sexta-feira, setembro 23, 2011

Converter ou conversar.

É prática comum das religiões, comum e assumida, tentar converter as pessoas. Seja a espalhar a boa nova, ganhar fiéis, prometer paraísos ou salvar almas, fazem virtude de moldar as crenças alheias. E muitos adeptos das religiões dizem que cientistas, ateus, cépticos e professores fazem o mesmo. Basicamente, que toda a gente tenta converter os outros. Mas isto confunde duas atitudes diferentes, quer nos objectivos quer nos mecanismos a que recorrem.

Quando explico porque julgo não existirem deuses tento dar razões consensuais de onde se possa chegar a essa conclusão. O objectivo disto é tornar clara a minha posição, e o seu fundamento, para que cada um avalie se tem mérito ou não. Se alguém se tornar ateu ao ler o que escrevo será porque mudou a sua própria opinião, e não porque eu o converti. Os religiosos dirão que também fazem isto, que também apresentam razões e argumentos racionais. Têm razão. Nem todos o fazem, mas admito que alguns tentam. A diferença está no que fazem para além disto. Por exemplo, na educação das crianças.

Se os meus filhos me perguntam o que eu penso das religiões, sou sincero e apresento os argumentos que julgo mais sólidos. No entanto, quando eles dizem que também são ateus como o pai, digo-lhes que aos dez anos ainda é cedo para decidirem isso, que têm ainda muito que aprender e pensar sobre o assunto antes de perceberem bem o problema e essa solução. Quando se espantaram por eu ler a Bíblia expliquei-lhes que, independentemente do aspecto religioso, é uma obra culturalmente importante. E quando começaram a fazer perguntas sobre estes assuntos comprei uns livros sobre religiões e mitologia e fui-lhes mostrando de tudo um pouco, dos deuses gregos ao islão e do cristianismo ao criacionismo dos nativos norte-americanos. Admito ser provável que, com esta abordagem, acabem ateus como o pai. Mas isso é porque nenhuma religião tem um fundamento tão sólido como o do ateísmo, e não por eu vedar aos meus filhos o acesso a opiniões contrárias à minha. O mais importante é que tenham a capacidade de encontrar a informação de que precisam e de decidirem por eles próprios.

A educação dos filhos de religiosos tende a ser diferente. Logo depois de nascer dão-lhes a religião dos pais. Crianças que nem sequer sabem falar e já são católicas, judias ou muçulmanas. Nas escolas, desde a disciplina de religião e moral até à educação sexual, o que mais preocupa as religiões é evitar que as crianças aprendam “o que não devem”, como se a ignorância selectiva fosse o mesmo que a educação. E até na universidade. Há dias, a Universidade Católica decidiu, à última hora, não contratar um professor de filosofia que já sido tinha seleccionado, notificado da selecção e a quem até já tinham atribuído o serviço docente. Apesar de ser católico, parece que tinha ideias prejudiciais para os alunos (1). Por mim, e penso que muitos ateus concordariam, a educação religiosa devia ser igual para todos e focar os factos consensuais acerca das religiões: os cristãos acreditam nisto, os muçulmanos naquilo, os budistas naqueloutro, e os ateus vivem bem sem essas coisas. Cada um depois que decidisse por si, ao longo da vida. Mas nenhuma religião aceitaria isto porque, em vez de educar as crianças, o que querem é afunilar-lhes o caminho para o curral predestinado.

A argumentação religiosa também vai muito além de razões consensuais, alegações fundamentadas e inferências válidas. Ou seja, sai do âmbito da persuasão racional. Quando um padre católico afirma saber que eu vou ter uma vida eterna depois da morte e que o criador do universo encarnou em Jesus para me salvar está a invocar uma falsa autoridade porque, em rigor, não tem como saber isto. Especula, crê, mas não sabe. Quando um cristão afirma que só acreditando em Jesus posso ser eternamente feliz mas se rejeitar o cristianismo sofrerei para sempre está a apelar a consequências (dúbias) para suportar alegações de factos. Isto são falácias, visando persuadir pelo engano, medo ou desejo em vez de pela razão.

