Treta da semana: o guião.
O guião para “um Estado melhor” que o vice-presidente tem andado a preparar há uma data de tempo é, formalmente, uma bosta. A forma do documento, da sua estrutura e redacção às referências bibliográficas, faz parecer que foi depositado no papel com o mesmo cuidado com que um ruminante deposita na relva a obra da sua digestão. E, a julgar pelo conteúdo, a vaca vivia em Fukushima.
Segundo o Paulo Portas, a crise deveu-se ao excesso de despesa e «a totalidade da receita em IRS e IRC – os impostos pagos por trabalhadores e empresas, exceptuando, para efeitos comparativos, os que têm origem nos descontos dos funcionários públicos – não chegam senão para pagar 90% da folha salarial do Estado» (1). A conta abstrusa é pouco informativa. Em 2013, a Administração Pública gastará 16 mil milhões de euros em pessoal. A receita total será de 74 mil milhões de euros, dos quais 20 mil milhões serão em impostos directos. O défice previsto é de 11 mil milhões de euros e, para efeitos comparativos, 8 mil milhões serão só em “Juros e Outros Encargos” (2, quadro III.1.2, pg 91). A ideia que quer transmitir, com esta passagem do excesso de despesa à insinuação de que os impostos não chegam para os salários, serve obviamente para justificar que se continue a cortar nos salários. Mas é tudo aldrabice. O défice disparou devido aos problemas na economia privada, o que abateu a receita fiscal e aumentou as prestações sociais. Por exemplo, de 2008 para 2009 a receita fiscal caiu 5 mil milhões de euros enquanto o gasto em transferências subiu quase 5 mil milhões de euros. A despesa com salários, por seu lado, foi máxima em 2005, com 20,5 mil milhões de euros, e tem vindo a diminuir na maior parte dos anos. Em 2012 foi de 16,5 mil milhões de euros, menos do que no ano 2000 mesmo sem contar com a inflação (3).
Outro embuste é o de conter a despesa pública para«libertar recursos para o crescimento da economia real». A despesa pública é o rendimento directo de todos os agentes que vendem bens e serviços ao Estado e o rendimento indirecto de todos os que vendem bens e serviços a esses agentes. Se o Estado reduzir a despesa quando o sector privado está em crescimento, o impacto negativo pode não ser grande porque há outros rendimentos que compensam esses cortes. Mas quando o sector privado está endividado e cada agente tenta poupar, se o Estado também não gasta então ninguém poupa e ninguém consegue pagar dívidas. Como resultado a economia contrai e aumenta o peso relativo das dívidas. Isto não é ideologia. É álgebra. O dinheiro que uns ganham é o dinheiro que outros gastam e se ninguém gasta ninguém ganha.
O que nos traz à parte mais radioactiva. Uma das propostas deste guião é que se altere a Constituição para incluir a “regra de ouro” da disciplina orçamental acordada no Tratado de Estabilidade. Esta regra limita o défice estrutural para 0.5% do PIB, com eventuais excepções para emergências económicas. É uma regra vaga mas, se estiver inscrita na Constituição, esta ideologia orçamental ficará ao nível dos nossos direitos fundamentais. O que é especialmente preocupante porque o princípio é disparatado. O Estado gastar ou poupar só em sintonia com o sector privado é tão inteligente como inclinar a mota para o lado de fora da curva.
De resto, há muitas banalidades como «investimento nos meios de combate à corrupção, avaliação das questões de conflito e registo de interesses, no quadro das funções decisórias e consultivas nas Administrações» e frases estranhas como «Reformar o Estado, é racionalizar as suas entidades» que fazem pensar que o guião era inicialmente um discurso, com as vírgulas a marcar a pausa para ênfase, e nem sequer se deram ao trabalho de rever a gramática antes de o entregar. Mas, no meio dessa palha, escondem-se algumas propostas radioactivas que até contrariam a intenção inicialmente expressa de equilibrar as contas do Estado. Por exemplo, «um novo ciclo de contratos de associação [para haver] uma maior abertura da oferta e uma saudável concorrência de projetos de escola, mediante adequada contratualização» e «a aplicação do chamado “cheque-ensino”». Ou seja, privatizar e estratificar o ensino, sustentando do erário escolas boas para ricos nos sítios onde os ricos vivem e deixando menos dinheiro para pagar escolas onde só vivam pobres. Outra proposta nesta linha é a de «Uma reforma da segurança social que faça evoluir, parcialmente, o sistema para uma lógica de capitalização [para] garantir maior liberdade de escolha». Mais uma vez, é a liberdade dos ricos contribuírem com menos e dos pobres ficarem ainda mais pobres. Estas propostas são mera expressão da doutrina moral da direita, segundo a qual os ricos só são ricos porque se esforçam, os pobres só são pobres por preguiça e se toda a gente trabalhasse seriam todos mais ricos do que a média.
