Treta da semana (passada): a justificação.
Uma das medidas propostas para o Orçamento de Estado de 2014 é a «redução remuneratória» dos funcionários públicos. Na prática, isto é um imposto, «uma taxa progressiva que varia entre os 2,5% e os 12%»(1) para salários base entre os €600 e os €2000, fixando-se em 12% para valores superiores. Mas não lhe podem chamar imposto porque a constituição proíbe o Estado de cobrar impostos de forma discriminatória. Por isso têm de chamar outros nomes a este imposto. No meu talão de vencimento, por exemplo, o imposto que pago só por ser funcionário público vem na coluna das bonificações com um sinal negativo. O que também demonstra ser falsa a ideia de que os contabilistas não têm sentido de humor. É um humor negro, mas alguém se fartou de rir com isto.
Mais graça ainda tem a justificação para esta medida. Afirmam que «a regra agora proposta é mais equitativa no sentido em que protege os verdadeiramente com menos recursos (abaixo dos 600€), cerca de 10% dos funcionários públicos, e distribui a necessidade de redução pelos restantes de forma progressiva até valores de remuneração de 2000 euros». Cobrar parte do ordenado para sustentar as contas públicas é necessário, razoável e esperado. Mas a medida excepcional de cobrar até 12% do salário só a certas profissões não tem nada de equitativo. A distribuição equitativa, segundo a constituição, abrange todos os trabalhadores, sendo apenas função do rendimento de cada um e não do patrão que têm ou outro critério qualquer. O objectivo de cobrar extra aos funcionários públicos não é a equidade. É apenas um expediente político pelo qual penalizam uma minoria demonizada para conquistar votos aos restantes. Precisamente aquilo que a Constituição tenta impedir que os políticos façam.
A redução anterior afectava salários a partir dos €1500 e atingia o máximo de 10% acima dos 4200€. A justificação para agora começar nos €600 e subir linearmente até aos 12% nos €2000 é «ajustar para os níveis de mercado a remuneração» dos funcionários públicos com menos rendimento porque «O estudo solicitado pelo Governo a uma consultora internacional veio demonstrar [...] que no sector público existe um prémio salarial superior para funções de menor exigência e/ou responsabilidade e que as remunerações associadas a funções de maior complexidade e exigência tenderão a ser inferiores às do sector privado». Isto não faz sentido. Primeiro, não faz sentido que o Estado cobre mais a um funcionário público que ganhe €700 do que a um privado que ganhe €700 só porque no privado os salários médios na gama correspondente são inferiores. Isto seria como cobrar mais a um cozinheiro que ganhe €700 do que a um empregado de mesa que ganhe €700 só porque, em média, os cozinheiros ganham mais que os empregados de mesa. O que deve contar para os impostos de cada um é o seu salário e não a média dos salários de terceiros. Além disso, dizem que querem alinhar os vencimentos do Estado com os dos particulares e que, nos salários mais altos, os funcionários públicos ganham menos do que os seus congéneres no sector privado. Mas cobrar um imposto extra de 12% nos salários da função pública acima dos €2000 euros acentua ainda mais a diferença entre estes salários do público e os equivalentes no privado. Para alinhar os vencimentos públicos aos do sector privado teriam de reduzir os salários menores e aumentar os salários mais elevados da função pública, uma injustiça tão óbvia que até este governo parece ter relutância em propô-la de forma clara. O que me traz ao último ponto.
Defendem que é preciso reformar os salários da função pública porque o «estudo solicitado pelo Governo a uma consultora internacional veio demonstrar genericamente que as práticas salariais da Administração Pública diferem substancialmente do padrão que é observado no sector privado, sugerindo um padrão de iniquidade entre o público e o privado.» No sector público, principalmente devido aos contratos colectivos de trabalho e a tabelas salariais uniformizadas, a gama de vencimentos é menor, com os salários menores mais elevados e os maiores mais baixos do que no sector privado, onde uma grande maioria ganha o mínimo que a lei permite e uns poucos têm salários centenas ou milhares de vezes maiores. Isto é um facto. Mas a iniquidade não está na prática da função pública. A iniquidade está no sector privado. Na função pública ainda há algum esforço para reconhecer que o tempo de trabalho que se compra a uma pessoa vale alguma coisa, mesmo que o trabalho seja de pouca responsabilidade, e há alguma preocupação em estabelecer salários que correspondam às exigências e responsabilidades dos trabalhadores. Não tanto quanto deveria haver, mas muito mais do que no sector privado, onde o objectivo é sempre o de explorar o mais possível quem tem menos poder de negociação em benefício de quem tenha a faca e o queijo na mão.
É irónico, e revoltante, que como justificação para estas medidas o governo aponte uma iniquidade e, depois, faça o possível por agravá-la. Para acertar as contas públicas de forma justa era preciso fazer o contrário do que aqui é proposto. Este imposto devia ser cobrado a todos, em função do rendimento de cada um, e não apenas a uns trabalhadores na tentativa de comprar os votos dos restantes. E a progressão do imposto cobrado não devia parar nos €2000. Devia aumentar até onde fosse preciso para combater eficazmente, com mais cobrança e mais redistribuição, a iniquidade inevitável do sector privado.
1- Relatório do OE 2014, pag 50. Disponível aqui em pdf (Via Desvio Colossal)
Essa de parar nos 12% para salários iguais ou superiores a €2000 é absurda... A única explicação que encontro para isso é ver se não se chateia muito as pessoas que podem realmente fazem frente aos cortes.
ResponderEliminar"A distribuição equitativa, segundo a constituição, abrange todos os trabalhadores, sendo apenas função do rendimento de cada um e não do patrão que têm ou outro critério qualquer."
ResponderEliminarQuanto é que foi o corte no rendimento do sector privado nos últimos 3 anos?
Foram só 400 000 desempregados, João. Nada de especial.
ResponderEliminarJoão e Nuno Gaspar,
ResponderEliminarÉ importante não confundirem duas coisas diferentes. Uma é o direito legal do Estado de ficar com parte do salário dos trabalhadores. Outra é o contrato de trabalho que trabalhadores negoceiam com os seus patrões.
O Estado não precisa de negociar os impostos com quem os paga, mas está limitado pela Constituição na forma como os cobra. Está explicitamente proibido de cobrar mais a uns do que a outros que recebam o mesmo salário.
Os patrões podem ou não despedir os trabalhadores, com ou sem indemnização, conforme o contrato de trabalho e outras limitações estipuladas na lei do trabalho. Por exemplo, os administradores de bancos falidos, tipicamente, quando são despedidos ficam milionários com as indemnizações. Em contraste, os trabalhadores com contratos temporários que não são renovados (seja nos privados seja no Estado) saiem de mãos a abanar. Os funcionários públicos com contrato estão algures no meio dessa escala, nem tão mal como alguns dos trabalhadores do privado, nem tão bem como outros. Isto não só graças aos contratos colectivos de contratação mas também ao facto de o Estado ser um caso excepcional. È que ao contrário de uma empresa privada, o Estado é propriedade de todos nós, e qualquer funcionário público é tão dono do Estado como qualquer político, presidente, ministro ou director. Raras são as empresas no sector privado em que todos os que lá trabalham, do porteiro ao fundador, são donos em partes iguais.
João da Nóbrega,
ResponderEliminar«Quanto é que foi o corte no rendimento do sector privado nos últimos 3 anos? »
Pelo que vi nesta notícia, o corte médio para todos os trabalhadores foi (nominalmente, sem inflação) de 8.3% entre 2008 e 2012. Para os funcionários públicos foi cerca do dobro. Em 2013 foi reposto um dos subsídios cortados em 2012, mas houve um aumento de 12% nas horas de trabalho na função pública, levando, no total, a um corte ainda maior.
Quanto ao número de funcionários públicos, caiu de cerca de 690 mil em 2008 para 580 mil em 2012. Agora são ainda menos. Isto dá uma redução de 20% no número de pessoas, mais do que a média no sector privado. Não são despedimentos como no sector privado, mas muita gente foi empurrada para reformas antecipadas pela degradação das condições e o resultado é que os que ficam têm de fazer o trabalho dos outros que se foram e não são substituidos.
