O argumento.
Segundo o Bruce, eu nunca consegui «produzir um argumento consensual para justificar que»(1) o aborto é eticamente análogo ao infanticídio. Se o argumento é consensual não é inteiramente comigo. Por muito bom que um argumento seja, podem sempre fingir que não o entendem ou deturpá-lo para parecer que não presta. Mas, à parte disso, até me parecia que já tinha aborrecido toda a gente aqui várias vezes com esse argumento. Pelos vistos, ainda não.
Para avaliar eticamente um acto considero três aspectos igualmente necessários: o valor subjectivo do resultado; a relação causal entre o agente e as circunstâncias relevantes; e a consciência que o agente tem do acto e suas consequências.
Se matarmos um bebé de poucos meses com monóxido de carbono ele nem vai sentir nada nem vai nunca saber o que perdeu por morrer naquela idade. Mas perdeu, à mesma, toda a sua vida futura. A enorme diferença entre uma vida plena e morrer aos dois meses torna este acto, se deliberado e consciente, eticamente condenável. Ou eticamente louvável se esse bebé sofrer de uma doença incurável que o condena a uma vida de enorme sofrimento sem qualquer hipótese de alívio excepto pela morte. Nesse caso até pode ser eticamente obrigatório matá-lo para o salvar desse destino. O importante é a diferença que o acto terá no valor daquela vida. É um erro negar esse alívio a alguém com a desculpa de que a vida humana é “sagrada”, porque essa etiqueta é eticamente irrelevante. Tal como é irrelevante a etiqueta de “humano”. Se baleias, gorilas e chimpanzés também têm uma subjectividade rica e auto-consciente, será igualmente condenável matar um desses seres independentemente de quem designamos “pessoa” ou “animal”. Ou preto, embrião, judeu, índio, mulher e demais categorias historicamente invocadas para legitimar falaciosamente injustiças. Não é a etiqueta que importa. O que importa é o que o outro sente, ou deixa de poder sentir, em resultado do que lhe fazemos.
O papel causal do agente é também necessário. Há crianças a morrer em África que eu poderia salvar se desse mais dinheiro a instituições de caridade. Isto dá-me alguma obrigação ética de contribuir, como tenho feito ocasionalmente, mas a relação causal não é suficientemente forte para se poder apontar para o cadáver de uma criança e dizer que fui eu que a matei. Há muitos factores que contribuíram para essa morte, no meio dos quais as minhas escolhas são insignificantes. Diferente seria se eu deixasse um dos meus filhos morrer à fome aqui em casa por não lhe dar comida. Nesse caso seria evidente que a causa daquela morte era a negligência deste pai.
Finalmente, a consciência dos actos. Este é fácil. Se uma criança de dois anos, a brincar com uma arma, mata o irmão porque puxa o gatilho, não foi o acto da criança que foi eticamente condenável. Foi trágico, mas a falha ética estará nos adultos que lá deixaram a arma.
É por isto que eu sou contra a tourada; que acho que a caça de chimpanzés e baleias devia ser condenada como homicídio; que não compro carne de mamíferos e o frango só do campo; que acho que os imigrantes, mesmo ilegais, devem ter os mesmos direitos e responsabilidades que qualquer cidadão nacional, entre outras coisas. Não são desculpas ou categorias arbitrárias criadas para chegar à conclusão que me dá jeito. São a única forma fundamentada que encontrei para fazer sentido desta coisa da ética. E por estes fundamentos não consigo ver diferença entre matar às 10 ou 20 semanas um ser que é como eu já fui. Podem dizer que ainda não é pessoa, que se chama feto e não bebé, que só é filho aos tantos dias ou humano às tantas semanas, mas isso é discutir o significado das palavras e não tem relevância ética. O facto é que se às dez semanas lhe retirarmos as células que vão formar os olhos ele nunca vai ver; se lhe retirarmos as das pernas nunca vai andar; e se desfizermos aquilo tudo nunca vai fazer nada. Se a alternativa for deixá-lo viver uma vida como as nossas, então está em causa um grande valor subjectivo que não desaparece por demagogia, etiquetas ou definições.