Em suma, o nosso vice primeiro ministro presenteou-nos com trinta páginas esticadas para cem pelo tamanho da letra e espaços em branco, preenchidas com banalidades, salpicadas com algumas medidas para agravar a desigualdade – o principal problema que enfrentamos – e que começam com uma introdução cheia de alegações falsas e acabam com as seguintes referências bibliográficas: «As fontes utilizadas neste documento são: EUROSTAT, INE, Banco de Portugal, Ministério das Finanças – OE 2014, DEO 2013/2017, Relatório PREMAC 2011, Ministério da economia – Estratégia para o Crescimento, Emprego e Fomento Industrial, Secretaria de Estado da Administração Local, OCDE, FMI, artigos de opinião, entre outras.» A única mensagem clara neste documento é que o vice primeiro ministro se está a cagar para todos nós. O que até se compreende, visto que foi eleito para o segundo cargo mais importante do governo com apenas 11.7% dos votos válidos (4).
1- Governo de Portugal, UM ESTADO MELHOR - GUIÃO PARA A REFORMA DO ESTADO
2- DGO, Proposta de Orçamento do Estado 2014
3- Pordata, Administrações Públicas: despesas por tipo, e Receitas do Estado: execução orçamental
4- DGAI, Legislativas 2011.
"Outra proposta nesta linha é a de «Uma reforma da segurança social que faça evoluir, parcialmente, o sistema para uma lógica de capitalização [para] garantir maior liberdade de escolha». Mais uma vez, é a liberdade dos ricos contribuírem com menos e dos pobres ficarem ainda mais pobres."
ResponderEliminarO Ludwig tem que explicar muito bem como é que um sistema de pensões capitalizado ajuda os ricos e não os pobres. Porque actualmente, as classes de rendimentos baixas e média andam a descontar para o buraco negro da SS. Eu por exemplo, com um salário líquido acima dos 1000€ e nem sequer 30 anos de idade, estou a descontar coercivamente para um sistema que quando me reformar não me vai pagar sequer 30% do que descontei, pela evidência da evolução demográfica, para além de eu andar a descontar para pagar pensões milionárias. Em contra partida os ricos, terão outras poupanças e investimentos que lhes vão garantir a velhice. Se há um sistema que é verdadeiramente para os ricos é o actual embuste das pensões públicas.
Quase todos os outros países na europa já transitaram para um sistema de pensões parcialmente privado: o estado garante uma pensão de sobrevivência, e o resto vem da poupança privada que a pessoa tenha feito para si ao longo da sua vida.
Sauron,
ResponderEliminar«O Ludwig tem que explicar muito bem como é que um sistema de pensões capitalizado ajuda os ricos e não os pobres.»
OK. Vamos assumir, para simplificar, que a economia não cresce mas que a população vai envelhecendo, havendo uma fracção cada vez maior de reformados. A crítica ao sistema de pensões redistributivo é a de que, conforme a fracção de reformados aumenta, a pensão média terá de diminuir ou então temos de empobrecer cada vez mais os trabalhadores.
A solução, dizem alguns, é capitalizar as pensões. Em vez de redistribuir, cada trabalhador vai acumulando capital que, mais tarde, lhe trará dividendos. Assim, reza a lenda, ficarão com pensões muito melhores porque depois viverão das rendas sobre o capital que acumularam.
A primeira dica para desconfiar disto é a premissa de que a economia se mantém constante. Se há mais reformados e os reformados têm pensões melhores, de onde vem esse dinheiro? Dos trabalhadores. Mas por via indirecta. A capitalização faz com que os reformados detenham uma fracção cada vez maior do capital e vivem melhor, neste cenário, porque cobram cada vez mais rendas sobre o capital que alugam aos produtores. Os custos de produção aumentam e o resultado é que todos os trabalhadores estão a pagar essas pensões mais chorudas, mas pagam-nas no preço dos bens que compram em vez de nos impostos.
