terça-feira, setembro 06, 2011

Penas pesadas.

Uma resposta comum à criminalidade é exigir-se castigos mais severos, e muita gente se lembrou disso a propósito dos motins em Londres. Se bem que isto faça sentido em alguns casos, não é nestes. Não tenho uma receita para resolver o problema dos gangs, do pessoal que parte lojas, estraga coisas e faz idiotices destas, mas é fácil ver que há coisas que não adiantam. Não vale a pena pôr alho à porta das lojas, nem contratar exorcistas nem agravar as penas.

Penas mais pesadas seriam úteis em alguns ilícitos, como os cometidos em empresas e instituições afins. Da maneira como isto funciona agora, a maioria destes é punida com multas pagas pela instituição, com pouco efeito em quem os comete e que, por isso, não desencoraja estas práticas ilícitas com as quais se ganha muito dinheiro. Nestes casos, uns meses de prisão efectiva seria um dissuasor eficaz. Mas isto é uma classe muito particular de ilícitos e crimes. São cometidos por pessoas informadas, normalmente com aconselhamento jurídico, que sabem bem o que arriscam e que o fazem com o intuito de maximizar os seus ganhos. Nessas condições, as penas podem ter um efeito significativo.

No outro extremo está o miúdo de 11 anos que foi condenado a dezoito meses numa casa de correcção por roubar um caixote do lixo durante os motins(1). Pela notícia, é evidente que o miúdo é uma peste. Uns dias antes tinha estado no tribunal por ter cortado um assento do autocarro, tentado pegar-lhe fogo e partido o vidro para fugir quando o motorista não o quis deixar sair. Não sei o que se pode fazer a um miúdo assim. Mas pô-lo dezoito meses com miúdos mais velhos a ainda piores não parece uma boa maneira de o educar nem uma forma eficaz de dissuadir o próximo miúdo de 11 anos que, no meio de um motim, tenha ideia de fazer outro disparate qualquer.

Um problema é que estas pessoas que formam gangs, partem montras e se amotinam têm uma visão do sistema judicial diferente daquela que têm os legisladores, os advogados e a grande parte da população que raramente tem problemas com a lei. Não vêem a lei como um sistema que protege a maioria punindo criminosos com castigos proporcionais ao crime. Vêem, e sentem, a lei como sendo a invenção de pessoas que estão melhor do que eles e que têm o poder de lhes estragar a vida de forma arbitrária e muitas vezes injusta. Sabem daquele que não fez nada mas ficou sem os dentes por estar no sitio errado quando veio a polícia de choque, do outro que já deu facadas em meia dúzia mas que nunca foi preso, de outros que ficaram sem casa por uma decisão qualquer na câmara e assim por diante. Para estas pessoas importa mais apanhar o juiz bem disposto do que a moldura penal do ilícito de que forem acusadas.

O outro problema é que as decisões de andar bêbado, drogado, partir montras e virar carros não são de quem está a optimizar racionalmente o resultado das suas escolhas avaliando custos e benefícios. São de quem, basicamente, nem se rala por estar a estragar a vida nem tem grande esperança de que a vida melhore. Não é provável que alterar a lei ou a sua aplicação contribua para prevenir estes crimes.

Durante milénios, aplicou-se penas terríveis aos mais diversos crimes. Até coisas que hoje nem consideramos crime, como ser vagabundo ou herege. Mas nem com o castigo de tortura até à morte se conseguiu uma redução significativa da criminalidade. Pelo contrário. A taxa de homicídios na Europa medieval, mesmo com torturas e pena de morte, era quinze vezes maior do que é em Portugal agora (2).

O crime de quem está bem, sabe o que faz e, fazendo as contas, vê uma possibilidade de ficar ainda melhor parece-me bastante sensível ao poder dissuasor das penas, que nem precisam de ser pesadas. Mas o crime de quem não vê possibilidade de ficar melhor, não tem como prever o que lhe vão fazer e já nem se rala com o que lhe acontece, esse não se consegue dissuadir com penas pesadas. Só se pode prevenir alterando essa situação.

