sábado, julho 10, 2010

Mais sobre a censura.

Originalmente, censura era o cargo do censor. Um dos elementos mais importantes da burocracia romana, o censor era responsável pelos recenseamentos, pela supervisão das finanças e por regular a moralidade pública. É daqui que vem o sentido corrente da palavra (1).

É claro que o sentido que damos às palavras vai mudando, e é natural que hoje “censura” não queira dizer o mesmo que no tempo dos romanos. Mas o sentido das palavras deve evoluir preservando a sua capacidade de designar os conceitos que nos interessam. E “censura” corre o perigo de deixar de servir para designar restrições impostas à liberdade de expressão, de tanto abuso e maus tratos que sofre.

Um exemplo desta degradação de sentido é o termo “auto-censura”, que só posso classificar de imbecil. Se uma pessoa não diz o que pensa porque tem medo de sofrer represálias isso é censura. Não é “auto” coisa nenhuma. E se não diz o que pensa porque não quer, sem temer consequências, então isso é escolha sua e não censura. “Auto-censura” é um absurdo.

Outro problema é chamar censura a uma data de coisas que não são e depois não reparar no que é mesmo censório. Apagar um comentário no blog, não deixar que colem cartazes na minha porta ou filtrar emails indesejados não é censura. Não impede a expressão dessas ideias, apenas alguns actos específicos associados. Proibir a venda de CDs ou pastéis de nata sem licença também não é censura. Mas proibir a partilha de informação, por qualquer meio e sob qualquer forma, que permita alguém recriar um pastel de nata ou um CD, isso já é censura. A diferença fundamental, obscurecida pelo uso desleixado do termo, é que a censura impede a troca da informação em si e não apenas algum acto acessório.

Grande parte do que fazemos todos os dias está a ser restringido por leis que nos censuram, como o copyright e as patentes, porque nos impedem de partilhar informação e conhecimento. O caso recente do Roy van Rijn é um exemplo extremo mas, infelizmente, cada vez mais comum. Implementou um sistema de classificação de músicas parecido com o do Shazam e descreveu no seu blog como era fácil fazê-lo. Ia até disponibilizar o código fonte para toda a gente aprender como se faz. Até que recebeu uma carta dos advogados da Landmark Digital ameaçando levá-lo a tribunal por violação das suas patentes e proibindo-o até de explicar o algoritmo no blog. Como um julgamento destes pode custar milhões de euros, por muito injusta que seja a acusação o desgraçado não tem alternativa senão fazer o que lhe mandam. Isto é censura (2).

O caso da Playboy não tem nada de parecido. O Ricardo Alves diz que «É de censura que se trata quando uma empresa impede os seus funcionários de a criticarem em público, ou quando impede a circulação da mensagem política ou religiosa X ou Y dentro da empresa.»(3) Estou parcialmente de acordo. Se uma empresa ameaça despedir os funcionários que a criticarem, seja por que meio ou em que contexto o fizerem, então está a censurar porque está a impedi-los de exprimir essa ideia. Mas se ameaça despedir o porta-voz da empresa se disser mal da empresa na conferência de imprensa isso já não é censura. Porque não visa impedir a expressão da ideia em si mas apenas restringir como o funcionário desempenha o seu trabalho naquela situação. Mais uma vez, a diferença fundamental é entre impedir a mensagem ou apenas um acto específico que a inclua.

E o que se passa com a Playboy nem é análogo a isto. Uma empresa portuguesa que representava a Playboy publicou, sob a marca da Playboy, imagens que a Playboy não aprovou. Como a Playboy não quer que o público fique com a impressão errada que a Playboy aprova essas imagens rescindiu o contrato de representação com a editora portuguesa. Isto é o mesmo que o Ricardo publicar um texto a louvar o criacionismo, assinar o meu nome e eu exigir que não me atribuam um texto do qual discordo. Isso não é censura. É um direito.

A Playboy não pode nem tenta proibir a publicação de mulheres nuas ao lado de uma figura de Jesus. Querem apenas que não ponham o símbolo da sua empresa nessas publicações. Se chamam a isto censura estamos mal, porque vamos ter de inventar uma palavra nova para quando quisermos referir violações da liberdade de expressão em vez do legítimo exercício desses direitos.