O bottom line é este: se assumirmos que a economia é constante ou, caso mais geral, que a economia de uma sociedade com pensões redistribuitivas cresce ao mesmo ritmo que a economia de uma sociedade com pensões capitalizadas, então forçosamente pensões mais altas exigem sempre mais carga financeira sobre os trabalhadores, seja por via dos impostos seja por via dos preços. A vantagem das pensões serem redistributivas é que se pode fazer esta transferência de forma mais justa, tendencialmente dos ricos para os pobres em vez de tendencialmente dos pobres para os ricos como acontece nas pensões capitalizadas.
«o estado garante uma pensão de sobrevivência, e o resto vem da poupança privada que a pessoa tenha feito para si ao longo da sua vida.»
Se o Estado cobra a todos um imposto proporcional aos salários ao longo da vida de trabalho e depois paga a todos, por igual, uma pensão de sobrevivência, então o sistema público de pensões é 100% redistributivo. O facto de depois cada um ter poupanças privadas é um problema à parte. O Estado ter um sistema de pensões capitalizado seria o contrário: cada um entrava com o que queria (ou era obrigado) e depois recebia estritamente em função de quanto tinha pago. O sistema que temos agora é misto, e devia ser mudado, mas de forma a ser mais redistributivo e não mais capitalizado.
Já agora, se bem que o problema da redução média das pensões seja inevitável, na prática, isto não implica necessariamente uma redução no valor mediano das pensões, que pode ser mantido se se for cortando mais nas pensões mais altas.
«Os custos de produção aumentam e o resultado é que todos os trabalhadores estão a pagar essas pensões mais chorudas, mas pagam-nas no preço dos bens que compram em vez de nos impostos.»
EliminarCom a agravante de que os bancos são intermediários no processo e fazem lucro pelo caminho.
Já agora, parece-me que o maior perigo para a sustentabilidade do sistema de pensões, neste momento, nem tem nada que ver com as pensões em si. É o conjunto de políticas desastrosas que está a destruir o emprego e a aumentar a emigração das pessoas mais jovens e qualificadas.
ResponderEliminarAntónio,
ResponderEliminar«E como é que se aumenta o emprego, Ludwig?»
Com mais redistribuição. Mais redistribuição leva a mais consumo o que, por sua vez, estimula o investimento e cria emprego. O investimento público com inflação também seria uma coisa boa, por diminuir o peso das dívidas não só no sector público mas, principalmente, no sector privado. A política de austeridade, por desincentivar o consumo, juntamente com a conversa constante dos excessos, da necessidade de apertar o cinto e afins, só está a deprimir a economia e, sem compradores, não há investimento nem emprego (o sector privado não emprega pessoas senão for para aumentar os lucros).
Redistribuir o quê, Ludwig? Dívidas?
ResponderEliminarNuno Gaspar,
ResponderEliminar«Redistribuir o quê, Ludwig? Dívidas?»
Não. Dinheiro. Em vez de cortar nos apoios que o Estado dá devia-se acertar as contas públicas cobrando mais impostos, especialmente nos escalões mais altos (sim, incluo o meu nesses).
Desta forma aumenta-se o consumo da parte daqueles que gastam praticamente todos os seus rendimentos para viver de dia para dia, em vez de cortar os rendimentos desses para aumentar o capital acumulado pelos que ganham muito mais do que precisam para viver confortavelmente.
Ludwig,
ResponderEliminar"devia-se acertar as contas públicas cobrando mais impostos, especialmente nos escalões mais altos (sim, incluo o meu nesses)."
"Desta forma aumenta-se o consumo da parte daqueles que gastam praticamente todos os seus rendimentos para viver de dia para dia"
Aumento de impostos temos tido, com aumento do desemprego, também. Quem te garante que os rendimentos do aumento do consumo não vão direitinhos para os nossos fornecedores externos e seus comissionistas da grande distribuição?
...como tem acontecido até aqui.
ResponderEliminarNuno Gaspar,
ResponderEliminar«Aumento de impostos temos tido, com aumento do desemprego, também.»
Mas sempre com imensos cortes nos rendimentos de quem tem menos, precisamente aqueles rendimentos que são gastos em consumo.