Há uma grande diferença entre converter e conversar. Um diálogo racional pretende tornar o raciocínio tão claro quanto possível para que se possa avaliar o seu mérito e decidir, pela força das razões, se a conclusão é aceitável ou se há alternativas com mais fundamento. O meio para atingir esse fim é procurando razões consensuais e abrindo caminho com inferências válidas. O objectivo da conversão é diferente. A conclusão está dada à partida, e o objectivo é operar no outro as mudanças necessárias para que adopte essa opinião. E para isso vale tudo. Pode-se começar a catequese logo na infância, para decidir pelo convertido antes que ele o possa fazer por si. Depois, filtra-se o acesso à informação para que não descubra hipóteses alternativas e incute-se o dever de acreditar mesmo contra os factos: a fé. No meio disto vai-se apelando falaciosamente para autoridades ou consequências fictícias de modo a dificultar a análise racional e deixar a parte mais emotiva cimentar a opinião.

Nas discussões em blogs, ateus e religiosos fazem fundamentalmente o mesmo. Melhor ou pior, tentam argumentar racionalmente pelas suas conclusões. Nesse contexto as alegações de infalibilidade, as ameaças ou promessas para uma vida futura e afins têm pouca relevância. Mas quando consideramos o que se passa na nossa sociedade, em geral, há uma grande diferença entre o que o ateísmo faz para expor e defender a sua posição e o que fazem as religiões para angariar e manter fiéis.

1- Porfírio Silva, Uma história pouco católica.

18 comentários:

  1. Ludwig,

    Aquilo que me parece é que existem várias formas de tentar persuadir. Algumas são intelectualmente defensáveis: a exposição clara de argumentos, a argumentação não falaciosa, etc.. Outras colocam a nu a irracionalidade do ser humano: a punição social, a agressividade, a tentativa de restringir o acesso aos argumentos da posição contrária, etc...

    Mas as formas erradas de persuasão são tão comuns em campos fora da religião (a propaganda política está cheia delas, para dar um exemplo óbvio), que a associação estabelecida entre formas erradas de persuasão e persuasão religiosa perde-se um pouco.

    Eu creio que a relação existe, e que realmente a persuasão religiosa muito frequentemente recorre a formas de persuasão que me parecem erradas - perfeitamente lícitas, mas erradas. Mas a relação não me parece suficientemente forte para que possas chamar «evangelizar» a tudo quanto são más formas de persuasão. Para isso temos outro termo que usado num sentido bastante abrangente tende a ter esse significado: lavagem cerebral.

    Dizemos que a propaganda que recorre mais à manipulação de emoções e menos à apresentação de uma argumentação sólida faz «lavagem cerebral». Ou que quando se procura inculcar no cérebro de criancinhas uma determinada opinião se está a fazer uma «lavagem cerebral».

    E se disseres que tu não procuras fazer «lavagem cerebral», eu vou concordar. Alguns crentes tentam evangelizar (no sentido mais restrito) sem fazer lavagem cerebral (no sentido mais amplo), e alguns ateus não se coíbem de fazê-la, parece-me. Mas creio que quem advoga a posição mais defensável tem menos probabilidade de usar essas formas erradas de persuasão.

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  2. Uma reflexão interessante. Eu diria que há critérios de "honestidade" (intelectual e não só) que seria bom que todos respeitassem quando partilham a sua procura de sentido. Mas algumas pessoas estão tão convencida que "viram a verdade" que acham aceitável (ou até necessário) recorrer a qualquer coisa para "recrutar" outros para as suas ideias. Infelizmente, não são só os religiosos que fazem isso. Felizmente, nem todos os religiosos fazem isso.

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  3. João Vasco,

    A minha distinção não é entre formas boas ou más de persuadir, mas sim entre dar a alguém argumentos e informação que lhe permita chegar a uma conclusão, ou pressionar essa pessoa, filtrar a informação que lhe chega e manipulá-la para a forçar a chegar a uma conclusão.