1- Wikipedia, Roman censor
2- Techdirt, Describing How To Create A Software Program Now Puts You At Risk Of Contributory Patent Infringement?. Obrigado pelo email com o link.
3- Ricardo Alves, É censura? Sim. É grave? Há pior. Mas...

22 comentários:

  1. Deus sempre gostou de Marias MAdalenas
    Logo censura na Playboy é contra a SUA vontade
    Libellés : Humour Noir, Krippahl IS GOD?
    Publié par master atheist à l'adresse 06:09
    SAMEDI - Shamain Day
    Le Jour des Anges Exterminateurs et des Démons Gardiens
    DIEU est Grande et je sui toute petite

    DIEU EN Personne Krippahl IS GOD? or Krippahl IS GOOD?

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  2. A primeira vez que contactei com o termo "auto-censura" foi nas aulas de jornalismo. E a mim parece-me fazer sentido como distinção de dois problemas diferentes. Considero a "auto-censura" uma forma de censura com características especiais.
    Quando sabemos que algo foi censurado, conseguimos identificar claramente a situação, isto é, identificamos o censor e o que foi censurado. E também é mais fácil saber que algo foi censurado, e como consequência também é mais fácil (discutível dependendo da situação) lutar contra isso. E aqui o ónus recai sobre o censor.
    Quando falamos de auto-censura, é difícil saber que algo foi censurado, antes demais porque é difícil saber algo que não foi dito, depois porque uma pessoa pode não dizer algo com medo de sofrer represálias e estas não serem justificadas, recaindo aqui o ónus sobre o "censurado".
    Também me parece que estas duas situações auscultam problemas diferentes.
    Numa sociedade democrática onde haja uma situação de censura, é mais fácil ela ser denunciada e a sociedade arranjar sanções (morais, por exemplo) para diminuir a repetição. Por exemplo, eu não me espantaria se me dissessem que há políticos que não tentam sequer censurar determinadas informações por o risco de serem conotados como censores passar para a esfera pública ser muito elevado.
    No caso de uma sociedade onde existam casos de "auto-censura" parece-me que o problema será mais profundo e mais grave.
    Na altura, enquanto aluna, entendi a distinção entre estes dois conceitos como um alerta, uma chamada de atenção, porque me parece naturalmente instintivo que o ser humano fuja das situações que o podem prejudicar.
    Não sei se consegui explicar-me bem ou se, por outro lado, não compreendi bem o que está no post.

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  3. Paula,

    Pois, continuo a não perceber o papel do "auto" :)

    Vamos supor que eu tenho uma ideia para um post mas não o escrevo porque acho que vai incomodar algumas pessoas e não quero ter a chatice de responder aos comentários (não costuma acontecer, mas hipoteticamente... :)

    Isso não seria censura, nem auto nem coisa nenhuma, porque não haveria ninguém numa posição de poder sobre mim (alguma autoridade com recursos ou força legal que eu não tenha) que estivesse a impedir a publicação. Seria a minha decisão de não escrever algo, mas isso, por si só, não deve ser considerado censura.

    Se, por outro lado, não escrevesse o tal post por medo de perder o emprego ou medo que me mandassem a polícia cá a casa, então seria censura. Sem "auto" nenhum. Porque nesse caso haveria alguém com poder sobre mim a retaliar.

    Mas concordo que há uma fronteira indefinida entre os dois. Se eu não escrever um post com medo que um tipo me faça uma espera e me dê com um barrote, é difícil dizer se isso será censura da parte dele, por me coagir a não escrever, se será cobardia da minha parte (posso arranjar um barrote também...).

    Mas não vejo nenhuma utilidade semântica em chamar a esses casos "auto-censura". Porque continua o problema: a censura é algo imposto por terceiros. Se for o próprio a impô-la a si mesmo não é censura. Pode ser comodismo, cobardia, apatia, indiferença ou uma data de outras coisas, mas não censura.

    A única situação em que pode fazer sentido é quando o auto se refere a uma organização. Por exemplo, auto-censura num jornal pode referir-se aos editores censurarem os jornalistas, todos dentro do mesmo jornal. Mas isso também é enganoso, porque isso é simplesmente censura e o "auto" apenas baralha.