«Quem te garante que os rendimentos do aumento do consumo não vão direitinhos para os nossos fornecedores externos e seus comissionistas da grande distribuição?»
Claro que vão. Mas é precisamente por isso que o consumo estimula o investimento e a austeridade não. Basicamente, cobras impostos a quem tem mais, dás o dinheiro a quem tem menos, e quem tem mais depois logo desenrasca uma maneira de voltar a sacar o dinheiro a quem tem menos. Desde que o Estado vá redistribuindo o sistema continua a funcionar. Se o estado fecha a torneira deixa de circular o dinheiro.
António,
ResponderEliminarMais uma vez, não percebo o comentário. Qual é a parte que é suoposto ser gozo?
O ajuste que temos que fazer é complicado mas parece-me inevitável.
ResponderEliminarA UE tinha uma politica global de convergência. Quando éramos 12 a coisa era pensada assim. Fazer convergir os mais pobres com os mais ricos. Daí nós, a Grécia, Irlanda, sul de Itália e Espanha termos construído as estruturas (auto-estradas, escolas, pontes, hospitais, repartições de finanças, etc e etc) para sermos todos iguais.
A coisa corria de vento em popa e a diferença era paga pelos países mais ricos. Alguma desconfiança de velha Albion mas a guita lá aparecia.
Eis senão quando o muro de Berlim caiu-nos em cima. Sem que nenhum kremenilólogo de serviço suspeitasse a URSS caí e as coisas mudam.
Por um lado é necessário reunificar a Alemanha, por outro é uma oportunidade única de retirar da órbita russa uma série de países.
Ora é bem sabido que o dinheiro é macho e não fêmea. Assim depois dumas hesitações iniciais lá se decidiu ir metendo na UE o leste da Europa antes que a Rússia se organizasse e nos passasse as palhetas.
As isto também não é alheio um grande ressentimento anti-Rússia de muitos países.
Ora nestas condições, e já somos 28 e pelos vistos a Sérvia, Ucrânia, Geórgia e nem sei mais quem vem aí a caminho, a convergência é mera miragem.
Não se pode, sem a multiplicação dos pães, fazer com que todos estes países tenham um nível de vida parecido com os dos mais ricos.
Isto começou devagarinho a ser feito. No sul continuamos alegremente a convergir como se nada se passasse.
Criamos uma UE muito desigual. Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda com sistemas de saúde tão bons ou melhores que os dos mais ricos, com todas as prerrogativas dos mais desenvolvidos (escolas públicas de qualidade, IPO´s de fazer inveja, auto-estradas bem pintadas e com rails para motociclistas, repartições de finança sem tempo de espera, hospitais bem equipados em todos os cantos e esquinas e até helicópteros no INEM)
Os nossos colegas do leste e com economias como a nossa (rép. Checa, Polónia, Hungria Eslovénia, etc) continuam sem sistema de saúde, auto-estradas básicas, escolas de qualidade mas privadas e caras e com um tipo de infra-estruturas como as nossas nos anos 80.
Claro que esta situação não é sustentável.
Nós gastamos mais do que os impostos que cobramos. Desde sempre. E aqueles números do déficit desde sempre são números mais ou menos aldrabados.
Durante uns anos isso acabava por ser compensado por um programa qualquer comunitário e a coisa lá se resolvia. Agora acabou o guito e ajustamos ao nível das nossas possibilidades a bem ou a mal.
O Selassie da troyka disse-o com uma certa frontalidade numa entrevista:
Portugal não pode ter estruturas como as do norte da Europa com a produção que tem.
A única solução para reverter este fenómeno seria a transformação da UE numa verdadeira federação de estados em que o estado central cobrava os impostos e os redistribuía pelas regiões.
Isso era porreiro para nós mas não me acredito que os países do norte vão na treta.
Portanto:
Quem puder aproveitar o sistema nacional de saúde que vá lá depressa e vamos-nos todos preparar para ter boas escolas mas privadas.
Podemos gostar ou não gostar mas o que tem de ser tem muita força.
E quem não tem dinheiro não tem vícios.