    E não proponho que seja só a religião a fazê-lo. Mas proponho que baptizar crianças, metê-las na catequese, escolher a dedo o que elas vão aprender acerca das religiões, alegar que se sabe que a vida depois da morte vai ser assim ou assado, que o Papa é infalível e que a Bíblia é a palavra do criador do universo é fundamentalmente diferente de publicar livros sobre ateísmo, escrever em blogs ou argumentar como fazem os ateus. Nunca vi um ateu a dizer que quem não for ateu vai para o inferno, nem a alegar tem uma fonte infalível seja do que for...

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  4. Porfírio,

    «Eu diria que há critérios de "honestidade" (intelectual e não só) que seria bom que todos respeitassem quando partilham a sua procura de sentido.»

    Acerca da procura de sentido penso que podemos ser bastante permissivos. Afinal, uns podem procurar sentido na verdade, outros na beleza, outros em proposições escritas com número par de letras. Penso que não há critério para dizer a alguém “não podes procurar sentido aí”. Portanto, desde que não façam mal aos outros, tanto me faz como procuram sentido na sua vida.

    O que me importa mais são as alegações de factos. Aí já temos de ser bastante exigentes, e, por norma, as religiões não cumprem (nem de longe) as exigências mínimas para fundamentar as alegações que fazem...


    «Mas algumas pessoas estão tão convencida que "viram a verdade" que acham aceitável (ou até necessário) recorrer a qualquer coisa para "recrutar" outros para as suas ideias. Infelizmente, não são só os religiosos que fazem isso. Felizmente, nem todos os religiosos fazem isso.»

    Perfeitamente de acordo. Mas saliento que quando falo dos religiosos não falo em regras gerais (há muitos religiosos diferentes) mas apenas de tendências. Por exemplo, no parágrafo «A educação dos filhos de religiosos tende a ser diferente...». Onde se pode generalizar melhor é acerca das religiões. Estas, neste aspecto, são muito mais homogéneas do que os religiosos. Individualmente, reconheço que uma percentagem significativa de religiosos concordaria em que o ensino religioso nas escolas fosse focado nos factos acerca de todas as religiões em vez de nos dogmas só de uma. Mas, institucionalmente, parece-me que nenhuma religião aceitaria isso.

    E se bem que muitas ideologias queiram fazer o mesmo (políticas, por exemplo), a nossa sociedade já veria com maus olhos que se inscreva um recém nascido no PCP, ou que o programa de uma disciplina seja função dos pais serem do Benfica ou do Sporting. A religião, parece-me, é a excepção mais significativa que resta. Muita gente acha perfeitamente normal rotular recém-nascidos com uma religião, quando devia ser óbvio que isso não só é um absurdo como é uma violação de direitos fundamentais.

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  5. "Nunca vi um ateu a dizer que quem não for ateu vai para o inferno, nem a alegar tem uma fonte infalível seja do que for..."

    Nunca ouvi um crente dizer isso. Mas já ouvi neoateístas dizerem que a existência de Deus é uma questão científica. O que, para quem se comove com Caravaggio ou com Filipe de Magalhães, seria uma condenação ainda pior do que arder nas labaredas do inferno.

    Já com a educação das crianças não te preocupes, Ludwig. Olha pr'ó João Vasco. Diz que era um menino de coro e agora está convertido numa serpente neoateísta.

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  6. Nuno Gaspar,

    Eu já ouvi crentes dizerem isso. E o Concílio de Trento deixou bem claro que quem rejeitar a hipótese de Jesus ter morrido para nos salvar nãos era salvo e vai para o inferno.

    «Mas já ouvi neoateístas dizerem que a existência de Deus é uma questão científica.»

    Essa distinção entre científico ou "não científico", quando aplicada a hipóteses acerca dos factos, é uma treta. Estas hipóteses ou são devidamente fundamentadas e a ciência recomenda que sejam aceitas, ou não têm fundamento e a ciência recomenda que não se confie nelas de todo. Dizer que o meu X é não científico por isso mesmo sem fundamento justifica-se ter toda a confiança de que existe é uma desculpa disparatada.