Por exemplo, quando assinei o contrato de professor auxiliar em 2005 recebia €2125 líquidos por mês, mais os dois subsídios. Agora, ignorando o subsídio que recebo em duodécimos, o meu salário é de cerca de €1750. Não só estive oito anos sem qualquer actualização do salário ou possibilidade de progressão, como me descontam quase 20% do salário líquido (o ano passado foi ainda mais, com o corte de um dos subsídios) e o número de docentes no meu departamento caiu de 50 para 43 neste período apesar do número de alunos ter aumentado significativamente.
Mas a maior diferença é que no sector privado o patrão não pode simplesmente decidir quanto é que corta nos salários ou se fica com um subsídio sem negociar com os trabalhadores e à revelia dos contratos de trabalho. No sector privado os contratos têm de ser cumpridos. O problema principal com estas medidas é que violam o contrato mais importante entre nós e o Estado: a Constituição.
Ludwig, nessas contas, como indicas, não estão incluídos os cortes de 100% para 0% que representam o desemprego, que caí de forma esmagadora em cima do sector privado.
EliminarNo privado, os contratos são cumpridos enquanto houver dinheiro para os fazer cumprir. No público é que parece que quando não há dinheiro, passa-se uma lei para poder retirar mais um pouco de rendimento às pessoas, quer elas queiram quer não. E como as pessoas que hoje estão vivas não gostam muito disto e têm uma tendência aborrecida de se queixar, temos uma solução ainda mais fantástica. Passam-se umas leis para retirar mais um pouco de rendimento às pessoas futuras, que ainda nem sequer começaram a trabalhar ou até ainda nem nasceram, e assim consegue pagar-se os salários e prestar-se os respectivos serviços sem causar grande alarido. Obviamente que isto multiplica "o alarido" no futuro, mas o ser humano adora procrastinar.
Mas julgar que o sector privado não consegue dar a volta à lei, ou "forçar" uma negociação de baixa de salários, também é ser um pouco ingénuo. As empresas em crise negoceiam com os trabalhadores baixar os salários, e baixam. Não há hipótese dos trabalhadores recusarem a imposição, porque ela ao contrário do que queres sugerir, não vem do patrão. Se vier, ou seja se não houver razão para a baixa de salários, fazem os trabalhadores muito bem em recusar. Mas se não há hipótese de pagar os salários, que penso ser o caso normal em que existe este tipo de negociações, é porque não há clientes suficientes para pagar os salários e assim algo vai necessariamente ser feito. Se não for via redução salarial só resta via desemprego.
Por exemplo, como indicas no último parágrafo o sector privado não consegue baixar os salários dos seus empregados. Como é que houve então uma redução salarial? Houve através de despedimentos e readmissões com salários mais baixos...
A situação actual, criada pela impossibilidade de baixar salários, também é caricata e cria muitas injustiças. No sector privado tens situações, que conheço bem, de empregados jovens com salários muito mais baixos que os empregados seniores e sem hipótese à vista de alguma vez chegarem ao nível dos salários seniores. Uma situação mais justa seria progressivamente poder baixar os salários dos séniores para compensar os juniores. Álas, a lei não deixa.
Mas quando a lei não deixa a realidade tem uma maneira engraçada de chegar lá. Admitindo que esta situação se arrasta a consequência só pode ser uma: Os jovens vão migrando para empresas novas que conseguem pagar um pouco mais, porque não têm o fardo de ter de pagar salários irreais para a economia actual. As antigas estão assim condenadas por não poderem baixar os salários dos séniores.
Mas se queres continuar a comparar com o sector privado, podemos ir olhar para as contas da "empresa estado" nos anos 2009 e 2010. Nestes dois anos esta empresa teve 20% de despesa a mais do que receitas próprias, e com um historial de desiquilibrio da mesma ordem muito antigo. Agora podemos comparar com empresas em iguais condições e ver o que acontece aos seus trabalhadores.
É que essa também é uma das grandes diferenças entre os dois sectores. No sector privado ganha-se de acordo com o que os clientes quiserem pagar, de livre e boa vontade. Ganha-se o que "o mercado" quiser pagar. No sector público ganha-se de acordo com critérios arbitrários como por exemplo dignidade, mérito, carreira, formação. Mas atenção que isto nem sempre é superior ao que o mercado paga. O problema é que quando o dinheiro não chega, como se vê pela tua opinião que penso ser representativa, a pressão que se cria é a de resolver o problema pela fiscalidade: Obrigue-se os clientes a pagar o que os funcionários dessa empresa têm direito, quer os clientes queiram quer não. Totalmente o inverso do que acontece no privado.
(continua)
E ora aqui talvez esteja aqui uma boa maneira de resolver o problema. Admita-se que deviam ser os clientes do estado (todos nós) a decidir se querem ou não comprar os seus serviços pelo seu preço real. Faça-se então um referendo e:
EliminarOu se sobe a receita fiscal, doa a quem doer, 15%.
Ou se desce a despesa do estado, doa a quem doer, 15%.
Para isto teriamos de admitir que 15% é o desiquilibrio orçamental a corrigir (ver contas de 2012), e ignorar que "alguns" votam em causa própria.
Até agora o ajuste tem sido feito pelos dois lados. Tentou-se aumentar a receita, tentou-se diminuir a despesa... enfim.
Penso que não podes usar como argumento no meio desta discussão a descida de funcionários públicos porque, precisamente, não foram despedimentos. E se queres ir por ai, repara que ainda mais injusta essa situação é. Como exemplo: Tenho um familiar do privado que quer reformar-se, com 62 anos de idade, porque está cansado, e não pode. Outra coisa curiosa é, descontou durante bastante tempo sobre um salário da classe média, só se vai poder reformar depois dos 66(?). Outro familiar reformou-se aos 55 com 90% dos últimos salários que recebeu, e só recebeu "bem" nos últimos anos da carreira. Tanta "equidade" que há por aqui.
Este é outro problema que teimam em não entender. Mais anos de vida não equivalem a mais anos de juventude. São, de facto, mais anos de velhice. Terem criado um factor de sustentabilidade que aumenta a idade de reforma dos que ainda não se reformaram é altamente injusto. Uma pessoa deve poder reformar-se, em parte, porque já não tem capacidade de trabalhar. Ora seria muito mais justo ajustar pelo valor das reformas, dimiuir as reformas de todos à medida do que fosse possível pagar, do que andar a empurrar a reforma para a frente.
Mas voltando ao tema inicial, não posso concordar contigo. Querer resolver o problema actual de desequilibro orçamental, sem afectar os salários dos funcionários públicos era o mesmo que eu, estando numa empresa em crise, querer que houvesse uma subida de impostos e que a receita revertesse para a minha empresa. E bastava a minha empresa ser do estado, e eu ser funcionário público para ser essa a realidade. A minha empresa estava impedida de falir.
Se sempre que houver uma incapacidade do estado pagar as suas contas qualquer descida de despesas seja encarada como "resolver o problema via fiscalidade que afecta só os funcionários da empresa", então está impossibilitado todo e qualquer ajuste da despesa à capacidade real da economia a pagar.
E diga-se que, em termos legais, este orçamento é mais uma vez inconstitucional. Leia-se a alinha 4 do artigo 105:
"4. O Orçamento prevê as receitas necessárias para cobrir as despesas, definindo a lei as regras da sua execução, as condições a que deverá obedecer o recurso ao crédito público e os critérios que deverão presidir às alterações que, durante a execução, poderão ser introduzidas pelo Governo nas rubricas de classificação orgânica no âmbito de cada programa orçamental aprovado pela Assembleia da República, tendo em vista a sua plena realização."
E agora, cortar viola a constituição, não cortar também viola. Ups. :|
António Parente,
ResponderEliminar«O problema é esse: os funcionários públicos consideraram-se donos do Estado e entenderem que os resto da sociedade lhes deve pagar as mordomias. »
É precisamente o contrário. Enquanto os funcionários públicos são tão donos do Estado como qualquer cidadão, o que este governo quer é que as pessoas pensem que os funcionários públicos são meros parasitas.
