo contrário, mas também me recuso à leviandade boçal com que normalmente é defendida, sobretudo aqui por escrito. E pelos vistos, o Estado também parece preferir defender uma certa ordem impondo uma restrição que, em países civilizados, passa despercebida. Que necessidade é que há de se queimar uma bandeira? Que necessidade é que há de eu tirar uma fotografia à tua mulher e fazer um poster colado à tua porta a dizer que ela é imbecil e espalhar pelo teu bairro a mesma mensagem? A liberdade de expressão permite-me fazer isto. Há necessidade? Poderás até fazer um esforço e não ligar, mas para azar do raciocínio eu posso multiplicar estas formas de te chatear (isto já seria mais difamar) de propósito tantas vezes quantas eu quiser, pois a liberdade de expressão defende-me.

    E se qualquer opinião é válida como qualquer outra e deve ser respeitada, porque é que não se tenta incutir nas nossas crianças, na escola, ideologia de extrema-direita recomendando o "Mein Kampf" como manual complementar?

    Há um limite? Ou não?

    ResponderEliminar
  28. Nuno Gaspar,

    Fazer essa diferença é natural. Como é óbvio, um papel onde está escrito "tudo o que há de mais sagrado" é simplesmente um papel onde está escrito "tudo o que há de mais sagrado". Um símbolo não é um trocadilho, um jogo de palavras, é um espelho de uma realidade que é difícil traduzir de outra forma, e lhe está directamente ligada. É difícil aceder racionalmente à poesia e à arte, mas a pessoa sente. Sente e sabe, com a certeza de um cientista que aplica a fórmula resolvente. Mas a lavagem cerebral neo-ateia tenta contrariar este movimento natural, dizendo simplesmente que a relação não existe, ficando o ateu limitado a um tecido cosido nas mãos, e a um jogo combinatório de letras, palavras, som e cor a que se costuma chamar arte, mas que no fundo não passa disso.

    ResponderEliminar
  29. Nuno,

    «serve para suporte de uma mensagem (violenta) que se quer passar ao queimá-la.»

    Seja. Se justificamos proibir que se queime bandeiras porque isso transmite uma mensagem violenta então temos de proibir cartazes representando bandeiras a arder ou com textos como “eu estava capaz de queimar já aqui uma bandeira”. Esse é o problema da censura: quer proibir uma mensagem mas há muitas formas de transmitir a mesma mensagem.

    Eu acho que o Estado não tem legitimidade para isso. Ou, posto de outra forma, acho péssima ideia dar a algum funcionário público o poder de decidir o que censura ou não.

    Nuno Gaspar,

    «If you can't spontaneously detect (without analyzing) the difference between sacred and profane, you'll never know what religion means»

    Então toma lá outra para citares: Se não consegues perceber a diferença entre o valor que tu dás a uma coisa e as leis que nos regem a todos então nunca vais saber o que quer dizer democracia.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. 'tá bem abelha. Aproveitando. Acho que já to disse. Vai ser publicado no mês de Outubro o terceiro volume da trilogia Incerto do Nassim Taleb, amigo do cepticismo que não recusa a esperança (Fooled by randomness, Black Swan, Antifragility + Bed of Procrustes). Tudo indica que, com esta obra, vai haver um antes e um depois na epistemologia e no estudo da estatística, da probabilidade e da incerteza - e talvez uma leitura obrigatória de admissão às universidades.

      Eliminar
  30. Nuno,

    «Há um limite? Ou não?»

    Sim. O limite da liberdade de um é a liberdade do outro.

    Portanto, és livre de dizeres o que pensas de mim. Mas não de o gritares à minha janela às duas da madrugada. O segredo aqui é encontrar um equilíbrio entre as liberdades de todos de forma a distribuir de forma justa, equitativa, a liberdade de cada um viver e agir de acordo com os seus valores.

    Por exemplo, deves ser livre de defender que todos os homens tenham o direito de bater nas mulheres, se quiseres, mas deves ser impedido de bater em mulheres, porque isso já violaria um direito mais importante em terceiros. Deves ser livre de tratar as tuas bandeiras como quiseres, e a lei deve impedir quem tas queira queimar contra tua vontade. E deves ser livre de opinar acerca do que os outros queiram fazer com as suas bandeiras. Mas não deve haver um sistema que castigue quem fizer com a sua bandeira algo que tu não aprovas.

    É por este princípio, de que as restrições à liberdade de alguém se justificam apenas quando são necessárias para proteger uma liberdade pelo menos tão importante de outrem, que considero ilegítimo do Estado impor restrições como essas de não queimar a bandeira, não injuriar o Presidente da República, não dizer mal de religiões, etc. Essas leis, e a censura em geral, fazem o contrário do que deviam fazer.

    ResponderEliminar

Se quiser filtrar algum ou alguns comentadores consulte este post.