    Podes dar um exemplo (mesmo que hipotético) daquilo que consideras auto-censura?

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  4. auto-censura- a Merck Sharp & Dohme é uma corporação altruísta que rata da saúde a 10 milhões de Portutis e de mais uns 2.000 milhões,
    pode ser cobardia,medo de perder a indeminização, mas é auto-censura, ninguém fala, censuram o seu futuro, a censura é imposta por todos.
    Ao evitarmos dar a nossa opinião, censuramos.

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  5. e não quero ter a chatice de responder aos comentários (não costuma acontecer, mas hipoteticamente... :)akontece

    nem auto nem coisa nenhuma, porque não haveria ninguém numa posição de poder sobre mim ....há o próprio
    parte dele quer escrever, a outra parte impede-o
    personalidade dualística
    é o que mais há por aí

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  6. «E "censura" corre o perigo de deixar de servir para designar restrições impostas à liberdade de expressão»

    Não corre esse risco porque o significado da palavra sempre foi mais amplo que esse.

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  7. João Vasco,

    «Não corre esse risco porque o significado da palavra sempre foi mais amplo que esse.»

    Então quais são os casos de censura em que não há restrições impostas à liberdade de expressão? Se não me apetece dizer uma coisa é censura? Se dizes uma coisa em meu nome e eu discordo que ma atribuas é censura? Este caso da playboy é censura?

    É claro que podes usar "censurar" no sentido de "criticar". Mas penso que concordas que alguém alegar estar a ser censurado sempre que o criticam é algo enganador...

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  8. João Vasco,

    «Por exemplo, se um editor de um jornal decidir que um determinado artigo não deve ser publicado, ele está a censurá-lo.»

    E esse é o problema. É que chamas "censura" tanto ao editor dizer "não esse artigo não é bom para este jornal" ou dizer "se publicas isso seja onde for, nem que seja no teu blog, despeço-te", mas são duas coisas muito diferentes.

    Se alguém me manda um texto por email e pede para eu publicar aqui no blog e eu recusar que não isso é censura?

    «Ainda assim, é mais que natural que os clientes se indignem com o facto. Se o youtube começasse a censurar vídeos ateístas,»

    E aqui está o ponto crucial. Censurar algo é impedir a sua publicação. O youtube não pode impedir a publicação de um vídeo. Pode apenas recusar publicá-lo. Mas recusar publicar algo não é o mesmo que impedir a publicação.

    Se eu te mandar prender por andares com um cartaz na rua é censura. Se eu me recusar a andar na rua com o teu cartaz não é censura. É essa diferença fundamental que tu estás a ignorar ao chamar censura a ambos.

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  9. «E esse é o problema. É que chamas "censura" tanto ao editor dizer "não esse artigo não é bom para este jornal" ou dizer "se publicas isso seja onde for, nem que seja no teu blog, despeço-te", mas são duas coisas muito diferentes.»

    São coisas diferentes, mas censura é uma palavra que abarca coisas muito diferentes.

    Tu insistes que censura tem necessariamente de corresponder a uma violação ilegítima da liberdade de expressão, e depois de me pedires um exemplo em que não seja o caso e eu dar-to, tu rejeitas o exemplo porque dizer que é diferente de um caso em que exista uma violação ilegítima da liberdade de expressão.
    Ora esse é precisamente o meu ponto!

    Censura é uma palavra cujo sentido tem uma "intersecção" significativa com as violações ilegítimas à liberdade de expressão.
    Tão significativa, que ganhou essa conotação mesmo em casos onde não existe.

    Quando alguém selecciona aquilo que é publicado num determinado meio, ele tem, face a cada material, a opção de publicar ou censurar. Esse poder pode ser exercido de forma legítima. Assim, se eu envio uma carta para um jornal, e alguém do jornal escolhe publicar outras mas não a minha, ele censura a minha carta. Não há nada de ilegítimo aqui. Ele até pode explicar que o critério usado para censurar a minha carta não foi discricionário, mesmo que há luz da lei não tenha de dar justificação alguma. Ele pode dizer que é política do jornal censurar cartas que contenham palavrões. Não há qualquer violação da liberdade de expressão, mas ele mesmo chama censura à sua acção.