E o dever é apenas o de pagar os salários pelos quais cada pessoa é contratada. Nota que os funcionários públicos também pagam impostos.
O meu ponto não é que eu tenho direito a mordomias especiais. O que defendo é que eu devo ter as mesmas obrigações fiscais que qualquer pessoa com um salário bruto igual ao meu. Não há justificação nenhuma para me obrigarem a pagar mais para o Estado do que outros que tenham salário igual.
bom um saLÁRIO brutus igual ao dele só se encontra na banca e na cathólica porque a igreja é pobrezinha
Eliminarpor acaso gostava de ter um igual aqui o pessoal doutorado anda todo no markting telefoneiro
fossem ganhar 3000 brutus ó brutos como o parente do ludwig
António,
ResponderEliminarQuando o Estado tem dívidas para pagar e precisa de dinheiro, não tendo moeda própria, pode negociar com os credores ou pode aumentar a receita fiscal. Se o Estado decide não negociar com os credores e pagar a dívida – e os funcionários públicos são credores do Estado, que se comprometeu a pagar-lhes pelo seu trabalho – então o Estado pode recolher mais dinheiro dos salários dos trabalhadores (e outras fontes de receita fiscal). Mas tem de o fazer dentro dos limites impostos pela Constituição.
Um grande problema aqui é a percepção distorcida desta situação. Grande parte das pessoas não percebe (ou finge não perceber) que pensões e salários são compromissos do Estado tão importantes, ou mais até, do que as PPP, os swaps ou as obrigações do tesouro.
Estas comparações que fazem da precariedade, dos salários médios e afins são todas treta. Se uma fábrica de conservas só tem trabalhadores a recibos verdes e prescinde dos serviços de metade, isso não justifica que a outra fábrica de conservas que contratou os seus operários possa agora despedir metade ignorando os contratos ou qualquer obrigação de os indemnizar. Os contratos de trabalho da função pública são diferentes de muitas condições que os privados oferecem, é verdade. Mas isso não justifica que se ignore esses contratos e simplesmente se decida alterar as remunerações ou fazer o que der na gana. O contrato de trabalho de um trabalhador no sector privado também não pode ser ignorado ou alterado unilateralmente em função de contratos de terceiros.
António,
ResponderEliminar«Mesmo que adoptasses medidas relativas a PPP's, swaps e obrigações do tesouro continuarias com défice dado que as receitas correntes não cobrem as despesas.»
Em que te baseias para afirmar isso?
Segundo o relatório do OE 2014, em 2013 o défice previsto é de menos de 9 mil milhões enquanto que as amortizações de dívida são superiores a 28 mil milhões, e mais seis mil milhões em aquisição de activos financeiros e reforço da estabilidade financeira. Em 2014 as amortizações serão de 40 mil milhões de euros, cinco vezes mais do que o défice previsto.
«Agravarias o problema porque fechados os mercados da dívida e tendo a hostilidade dos outros parceiros europeus […] o Estado passaria por crises de liquidez»
Também gostava de ver isso bem fundamentado. A maior parte das receitas do Estado vêm dos impostos, grande parte dos quais é retido na fonte ou pago rapidamente (e.g. IVA). E uma parte muito significativa do orçamento serve apenas para amortizar dívida com juros. Como é que explicas essa crise de liquidez?
«Quanto aos contratos privados, não há comparação possível. »
Há contratos privados piores do que o meu. Mas há contratos privados bem melhores do que o meu. Por exemplo, um contrato que estipulando uma indemnização de centenas de milhares de euros em caso de demissão seria bem melhor do que o meu. Ou um contrato estipulando um salário dezenas de vezes maior do que o meu. Nota que se um tipo ganha num ano mais do que eu ganharei a vida toda, não me parece grande desvantagem que o possam demitir ao fim de meia dúzia de anos, pelo menos em relação ao meu contrato.
Essa do “não há comparação possível” é treta. Estás é a comparar apenas um aspecto, o de que o Estado não tem um dono que tenha a legitimidade de decidir quem despede e de não ser boa ideia ter uns funcionários públicos com o poder de despedir outros só porque sim (pensa lá em quem é que um chefezinho de repartição vai querer despedir: o incompetente inofensivo ou o outro funcionário que percebe mais daquilo do que o chefezinho e pode vir a substitui-lo?). Mas estás a esquecer tudo o resto...
António,
ResponderEliminarAs amortizações não contam para o défice, mas os 8 mil milhões de juros contam. Mas o ponto principal era apontar a escala. Se o Estado decidisse reestruturar os compromissos que tem com todos os credores com o haircut de 12% que me quer aplicar a mim, o efeito seria muito maior do que o défice. Compreendo que haja menos consequências se cortar nos compromissos que assumiu com os funcionários públicos em vez de nos compromissos assumidos com os bancos, mas isso não tem nada que ver com equidade.
«Os contratos melhores do que os teus não serão muitos em Portugal. Comparares-te com o presidente da EDP, da PT, etc., não faz sentido.»
Para efeitos de faltar ao estipulado no contrato, faz tanto sentido como comparar com outro qualquer. A comparação é possível com qualquer outro contrato, e podemos facilmente encontrar contratos melhores e contratos piores do que o meu no sector privado. No entanto, nenhuma dessas comparações justifica que o Estado falte ao cumprimento das suas obrigações. Nenhum patrão pode legitimamente decidir pagar menos aos seus empregados só com a justificação de que o outro do lado também paga menos.
«O teu exemplo do chefezinho resolve-se de uma maneira muito simples: reduz-se o estado à sua dimensão mínima»
Não resolve nada. Continuas a ter o problema de que o Estado não é uma empresa privada. Seja com quinhentas mil pessoas seja com quinhentas, o sistema de ter alguém a decidir se despede ou não não funciona no Estado. E é fácil perceber porquê.
Primeiro, uma empresa privada tem um objectivo claro. Serve para aquilo que o dono quiser que sirva, e normalmente esse propósito é o lucro. Assim, há legitimidade para alguém ter um critério pelo qual decide quais são os trabalhadores mais úteis. No Estado não é tão simples. O Estado serve para garantir os serviços necessários ao funcionamento da sociedade, ao respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos e assim, o que é bem mais complexo, e não há nenhuma pessoa no Estado que tenha a mesma legitimidade do dono da empresa para decidir quais são os objectivos.
Em segundo lugar, o dono da empresa tem todo o interesse em que a empresa cumpra os seus objectivos. No Estado não há ninguém nessa situação. Pode haver pessoas dedicadas, mais ou menos idealistas, que querem que a coisa funcione bem, mas não estão numa posição equivalente à do tipo que montou a fábrica para ganhar dinheiro vendendo os enlatados. Por isso, qualquer pessoa que no Estado tenha o poder de despedir irá exercê-lo sob a influência de interesses em conflito com o propósito do Estado.
Finalmente, na empresa os empregados são pagos pelo patrão, por alguém que mete lá dinheiro que é seu. Se eu te contrato para trabalhares na minha fábrica o teu ordenado sai-me do bolso. Isso dá-me mais legitimidade para decidir se te despeço do que se eu for director de uma faculdade numa universidade pública e o teu salário vier dos impostos que todos – incluindo tu – têm de pagar.
O Estado não é uma empresa privada e não pode ser gerido como tal.
ResponderEliminar«Se a tua universidade passasse a ser financiada em concorrência com outras escolas que oferecessem os mesmos cursos a tua perspectiva mudaria radicalmente, provavelmente defenderias que não precisarias de tantos professores...»
Se a minha universidade fosse privatizada precisaria de muito menos professores pela simples razão de que a maioria dos alunos teria de abandonar os estudos. A solução de «Privatizas tudo o que podes privatizar» depende muito de quem avalia o que se pode privatizar. Se forem os ricos a avaliar, então pode-se privatizar tudo. Para quê ter escolas ou hospitais públicos, ou polícia, se há clínicas privadas muito melhores, se pode contratar professores e há empresas de segurança?