Por isso, considero eticamente inaceitável abortar um feto saudável quando a gravidez resulta de sexo consensual entre adultos responsáveis e não há perigo para a saúde da mãe. Em qualquer situação que se desvie deste caso extremo – gravidez de menores, violação, problemas de saúde do feto ou da mãe, inimputabilidade – não vejo forma clara e generalizável de pesar os vários valores em causa. Mas no caso de uma gravidez saudável fruto de um acto voluntário de adultos responsáveis, a responsabilidade dos progenitores sobrepõe-se claramente ao alegado direito de fazerem o que querem com o seu próprio corpo. Nestas circunstâncias, nenhum pai ou mãe tem o direito de por em causa a vida ou saúde dos filhos. O período moratório de dez semanas entre a concepção e esta responsabilidade ter efeito não faz sentido porque é na concepção que células de dois seres diferentes se juntam para formar um terceiro. Só até à concepção é que o ser em causa é meramente potencial. Antes da nidação ainda se pode apontar que as probabilidades de vingar, mesmo sem interferência, são pequenas, enfraquecendo a relação causal, por exemplo, no caso da pílula do dia seguinte. Não é um argumento muito forte, mas levanta dúvidas suficientes para que seja uma objecção aceitável. Mas um embrião saudável e implantado é um ser humano real, vivo, em desenvolvimento, a viver como nós já vivemos e com a sua vida inteira pela frente. Nessa fase já não é legítimo que os pais o mandem matar só porque se arrependeram de o ter feito e dar-lhes dez semanas para o fazer é eticamente injustificável.
1- Comentários em Valeu a pena?
Por mim todas estas questões só tornam o desenvolvimento de úteros artificiais uma necessidade ética e moral.
ResponderEliminarsim de facto é uma necessidade até porque os naturais só produzem cento e poucos milhões de nados vivos para afogar como gatos num mediterraneum qualquer
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os indonésios andam a competir com os jã vasquistas krippahlistas nas viroses outonaes
"Se matarmos um bebé de poucos meses com monóxido de carbono"
ResponderEliminarO aborto não consiste em matar bebés com poucos meses. Não é o assassinato de seres humanos completamente formados e aptos a viver fora do útero que defendem aqueles que julgam que o aborto é uma decisão exclusiva da mulher.
"Nesse caso seria evidente que a causa daquela morte era a negligência deste pai."
A lei prevê que os pais em caso de extrema necessidade possam dar os filhos a adopção ou entregá-los ao cuidado do estado. A comparação é absurda.
"eticamente inaceitável abortar um feto saudável quando a gravidez resulta de sexo consensual entre adultos responsáveis e não há perigo para a saúde da mãe"
Uma opinião fundamentada é na mesma uma opinião. No teu fundamento dás valor a uma série de factores e essa valoração não é consensual.
"a responsabilidade dos progenitores sobrepõe-se claramente ao alegado direito de fazerem o que querem com o seu próprio corpo"
Uma mera opinião. E, para já, não é o corpo "dos progenitores." É o corpo da mãe. Uma mulher existe sem um feto mas um feto não existe sem a mãe. Para mim os direitos de um ser humano completamente formado, independente, relacional e com personalidade sobrepões-se sempre aos direitos de um potencial ser humano que se desenvolve no corpo do primeiro.
"Mas um embrião saudável e implantado é um ser humano real, vivo, em desenvolvimento, a viver como nós já vivemos e com a sua vida inteira pela frente."
Não, não vive como nós. Nós nào respiramos via o cordão unbilical nem bebemos amnio. Tambpouco o cérebro de um embrião está desenvolvido o suficiente para apreender o que quer que seja a respeito do meio e dos individuos que o rodeiam.
Em todo o caso concordo com um ponto do teu argumento: julgo que apenas nas situações em que consideras o aborto aceitável é que este deve ser pago pelos contribuintes. Não creio que deva haver qualquer comparticipação ao aborto como forma de contraceptivo que de todas as maneiras considero uma aberração. Mas uma aberração ainda maior seria para mim obrigar uma mulher a levar uma gravidez a termo se esse não é o seu desejo.
É com base em Génesis que se pode defender, logicamente, a igual dignidade intrínseca de todos os seres humanos, porque criados à imagem e semelhança de Deus. Assim compreendemos como o homicídio é moralmente mau. Isso ficou bem claro quando Caim matou Abel.
ResponderEliminarSe os seres humanos são um acidente cósmico e o produto de milhões de anos de predação, crueldade, sofrimento e morte, é totalmente arbitrário afirmar que têm valor intrínseco e que devem ser tratados como fins em si mesmos. Mesmo essa afirmação seria, em última análise, o produto de uma sucessão de acidentes cósmico, biológicos e neurológicos.
Também não se compreende porque é que o homicídio é mau e o aborto também, já que a morte é vista como força criadora e motor do processo de evolução.