    Outro exemplo já várias vezes debatido na praça pública é o de canais privados que não passam notícias que possam prejudicar alguns dos seus maiores anunciantes ( http://en.wikipedia.org/wiki/Corporate_censorship ). Aqui não existe em si limitação ilegítima da liberdade de expressão, se bem que existam boas razões para indignação: se os clientes desses canais noticiosos esperam que as notícias não sejam condicionadas pelos interesses dos anunciantes desse canal, bem podem mostrar a sua indignação recorrendo a outros serviços noticiosos, para alterar as contas dos produtores noticiosos...

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  10. João Vasco,

    Eu não me limitei a rejeitar o teu exemplo. Eu expliquei porquê: porque o exemplo do editor decidir que aquele artigo não é para publicar ali é o análogo a eu decidir que não vou publicar neste blog um texto teu, ou que não vou gritar os slogans que tu queres, ou que não vou andar na rua com o teu cartaz.

    Ser uma restrição imposta à liberdade de expressão não é uma mera conotação acessória do termo. Faz parte do seu significado original. O censor era o tipo que decidia, entre outras coisas, o que se podia ou não podia dizer em público.

    Se não distingues entre proibir a expressão de algo e a recusa de o exprimir, então tens de considerar censura uma data de coisas que esvaziam o termo de sentido. Será censura rejeitar uma carta num jornal, não me deixar ir à TV falar do meu blog, não me darem um programa de rádio para falar sobre o que me apeteça, não andares com uma camisola a dizer "o Ludwig é o maior e tem sempre razão", e não me deixarem pôr no Esquerda Republicana um artigo a louvar a monarquia e assinar "Ricardo Alves" (esse era fixe ;)

    E se isto tudo for censura temos de inventar outra palavra para designar a censura, o acto de alguém com poder para tal impedir que certa informação seja divulgada.

    Antes de inventar palavras novas, preferia que não estragassem as que já temos...

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  11. "Se, por outro lado, não escrevesse o tal post por medo de perder o emprego ou medo que me mandassem a polícia cá a casa, então seria censura. Sem "auto" nenhum"

    É que este exemplo parece-me diferente da situação em que uma pessoa escreve um post e é despedida.
    No exemplo, a pessoa que pensa em escrever o post tem a percepção de que pode ser despedida, mas essa percepção pode estar errada.
    Eu considero a censura uma acção abjecta e considero a "auto-censura" uma forma de censura e igualmente abjecta. Mas este último conceito parece-me útil. Por exemplo, o caso do Mário Crespo. As pessoas podem não concordar com o texto, mas esse foi nitidamente um caso de censura. Não é preciso ler regularmente o JN para sabermos que o jornal nunca se coibiu de publicar, na secção de notícias até, conversas privadas e sem confrontação, por exemplo.
    (Este caso é interessante porque tens estas duas formas de censura e em que uma resulta e a outra não, dependendo de para onde olhas. Eu explico:
    O texto do MC foi censurado pelo director. A censura não foi eficaz: o texto veio a público por outras vias e as pessoas souberam o que se estava a passar.
    Por outro lado, o director do JN não publicou o texto para não arranjar problemas com as pessoas referidas, teve, além da atitude censória anterior, uma atitude de "auto-censura", que foi eficaz: o texto não saíu no JN.)

    No caso da censura (ainda) é possível lutar contra isso (nos dias de hoje), denunciando, indo a tribunal, caso da pessoa que escreve um post e é despedida, etc
    No caso da "auto-censura", para além de ser igualmente uma acção abjecta, ela é muito mais assustadora, porque não consegues idenfificar claramente o censor, se as pessoas numa sociedade se auto-censuram é muito difícil lutar contra isso. Eu fico preocupada e em alerta quando percebo, por exemplo, à minha volta pessoas que querem dizer uma coisa em público ou a outras pessoas, que têm o direito de dizer, mas não a dizem por receio de.
    Exemplo hipotético: Um director de um jornal censura um texto de um jornalista para não ter problemas com o Governo. Isto é censura. Mas nos dias de hoje o jornalista tem opções. Se for digno desse nome, o jornalista publica num blog, vai ao jornal da concorrência, etc
    Se o jornalista que está a trabalhar numa história deixa de o fazer para não ter problemas com o Governo, então é "auto-censura" e configura, a meu ver um problema mais profundo, e será difícil essa informação tornar-se pública, porque a censura ocorre na origem.
    Hmm... estou a repetir-me. Resumindo: o termo parece-me útil para distinguir estas duas faces da mesma moeda.

