sábado, novembro 23, 2013

Treta da semana: o rato.

Esta semana fez 85 anos que foi publicada pela primeira vez uma representação do Rato Mickey, no filme Steamboat Willie. Pela legislação em vigor na altura, isto conferia à Disney um monopólio de 28 anos sobre esta obra, renovável por mais 28 anos, se a obra fosse publicada com um aviso de copyright em conformidade com a lei. O que aparentemente não foi o caso (1). Fosse como fosse, quando Walt Disney criou este personagem, a lei conferia um monopólio sobre a obra por um período máximo de 56 anos. Foi esse o contrato. Em troca da Disney publicar e registar esta obra recebeu o direito exclusivo de a reproduzir e transformar até 1984. Mas, ao aproximar-se a data em que o Rato Mickey passaria ao domínio público, foi aprovado o Copyright Act of 1976(2) que estendeu retroactivamente o período de monopólio sobre estas obras de 56 anos para 75 anos. Assim, a sociedade prescindiu das obras por mais 19 anos sem receber qualquer contrapartida. Não se tratava apenas de um incentivo para a criação de obras novas mas também de uma recompensa a autores já falecidos, como Walt Disney. Ficou assim adiada para 2003 a entrada do Mickey no domínio público. Até 1998.

Em 1997 e 1998, a Disney contribuiu cerca de 800 mil dólares para campanhas políticas de senadores em comissões relevantes para o copyright, fossem democratas ou republicanos (3). Em 1998 o Copyright Term Extension Act aumentou o período do monopólio legal para 95 anos após a publicação da obra, novamente com efeitos retroactivos. O Mickey ficou assim “protegido” até 2023. Pelo menos. E isto não se passa apenas nos EUA. O lobbying destas empresas é internacional, por via de tratados internacionais e da OMPI. Ainda recentemente, cá em Portugal foi aprovada a Proposta de Lei 169/XII (4) que estende de 50 para 70 anos os “direitos conexos” dos intérpretes e executantes de fonogramas. Nem sequer são direitos de autor. É um monopólio concedido a artistas contratados para gravar a música.

Mas a culpa não é só do rato e dos seus amigos, como o Donald, o Pateta e companhia, que iriam cair no domínio público logo a seguir. O que se passa é ainda mais maquiavélico do que aumentar a duração do monopólio para proteger algumas obras mais lucrativas. O problema é a razão para essas obras serem tão lucrativas e é bem visível neste gráfico (6).



O gráfico mostra o número de edições novas à venda na Amazon em função da década em que a obra foi escrita. Os livros escritos antes de 1923* estão em domínio público e qualquer editora pode vendê-los. Os livros mais recentes estão sob copyright e só os detentores dos monopólios respectivos os podem editar. O mais saliente deste gráfico é a queda abrupta no número de edições novas quando se passa de obras no domínio público para obras sob copyright, na década de 1920. Ao contrário do propósito desta legislação, quando as editoras detêm direitos exclusivos sobre uma obra têm muito mais relutância em editá-la. O que acontece é que uma editora que detenha o monopólio sobre um conjunto de obras pode maximizar os lucros editando apenas algumas para reduzir a concorrência. O monopólio sobre a maioria das obras não serve para incentivar a venda mas apenas para evitar que outros distribuam ou transformem essas obras. Isto vale para livros, músicas e para os filmes da Disney. O período estabelecido em 1790 para estes monopólios foi de 28 anos. Se ainda fosse essa a duração do copyright, todos os filmes da Disney anteriores a 1985 estariam no domínio público, bem como os seus personagens e, se bem que a Disney já não ganhe muito a vender cópias do Herbie, da Branca de Neve ou do Tron original, a liberdade de distribuir esses clássicos e de os usar em obras novas traria muita concorrência que a Disney prefere não ter de enfrentar.

Ao contrário do que muitos defendem, o problema não está só na duração do copyright. É óbvio que quanto menos durar menor será este efeito nefasto. Mas o problema principal é que o sistema de incentivos pela concessão de monopólios sobre a cópia é mais prejudicial do que benéfico. Não só pela rapidez com que agora se rentabiliza o investimento – quando se estabeleceu um período de 28 anos de monopólio seria impensável uma obra render mil milhões de dólares no primeiro dia de vendas (7) – mas, principalmente, pela forma como os autores podem interagir com a audiência. Antes da industrialização da cópia, um músico ou escritor era como um cabeleireiro ou um escultor. Se queria ganhar mais dinheiro tinha de encontrar clientes ricos que comprassem o seu trabalho. Não pela venda do produto do seu trabalho mas pelo trabalho de criar esse produto. A indústria de distribuição mudou isto. Quem criava obras que pudessem ser reproduzidas ficou dependente dos industriais da cópia e o trabalho de criar algumas obras – livros e músicas, mas não de cozinhados ou penteados – passou a ser pago em função da cópia do produto final. Toda a legislação de copyright reflecte este conflito entre os distribuidores e certos tipos de autor, com clara vantagem para os primeiros porque a distribuição era o factor dominante.

A Internet mudou novamente esta relação. Agora, o autor pode vender o seu trabalho directamente a milhões de potenciais interessados sem depender de quem faz as cópias. Por isso, o que importa agora é a criatividade e não a reprodução mecânica da obra feita. A concessão de monopólios sobre a cópia financia o distribuidor à custa do autor e da sociedade, um mal que já não é necessário. Eliminar este sistema anacrónico iria exigir uma transição do modelo de negócio assente na cópia para a venda directa do trabalho do autor mas traria várias vantagens imediatas. Facilitaria muito o acesso à cultura; incentivaria a criação de novas obras por permitir a transformação de muito material que, neste momento, está legalmente inacessível; e corrigiria os efeitos nefastos das pressões que esta indústria tem exercido sobre os legisladores.