    «Já com a educação das crianças não te preocupes, Ludwig. Olha pr'ó João Vasco. Diz que era um menino de coro e agora está convertido numa serpente neoateísta. »

    Reconheço-lhe o mérito nisso, mas isto não impede que outros tenham menos sorte. Olha o teu caso, por exemplo :)

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  7. «Dizer que o meu X é não científico por isso mesmo sem fundamento justifica-se ter toda a confiança de que existe é uma desculpa disparatada.»

    Krippahl, finges que dizer que X está fora do âmbito da ciência, é o mesmo que dizer que X não tem fundamento e que por isso justifica-se ter toda a confiança de que existe.

    Escusas de fazer falsos dilemas. Dizer que X está fora do âmbito da ciência, não é o mesmo que dizer que X não tem fundamento.

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  8. Se as minhas crias me dizem que vão entrar pó Grupo Bíblico Unibersitário ou se trazem cá pra casa brasukas e brasukos da igreja unibersal do Reino de Deus...eu krippahl me confessso

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  9. Ludwig,

    «A educação dos filhos de religiosos tende a ser diferente. Logo depois de nascer dão-lhes a religião dos pais. Crianças que nem sequer sabem falar e já são católicas, judias ou muçulmanas. Nas escolas, desde a disciplina de religião e moral até à educação sexual, o que mais preocupa as religiões é evitar que as crianças aprendam “o que não devem”, como se a ignorância selectiva fosse o mesmo que a educação.»

    E estás convencido de que os religiosos fazem como dizes. Eu tenho uma percepção e uma experiência que não corresponde à tua. Mas reconheço que nasci, cresci e sempre vivi num meio católico. Não conheço outras realidades.
    «Por mim, e penso que muitos ateus concordariam, a educação religiosa devia ser igual para todos e focar os factos consensuais acerca das religiões: os cristãos acreditam nisto, os muçulmanos naquilo, os budistas naqueloutro, e os ateus vivem bem sem essas coisas.»
    Por mim acho que nenhuma educação pode ser igual para todos (e educação religiosa, menos ainda). Também distingo entre ensinar e educar e não preconizo um Estado Educador que, aliás, a nossa Constituição da República não acolhe e, quanto aos factos consensuais acerca das religiões, se é que eles existem, nas disciplinas de história e geografia e filosofia isso é tratado amiúde.
    Tenho uma objecção quanto ao ponto em que dizes «e os ateus vivem bem sem essas coisas». Esta asserção, por não ser mera opinião, mas alegação de facto, é uma afirmação gratuita. Na sequência do que dizes antes, é como uma pedra no puré. E este é o teu método de pensamento crítico que tanto tenho criticado, em vão.

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  10. «Cada um depois que decidisse por si, ao longo da vida. Mas nenhuma religião aceitaria isto porque, em vez de educar as crianças, o que querem é afunilar-lhes o caminho para o curral predestinado.»

    Pois, está-se mesmo a ver, não é? Os pais religiosos, em vez de quererem o melhor para os seus filhos, zás, vai de condená-los à nascença a serem monstrinhos ignorantes, supersticiosos e imaginativos, quando é tão fácil de ver, porque está de caras, todas as vantagens de que estão a privá-los, como se pode verificar facilmente nos seus colegas ateus, pelo saber, pelo exemplo de vida e pela participação desinteressada na vida social.
    Ludwig, cada um decide por si sobre aquilo em que deve acreditar. As religiões, mesmo que o pretendessem, não teriam meios de evitar que as pessoas lhes dessem menos crédito. Mas o que me incomoda deveras em ti, ou no teu discurso (qual é a diferença?) é o fel e a crueldade com que o destilas, entremeado com senso comum. Refiro-me a “o curral predestinado”. Nem os ateus vão para um curral, por que haveriam de ir os cristãos?
    A mim incomoda-me e desagrada-me que digas, não que Deus não existe (declaração perfeitamente inócua e irrelevante) mas que, em vez de observares e estudares cientificamente as realidades, sistemática e deliberadamente, faças o inadmissível, ocupando-te a insultar e a denegrir quem pensa e vive de modo diferente. Isto é que me importa, não é o que tu pensas ou o que tu sabes.