E esse é o problema principal aqui. Quando o Estado corta salários a partir dos €600 para garantir empréstimos de milhares de milhões à Parvalorem e evitar falhar um cêntimo sequer no que prometeu aos bancos (que causaram esta crise), é evidente que quem está ao leme disto é aquela pequena minoria para quem tudo se pode privatizar porque podem comprar tudo o que precisarem e não têm interesse nenhum em contribuir para os outros.
"Se a minha universidade fosse privatizada precisaria de muito menos professores pela simples razão de que a maioria dos alunos teria de abandonar os estudos. A solução de «Privatizas tudo o que podes privatizar» depende muito de quem avalia o que se pode privatizar. Se forem os ricos a avaliar, então pode-se privatizar tudo. Para quê ter escolas ou hospitais públicos, ou polícia, se há clínicas privadas muito melhores, se pode contratar professores e há empresas de segurança?"
EliminarNão há causalidade. É a mesma coisa que dizeres que por a parte terapêutica da saúde estar privatizada então ninguém vai conseguir ter acesso a terapêutica. Repara que em Portugal a prática médica é pública, mas a terapêutica é totalmente privada. Porque não nacionalizar a parte terapêutica? Suspeito que seja porque o mercado funciona, neste sector.
Os serviços podem ser prestados pelo público ou pelo privado, sem grande diferença no resultado. As pessoas que os prestam são potencialmente as mesmas, independentemente de quem seja o seu patrão. Os incentivos são outros, e podem moldar o funcionamento dos serviços de uma maneira ou de outra, mas a nada impede que um serviço seja fornecido pelo mercado.
Nesta situação o estado podia, se achasse que fazia sentido, entrar como pagador único dos serviços. Todos contribuíam de acordo com a sua capacidade e todos teriam acesso da mesma forma aos serviços, mas os serviços seriam prestados pelo mercado.
É o que acontece na saúde no Canadá, por exemplo. Os hospitais são privados, mas o estado entra como pagador único e garante o acesso aos cuidados de saúde aos seus cidadãos.
Suspeito que existam vantagens e desvantagens em ambas as aproximações. Salvo erro a Suécia anda a testar um modelo misto de educação.
Ludwig,
ResponderEliminar1) Os trabalhadores do estado, não são iguais aos trabalhadores do estado. nunca foram. Portanto, querer igualdade entrete todos - especialmente só quando afecta negativamente os FP é hipócrita. Não vi nenhum funcionário publico a reclamar quando os professores progrediam na carriera automaticamente e todos, ou quase todos chegavam ao topo da carreira - coisa que no privado é raro. Não me lembro de ver nenhum funcionário público a exigir igualdade na possibilidade de ser despedido, muito pelo contrário - quando disseram que seriam despedidos depois de dois anos sem fazerem nada ia caindo o carmo e a trindade.
2) Pode não vir nos jornais, mas muitos trabalhadores do privado estão a ter vários cortes nos seus salários. Eu conheço casos de pessoas que perderam 10% e 20% em "troca" de não trabalharem meio dia/um dia. Claro que conitnuam a trabalhar o mesmo na prática, porque ao contrario do publico não se pode deixar o trabalhado para a semana que vem caso contrario arriscam-se a ser despedidos na proxima leva de despedimentos. E claro, mesmo que n trabalhassem essas horas, de pouco lhes serviria, dado que a renda da casa é a mesma, a escola dos filhos é a mesma, etc, etc.
Outros perderam as "regalias" complementares ao ordenado, que tinha sido acordado em contracto, como os carros por exemplo que corresponde a 10-15% de um ordenado.
Isto não sai nos jornais porque não sai no orçamento do estado. Não quer dizer que não afecte muita gente, afecta. Mas em vez de como nos funcionario publicos em que afecta um grupo muito grande, neste caso afecta muitos grupos pequenos.
Portanto, antes de se tentar fazer o apelo à injustiça dos FP, convinha olhar bem para a realidade dos outros. Se não, a dada altura, quase que parece religião.
Outros viram o seu
O segundo "trabalhadores do estado" era "trabalhadores do privado"
EliminarAntónio,
ResponderEliminar«Se contratualizares com uma universidade a prestação de um serviço e definires o número de alunos que financias, podes conservar o ensino gratuito.»
Isso é o que já acontece. O financiamento das universidades públicas depende, pelo menos em parte, do número de alunos. Mas isso não é privatizar...
«Lamento é que na alteração de leis que me afectam pessoalmente - as leis laborais, por exemplo - e na redução de rendimento do meu agregado familiar não tenha lido nem escutado uma palavra de conforto ou solidariedade de nenhum funcionário público.»
Eu sou contra essas alterações, sou contra este governo e nem sequer votei neles. No entanto, há uma diferença entre aquilo que sou contra mas que é legal fazerem e aquilo que é ilegal fazerem. Se decidissem cobrar-te a ti um imposto extra de 12% que não aplicassem a outros com o teu salário a minha posição seria a mesma de considerar isso inconstitucional.
João,
ResponderEliminarO facto de certos serviços serem privatizados não implica que seja boa ideia privatizá-los nem que isso resulte em melhores serviços ou serviços mais baratos. Muitas vezes deve-se apenas ao problema das pessoas que beneficiam dessa privatização terem mais influência política.
«Os serviços podem ser prestados pelo público ou pelo privado, sem grande diferença no resultado.»
Essa é uma premissa muito questionável. Um hospital público tem o objectivo de tratar as pessoas e prevenir doenças. Uma universidade pública tem o objectivo de fazer investigação e ensinar alunos. Uma força policial do Estado tem como objectivo prevenir a criminalidade e fazer cumprir a lei. As equivalentes privadas destas coisas teriam como objectivo dar lucro aos accionistas, e isso afecta tudo o que fazem.
A própria avaliação dessas privatizações sofre do problema de que os critérios usados para avaliar se foram bem sucedidas serem, principalmente, critérios económicos: quanto se gasta por aluno ou paciente, etc.
«Nesta situação o estado podia, se achasse que fazia sentido, entrar como pagador único dos serviços. Todos contribuíam de acordo com a sua capacidade e todos teriam acesso da mesma forma aos serviços, mas os serviços seriam prestados pelo mercado.»
Isso é o que acontece na função pública. O Estado compra o trabalho no mercado, abrindo concursos, e os privados concorrem para vender o seu trabalho ao Estado. O que se chama privatizar é ligeiramente diferente. É acrescentar um intermediário que compra o trabalho no mercado, recebe o dinheiro do Estado, paga o trabalho com parte desse dinheiro e fica com a diferença no bolso. E quanto mais intermediários, maior a diferença.
LL,
ResponderEliminarPenso que estás a fazer confusão entre duas coisas diferentes. Eu não estou a exigir igualdade nos contratos de trabalho. Não exijo que todos ganhem o mesmo salário, que todos usem o carro e o telemóvel da empresa (coisas que são muito comuns no privado mas que depois não entram naquelas contas segundo as quais os funcionários públicos têm “prémio salarial”), que todos tenham estipuladas as mesmas indemnizações em caso de despedimento, as mesmas durações de contratos ou o que seja. Deve haver uma lei de base que impeça abusos mas, de resto, sou a favor de haver liberdade de negociação.
Sou contra, no entanto, que depois não se respeitem os contratos. Isto seja onde for. Se há casos em que o empregador se comprometeu a dar certas contrapartidas e não as dá, então sou a favor que o ponham em tribunal. Algumas dessas coisas que tu descreves parece-me ilegais.
E sou contra que o Estado viole a constituição quando cobra impostos. Cobrar impostos é necessário, mas tem de ser feito de forma equitativa e não discriminatória. Sou contra um imposto especial que afecte apenas os funcionários públicos como seria se afectasse apenas os empregados dos restaurantes ou os operários da siderurgia.
Eu tb não advogo igualdade "contractual" para todos, nem dentro do privado, nem entre o privado e o publico. No entanto, a Lei devia ser igual para todos, mas estranhamente, os funcionários publicos não estão sujeitos à Lei Laboral "normal", têm uma lei especifica, com mais garantias e beneficios que os demais. O meu racional é se têm Leis diferentes que só se lhes aplicam a eles, porque não poderão ter cortes que só se apliquem a eles?