São os valores judaico-cristãos que nos ensinam o desvalor de certos actos, como o homicídio ou o aborto. É claro que muitos desses valores são partilhados por outras sociedades, porque Deus colocou uma consciência em todos nós, que subsiste mesmo desvirtuada pelo pecado.
Os valores não são massa e energia, nem se podem observar no campo ou em laboratório, existindo apenas num mundo espiritual e imaterial, refutando, pela sua própria existência, uma visão estritamente materialista, naturalista e ateísta do mundo.
É fácil deduzir logicamente a existência de valores de dignidade e igualdade a partir da premissa, que o Génesis estabelece, de que existe uma dimensão imaterial e valorativa no mundo, resultante da natureza boa e justa de Deus, e da igual dignidade de todos os seres humanos por terem sido criados à imagem de Deus.
Mas é impossível deduzir, de forma lógica e não arbitrária, a existência desses valores a partir de uma visão materialista que nega a existência da dimensão espiritual e de tudo que não se pode ver e testar experimentalmente.
Charles Darwin, baseado nas suas premissas naturalistas e evolucionistas, dizia que a pretensão de dignidade humana é uma afirmação de orgulho natural e preconceito natural. À luz dessa afirmação, não se percebe como o homicídio é mau, nem, muito menos, porque é que o aborto é mau.
Embora os evolucionistas saibam, no seu coração, que o homicídio e o aborto são maus (embora alguns procurem suprimir esse conhecimento), eles não conseguem deduzir uma explicação para isso à luz da teoria da evolução.
Só a Bíblia tem uma explicação consistente para que a morte seja considerada um mal moral e "o último inimigo".
Foi por isso que Jesus Cristo morreu e ressuscitou, alterando com isso o curso da história, vencendo a morte e prometendo-nos vida eterna com Deus.
Wyrm,
ResponderEliminarO meu argumento não é por analogia, pelo que não depende do bebé morto com CO, das crianças esfomeadas em África ou do miúdo de 2 anos que dá um tiro ao irmão serem a mesma coisa que o aborto. São exemplos para ilustrar a minha escolha do que fundamenta uma avaliação ética.
No caso do envenenamento por CO, o raciocínio é este. Considera o período que decorreu desde a tua concepção até hoje. Soma o valor subjectivo, para ti, de tudo o que aconteceu. Agora imagina o valor total das tuas experiências neste mesmo período se tivesses sido morto por CO quando tinhas dois meses de idade, e a mesma coisa se tivesses sido abortado às 10 semanas. Penso que concordas que a diferença entre estes dois últimos cenários seria insignificante comparada à diferença entre o primeiro e qualquer um dos outros. E essa diferença não depende da definição de palavras nem de como os outros te classificam. Não interessa se és categorizado de herege, infiel, de raça inferior, infantil, feto, embrião ou o que for. O que interessa é que se te matarem não terás o resto da tua vida e isso é importante. Por essas razões é que eu rejeito como eticamente irrelevantes os rótulos e olho em vez disso para as consequências dos actos. É também por isso que sou contra a tourada e o racismo.
«Uma opinião fundamentada é na mesma uma opinião. No teu fundamento dás valor a uma série de factores e essa valoração não é consensual. »
Uma opinião fundamentada é melhor do que uma opinião sem fundamento ou inconsistente por implicar contradições. É por isso que, apesar do racista e do seu opositor defenderem ambos opiniões, o racismo é uma treta. O mesmo para a discriminação da mulher, para a xenofobia, e tantas outras opiniões claramente erradas por fazerem de uma categorização arbitrária um fundamento para regras morais. Eu evito esses problemas com este fundamento que expliquei no post. Isso faz com que considere o aborto, em certos casos, como eticamente equivalente ao infanticídio e dá-me uma carga de trabalhos, mas não vou criar excepções ad hoc só para ficar mais na moda...
«Uma mulher existe sem um feto mas um feto não existe sem a mãe. »
Nenhum adulto existe se matares esse organismo quando estiver no estado de desenvolvimento que rotulamos de “feto”. Seja como for, este aforismo é eticamente irrelevante.
«Não, não vive como nós. Nós nào respiramos via o cordão unbilical nem bebemos amnio. Tambpouco o cérebro de um embrião está desenvolvido o suficiente para apreender o que quer que seja a respeito do meio e dos individuos que o rodeiam.»