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  11. «Quando um padre católico afirma saber que eu vou ter uma vida eterna depois da morte e que o criador do universo encarnou em Jesus para me salvar está a invocar uma falsa autoridade porque, em rigor, não tem como saber isto. Especula, crê, mas não sabe.»

    Não é quando um padre católico…Quando tu, ou qualquer pessoa afirma saber…em rigor, especula, crê, mas não sabe. Se…Se…Se… Voltamos aos ses. De resto, não é um padre católico, nem é um cristão que diz e define o que devemos crer. Nem serias tu, por muito ilustre e sábio que fosses, quem diria o que é ou não é no Universo.
    Ao Magistério da Igreja, ou seja, ao Papa e aos Bispos, em comunhão com ele, é que compete a interpretação da Revelação de Deus.

    « está a apelar a consequências (dúbias) para suportar alegações de factos. Isto são falácias, visando persuadir pelo engano, medo ou desejo em vez de pela razão.»

    Se um cristão te mentir está a ser mentiroso. Se um cristão te ameaçar com o inferno… Se te ameaçar com uma arma…Se não te ameaçar… Dentro dos possíveis, tudo é possível.

    « E para isso vale tudo. Pode-se começar a catequese logo na infância, para decidir pelo convertido antes que ele o possa fazer por si. Depois, filtra-se o acesso à informação para que não descubra hipóteses alternativas e incute-se o dever de acreditar mesmo contra os factos: a fé. No meio disto vai-se apelando falaciosamente para autoridades ou consequências fictícias de modo a dificultar a análise racional e deixar a parte mais emotiva cimentar a opinião.»

    Pareces um especialista na arte de fazer crer naquilo que é incrível. Nunca vi ninguém com tão apurado nível de argúcia e conhecimento nesta área. Mas não receio, porque nem assim terás sucesso.
    A verdade não é essa e acaba sempre por se saber.

    « há uma grande diferença entre o que o ateísmo faz para expor e defender a sua posição e o que fazem as religiões para angariar e manter fiéis.»

    Reconheço que, do ateísmo, pouco mais conheço do que algumas intervenções neste blogue. É assunto estéril e enfadonho (o que é o ateísmo? Que é que ensina?) e, se me dou ao trabalho de reagir, é porque o assunto do ateísmo é cristianismo e catolicismo tratados com propósitos inconfessáveis e sempre com intenção de ferir.
    Do que fazem as religiões para angariar e manter fiéis, não sei muito. A minha religião não faz tanto como deveria e seria desejável, mas isto é um ponto fraco e motivo de insatisfação para os cristãos. Os ateus parecem-me activos, dinâmicos, agressivos, solidários e organizados. Mas não devem ter motivos de satisfação.

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  12. Carlos Soares,

    «E estás convencido de que os religiosos fazem como dizes. »

    No trecho que citaste eu falo de dois conjuntos diferentes, que importa não confundir. Primeiro, os religiosos tendem a rotular os seus filhos com a religião dos pais. Ou até dos avós. Eu fui baptizado católico com poucos meses, por exemplo. O outro grupo é o das religiões. Essas instituições é que influenciam coisas como o programa de educação moral e religiosa nas escolas. Religiosos (pessoas) e religiões (instituições) não são o mesmo.

    Mas penso que no teu caso temos um religioso que também é exemplo desse problema das religiões:

    «Por mim acho que nenhuma educação pode ser igual para todos (e educação religiosa, menos ainda).»

    «Tenho uma objecção quanto ao ponto em que dizes «e os ateus vivem bem sem essas coisas». Esta asserção, por não ser mera opinião, mas alegação de facto, é uma afirmação gratuita. »

    Se perguntares a 100 cristãos se vivem bem com a crença em Cristo, dirão que sim. Se perguntares a 100 ateus se vivem bem sem a crença em Cristo, dirão que sim também. Não me parece uma alegação problemática.

    «Pois, está-se mesmo a ver, não é? Os pais religiosos, em vez de quererem o melhor para os seus filhos, zás, vai de condená-los à nascença»

    Não são os pais. São as religiões. Os pais querem o melhor para os seus filhos, mas as religiões querem é clientes, e os filhos dos outros são os clientes da amanhã. Inevitavelmente, pelas pressões competitivas entre religiões e alternativas, as religiões aperfeiçoam sempre mecanismos para conduzir e manter as pessoas nessa religião mesmo em detrimento dessas pessoas.