Quem sugere penas mais pesadas para estes criminosos está a sobrestimar a capacidade do sistema penal para resolver este tipo de problemas. Esta criminalidade tem de ser combatida com alterações culturais, sociais e económicas, o que é tramado de fazer, demora tempo e vai precisar de muitas tentativas e muitos erros. Mas implementar uma solução ilusória e ineficaz é ainda pior do que não fazer nada.

1- Daily Record, English riots: 11-year-old boy handed 18-month sentence for stealing a bin
2- Wikipedia, Murder

21 comentários:

  1. É bonito e fica bem dizer que a sociedade não pode exigir dos cidadãos contrapartidas do que lhes não dá. Se o faz, não quer dizer que esteja a matar ou a esfaquear ou a roubar o cidadão, mas está a ser injusta. Em qualquer caso, a sociedade tende a defender-se de agressões. Uma coisa é agredir a polícia, outra é agredir indiscriminadamente. E há agressões e agressões. Até onde é que o Ludwig acha que devia ir a tolerância do cidadão? E a liberdade da polícia? E a liberdade do cidadão?

    Quanto às penas, penso que se passa com os criminosos algo semelhante ao que se passa com os doentes, sinistrados e moribundos: a sociedade esforça-se por os esconder, como quem esconde algo desagradável, como se não existisse. Este comportamento pode ser, de alguma forma, inócuo no que respeita à saúde e à exposição pública da miséria, mas parece-me muito errado no que respeita à punição dos crimes.

    O Ludwig acredita na reabilitação e na reinserção social do criminoso?

    O mais tangível é o chamado efeito de prevenção geral das penas. Ao esconder a criminalidade e as punições, como se não existissem, podemos ter a ilusão de que nada acontece...Eu gostava de saber, por exemplo, qual a percentagem de delinquentes que tinham a noção da eficácia da polícia e do sistema judicial quanto à punição dos delitos que praticaram. Por outras palavras, que acha o Ludwig da ideia de, em vez de esconderem o delinquente numa prisão, colocarem-no numa praça pública (podia ser só uma foto sem identificação), com a explicação do delito e da respectiva pena? Assim como se faz campanha aos bancos, aos sutiens e aos penteados, nas paragens dos transportes, não importaria advertir mais claramente das consequências de certos comportamentos?
    E até fomentar turismo com visitas guiadas às prisões, aos cemitérios e aos hospitais, por exemplo, de Barcelona?
    Ou isso seria alienante?

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  2. 1º pôr sapos de louça nas portas das lojas impede o desaparecimento de bens por via cigana...infelizmente os pai-de-santo brasileiros levam os sapos como recordação

    Por aqui deita-se fogo a um pneu por semana e a dois coisos azuis cheios de papelão e plástico...infelizmente apesar da carência de combustível os bombeiros chegam a tempo e só se chamusca a pintura de um ou outro pópó

    Aqui escreve-se morte à bófia como estilo de vida...
    até mesmo quem tem um primo na polícia diz morte à bófia (geralmente pinta-se com tinta ) esta semana até uns A's de Anarka

    são modas

    O Cobre tá a 6 e 7 euros

    o latão a 5 e 6

    o zinco paga-se a 2 o quilo

    o ferro tá a 30 cêntimos dá muito trabalho

    o quilo de radiografias está a 6 euros bem espremidas dão 12,5 gramas de Ag

    o chumbo tá a 2 o quilo, mas felizmente há muitos carros abandonados

    o alumínio está a 2,5 o quilo mas curiosamente só arrancaram 3 caixas de correio...e os sinais de trânsito tamém têm escapado

    é preciso muito alumínio pra 1 quilo nã vale a pena

    penas mais duras com 200 mil funcionários rapinantes?

    e 300 mil aspirantes a funcionários qu'andam à sucata?

    nã há prisões pa tanta gente...só sos meterem nas Berlengas

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  3. A taxa de homicídios na Europa medieval, mesmo com torturas e pena de morte, era quinze vezes maior do que é em Portugal agora (2).

    bom era na EUROPA ou em Portugal

    Portugal teria um milhão e a europa uns 100 milhões

    a taxa é de 90 a 120 por milhão mais coisa menos coisa

    1500 homicídios por milhão ( 1,5 por mil? isso inclui queima de bruxas e guerras civis

    ou só mortes por sacholada?
    repare-se que até ao século XVIII se podia ser enforcado na Inglaterra por roubar um pão...logo reincidentes não eram muitos

    essa das 15 vezes veio d'onde
    espírito santo de orelhame?