*À data em que o gráfico foi feito, em 2012.

1- Douglas A. Hedenkamp, Free mickey mouse: copyright notice, derivative works, and the copyright act of 1909
2- Wikipedia, Copyright Act of 1976
3- CNN All Politics, Disney In Washington: The Mouse That Roars
4- Wikipedia, Copyright Term Extension Act
5- Parlamento, Proposta de Lei 169/XII
6- Techdirt, Copyright Extension: A Way To Protect Hollywood From Having To Compete With The Past.
7- Pocket Lint, Call of Duty: Ghosts sales at over $1 billion on first day, beats GTA V - sort of

6 comentários:

  1. Outro inconveniente parece-me a dificuldade de com período tão longos saber quem são os herdeiros todos do autor. No caso da Disney é fácil.

    Realmente é tempo a mais.

    No entanto não estou a ver maneira de resolver isto.

    Os detentores dos direitos tem guita suficiente para fazerem tanto lobby quanto o necessário.

    E se a Disney não falir ou perder o interesse o prazo vai ser dilatado.

    Um prazo de 25 anos parece-me bastante razoável. Ou no limite a morte do autor.

    Claro que se existirem muitos Manoel de Oliveira os dreitos tendem a ser perpétuos. ...

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  2. Sim. Muitos desses livros foram publicados quando era preciso renovar o copyright e não se sabe se ainda estão ou não sob copyright. Outros sabe-se que estão mas ninguém sabe quem detém o monopólio. Mas isto são apenas dois exemplos dos mecanismos que dão no mesmo: quando estão sob copyright não há tanto interesse em publicar como quando saiem de copyright, que é o contrário do que se pretendia com este incentivo.

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    1. non tás enganada....os anos 30 foram anos de crise e os 40 de guerra mas a amazon vende livros pra tipos semi-cegos né quisto de ler livros na pantalha dá cabo da vista

      de resto excepto que os números sejam em milhares de livros ou seja de títulos diferentes o gráfico é une merde
      350 para 230 e 50 títulos.....é pouco significativo

      e é duvidoso que a década de 1910 produzisse 350 mil títulos logo comparar números minúsculos por qualquer padrão argumentativo é muy reles ó gaiato...

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  3. Estamos a assistir à privatização da cultura. Tal como um sapo cozido lentamente numa panela, o público vai-se habituando a uma erosão gradual da noção de "domínio público", até que um dia este deixará de existir.
    Infelizmente enquanto não tivermos uma governação e um público que compreendam que algumas coisas têm valor que não se mede em euros, continuaremos a assistir a esta marcha que apropria a nossa herança cultural em favor de alguns latifundiários.

    É em postas como esta, do site da AFP* em resposta à extensão de 20 anos do monopólio, que vemos a postura das entidades gestoras de direitos:

    "(...) a Extensão dos Direitos Conexos é uma grande conquista para a indústria musical portuguesa, que corria o risco de ver cair no domínio público as prestações de grandes nomes da sua música, como Amália Rodrigues ou Carlos do Carmo."

    Interessante escolha de palavras, "o risco de ver cair no domínio público", que é tratado como uma infecção urinária indesejável.


    *Fonte: http://www.afp.org.pt/new_web/?q=node/22

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  4. Fotos avulsas, mesmo (ou especialmente) de autor desconhecido ou amador, sofrem do mesmo fenómeno de rarefação desde 1920, e do mesmo risco de desaparecimento. (Veja-se o exemplo específico de fotos sobre eletrovias em Portugal, aqui.)

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  5. A CIÊNCIA DO CÉREBRO HUMANO E A SINGULARIDADE DO SER HUMANO

    A Bíblia diz que um Deus racional criou a natureza de forma racional e o homem e a mulher à Sua imagem, enquanto sujeitos morais e racionais, dotados de capacidade comunicativa e criativa.

    O cérebro é a máquina mais complexa de todo o Universo. Deus investiu nele marcas óbvias da sua omnisciência e omnipotência.

    O cérebro humano atesta a singularidade humana, evidenciando a programação de um código epigenético específico, distinto do dos outros seres vivos.


    Deus dotou o cérebro, de complexas e integradas interligações e intracomunicações,permitindo ao Homem categorizar a informação recebida e processá-la inteligentemente.

    Ao mesmo tempo, o cérebro possibilita uma consciência reflexiva dessas operações.

    O funcionamento cerebral lembra os padrões da ciência da computação criados pelo homem embora transcenda a sua sofisticação.

    A complexidade do cérebro é extrema, já que cada neurónio têm o seu próprio DNA!

    Mesmo noutras espécies, a precisão dos circuitos neurológicos é assombrosa.

    Graças ao cérebro, e às suas complexas e engenhosas conexões neuronais, o ser humano distingue-se dos animais interessando-se por diversos temas (v.g teologia, filosofia, política, direito, literatura, arte) e adaptamdo-se a inúmeras situações e respondendo a desafios inesperados.

    Em todos esses processos, ele vai regenerando as ligações neuronais.

    Mesmo aqueles que atribuem tudo à evolução (sem nunca a terem observado!) reconhecem a
    unicidade e singularidade do cérebro humano.

    Nunca ninguém viu um chimpanzé e um ser humano a evoluírem a partir de um hipotético antepassado comum.

    Mas aqui e agora vemos que se trata de seres vivos de diferentes géneros, dotados de cérebros distintos que se desenvolvem de forma distinta.

    Os cientistas que procuram imitar o o cérebro humano não deixam nada ao acaso.

    Por causa da corrupção que afeta toda a natureza, também o cérebro está sujeito a decaimento. Ele vai perdendo capacidades, em vez de evoluir.

    No entanto, ele continua a ser uma maravilha da Criação.

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