    «Ludwig, cada um decide por si sobre aquilo em que deve acreditar.»

    Não é assim tão simples. Uma pessoa que conheço bem foi criada católica e hoje não é crente. Mas uma vez pedi-lhe, por experiência, para dizer “Platão era um parvo” e, mesmo sabendo que Platão não era parvo, essa pessoa não teve problema em dizê-lo. São só palavras, afinal. Mas não conseguiu dizer “Jesus era um parvo”. Mesmo que conscientemente acredite que Jesus era apenas um homem, como Platão, algo mais profundo já estava demasiado enraizado no seu cérebro. Nós não somos computadores. Não basta alterar o código ou o sistema operativo. A aprendizagem, especialmente na infância, pode deixar alguns sulcos demasiado profundos para conseguirmos sair de lá. Daí a importância de dar às crianças uma visão abrangente e diversificada dos vários pontos de vista e deixá-las ir formando as suas opiniões de uma forma mais livre do que com catequeses, missas, padres e afins.

    «A mim incomoda-me e desagrada-me que [...], em vez de observares e estudares cientificamente as realidades [...] faças o inadmissível, ocupando-te a insultar e a denegrir quem pensa e vive de modo diferente.»

    Reconheço-te todo o direito de te incomodar e desagradar com o que bem quiseres, e nunca te obrigarei a ler o que escrevo. Isto é um blog, não uma missa, e não tens qualquer obrigação de ouvir o meu sermão. Mas, precisamente por teres esse direito de te incomodares com o que quiseres, tens também de assumir a responsabilidade por te sentires insultado ou denegrido. Ambos fazem parte da mesma liberdade de opinião que tu tens.

    Eu digo as coisas como as vejo. Se tiveres erros factuais a apontar, em concreto, estou interessado. Se quiseres desabafar porque te sentes ofendido, fica à vontade, mas a isso já vou ligar bastante menos.

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  13. Carlos Soares,

    «Ao Magistério da Igreja, ou seja, ao Papa e aos Bispos, em comunhão com ele, é que compete a interpretação da Revelação de Deus.»

    Dizes tu. Mas não apresentas evidências objectivas que fundamentem essa alegação, e muitos religiosos não católicos discordam profundamente dessa hipótese. Eu também não vejo como é que o Papa, em comunhão com os Bispos, vão poder saber que o universo foi criado por um deus omnipotente, omnisciente e omnibenevolente mas que por qualquer mistério insondável se recusa a avisar quem está prestes a pisar uma mina.

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  14. A razão pela qual o Papa e os Bispos que o rodeiam no Vaticano conseguem interpretar a revelação de Deus é muito simples. Existe nas catacumbas da basílica de S. Pedro, uma sala onde é possível usar uma espécie de Portal inter-dimensional para comunicar com o Supremo Criador, o qual foi trazido das Cruzadas ao médio-Oriente, sendo mantido desde então com o segredo mais bem guardado de todos os tempos.
    No entanto, não sei por que Divina razão - estará Deus zangado com os ministros do Vaticano ? -, esta revelação foi-me soprada ao ouvido na última noite durante os meus sonhos. Agora que todos sabemos, vamos todos reclamar o acesso a esse portal e acabar com os privilégios especiais da alta corte do Vaticano!

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  15. Sugestao: nestes tempos do twitter e das redes sociais, sugiro que seja criada uma conta no facebok ligada ao portal Divino do Vaticano para que as pessoas que nao tem meios economicos para viajarem a Roma nao fique de fora deste maor acontecimento todos os tempos.

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  16. O melhor seria Deus criar uma conta...

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  17. Ludwig,

    Já vi que mudaste a tua táctica. Viste que não tinhas argumentos para condenar a evangelização 'per se', visto que fazes o mesmo aqui no teu blog, e passaste para a evangelização de crianças.