EliminarEu neste momento do campeonato sou contra, por principio, a todos os cortes que interfiram com o vencimento das populações - não por uma questão abstrata de justiça mas por uma questão de economia. Se as pessoas não têm dinheiro, menos compram, menos gastam, mais as empresas privadas têm de despedir e quem paga, no final, somos todos nós.
Metam-nos todos no mesmo barco e então poderemos falar de "ou é para todos ou não é para nenhum".
As coisas que descrevi não são ilegaism muito em parte porque são com o acordo dos trabalhadores. Quando a administração chega e diz "O dinheiro não chega para tudo, temos de reduzir 10% com pessoal", das duas uma, ou despedem 10% das pessoas, ou todos levam com 10% no ordenado e ficam com uma tarde "livre". É natural que os trabalhadores escolham ficar com menos 10% do ordenado, porque ninguem quer condenar o Zé, com quem trabalham há 15 anos e que tens dois filhos ao desemprego. E quem diz o Zé, diz o Manel, o António ou a Ludmila.
A tarde livre que ficariam a ganhar rapidamente se perde porque o trabalho tem de ser feito e apesar de não terem despedido ninguem desta vez, n quer dizer quando houver uma nova redução das receitas não tenham de despedir alguem. E ser a pessoa que menos "produz" é meio caminho andado para ir a pé para o Centro de Emprego.
Aliás, se não estou em erro, foi uma coisa parecida que se fez na Autoeuropa (e até saiu nos jornais), mas neste caso vão X semanas para casa por ano. - não me lembro de ver FP indigandos com o tema.
LL,
ResponderEliminar«os funcionários publicos não estão sujeitos à Lei Laboral "normal", têm uma lei especifica, com mais garantias e beneficios que os demais.»
A relação de todos os trabalhadores com os respectivos empregadores está sempre sujeita à Lei Laboral, aplicada conforme o contrato de trabalho de cada um. O que acontece com quem trabalha para o Estado é que os contratos são também definidos por leis, despachos e essas coisas porque é assim que se passa na função pública. Enquanto no privado o contrato é redigido pelos advogados da firma, no Estado vem definido por uma data de burocrata nessa forma de leis e afins. Mas isto não justifica que eu tenha mais obrigações fiscais do que uma pessoa no privado que ganhe o mesmo que eu.
Achas que todas as pessoas que trabalhem no privado, que ganhem o mesmo que eu e tenham um contrato melhor (por exemplo, com carro e telemóvel pagos, ou outras regalias) devem pagar um imposto adicional ainda mais alto do que os 12% extra que querem que eu pague? Se a regra fosse essa e se, com isso, desse para cortar menos na saúde, pensões e outras transferências para quem precisar mais, até concordaria. Aplica-se os impostos com base não só no ordenado mas em todas as regalias. Tudo bem. Mas isso seria aplicado a todos e não só a certas profissões ou empresas.
«Aliás, se não estou em erro, foi uma coisa parecida que se fez na Autoeuropa (e até saiu nos jornais), mas neste caso vão X semanas para casa por ano. - não me lembro de ver FP indigandos com o tema.»
Eu acho que este governo está a fazer muita asneira e a lixar muita gente. Não votei neles porque já previa que assim fosse e, nisso, não me têm desiludido. Já me indignei aqui com várias coisas, se bem que não me comprometo a indignar-me publicamente com tudo o que mereça indignação (o tempo é limitado).
Mas, novamente, estás a confundir duas coisas diferentes. Uma é a celebração de contratos entre empregadores e empregados. A outra é a cobrança coerciva de parte dos salários, os tais impostos que todos temos de pagar. A primeira deve ser, dentro da lei, adaptada a cada situação e conforme o acordo dos envolvidos. A segunda deve ser igual para toda a gente, em função dos salários e independente de ter um contrato mais assim ou mais assado, de trabalhar de dia ou de noite, de andar na rua ou em casa, etc.
"Achas que todas as pessoas que trabalhem no privado, que ganhem o mesmo que eu e tenham um contrato melhor (por exemplo, com carro e telemóvel pagos, ou outras regalias) devem pagar um imposto adicional ainda mais alto do que os 12% extra que querem que eu pague?"
EliminarTenho uma "contra proposta" e se os FP pudessem ser despedidos tal como os restantes trabalhadores, com direito a subsidio de desemprego de acordo com a lei vigente? Ai sim, poder-se-ia considerar a aplicação do corte a toda a gente ou a ninguem. Mas, quando as pessoas não têm direitos iguais, não vejo razão para que tenham deveres (neste caso leia-se cortes) iguais.
No caso do estado, ao contrario de uma empresa, não é possivel chegar a acordo tal como se chegou na autoeuropa, ou noutras empresas porque ao contrario do que acontece no privado, em que as empresas no limite, abrem falência porque n têm dinheiro e vai toda a gente para a rua, no estado há uma sensação de impunidade que é "Enquanto houver gente a apagar impostos o meu lugar está garantido." O estado não vai à falência, tem claramente trabalhadores a mais mas n lhes pode tocar, ficam anos, decadas, encostados à prateleira, a receber ordenado e a gastar papel higiénico.
Os empregadores dos trabalhadores do estado não têm posição negocial nenhuma em relação aos seus colaboradores. Não os podem despedir, não os podem mandar fazer nada que não esteja no descritivo da sua função e tb não têm grande incentivo, visto que como o dinheiro "é de todos" na realidade significa que não é de ninguem.
Camarada e amigos:
ResponderEliminarNós só não falimos porqye sendo membros do fmi e da ue fomos, a nosso pedido, resgatados da falencia
quem faliu não tem quereres ou haveres.
A altura de falar grosso e de justiça era antes.
Ou fazemos o que a troyka sugere ou nao temos guita para nada.
Estams falidos e dependentes que nos emprestem guita para o pão nosso nós dai hoje.
Como se diz em castelhano:
Aju y água
«Achas que todas as pessoas que trabalhem no privado, que ganhem o mesmo que eu e tenham um contrato melhor (por exemplo, com carro e telemóvel pagos, ou outras regalias) devem pagar um imposto adicional ainda mais alto do que os 12% extra que querem que eu pague? Se a regra fosse essa e se, com isso, desse para cortar menos na saúde, pensões e outras transferências para quem precisar mais, até concordaria. Aplica-se os impostos com base não só no ordenado mas em todas as regalias. Tudo bem. Mas isso seria aplicado a todos e não só a certas profissões ou empresas.»
ResponderEliminarEsta é a questão.
Um alerta que deve sempre ser repetido, nesta como noutras situações parecidas, é o do deslize para o populismo.
O populismo tem entrado discretamente na discussão pública sob a forma de generalizações sobre o carácter hipócrita dos funcionários públicos, a ineficiência geral do seu trabalho, os seus privilégios, e os seus bons salários. Os funcionários públicos são, agora, um bode expiatório a toda a força.
Há interesse em discutir a justeza da ADSE, dos cortes adicionais, da revogação de PPP, do papel do Estado na Economia na forma de empresas públicas (da água, dos correios ou transportes) e até mesmo de uma revisão constitucional. Convém ainda saber se os cortes na função pública são a solução chapa 5 de sucessivos governos porque é mais fácil cortar aí, ou se tudo isto é apenas um passo num processo concertado de liquidação do Estado Social (ou alguma combinação das duas hipóteses).
Mas qualquer destas discussões deve sempre evitar o discurso maniqueísta que opõe público ao privado, os funcionários públicos aos empreendedores e quejandos.
Porque:
– Se os funcionários públicos só refilam agora porque lhes estão a ir ao bolso, isso não é mais prova da hipocrisia dos funcionários públicos como uma confirmação da hipocrisia geral das pessoas. As pessoas olham primeiro para os seus interesses e só se queixam do que as afecta directamente? Olha que grande descoberta...
– Se os impostos devem ser taxados indiscriminadamente sob um certo preceito e as normas propostas são discriminatórias à luz desse mesmo preceito, o TC fez bem em chumbar essas normas do Orçamento. É esse o seu papel. Falta dizer alguma coisa?
O problema não é os funcionários publicos só refilarem agora. É refilarem como se só lhes acontecesse a eles, como se fosse uma perseguição especifica.