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  4. Caro Carlos,

    há algum exemplo de um post do Ludwig que comente que até tenha lido? Só por curiosidade. Olhe que isso é tão desonesto como deturpar o que é dito.

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  5. Carlos Soares,

    «É bonito e fica bem dizer que a sociedade não pode exigir dos cidadãos contrapartidas do que lhes não dá. »

    O problema não é esse. O problema é que a sociedade falha, com dolo, no seu dever de distribuir recursos de forma justa e equitativa.

    A polícia serve os ricos. Quem tem vivendas, carros caros e assim fica descansado e feliz por ver o carro da patrulha a passar. Quem vive numa barraca não só se habitua a ver isso como mau presságio mas, se alguém lhe entra na barraca e lhe rouba o rádio não lhe adianta de nada ir à polícia fazer queixa.

    O sistema judicial serve os ricos. Quando há uma rusga na feira, os feirantes que vendem sem licença ficam sem o stock e sem a carrinha. Os ricos que lesam o Estado em milhões de euros arrastam o processo em tribunal até prescrever tudo. Depois muda o governo e vão para directores de uma coisa qualquer.

    O sistema de saúde é para os ricos. Nos hospitais atendem toda a gente, mas os médicos bons também dão consultas privadas, e quem tem dinheiro é seguido no privado pelo mesmo médico que depois o opera ou trata no público.

    A educação é para os ricos. As propinas podem ser relativamente baixas – e nem são tão baixas assim – mas para alguém continuar os estudos entre os 16 e os 21 ou mais tem de prescindir do rendimento que teria se começasse logo a trabalhar. Mesmo com o ordenado mínimo, é para cima de vinte mil euros de diferença.

    Alguma assimetria é inevitável, e estas coisas nunca serão completamente justas. Mas esta treta da “austeridade” – tipos endinheirados, vivendo bem nas suas casas grandes e confortáveis, a dizer a quem está na rua ou no desemprego que “o país” tem de fazer mais sacrifícios – está a agravar ainda mais a injustiça. É aí que se pode prevenir a maior parte da criminalidade violenta.

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  6. Por falar em Dias Loureiro. Alguém viu os meus óculos?

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  7. Bruce,

    Óculos para leitura, certo? A última vez que vi o Armando Vara na televisão, ele estava com uns....

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  8. Pedro,

    Esses não eram para ler. Eram para correr, que o menino estava com pressa.

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  9. Ludwig,
    enquanto se encarar o investimento nos mais desfavorecidos como algo que só os beneficia a eles, temo que não vamos lá. Aqui está mais uma coisa onde podíamos ser mais 'egoístas': querer viver bem implica querer que os outros vivam também melhor, mesmo que para isso tenhamos de abdicar de algo.

    Quanto às penas não li nenhum estudo sobre o assunto mas conheço infelizmente alguns casos de míudos com vivências parecidas com a minha, talvez com uma estrutura familiar mais complicada, que tiveram o 'azar' de ter ido parar a uma prisão. Não será surpresa dizer que hoje em dia têm um 'doutoramento' em economia paralela e afins. Não será surpresa também afirmar que, a meu ver, nos custam a todos muito mais agora face ao investimento que na altura poderia ter sido feito e não foi. Já para não falar que se tornaram praticamente irrecuperáveis socialmente.

    Por outro lado, e tal como dizes, é também muito difícil resolver o problema quando acontece. A impunidade é algo que também deixa mossa numa sociedade, como tão bem conhecemos por cá quando nos comparamos a outros países da UE. Pelo que a solução passa pela prevenção: mais investimento em melhor educação, mais rigor nas responsabilidades dos encarregados de educação, acompanhamento sério e precoce por parte das estruturas de apoio social em casos problemáticos, etc. Se isto fosse bem feito, não resolveria completamente o problema mas minimizava-o. É uma ilusão pensar que este tipo de problemas vai alguma vez ser erradicado. Infelizmente.

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  10. Bruce,

    Pois, esses eram para correr, tens razão. Resta-te então dar um pulinho a Cabo Verde. Pode ser que os teus óculos estejam por lá...