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  12. João
    "Por exemplo, se um editor de um jornal decidir que um determinado artigo não deve ser publicado, ele está a censurá-lo."

    Não necessariamente. Casos em que isso não é verdade e que acontecem com regularidade:
    - acontecem situações que a agenda do jornal não pode prever (acidentes graves; incêndios, um camião-cisterna vira-se no meio da estrada), e que são mais importantes do que artigos que já estavam previstos. Às vezes, esses artigos previstos podem passar para a edição seguinte outras vezes não. O jornal é que não pode aumentar "automagicamente" de páginas :-)
    - outro exemplo que aconteceu comigo: a editora mandou-me a uma conferência de imprensa, dada pela câmara municipal, numa piscina por estarem a colocar acessos para pessoas com deficiência motora. Segundo a placa, a piscina tinha sido inaugurada há poucos anos e para revitalização do bairro social (muito complicado) ao lado. Cheguei cedo, li isto na parede, olhei para a piscina e vi um edifício imaculadamente branco, relva muito bem tratada à volta e estacionamento com carros tipo BMW. No fim, como tinha uma reportagem marcada numa creche do tal bairro social (para sair no fim-de-semana e não no dia seguinte), passei por lá, fiz o que tinha a fazer e no fim perguntei à educadora se tinham actividades fora, por exemplo se as crianças íam à piscina "criada para a revitalização" daquele bairro social ao que me respondeu que os preços praticados na piscina, pela câmara, eram impossíveis de serem pagos pelas pessoas do bairro. Chegada à redacção falei com a editora que achou a história importante, contactei o vereador do desporto e aquilo que parecia ser uma notícia transformou-se em duas. Obviamente, para o segundo texto aparecer, teve de sair outro menos importante. Isto não é censura.
    Aliás, a primeira coisa que se faz num jornal é colocar a publicidade, ficando os espaços em branco para as notícias. Aumentar uma folha num jornal tem custos proibitivos e só se faz caso haja uma notícia de tal gravidade, imediatismo, etc que o justifque. É raro acontecer.

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  13. João
    Outro exemplo: dois jornalistas vão trabalhar a mesma notícia, ams separadamente. Um deles trata a notícia como se fosse para sair no Público, o outro trata como se fosse sair no 24h. Se apresentasses os textos a esses dois jornais, certamente o Público recusaria o texto feito como se fosse para o 24h e vice-versa, e no entanto, era a mesma notícia.
    Um jornal tem uma linha editorial, consoante essa linha editorial os jornalistas pegam num ângulo ou noutro.
    Deixa-me recordar-te que a importância da linha editorial é tal que um jornalista pode invocar objecção de consciência, caso essa linha mude (quer dizer aqui há uns anos podiam, agora com as mudanças no estatuto, não tenho a certeza)

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  14. «Se não distingues entre proibir a expressão de algo e a recusa de o exprimir, então tens de considerar censura uma data de coisas que esvaziam o termo de sentido.»

    Censura é uma data de coisas que tu consideras que esvaziam o termo de sentido.

    Mas isso não é uma discussão moral. É uma discussão semântica.

    A linguagem atribuiu a censura um significado que não é aquele que acreditas que tem. E tu procuras mostrar que não é esse o significado usando argumentos de índole moral (que obviamente são irrelevantes para uma discussão semântica...) ou alegando não existir uma diferença objectiva e fácil de identificar entre o significado que "censura" tem, e coisas como recusar-me a segurar um cartaz teu. Mas a linguagem é mesmo assim.

    O teu melhor argumento é mesmo o da raiz da palavra, mas mesmo esse é fraco, pois muitas vezes os significados mudam com o tempo.



    Paula Simões:

    Aquilo em que discordo com o Ludwig é na assunção dele de que a censura é necessariamente ilegítima. É uma restrição ilegítima à liberdade de expressão.

    Mas aquilo que verifico é que "censura" é um termo mais amplo que engloba mas não se limita às restrições à liberdade de expressão.