    E aí, és, para ti próprio, um pai exemplar: compras aos cachopos uns livros disto e daquilo e assim eles ficam informados, e poderão decidir em liberdade, dizes tu. Mas uma criança normalmente tem o pai como referência, e se o pai é ateu, ela mais provavelmente quererá ser ateia. Além disso não mostraste aos teus filhos o que é ser católico, nem podes mostrar, porque não és. Eles nunca vão saber o que é ser católico só porque lhes compraste um livro com uns bonecos. Teriam de experimentar viver o catlocismo, algo que nem tu nem essas livros podem proporcionar. Por isso, quando os teus filhos decidirem, se é que não já o fizeram, a decisão não será livre, como falsamente alegas, mas condicionada ao facto da sua educação ser ateia.

    Não te condeno por isso, porque estás a fazer o que sabes, ser ateu, e queres o melhor para os teus filhos. Tal como um católico, quer o melhor para o seu filho, daí mostrar-lhe o que é a vivência católica, seja ir à catequese ou à Missa. Mais uma vez és incoerente quando queres impedir que as pessoas eduquem os seus filhos como lhes parece melhor, e tu fazes o mesmo com os teus.

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  18. João Silveira,

    «Já vi que mudaste a tua táctica. »

    Que raio de acusação. Tu apontaste que “evangelizar” também tem o sentido de dar boas notícias ou defender algo que julgamos meritório. Como concordei com esse ponto, esclareci que o que critico não é a evangelização nesse sentido mas no sentido da conversão. Ou seja, o acto pelo qual uma pessoa manipula e altera as opiniões dos outros, muitas vezes sem olhar a meios, em contraste com o acto de expor claramente uma opinião para que os outros possam melhor julgar o seu mérito. Agora por reconhecer que tinhas razão nisso estou a "mudar de táctica"? Bela maneira de dialogar...

    «Mas uma criança normalmente tem o pai como referência, e se o pai é ateu, ela mais provavelmente quererá ser ateia. »

    Provavelmente. Ou talvez não. A religião nunca foi um tema muito discutido em minha casa, mas os meus pais nunca foram ateus e eu sempre fui, desde que tive idade para perceber isso. A questão não é tanto se a criança tem o pai como referência, mas a capacidade que a criança retém para formar a sua própria opinião conforme deixa de ser criança.

    «Eles nunca vão saber o que é ser católico só porque lhes compraste um livro com uns bonecos. Teriam de experimentar viver o catlocismo, »

    Se quiserem, podem. Não os impeço. Eu perguntei-lhes se queriam ir para a catequese com os amigos que iam, se queriam religião e moral na escola, etc.

    «Por isso, quando os teus filhos decidirem, se é que não já o fizeram, a decisão não será livre, como falsamente alegas, mas condicionada ao facto da sua educação ser ateia. »

    A educação deles não é “ateia”. Quando eles me perguntaram acerca dos deuses, eu não disso “isso não existe, esqueçam essa porcaria e não falem mais no assunto”. Eu falei-lhes dos vários deuses de várias culturas, das crenças de várias religiões e assim. A educação religiosa deles será tão completa quanto eles queiram. A diferença é que é baseada nos factos. Eu não lhes vou dizer que um daqueles deuses existe mesmo, ao contrário dos outros, e que as ama, e que elas devem louvá-lo, adorá-lo e assim. Não tenho qualquer fundamento para poder afirmar isso. Digo-lhes apenas que muita gente acredita e, tanto quanto sei, ninguém arranjou ainda forma de demonstrar que o seu deus era mais real do que os deuses dos outros.

    «Mais uma vez és incoerente quando queres impedir que as pessoas eduquem os seus filhos como lhes parece melhor, e tu fazes o mesmo com os teus. »

    A minha posição não é que cada um eduque os seus filhos como lhe parecer melhor. A minha posição é que todas as crianças devem ser educadas da forma que for melhor para elas. E isso implica dar-lhes uma visão abrangente dos problemas e distinguir claramente os factos das opiniões. É um facto que muita gente acredita em muitos deuses, mas a crença de cada um de que o seu deus é mais verdadeiro do que os restantes é mera opinião sem fundamento que a justifique.

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