EliminarO mais curioso no texto do Francisco é o dizer que os "cortes" no FP é a solução tradicional de vários governos e no entanto, com dados de recentes, os salários médios no Publico continuam a ser consideravelmente superiores aos do privado. Se o Publico tem sido tão fustigado como alegam, imagino os beneficios com que começaram... Deve ser pelo serviço exemplar que prestam.
LL,
ResponderEliminar«Tenho uma "contra proposta" e se os FP pudessem ser despedidos tal como os restantes trabalhadores, com direito a subsidio de desemprego de acordo com a lei vigente?»
Teríamos um aumento enorme na corrupção. Pensa na contratação, por exemplo. Numa empresa privada, várias pessoas se candidatam a um lugar e é alguém dentro daquela empresa, possivelmente até o chefe do grupo onde o candidato irá integrar, que decide quem é o melhor candidato. Agora imagina isso na função pública. Imagina que o presidente de cada depatamento em cada faculdade, ou o director de cada escola secundária, ou o chefe de cada repartição de finanças, decidia pessoalmente qual dos candidatos era admitido em vez de haver concursos nacionais, publicação das pontuações, verificação do processo por avaliadores de outras instituições e mecanismos desses como há na função pública. Penso que é óbvio o desastre que isto seria. Já com todos esses mecanismos há imensos problemas. Sem eles seria terrível.
Com o despedimento é o mesmo. A razão principal para não se poder despedir funcionários públicos como nas empresas é a de que isso implicaria dar a alguns funcionários públicos o poder para ir abrindo vagas conforme lhes desse jeito para qualquer propósito que quisessem. A única maneira de controlar isso é remetendo a avaliação de quem pode ser despedido para avaliadores independentes. É isso que se faz. A lei estipula o que o funcionário público tem de fazer, e os tribunais administrativos decidem se algum merece ser despedido.
Na função pública, nem a contratação nem o despedimento podem ser tão simples como numa empresa privada.
Mas, seja como for, isso não tem nada que ver com os impostos.
«Os empregadores dos trabalhadores do estado não têm posição negocial nenhuma em relação aos seus colaboradores.»
E é assim que tem de ser. Tem de ser assim para as contratações, e tem de ser assim para os despedimentos. Porque enquanto que numa empresa privada há alguém no topo da hierarquia que é dono daquilo e está a meter lá o seu dinheiro, tendo por isso mais legitimidade do que qualquer empregado para decidir quem entra e quem sai, o Estado é mantido pelos impostos de todos, incluindo dos funcionários públicos, e não se pode confiar esse poder discricionário aos funcionários públicos dos mesmos serviços. Por isso é que as contratações no Estado são decididas por concursos públicos e os despedimentos pelos tribunais.
Isso de se os funcionários publicos tivessem as mesmas leis laborais que os demais ia haver muita corrupção é treta.
Eliminar1) Os concursos publicos são tão faceis de manipular (seja para contração de funcionários como de serviços) que até doi. Quem escolhe os critérios de avaliação facilmente os faz para dar vantagem a uns ou a outros. Aliás não são poucos os casos (talvez mais no caso da contratação de serviços) em que são os próprios concorrentes a preparar o concurso.
Há contratações no privado, muito, mas mesmo muito, mais rigorosas do que no publico.
Outra questão é que "ir abrindo vagas conforme lhes desse jeito para qualquer propósito que quisessem" é verdade nos dias de hoje. Qualquer ministro/secretário de estado pode abrir vagas, basta as finanças aprovarem a verba.
Mais uma vez, as contratações não têm nada a ver com o poder-se ou não despedir os funcionários publicos.
2) Os funcionarios dos tribunais (inclusivé os juizes) tb são funcionarios publicos, logo o que se pretende evitar "dar a alguns funcionários públicos o poder para ir abrindo vagas conforme lhes desse jeito para qualquer propósito que quisessem" continua a verificar-se.
Adicionalmente, as regras operacionais de despedimento podiam ser definidas de acordo a mitigar esse tipo de acção, mas a lei continuaria a ser a mesma para todos. Por exemplo, se é preciso extinguir um posto de trabalho, por já não ser necessário, quem o ocupa deve poder ser despedido em vez de ser encostado à prateleira. Até podiam ser definidos por um tribunal, mas as regras, à partida eram iguais para todos.
3) O facto de não se poder despedir FP, sem que estes cometam dolo, leva a outro problema. Se num ano é preciso abrir vagas, quem quer que esteja no poder, pode, a dedo, escolher todas as pessoas que quer que ocupem esses lugares. E provavélmente irá, naturalmente preenche-los com quem lhes der jeito, sejam ou não as melhores pessoas para o lugar. Mas, a partir do momento em que essas pessoas assinam o contracto nunca mais ninguem as vai poder tirar de lá. Sejam ou não competentes, sejam ou não necessárias.
"E é assim que tem de ser."
É muito discutível. Mas dito assim e com o resto da frase, até parece que os concursos publicos aparecem por deliberação divina, sendo feitos exactamente por aqueles a quem o Ludwig "quer" tirar o poder de contractar.
Sousa,
ResponderEliminarEssa do “falidos” é treta, mas precisa de um post. Dá-me um tempo que já te atendo :)
LL (e António)
ResponderEliminar«O problema não é os funcionários publicos só refilarem agora. É refilarem como se só lhes acontecesse a eles, como se fosse uma perseguição especifica.»
E é. Na prática, o Estado criou duas tabelas de IRS. Uma para todos os trabalhadores e outra, com mais impostos, só para os funcionários públicos. Isto é uma perseguição específica, usando o poder coercivo que o Estado tem para retirar a cada trabalhador parte do seu salário de forma discriminatória e contrária ao que a Constituição permite.
Não discordo dos outros problemas. Há muita gente a ganhar o ordenado mínimo porque as empresas querem é ter lucros e por isso pagam o mínimo que puderem pagar. Isso está mal. Há muita gente a ser despedida porque há empresas a fechar ou a reduzir pessoal devido à política de austeridade, que por sua vez leva a mais despedimentos. Isso está mal. Há muita injustiça nos contratos de trabalho, e a diferença maior nem é da média dos funcionários públicos para a média dos privados mas sim entre os extremos do sector privado, que tem desde trabalhadores a recibos verdes até contratos milionários com clausulas absurdas de indemnização. Isso está mal. Mas tudo isso é fundamentalmente diferente do Estado criar tabelas diferentes de contribuição fiscal para profissões diferentes.
Essa tua crítica, LL, parece-me aplicar-se mais a ti do que a mim. Se o Estado propusesse um imposto extraordinário só para médicos, ou só para pescadores, ou só para empregados de mesa, tenho a certeza que não terias dificuldade em perceber a injustiça dessa medida. E isto independentemente dos médicos ou qualquer outro ganhar mais ou menos do que a média, ou serem despedidos com mais ou menos frequência, factores que obviamente não têm nada que ver com o dever de cada um pagar os seus impostos. Mas como esta medida do Estado afecta os funcionários públicos, nesse caso já não te parece ser injusta.
"Se o Estado propusesse um imposto extraordinário só para médicos, ou só para pescadores, ou só para empregados de mesa, tenho a certeza que não terias dificuldade em perceber a injustiça dessa medida."
EliminarClaro, mas FP não é uma profissão. há advogados que são FP, há médicos que são FP, há professores que são FP, há sapateiros que são FP, há senhoras da limpeza que são FP. É uma medida aplicada a pessoas que por trabalharem para o estado têm regras e direitos diferentes (melhores) do que os demais. Se as regras e direitos são difentes porque é que hão-de ser tratados todos por igual? Ou a igualdade é só para o que é mau?
LL,
ResponderEliminar«Claro, mas FP não é uma profissão.»
Então se o Estado criasse um imposto extraordinário para quem trabalhasse na Gerónimo Martins já achavas bem? É isso que faz a diferença?
Mas isso é o que acontece. A diferença é que não se chama imposto. E não é aplicado pelo estado, mas sim pelo empregador.