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  11. Pode-se colocar o problema da criminalidade dos ricos e dos pobres e averiguar a respectiva incidência e gravidade. Eu não fui por aí.
    Quanto à redistribuição de recursos e de rendimentos operada pela intervenção do Estado, hoje sou mais céptico do que antes. Verificamos que, grosso modo, era suposto o Estado arrecadar mais receitas de quem obtém mais rendimentos, mas que isso, na prática acaba por ser subvertido por refinados artistas da evasão fiscal. Também constatamos que era suposto os cidadãos de menores recursos benficiarem da redistribuição das receitas do Estado, mas que essas receitas, engenhosamente, sofrem desvios para "outras" algibeiras, de quem, até não contribuindo para o erário público, o devia fazer em primeira linha, por ser rico ou muito rico.
    Haveria muito a dizer sobre estas vastas matérias.
    Sem ironias, a questão dos ricos e dos pobres, se em abstracto é uma questão como outra qualquer, em concreto, revela-se o grande problema do nosso tempo, tanto mais sério quanto, parecendo que tudo está a ser feito para o resolver, na realidade, temos a percepção de que tudo contribui para que se vá avolumando.

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  12. Sem ironias, a questão dos ricos e dos pobres, se em abstracto é uma questão como outra qualquer, em concreto, revela-se o grande problema do nosso tempo....dizem-se banalidades com tanta facilidade

    numa altura em que 900 milhões de asiáticos nunca tiveram tão boa vida
    a distribuição da riqueza aparentemente é o problema de todos os tempos

    esta ainda é pior que aquela sobre-elebacione de 1500% nos homicídios...
    vocês chegam a ser ridículos na vossa verborreia

    numa das sociedades mais fartas da história e com menos repressão

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  13. Sem I ronin's cortar a pescoceira do pessoal

    e dar tiros na mioleira

    é capaz de diminuir a criminalidade nas sauditas e chinocas terras...

    o problema não é ter penas de morte ou de tortura

    é a sua aplicação efectiva

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  14. Sobre o seguinte parágrafo,

    "Um problema é que estas pessoas que formam gangs, partem montras e se amotinam têm uma visão do sistema judicial diferente daquela que têm os legisladores, os advogados e a grande parte da população que raramente tem problemas com a lei. Não vêem a lei como um sistema que protege a maioria punindo criminosos com castigos proporcionais ao crime. Vêem, e sentem, a lei como sendo a invenção de pessoas que estão melhor do que eles e que têm o poder de lhes estragar a vida de forma arbitrária e muitas vezes injusta. Sabem daquele que não fez nada mas ficou sem os dentes por estar no sitio errado quando veio a polícia de choque, do outro que já deu facadas em meia dúzia mas que nunca foi preso, de outros que ficaram sem casa por uma decisão qualquer na câmara e assim por diante. Para estas pessoas importa mais apanhar o juiz bem disposto do que a moldura penal do ilícito de que forem acusadas."

    faltam os estudos de campo que nos ajudem a compreender como vêem eles o sistema judicial. Eu avanço como hipótese que uma boa parte do que se ouve na boca desses sujeitos são imposturas intelectuais, na medida em que se limitam a reproduzir, menos eloquentemente, é certo, os pressupostos assumidos em discursos promovidos pelas pessoas que tentam enquandrar racionalmente, e em alguns casos até legitimar, o seu comportamento.

    Creio que estes discursos são facilmente convertíveis, e em muitos casos efectivamente convertidos, em manifestos de vitimização que são usados na justificão, ou atenuação da gravidade da infracção moral, de todo o tipo de tropelias.

    (CONTINUA)

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  15. Neste parágrafo fico mais contente por ver uma citação:

    "Durante milénios, aplicou-se penas terríveis aos mais diversos crimes. Até coisas que hoje nem consideramos crime, como ser vagabundo ou herege. Mas nem com o castigo de tortura até à morte se conseguiu uma redução significativa da criminalidade. Pelo contrário. A taxa de homicídios na Europa medieval, mesmo com torturas e pena de morte, era quinze vezes maior do que é em Portugal agora (2)."