    Por exemplo, um jornal pode declarar que censurará as cartas que lhe forem enviadas que contenham palavrões. Nesta censura não há, evidentemente, nada de ilegítimo. Estão no direito de publicar as cartas que entenderem, com critérios razoáveis ou mesmo sem eles.

    Eu também posso declarar que censurarei certos comentários no meu blogue. Novamente, não existe nada de moralmente errado nesta censura.

    Muitas vezes a palavra censura evoca o fascismo e as limitações injustas e ilegítimas à liberdade de expressão. Mas a palavra tem um sentido mais abrangente que esse.

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  15. João Vasco,

    Eu não defendo que o significado de "censura" é este ou aquele. Eu defendo que devemos usar a palavra de uma maneira e não de outra sob o risco de perder a sua utilidade.

    Como "terrorismo". Há uns anos tinha um significado concreto. Designava actos criminosos cujo objectivo era aterrorizar a população. Mas hoje em dia, principalmente nos EUA, usam "terrorismo" para qualquer coisa. Não é que o sentido da palavra esteja factualmente preso a algum conceito. Trata-se apenas de criar um problema de comunicação ao tornar desnecessariamente ambíguo um termo que não o era.

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  16. Eu acho que a palavra tem utilidade da maneira que existe agora, porque uso o termo "violação da liberdade de expressão", que até posso reforçar com o "ilegítima"* para me referir a situações que considero realmente muito graves.

    Situações como a censura de vídeos no youtube, ou de reportagens que ferem os interesses dos anunciantes do canal e outras do tipo, são bem menos graves, e apenas me parece legítimo responder-lhes enquanto consumidor, não tanto enquanto cidadão. No caso do youtube, por exemplo, se eles censurassem vídeos comunistas, por exemplo, estariam no seu direito legal, mas eu no direito de o publicitar e encorajar as pessoas à minha volta a usarem outro serviço análogo que não o fizesse.

    E depois, claro, existem outras situações de censura que não têm qualquer gravidade. Ainda nessas é útil o uso da palavra ("serão censuradas as cartas que contenham palavrões", etc...).

    Mesmo o termo auto-censura tem utilidade, neste sentido. Claro que qualquer jornalista está no direito de o fazer, mas não deixa de ter implicações ao nível do debate público que podem ou não ser preocupantes.


    *Há situações em que a violação da liberdade de expressão é legal. Por exemplo, para proteger o "bom nome". Algumas das limitações parecem-me razoáveis, outras absurdas (o caso da blasfémia), e noutras sou algo ambivalente.
    No geral, acredito que em Portugal as limitações são excessivas, e deveriam ser reduzidas.

    Ainda assim, é útil denunciar os casos em que existem limitações ilegítimas à liberdade de expressão enquanto tal.

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  17. João Vasco e Paula,

    A proibição da expressão de alguma ideia ou informação é um conceito importante. Tão importante, proponho, que merece uma palavra. E "censura" é uma palavra boa para isso porque era o cargo daquele que, entre outras coisas, decidia quais as ideias e informações era permitido exprimir em público. Se ficarmos por aqui está o caso arrumado.

    Há outros conceitos que podemos também querer designar. Não querer publicar uma ideia ou informação por algum receio pessoal que não vem de um impedimento claramente imposto por outrem. Recusar participar na divulgação de algo, não querer ficar associado a uma ideia, etc. Mas esses conceitos são fundamentalmente diferentes. Porque lhes falta aquela coisa que o censor fazia: proibir, impedir algo contra a vontade de quem o queria fazer.

    Concordo com a Paula que é preocupante haver pessoas, especialmente jornalistas, que se coíbem de nos informar por receios vagos e injustificados. E até considero esse problema suficientemente importante para merecer uma designação. Mas já temos palavras para isso. Conforme o caso, poderá ser cobardia, incompetência, desleixo... Não lhe vamos chamar terrorismo, roubo, terapia, ou palavras dessas que também estão a ser muito abusadas pelos que fazem profissão de deturpar a realidade dobrando a semântica.