EliminarEu conheço vários exemplos de empresas que nos ultimos anos, desceram o salário - de várias maneiras e feitios - a todos os seus colaboradores. Ninguem lhe chamou imposto, no entanto.
A questão dos FP é que o empregador é o estado, dái a "vontade" de chamar imposto. Mas parece-me que é misturar as coisas.
António,
ResponderEliminar«Só conheço uma tabela da IRS, Ludwig. Onde está a outra?»
Este governo está a aplicar uma diferente na função pública. Por exemplo, no meu escalão o imposto é mais 8%, e vai passar a ser mais 12%. Eles dão-lhe outro nome, mas é um imposto sobre o rendimento singular à mesma.
LL,
ResponderEliminar«Se as regras e direitos são difentes porque é que hão-de ser tratados todos por igual?»
Esta é a mesma conversa de antes. Se a tua proposta é que o imposto seja função não apenas dos rendimentos mas também das clausulas do contrato, e que quem tem carro, telemóvel, contratos colectivos que impedem certos tipos de despedimento, clausulas especiais de indemnização, menos responsabilidades, um trabalho mais giro ou mais fácil e assim por diante pague mais impostos, então talvez concorde mas tem de ser aplicado a todos os contribuintes, independentemente do patrão para quem trabalham.
Mas se a regra é que os impostos são cobrados em função do rendimento e não dos detalhes dos contratos, então isso também deve ser para todos.
António,
ResponderEliminar«Então quando o teu salário foi aumentado em 2009 pelo Sócrates e também nos anos anteriores isso era uma diminuição de imposto e não um aumento de salário. Porque é que não tive uma redução de imposto equivalente à tua?»
Em primeiro lugar, quando o salário de qualquer trabalhador é aumentado o trabalhador passa a pagar mais impostos. Isso é igual para todos, no público ou no privado.
Em segundo lugar, não vejo que a igualdade obrigue a que, se uns têm um aumento, os outros todos também tenham. Se a Sonae aumentar os trabalhadores, é legítimo que a Gerónimo Martins não aumente. Isso depende das negociações entre os trabalhadores.
O que deve ser igual é os impostos pagos por trabalhadores que ganhem o mesmo. E o que se passa não é que eu tenho um salário menor. É que tenho de pagar ao Estado, além do IRS, mais 8% agora, e 12% para o ano que vem, acima do que pagaria qualquer trabalhador com o mesmo ordenado que eu que trabalhe para qualquer outro patrão. É isso que a Constituição proíbe. A constituição não proíbe que os aumentos sejam diferentes em empresas diferentes, que os contratos sejam diferentes, que os salários sejam diferentes, porque tudo isso resulta de negociações entre trabalhadores e patrões. Mas a Constituição proíbe que o Estado exerça o poder de cobrar impostos de forma discriminatória de modo a cobrar valores diferentes a pessoas que ganham o mesmo. Isto porque, ao contrário dos contratos, remunerações e aumentos, o poder do Estado cobrar impostos é um poder coercivo, exercido pela força, que naturalmente tem de ter mais restrições.
porque tem de ser o estado a seguir o exemplo dos privados e não são os privados que seguem o exemplo do estado? na zona industrial da minha cidade, há fábricas que já devem 3 subsídios de férias e natal, quando pagam é já a meio do mês seguinte metade do ordenado do mês anterior e continuam a laborar 24/7 e sempre com contentores de mercadoria a sair para exportação, há já algumas semanas que põe os trabalhadores a fazer horas extra com promessa de as trocarem por dias de folga. o próximo passo que o estado deve tomar é seguir o exemplo desta fábrica igual a tantas outras no nosso país?
EliminarLudwig,
ResponderEliminarSe não estás satisfeito com o salário que te pagam e com os impostos que te cobram porque não procuras outro trabalho? É bem mais fácil sair da função pública do que entrar. Os salários de uma empresa privada são pagos com o valor agregado que a venda dos seus produtos gera. Os salários que os funcionários do estado auferem é pago com o dinheiro dos impostos que o estado consegue recolher. Seja por impostos, taxas ou redução efectiva, os salários têm que ser ajustados à receita disponível. Ou pensas que o dinheiro cai do céu?
António,
ResponderEliminar«Em síntese: quando te aumentam o salário, não tem de ser igual para todos. Não há problema. Quando te baixam o salário, então dizes que é um imposto e é inconstitucional.»
Para te esclarecer melhor precisava compreender primeiro a tua dúvida. Não sei se o problema é não perceberes que a cobrança coerciva de impostos é diferente da negociação de contratos de trabalho, se é não perceberes que a lei que regula os contratos de trabalho estabelece limites que se aplicam a todos mas que permitem variações nas remunerações conforme negociado entre as partes enquanto a lei que regula os poderes do Estado não permite cobrança de impostos discriminada desta forma, se é não saberes que o meu vencimento base não é alterado por esta medida mas o que acontece é cobrarem-me mais 12% de taxa, se é não saberes que as alterações aos contratos de trabalho têm de ter o acordo de ambas as partes enquanto que os impostos são definidos pelo governo e impostos (como o nome indica) a todos. Qual é a diferença entre contratos de trabalho e impostos que ainda não percebeste?
Nuno Gaspar,
«Se não estás satisfeito com o salário que te pagam e com os impostos que te cobram porque não procuras outro trabalho?»
Eu estou satisfeito com o meu trabalho. É um trabalho que gosto de fazer e é um trabalho que vale a pena fazer. Dá-me muito mais satisfação fazer um trabalho que sinto ser útil para a sociedade do que um trabalho cujo único propósito é fazer com que umas pessoas dêem dinheiro a outras.
Também não me oponho a pagar impostos. Nem sequer me importo, por princípio, em que me aumentem o IRS em 12%.
O que oponho é a atitude deste governo de aumentar impostos aos funcionários públicos e não a todos por igual porque isso é injusto e uma violação da Constituição. Em alternativa propunha que toda a gente que tem um ordenado como o meu passasse a pagar mais 12% de IRS, seja no público seja no privado, e assim reduzissem os cortes e carga fiscal das pessoas que ganham menos. Isso seria justo e até inteligente, do ponto de vista económico. Estas medidas que estão a tomar são uma parvoíce e uma injustiça e isso não muda nada se eu mudar de emprego.
Eu sei que esse argumento do “agora queixas-te porque é contigo mas não queres saber dos outros” é fácil demais para que todos resistam usá-lo. Mas é uma parvoíce e nem sequer tem nada que ver com este post.
Sonas,
ResponderEliminar«na zona industrial da minha cidade, há fábricas que já devem 3 subsídios de férias e natal, quando pagam é já a meio do mês seguinte metade do ordenado do mês anterior [...]. o próximo passo que o estado deve tomar é seguir o exemplo desta fábrica igual a tantas outras no nosso país?»
Pelo que percebo do que o LL e o António defendem, o que eles propõem é mais abrangente que isto. Eles propõem que todos os operários privilegiados de fábricas que paguem os salários na altura certa paguem mais impostos em troca do privilégio de verem respeitados os seus contratos de trabalho. Afinal, se uns recebem a horas e outros não, é justo que o Estado cobre mais impostos aos primeiros.
Não, não é nada disso.
EliminarA grande diferença é que o que quer que esteja no meu contracto, este não se pode sobrepor à Lei do trabalho. seja a meu favor, seja a favor da empresa. O caso dos FP é diferente, têm uma lei que lhes confere direitos legais diferentes do restantes. Logo, se os seus direitos são diferentes e que os protegem de uma data de problemas que existem no privado, não vejo mal nenhum em que tenham deveres diferentes (neste caso, terem menos 12% do salário).
Porque ao contrário do que o que Ludwig apregoua a diferença entre os FP e os restantes trabalhadores não apenas um mero acordo contractual - como por exemplo ter carro e telemovel. É a impossibilidade de, apesar de a empresa - neste caso o estado - não ter nada para o FP fazer, e não poder extinguir o seu posto de trabalho e todos nós, termos de pagar por isso.
É como dizer que alguem que foi condenado e ficou com pena suspensa é igual a ter imunidade diplomática.