Só umas breves curiosidades:
ResponderEliminarNa rep Checa quem quer médico vai ao privado. Se está à espera do público bem morre. Duzentos euros é um razoável ordenado mas não dá para nada. Quanto a vias de comunicação hospitais na província e todas as mordomias a que estamos habituados como índices de satisfação do cliente entre bom e muito bom nas repartições de finanças nem coisa que se pareça.
Na Polónia há a acrescentar a isto tudo uma rede nacional de buracos que lembra a nossa do inicio dos anos 80.
Mesmo na parte leste da Alemanha as coisas não estão nada bem.
Para nós era bom mas acabou-se.
António,
ResponderEliminar«Se estás preocupado com tudo isso - estado social, pobres, etc. - então seria lógico que abdicasses sem protesto de algum do teu rendimento - redução de salário - para que o estado desviasse recursos para os mais pobres.»
Certo. É precisamente essa a minha posição. Eu acho que quem tem um ordenado bruto de 3000€ aguenta bem um aumento de impostos. O que protesto é que só aumentem os impostos aos funcionários públicos, começando nos 600€, em vez de o fazerem a todos começando, por exemplo, nos 3000€ (e, sim, a mim também).
Como já respondi ao Nuno Gaspar há dias, no outro post sobre isto:
«Também não me oponho a pagar impostos. Nem sequer me importo, por princípio, em que me aumentem o IRS em 12%.
O que oponho é a atitude deste governo de aumentar impostos aos funcionários públicos e não a todos por igual porque isso é injusto e uma violação da Constituição. Em alternativa propunha que toda a gente que tem um ordenado como o meu passasse a pagar mais 12% de IRS, seja no público seja no privado, e assim reduzissem os cortes e carga fiscal das pessoas que ganham menos. Isso seria justo e até inteligente, do ponto de vista económico. »
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarQuando o Ludwig escreve sobre religião e fé e cristianismo e bíblia, não me é possível concordar. Mas quando escreve sobre a política do nosso país, dou-lhe razão em muitos pontos. e fico com a sensação de que o Ludwig é demasiado politicamente correto. O que temos tido em Portugal é a pouca sorte de serem os nossos governantes pessoas de subserviência e de servilismo "snob". Servir o dinheiro e quem o tem é, talvez, a marca mais notória da nossa cultura. Pode ser natural e humano, mas é triste e explica muita coisa. É por isso que os pobres abominam a riqueza e quem a detém. Vamos ter de recuperar a cultura dos pobres, os valores dos pobres, a riqueza dos pobres. Os pobres não invejam, não admiram, nem respeitam os ricos. Compreendem-nos e lamentam-nos. Acham caricatos os ares e a importância em que os ricos têm as aparências. No teatro da vida, os pobres só pensam numa coisa, que os ricos consideram aborrecida, "sobreviver" um dia, ou uma hora, de cada vez. Os nossos governantes detestam, ou odeiam mesmo, pobres. E, agindo segundo a lei do menor esforço, tratam dos ricos, de quem dependem e a quem bajulam e se submetem. Todos os governos, ao longo da história, foram governos dos ricos e dos poderosos. Nem nas democracias isso mudou, porque os votos só produzem determinados efeitos previstos. O poder é um grande problema que está longe de ser resolvido. O poder cala, o poder esmaga, o poder transforma-se num simulacro da verdade e da virtude. O pobre sabe isso melhor do que ninguém. Não é que os pobres sejam feitos de uma substância diferente da dos ricos. É que o poder corrompe e, pior do que isso, o poder é uma cadeia, é uma engrenagem implacável. Os pobres não têm poder e, nesse aspecto, são mais livres e mais lúcidos. Ao pobre, o pouco que lhe falta é muito ou mesmo demasiado. E este demasiado, aos olhos do rico, é desprezível. Os nossos governantes não chegariam aos ambicionados cargos eleitos pelos pobres, porque estes não acreditam em políticos, nem em governantes e têm razões (já indiquei algumas). Mas a sociedade não é só constituída por ricos e pobres, nem por doentes e saudáveis. Também é constituída por pessoas que pensam que os pobres são pobres porque merecem, assim como os ricos, e por pessoas que pensam que os doentes são doentes porque merecem, assim como os saudáveis. E é aqui que entra em força a ideologia. A tendência atual parece ser a de camuflar as ideologias com pretensões teórico-científicas. Assim, alegadamente, identificam-se as necessidades e adotam-se medidas, ainda que desastrosas e injustas, mas lógicas, para os atingir. Não importa se são boas ou más, corretas ou incorretas do ponto de vista democrático, social, jurídico, histórico... Basta que sejam lógicas.