    "Censura" é mais uma palavra que eu gostava que protegessem desse ataque. E é um problema real. Não é bem censura, porque não proíbe a expressão, mas é uma forma de impedir a comunicação destruindo o significado das palavras. Se "censura" for a Playboy não querer que usem o seu nome com imagens do JC, então se o Sócrates proíbe uma notícia no jornal vamos chamar o quê a isso? "Censura, mas desta vez a sério e não como das outras que não tinham nada que ver"?

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  18. Ludwig:

    Creio que respondi à tua questão e às tuas razões na mensagem que antecede a tua.

    Está no primeiro parágrafo a dita resposta, que é desenvolvida no resto da mensagem.

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  19. João Vasco,

    «se eles censurassem vídeos comunistas, por exemplo, estariam no seu direito legal,»

    Considera estes três cenários:

    - Um governo proíbe os seus cidadãos de publicar, gravar, distribuir ou copiar videos comunistas, prendendo quem o faça.

    - O Youtube decide não hospedar nos seus servidores videos comunistas.

    - Um canal de televisão decide não passar videos comunistas que os leitores lhe enviem.

    - Numa festa cá em casa trazes um video comunista para o pessoal ver e eu digo não, isso é uma seca, vamos é ver o Trainspotting.

    Eu acho que se chamarmos "censura" a tudo isto perdemos uma distinção importante entre a primeira, que era o que o censor fazia e que está em linha com a conotação fortemente negativa do termo, e o resto, que é o mero exercicio do direito de dizer "em minha casa não".

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  20. «`And only one for birthday presents, you know. There's glory for you!'

    `I don't know what you mean by "glory",' Alice said.

    Humpty Dumpty smiled contemptuously. `Of course you don't -- till I tell you. I meant "there's a nice knock-down argument for you!"'

    `But "glory" doesn't mean "a nice knock-down argument",' Alice objected.

    `When I use a word,' Humpty Dumpty said, in rather a scornful tone, `it means just what I choose it to mean -- neither more nor less.'

    `The question is,' said Alice, `whether you can make words mean so many different things.'

    `The question is,' said Humpty Dumpty, `which is to be master -- that's all.'

    Alice was too much puzzled to say anything; so after a minute Humpty Dumpty began again. `They've a temper, some of them -- particularly verbs: they're the proudest -- adjectives you can do anything with, but not verbs -- however, I can manage the whole lot of them! Impenetrability! That's what I say!'

    `Would you tell me please,' said Alice, `what that means?'

    `Now you talk like a reasonable child,' said Humpty Dumpty, looking very much pleased. `I meant by "impenetrability" that we've had enough of that subject, and it would be just as well if you'd mention what you mean to do next, as I suppose you don't mean to stop here all the rest of your life.'»


    daqui.

    :-)

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  21. Tu escreveste:

    «Eu acho que se chamarmos "censura" a tudo isto perdemos uma distinção importante»


    Eu antes tinha escrito:

    «Eu acho que a palavra tem utilidade da maneira que existe agora, porque uso o termo "violação da liberdade de expressão", que até posso reforçar com o "ilegítima"* para me referir a situações que considero realmente muito graves.

    Situações como a censura de vídeos no youtube, ou de reportagens que ferem os interesses dos anunciantes do canal e outras do tipo, são bem menos graves, e apenas me parece legítimo responder-lhes enquanto consumidor, não tanto enquanto cidadão. No caso do youtube, por exemplo, se eles censurassem vídeos comunistas, por exemplo, estariam no seu direito legal, mas eu no direito de o publicitar e encorajar as pessoas à minha volta a usarem outro serviço análogo que não o fizesse. »

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  22. The question is,' said Alice, `whether you can make words mean so many different things.'

    `The question is,' said Humpty Dumpty, `which is to be master -- that's all.'

    Alice was too much puzzled to say anything; so after a minute Humpty Dumpty began again. `They've a temper, some of them -- particularly verbs: they're the proudest -- adjectives you can do anything with, but not verbs -- however, I can manage the whole lot of them! Impenetrability! That's what I say!'

    `Would you tell me please,' said Alice, `what that means?'

    `Now you talk like a reasonable child,' said Humpty Dumpty, looking very much pleased. `I meant by "impenetrability" that we've had enough of that subject, and it would be just as well if you'd mention what you mean to do next, as I suppose you don't mean to stop here all the rest of your life.'»

    dali,,,,coitado do Dogson...O:-) ангел

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