Obviamente que eu acho que as fábricas e empresas em geral, podendo, devem pagar os ordenados a tempo e horas. Se não pagam é preciso ver o porquê - não têm dinheiro? a administração está a meter o dinheiro ao bolso? maldade pura e dura? Em ultima análise o tribunal do trabalho tem de servir para alguma coisa.
LL,
ResponderEliminar«A grande diferença é que o que quer que esteja no meu contracto, este não se pode sobrepor à Lei do trabalho. seja a meu favor, seja a favor da empresa. O caso dos FP é diferente, têm uma lei que lhes confere direitos legais diferentes do restantes.»
Tanto quanto sei, estás equivocado. A lei geral do trabalho estabelece limites, normalmente limites ao que o patrão pode fazer. Por exemplo, estabelece um mínimo para os dias de férias, um máximo para o trabalho semanal, um mínimo para as indemnizações em caso de despedimento sem justa causa, etc. Mas nada impede que o patrão ofereça mais do que isso. É perfeitamente legal contratares alguém e ofereceres 180 dias de férias pagas por ano e exigires 2 horas de trabalho semanal, desde que respeites os outros limites (ordenado mínimo, etc).
Os funcionários públicos não tem um regime diferente. É o mesmo. O que acontece é que enquanto numa empresa privada os contratos são decididos negociando com cada trabalhador ou grupos de trabalhadores no caso da contratação colectiva, na função pública os contratos são negociados com sindicatos grandes e depois são estabelecidos os parâmetros para todos os empregados daquela categoria em toda a função pública. Isso toma a forma de estatutos, despachos, leis, etc, porque é assim que essa papelada funciona no Estado. Mas não violam a lei geral do trabalho.
Ou seja, para que fique claro: é perfeitamente legal uma empresa privada empregar pessoas nas mesmas condições de trabalho que os funcionários públicos têm. É até legal uma empresa privada empregar pessoas com contratos muito melhores do que os funcionários públicos têm.
LL,
ResponderEliminar«É a impossibilidade de, apesar de a empresa - neste caso o estado - não ter nada para o FP fazer, e não poder extinguir o seu posto de trabalho e todos nós, termos de pagar por isso.»
O Estado pode extinguir um posto de trabalho, como aconteceu com muitos com o aumento do tamanho das turmas nas escolas e o desvio de alunos para os colégios privados com contratos com o Estado. Nesse caso o funcionário público pode ser posto no regime de mobilidade e enviado, quer queira quer não, para outro serviço ou pode ser posto no regime de requalificação onde passará a ganhar 60% do ordenado no primeiro ano e 40% a partir daí.
E o governo pode reduzir o número de funcionários públicos. Nos últimos anos cortou cerca de 20%, o que é imenso, tendo degradado significativamente serviços importantes.
Mas o mais importante é que os funcionários públicos que não estão a mais e trabalham não têm culpa de haver outros que possam estar sem trabalhar. Se tu disseres que os funcionários públicos que não estejam a fazer nada devem pagar mais impostos, penso que a Constituição não o permite mas pelo menos teriam de pagar mais por uma situação em que eles estavam. Seja como for, esses já estão com uma redução de 40% ou 60% do ordenado se estiverem no regime de requalificação.
Mas o que tu defendes é que os funcionários públicos que têm trabalho para fazer e estão a desempenhar as suas funções como qualquer outro trabalhador devem pagar mais impostos porque há outros funcionários públicos que não têm trabalho para fazer, e isso é absurdo. Nota que eu também pago impostos para esses funcionários públicos, tanto quanto tu ou qualquer outra pessoa. Esse «todos nós, termos de pagar por isso» aplica-se mesmo a todos nós. Todos nós, no público ou privado, temos de contribuir para sustentar aqueles serviços que o Estado tem de garantir. O que não percebo é porque é que eu tenho mais obrigações de pagar por isso do que um trabalhador do privado.
Este é o problema fundamental. Se tu quiseres que cada um pague impostos em função de benefícios ou regalias de que usufrua, então tens de pôr pessoal a pagar impostos porque usa o carro da empresa, tem mais dias de férias, tem secretária, motorista ou o que for. Não vejo problema fundamental nisso mas, nesse caso, haverá muita gente no privado a pagar bem mais do que a maioria dos funcionários públicos. Se tu quiseres que uns paguem impostos como penalização pelo que acontece com outros, escolhendo tu quais são os penalizados, acho que não faz sentido nenhum.
António,
ResponderEliminar«Sobre se é imposto ou taxa consulta a página 49 deo relatório do OE. O Governo fala "alteração da política remuneratória", em "redução remuneratória". No capítulo do IRS não se fala em taxa adicional de 12%. Foste por essa via porque seria mais conveniente para a tua argumentação mas é uma premissa falsa.»
Fui por esta via porque me parece que os efeitos são mais importantes do que a demagogia. Se as empresas agora deixarem de falar em despedimentos e só falarem em “downsizing”, ou se o governo deixar de chamar “desempregados” e passar a chamar-lhes “pessoas com tempo livre” os problemas ficam exactamente os mesmos. Só quem se deixar enganar pela demagogia é que vai pensar que alguma coisa está diferente.
É o que se passa com essa taxa (o termo que vem no relatório do OE). Seja que nome lhe derem, o resultado é que os funcionários públicos terão de pagar mais impostos do que trabalhadores que ganhem o mesmo salário no privado. É esse efeito que importa e não o facto de me ser dado como uma bonificação com sinal negativo (já agora, podes dizer que não tenho razão porque me estou a queixar por me darem um bónus...)
Ludwig,
ResponderEliminar"Dá-me muito mais satisfação fazer um trabalho que sinto ser útil para a sociedade do que um trabalho cujo único propósito é fazer com que umas pessoas dêem dinheiro a outras."
Pois é precisamente por haver pouca gente com um trabalho que faça umas pessoas dar dinheiro a outras, gostem desse trabalho ou não, que falta massa para pagar os que acham que o seu trabalho é útil para a sociedade. Sem dinheiro não há lirismos.
Nuno Gaspar,
ResponderEliminarEu diria que é o contrário. O excesso de "empreendedorismo" desregulado nesses truques de fazer uns dar dinheiro a outros deu um safanão na economia privada. Em resposta, os governantes decidiram cortar nas coisas que são mais úteis à sociedade, e afundaram ainda mais a economia. O resultado foi este "reajustamento" que em poucos anos praticamente duplicou a dívida pública ao mesmo tempo que encolheu o PIB e pôs quase toda a gente mais pobre. Quase. Alguns estão a encher-se com isto...
Ludwig,
ResponderEliminarÉ verdade que alguns estão a encher-se com isto: quem consegue tornar-se anti-frágil à conta da fragilidade dos outros, ou seja, quem beneficia de volatilidades à conta de quem a elas se torna vulnerável, ou seja, quem pode ganhar no jogo sem queimar a pele, quem consegue ficar com os benefícios dos riscos que transfere. Grande parte deles vive à sombra dos estados e sim, isso tem que acabar. Mas acho que o que afunda mais a economia é o excesso de regulação, e a secura do crédito. Descontando esses anteriores e quem não é grande demais para cair ou não vende bens ou serviços públicos monopolizados, só loucos ou mártires podem sentir vontade de arriscar.
"Mas acho que o que afunda mais a economia é o excesso de regulação, e a secura do crédito."
ResponderEliminarDe facto o achismo é um dos maiores problemas desta nação. Nada consegue derrotar o achismo, nem mesmo factos. Mas já agora, se não for muito incómodo, explique lá quais as regulações excessivas e de que forma contribuiram para a duplicação da dívida.
Pois é, Wyrm. Uns acham outros têm certezas. E normalmente para tudo, economia, religião, política,...Entre outras coisas que já vimos, isto também foi para o galheiro por causa dessa gente.
ResponderEliminar"quais as regulações excessivas e de que forma contribuiram para a duplicação da dívida"
Só não acha que a actividade económica está hiper-regulada e que isso favorece a constituição de monopólios quem nunca tentou fazer nada na vida.
E só há dívida porque houve crédito a mais, para pessoas e para o estado. Por isso secou. Uns e outros têm que se habituar a viver mais com o que ganham do que com o que contam vir a ganhar.