    Parece-me uma observação consensual. Não percebi bem se isto é apenas uma observação sem qualquer ligação com o presente ou se tem subentendida uma ligação com o presente e uma conclusão derivada dessa ligação. Vou assumir que é o último caso. Vou tentar reproduzir o seu argumento:

    - Na idade média a criminalidade era elevada.
    - Na idade média aplicavam-se penas pesadas.
    - Sendo assim, as penas pesadas não reduziam a criminalidade. (1)

    Não percebi como conclui o (1). Teria de comparar a "criminalidade na idade média sem penas pesadas" com "a criminalidade na idade média com penas pesadas" para assim conseguir determinar qual é o efeito aparente das penas pesadas. Isto parece-me óbvio. Posso muito bem dizer que se não tivessem existido penas pesadas a criminalidade na idade média seria maior do que aquela que é historicamente conhecida. Até podia ir mais longe e dizer que provavelmente nem haveria civilização moderna tal como a conhecemos, e que o que estaria no seu lugar seria algo que a esmagadora maioria dos actuais cidadãos iria considerar "pior".

    Vou assumir que conseguiu demonstrar (1), embora seja óbvio que não está demonstrado nem sequer razoavelmente motivado, e continuar a tentar reproduzir o seu argumento:

    - Se na idade média as penas pesadas não reduziam a criminalidade então no presente também não reduzem.

    Não percebo porquê. Em que medida isto não é equivalente a dizer que se as tentativas de compreensão da dinâmica dos corpos macroscópicos a partir de 3 leis fundamentais não deram frutos até ao século XVI, então é porque não hão-de dar frutos em tempo algum (ou no presente, sendo o presente o séc. XVII, para que o absurdo do argumento seja mais evidente).

    (CONTINUA)

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  16. Vou fazer um breve apontamento em que tentarei motivar porque temos razões para achar exactamente o contrário nos dias de hoje. O conhecimento e a tecnologia de que dispomos hoje, permite a uma (eventual) minoria reprimir e punir de forma eficaz uma grande maioria e, em último caso, promover activamente campanhas de higienização e extermínio. Na idade média era difícil reprimir e punir de forma centralizada, e o entendimento que se tinha sobre a vida (em sentido lato) era muito limitado.

    Não sou biológo, mas mesmo assim vou ousar e avançar uma analogia que me parece bastante boa e que consiste em ver cada ser humano como uma unidade de um organismo vivo maior: a sociedade. Nesta medida, parece-me óbvio que os deliquentes, e as degenerescências associadas, são doenças sociais degenerativas. As doenças degenerativas curam-se como?!

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  17. mmblda,

    «faltam os estudos de campo que nos ajudem a compreender como vêem eles o sistema judicial.»

    A forte correlação entre estrato social (e raça) com a probabilidade de ir preso, e a diferença que faz ter um advogado caro, torna muito improvável que as pessoas pobres vejam a lei da mesma forma que as pessoas ricas. Isso é como exigir estudos de campo para determinar se os pobres têm menos poder de compra do que os ricos...

    «Posso muito bem dizer que se não tivessem existido penas pesadas a criminalidade na idade média seria maior do que aquela que é historicamente conhecida.»

    Pode. Mas continua a ser verdade que se consegue uma redução na criminalidade muito maior resolvendo os problemas sociais e económicos que motivam a criminalidade do que ameaçando penas pesadas. É essa a comparação que faço no post. É essa a grande diferença entre o que acontecia na idade média (muita miséria e penas pesadas) e o que acontece agora (menos miséria e penas mais leves). E isso indica que mais vale combater este tipo de crime pela redistribuição do que pelo peso das penas.

    « O conhecimento e a tecnologia de que dispomos hoje, permite a uma (eventual) minoria reprimir e punir de forma eficaz uma grande maioria e, em último caso, promover activamente campanhas de higienização e extermínio.»

    A tecnologia funciona para ambos os lados. Uma metralhadora permite reprimir mas também permite lutar contra a repressão. E é de evitar, em qualquer dos casos.

    «Não sou biológo, mas mesmo assim vou ousar e avançar uma analogia que me parece bastante boa e que consiste em ver cada ser humano como uma unidade de um organismo vivo maior: a sociedade.»