ResponderEliminarNo fim, fica tudo em águas de bacalhau, ou, como diz o outro, entre mortos e feridos alguém há-de escapar.
Carlos Soares :
ResponderEliminarDeus te ouça mas eu acho que isto vai acabar muito mal. É sempre a lenda dos brioches. Foi peta mas é uma boa metáfora.
Quando se cria um fosso entre pobres e ricos e consistente e durante muito tempo há o problema dos brioches.
E aí nem o Deus está seguro no seu sacrário.
Off shores muitas, passaportes varios e fronteira quanta vejas.
Que isto um dia destes engrossa e vai ser difícil.
E normalmente nem são os pobrezinhos os piores. Depois de cumprimentar o velho Lenine em kiev reli o estado e a revolução.
Está lá tudo.
O velho ilich ulianov era lúcido.
Nessa altura é cada um por si e Deus por todos. Os que possam pagar claro.
António,
ResponderEliminar«estás a confundir "taxa" com imposto.»
Uma taxa não é necessariamente um imposto. Mas uma taxa cobrada pelo Estado ao rendimento de uma pessoa é um imposto.
António,
ResponderEliminar«Por essa lógica o teu salário não é um salário mas um benefício fiscal.»
Não sei a que lógica te referes, mas eu considero que um salário é uma remuneração em troco do trabalho -- é isso que me pagam -- e um imposto é uma taxa sobre um rendimento ou propriedade que o Estado guarda para si.
«Se o Estado despede um recibo verde, na verdade não é um despedimento, é a aplicação de uma taxa de imposto em IRS de 100%.»
Não. Seria um imposto de 100% se o contrato se mantivesse, o salário se mantivesse, e descontassem esse valor total. Mas se quebram o contrato e o indivíduo passa a ser livre de ir fazer outra coisa qualquer sem manter qualquer obrigação de trabalhar para o Estado, nesse caso é um despedimento (ou rescisão amigável, ou simplesmente não renovarem o contrato, conforme o caso). É diferente deixares de trabalhar para alguém ou trabalhares à mesma e ficarem-te com parte do ordenado.
Tenho a impressão de que já estás a ficar sem inspiração para um diálogo minimamente racional...
A CIÊNCIA DAS FORMIGAS, A BÍBLIA E A REFORMA DO ESTADO
ResponderEliminarA Bíblia dá-nos um conselho interessante:
“Vai ter com a formiga, ó preguiçoso; olha para os seus caminhos, e sê sábio” (Provérbios 6:6)
Mas será que há assim tanto a aprender com as formigas? Será que as formigas nos podem ajudar no guião da reforma do Estado?
A ciência confirma que sim!
As formigas tomas as suas decisões por deliberação colectiva, não havendo margem para grupos de interesses especiais.
Elas evidenciam uma racionalidade colectiva quando somadas as suas decisões individuais, servindo o bem comum, a "res publica".
Além disso, elas mudam as suas prioridades quando as circunstâncias obrigam, mostrando notável capacidade de adaptação.
As formigas são engenheiras do ambiente, com um impacto positivo no ecossistema.
Além disso, elas são especialistas em agronomia, apostando forte na economia verde.
As formigas investigam e avaliam bem uma potencial nova habitação antes de se mudarem para lá, poupando custos futuros e passando ao lado de bolhas imobiliárias.
E uma vez escolhida a habitação, elas sabem sempre como voltar para lá, não negligenciando a família.
Mesmo com os muitos milhões de anos que lhes são dados pelas cronologias evolucionistas e uniformitaristas, as formigas não evidenciam qualquer traço de evolução, a não ser, evidentemente, a "evolução" de formigas para... formigas(!), ou seja, a reprodução das formigas de acordo com o seu género, tal como a Bíblia ensina.
Diferentemente, e apesar de existirem numa criação corrompida as formigas são evidência da racionalidade e do génio criador de Deus.
Ele convida-nos a aprender com as formigas, racionalizando a nossa existência individual e colectiva ao serviço do bem de todos, porque conhece bem as suas características e sabe que elas nos podem dar "dicas" importantes, quem sabe até para a reforma do Estado.
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