E isso é eticamente relevante porquê? Estás a advogar como fundamento ético que é legítimo matar qualquer ser da nossa espécie que, temporariamente, esteja num estado em que não respira como nós, não beba o que nós bebemos e não consiga apreender o meio e os indivíduos que o rodeiam? É que isso como regra geral é obviamente uma péssima ideia.
Se estás só à procura das cerejinhas que encaixam na tua ideia pré-concebida que até às 10 semanas se pode abortar, então sugiro que uses como critério a formação da estrutura externa da orelha. Continua a não ter qualquer relevância ética, mas pelo menos ocorre no momento certo...
«uma aberração ainda maior seria para mim obrigar uma mulher a levar uma gravidez a termo se esse não é o seu desejo. »
Imagina que eu engravido uma mulher mas não é meu desejo dar dinheiro – ou seja, dar parte do que obtenho com o esforço do meu corpo – para ajudar a criar a criança. Será uma aberração que a lei me diga azar, fizeste-o agora ajudas a sustentar e se não o fizeres vais de cana?
Ludwig,
ResponderEliminarO que ainda ninguém te disse, mas digo-te eu, é que este post é sobretudo uma revoltante dose de hipocrisia. E nem precisávamos de ir mais longe: tu aceitas experimentação laboratorial com destruição de embriões humanos e nunca aceitarias experimentação com destruição de recém-nascidos. Porquê? Porque nunca na tua cabeça nem na tua ética um embrião é o mesmo que um recém-nascido.
Mas o verdadeiro atoleiro do teu argumento não é a hipocrisia desta omissão. Como reconheces perfeitamente que uns gramas de células em plena diferenciação pouco têm a ver com um sistema biológico autónomo, elaboras alternativas para uma justificação que será sempre absurda. E dedicas-te a isso com grande estilo:
«Para avaliar eticamente um acto considero três aspectos igualmente necessários: o valor subjectivo do resultado; a relação causal entre o agente e as circunstâncias relevantes; e a consciência que o agente tem do acto e suas consequências.»
Vamos então às circunstâncias relevantes. Só o tempo transforma uma massa de células num sistema biológico autónomo mas tu queres, literalmente à marretada, que sejam uma e a mesma coisa no instante da tua avaliação. O que perde uma massa de células em processo de diferenciação se alguém a asfixiar com monóxido de carbono? Sem ocorrer a transformação decisiva da massa de células para um animal, o futuro da massa de células é ser uma massa de células. E se asfixiares essa massa de células com monóxido de carbono antes da transformação o que se perde é apenas a massa de células. Os «três aspectos igualmente necessários» estão salvaguardados e podes dormir descansado, porque o futuro de um animal não existe se não existir o animal.
O atoleiro, vou tentar ser mais sucinto, é a flagrante falta de lógica em que identificas o futuro de um animal nas circunstâncias presentes de uma massa de células.
Podia apontar-te outros aspectos da hipocrisia decorrentes da tua relutância em utilizar “rótulos”, como se por detrás dos rótulos não existissem as coisas que inevitavelmente classificas numa escala de valor. Podíamos por exemplo apurar se alguma vez consentias que um cão com diarreia passasse à tua frente nas urgências de um hospital, ou se os frangos do campo que decidiste comer não pedem nada quando os cozinhas. Mas isto é acessório, e francamente gostava de te deixar um comentário mais construtivo.
Existe um gradiente de valor na biosfera, e com rótulos ou sem rótulos tu reconheces esta evidência. Mas na ontogénese, no processo de fabrico de cada indivíduo, há um gradiente de valor ainda maior. Basta olhares para ele e aceitares que: a) uns gramas de células em plena diferenciação não são um animal; b) os «três aspectos necessários» da tua avaliação ética só se aplicam a coisas que existem.
Eu também considero o aborto aceitável nas mesmas condições que o Ludwig. Acho que devemos separar é aquilo que é moral/imoral e aquilo que deve ser ou não legalizado. Por exemplo, eu concordo que a mulher tenha o direito de escolha (não é o estado que dita o que ela deve fazer com o seu corpo), no entanto eu não o faria a não ser se verificasse uma das condições extremas que o Ludwig mencionou e criticaria quem o fizesse se me fosse pedida a opinião.
ResponderEliminarTambém concordo que quem quiser abortar só porque lhe dá jeito deve fazê-lo à sua custa e não à custa do estado (isto é, dos contribuintes).
O problema de ser quem quer fazer que o pague gera um problema semelhante ao aborto ilegal. Um aborto legal, feito numa instituição de saúde séria e credivel, é muito mais cara do que aquelas feitas num qq vão de escada.