    É uma má analogia. Num organismo vivo apenas algumas células contribuem para a geração seguinte, pelo que as outras todas são seleccionadas por pressões evolutivas para contribuírem para o sucesso dessas. Num grupo de organismos, cada organismo contribui para a propagação das suas características, pelo que a pressão evolutiva é para que cada organismo adquira características vantajosas nessa competição. Ver uma sociedade de humanos como análoga a um organismo, além de eticamente muito questionável, é uma analogia enganadora.

    «As doenças degenerativas curam-se como?!»

    Para qualquer doença, é sempre melhor prevenir do que curar.

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  18. "A forte correlação entre estrato social (e raça) com a probabilidade de ir preso, e a diferença que faz ter um advogado caro, torna muito improvável que as pessoas pobres vejam a lei da mesma forma que as pessoas ricas. Isso é como exigir estudos de campo para determinar se os pobres têm menos poder de compra do que os ricos..."

    Se as pessoas são estúpidas ao ponto de a partir dessa correlação extraírem que o sistema é injusto e que, por ser injusto, é legítimo cometer crimes que em nada visam corrigir a injustiça: então acho que devem ser reprimidas e deviam ser severamente punidas. A estupidez é uma doença terrível e deve ser erradicada.

    Para além da hipótese da estupidez, que me parece ser a melhor, também há a hipótese do oportunismo. Usar isso mesmo que você diz, ou seja um preconceito "positivo", para poderem levar a vida enquanto formas de vida degeneradas ao abrigo do escudo protector do preconceito positivo.


    Quanto à comparação final, considero-a é insultuosa. Você pode insultar a inteligência aos seus acólitos. Assim fique a falar sozinho.

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  19. mmdbla,

    «Se as pessoas são estúpidas ao ponto de a partir dessa correlação extraírem que o sistema é injusto e que, por ser injusto, é legítimo cometer crimes »

    Não é nada disso. O que eu argumento neste post é acerca da eficácia das penas. Castigar, por si, é sempre injusto, e justificável apenas se for eficaz na prevenção de injustiças ainda maiores. E quem leva regularmente castigos da polícia e tribunais vê, em primeira mão, como essas coisas funcionam na prática. Os advogados estagiários que não sabem o que fazem, os processos que se perdem e prescrevem, os juízes mal dispostos que dão penas pesadas ou, se acordam com outra disposição, que decidem não haver provas do crime, etc. É como as salsichas. Quem compra a lata tem uma visão diferente daquela que tem quem trabalha na fábrica.

    «Usar isso mesmo que você diz, ou seja um preconceito "positivo", para poderem levar a vida enquanto formas de vida degeneradas ao abrigo do escudo protector do preconceito positivo.»

    Se as pessoas levam uma vida “degenerada”, isso é com elas. O que temos de evitar é que façam mal aos outros. E o meu ponto é que os castigos depois do crime são apenas uma forma de evitar o crime, mas uma forma pouco eficaz e já tardia. Em vez de pagar a uma pessoa para a manter na prisão durante anos, pode ser mais produtivo (e bem mais barato) investir antes para que essa pessoa não se dedique ao crime.

    «Quanto à comparação final, considero-a é insultuosa. Você pode insultar a inteligência aos seus acólitos. Assim fique a falar sozinho.»

    Reconheço-lhe o direito de ficar ofendidinho com o que bem quiser, e de não voltar a comentar aqui, se achar que o que escrevo é ofensivo. Mas, sinceramente, não faço a mais pequena ideia do que está a falar. A comparação que me lembro foi sua – da sociedade com um organismo – e eu apenas apontei que é uma analogia incorrecta. Se é isso que o ofende, então concordo que é melhor que vá discutir estas coisas para outros blogs.

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  20. mmdbla,

    Acho que já percebi qual a comparação que referiu, se bem que continue um mistério porque é que há de ser “insultuosa”. Mas já me habituei à facilidade com que muita gente invoca a ofensa para não ter de argumentar.

    Seja como for, parece-me desnecessário fazer muito trabalho de campo para determinar se pessoas que levam pancada da polícia, são levadas para a esquadra ou vão presas, ou têm familiares regularmente nessa situação e contactam com esse problema todos os dias, têm uma visão diferente do sistema judicial daquela que têm os outros para quem o polícia é apenas alguém que passa ali na rua de vez em quando para se um dia for preciso.

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