O custo do CD
Bernardo Macambira foi condenado a quatro meses de prisão «devido à apreensão de um CD pirata» (1) que terá usado para tocar música numa discoteca. Um CD de música custa entre dez e vinte euros e uma discoteca paga em média cerca de mil euros por mês pela licença de tocar músicas, metade à Sociedade Portuguesa de Autores (2) e metade à Passmúsica pelos direitos conexos (3). Tendo em conta o que a discoteca já paga e o valor do alegado prejuízo que o condenado causara, a pena parece injusta e a própria ilegalidade do acto questionável. Mas quero focar outro aspecto.
O propósito destas leis é incentivar e proteger a criatividade artística porque isso beneficia a sociedade. Mas consideremos o custo ao erário desta protecção e incentivo. Do Bernardo Macambira recolhemos a multa de 435€ (1) mas custa ao estado 40 euros por dia enquanto estiver encarcerado (2), uma despesa líquida de 4400 euros. Se ele ganhava aproximadamente o que eu ganho, pagaria cerca de 1000€ em impostos e segurança social por mês se estivesse a trabalhar. Mais quatro mil euros que não recebemos. E quatro meses de cadeia vão certamente reduzir o seu rendimento, e os impostos que pagará, nos meses seguintes. Numa estimativa conservadora o custo directo de o prender é 10,000€ só em despesas e perda de impostos. A isto aínda acresce o custo do processo em si, da fiscalização ao julgamento, e o impacto económico de pôr na prisão quem estava a trabalhar.
Assim, para punir 10€ de prejuízo os contribuintes pagam mais de mil vezes esse valor. E em benefício de quem já estava a receber mil euros por mês pela licença de passar música na discoteca.
Eu proponho uma alteração ao processo. Visando incentivar a criatividade artística, proponho soltar o Bernardo; multar as discográficas em 10,000€, o valor do prejuízo que queriam causar; juntar esta quantia aos 10,000€ poupados por não prender o Bernardo e contribuir os 20,000€ para bolsas de estudo a jovens músicos ou melhor educação musical nas escolas. Seria um investimento mais rentável do que gastar tanto dinheiro a proteger um negócio inútil.
1- IOL, Bernardo Macambira preso por pirataria
2- SPA, tabelas
3- Passmusica. O site é horrível. Têm que esperar que carregue o lixo todo e depois ir a tarifários para ver os preços.
4- Correio da Manhã, Presos Custam Menos 25€/Dia
:)
ResponderEliminarMuito bom.
Apoio a proposta.
Excelente proposta, eu subscrevo! ;)
ResponderEliminarPara além de tudo o que é referido, eu menciono ainda mais um pormenor: o indivíduo que é preso por ter um CD de música "pirata" vai ser encarcerado junto dos verdadeiros bandidos que roubam e matam.
E vamos fazer isso a uma pessoa que se calhar até é boa pessoa, se calhar dá dinheiro para instituições de caridade, ajuda as velhinhas a atravessar a estrada, etc...
Claro que não faço ideia se a pessoa em questão é assim ou não mas fará sentido estar a criar-se um precedente que, legalmente, confirma que "piratear" música é um crime tão grave quanto roubar ou matar e deve ser punido de igual forma?
Mas o que mais me angustia é ter a noção clara de que isto é uma estupidez sem sentido algum mas algures nas teias da hierarquia de políticas e jogos de dinheiro, a lógica e o bom senso estão a desaparecer cada vez mais e não há ninguém (no poder) que veja isso ou faça algo para o impedir.
Começo a ter algum receio do futuro...
Esse negócio de direitos de autor é uma mina!
ResponderEliminarUm Zé cabra, um Rei Pimba e outros tais, Têm o futuro garantido.
Há muitas profissões de verdadeiros artistas, como carpinteiros em talha, e outros semelhantes, a quem não são reconhecidos quaisquer direitos.
Já pensaram o que era um cidadão que entrassem numa igreja e olhassem para um altar, em talha dourada, ter de pagar os direitos de autor ao artista que o executou?
Há portas em edifícios públicos, autênticas obras de arte; e, se cada cidadão que entra essa porta tivesse de pagar direitos de autor?
Essa mama devia era acabar!
Fronteiras americanas com poder para apreender portáteis
ResponderEliminarBerlusconi exige 500 milhões ao YouTube
Mário,
ResponderEliminarNão é só portáteis ou equipamento electrónico. Os tipos estão completamente doidos:
«The policies cover 'any device capable of storing information in digital or analog form,' including hard drives, flash drives, cell phones, iPods, pagers, beepers, and video and audio tapes. They also cover 'all papers and other written documentation,' including books, pamphlets and 'written materials commonly referred to as "pocket trash..."»
Nem a carta da namorada escapa. E ainda dizem que isto não invade a privacidade de ninguém.
O Schneier tem um post sobre isto com um link para o documento oficial.
Eu já decidi não publicar mais coisas em conferências. Agora só revistas, que assim não tenho que viajar.
Oi Raul,
ResponderEliminarSim, isso é um grande problema. Além de que estão a dizer a uma geração inteira que são criminosos por fazer as coisas mais triviais. Isto não é uma boa maneira de ensinar as pessoas a respeitar a lei, e a maioria das leis convém que sejam respeitadas...
Caro Ludwig,
ResponderEliminarPermita-me que desde já o felicite pelo excelente conteúdo do qual é autor e que tive o prazer de dar uma espreitadela a olho de falcão durante os dias que passaram.
Como gostei tanto, vou naturalmente passar a ler este blog mais vezes.
É com pena que assisto a cada dia que passa que a privacidade de uma pessoa é sacrificada em prol da segurança. Verdade é que a dualidade segurança/privacidade é inseparável, mas verdade também é que existem formas menos invasivas de se fazer segurança.
Custa-me é de facto aceitar que sejam feitas apreensões de portáteis e outros equipamentos, com o pretexto da "segurança", até porque se eu perdesse o meu portátil assim, sentiria-me tudo menos seguro ;)
Enfim, desabafos.
Partido anti copyright já!
ResponderEliminarhttp://en.wikipedia.org/wiki/Pirate_Party
http://www.wired.com/science/discoveries/news/2006/08/71544
ResponderEliminarAs "buscas digitais" nos aeroportos são um tema ao jeito do Que Treta!
ResponderEliminarJaime,
ResponderEliminarSão sim. Talvez no próximo "legal". Infelizmente, há muito mais tretas que tempo para escrever sobre elas :)