EliminarAntigamente, quem tinha dinheiro ia facilmente a espanha fazer o acto, quem não podia pagar ia arriscava-se numa clinica qualquer por cá.
Isto iria criar um double standard.
Bruce,
ResponderEliminar«tu aceitas experimentação laboratorial com destruição de embriões humanos e nunca aceitarias experimentação com destruição de recém-nascidos.»
Não sei onde foste buscar essa última parte. Apesar de me repugnar a ideia de experimentação com destruição de recém-nascidos, aceito-a se nas mesmas condições que as da experimentação com embriões. Por exemplo, supõe que temos um recém-nascido abandonado com uma doença congénita tal que vai morrer em breve e nunca vai tornar-se consciente. Nesse caso, desde que se garanta que não sofre adicionalmente com a experiência, não vejo objecção ética a que se faça experiências com esse ser porque não lhe vai fazer diferença, de uma forma ou de outra.
É esta a diferença grande entre o embrião implantado no útero e o embrião numa caixa de petri. É que o segundo está tramado faças o que fizeres, pelo que não há problema em fazer experiências. O primeiro tem muito a perder se o matarem.
«Só o tempo transforma uma massa de células num sistema biológico autónomo mas tu queres, literalmente à marretada, que sejam uma e a mesma coisa no instante da tua avaliação.»
Não. Por mim podes categorizá-los como quiseres porque o que me interessa não é o instante da avaliação mas as consequências futuras do acto. Se tu decidires atirar para o mar bidões de material radioactivo, não me importa que, no instante da avaliação, os bidões estejam em perfeitas condições e estanques. O que me importa é que todos sabemos que, mais tarde, esses bidões vão vazar material radioactivo para o mar que lá não estaria se não tivesses para lá atirado os bidões. Essa diferença, mesmo que no futuro, é suficiente para ires de cana se despejares bidões com material radioactivo para o mar e o “instante da avaliação” que se lixe.
«é a flagrante falta de lógica em que identificas o futuro de um animal nas circunstâncias presentes de uma massa de células.»
Primeiro, todos somos massas de células. Segundo, não me importa o que identificas como animal, futuro ou o que raio seja porque o facto é relevante é mais simples e independente dessas categorizações: se destróis aquela massa de células elas morrem, se não destróis sabes que essa massa de células vai ser uma massa de células como nós. Esse acto tem tudo para ser eticamente condenável: o seu efeito é uma perda grande de valor subjectivo em relação ao que haveria se não se concretizasse esse acto, é deliberado, e pode-se identificar claramente a relação causal entre o agente e essa perda subjectiva em concreto.
«Mas na ontogénese, no processo de fabrico de cada indivíduo, há um gradiente de valor ainda maior. »
Se aceitares como facto estabelecido pela neurobiologia que a capacidade cognitiva de um cão adulto é superior à de um humano recém-nascido, que nem sequer ainda tem mielina nas fibras nervosas do cérebro, inferes daí que o valor da vida de um humano recém-nascido é inferior ao valor da vida de um cão? Eu não. Precisamente porque é parvoíce olhar só para o “momento da avaliação” e fingir que as consequências do acto se esgotam em segundos. Se considerarmos o futuro de ambos há uma diferença muito grande, e a balança pende para o outro lado.
Madalena,
ResponderEliminar«Por exemplo, eu concordo que a mulher tenha o direito de escolha (não é o estado que dita o que ela deve fazer com o seu corpo), »
Eu penso que o direito que temos de fazer o que queremos com o nosso corpo não é um direito absoluto, que se sobreponha a todos os outros interesses. Por exemplo, supõe que essa mulher é médica e está no meio de uma cirurgia. Ou está a pilotar um avião cheio de passageiros. Penso que nesses casos é evidente que direito que tem de fazer o que quer com o seu corpo ficou subordinado a uma posição de responsabilidade em que se encontra por decisões que voluntariamente tomou no passado.
No caso dos pais isso é óbvio. Em geral, eu tenho o direito de recusar andar com alguém ao colo. Mas se fui passear no meio da floresta com um filho pequeno e ele torce o pé, eu não posso alegar que esse direito me isenta de ter de o carregar nem posso depois exigir que o Estado não se intrometa quando estiver a ser julgado por homicídio negligente.
Por isso é que acho que no caso da gravidez por relações sexuais consensuais (mas não no caso de violação) o direito que, em geral, a mulher tem de fazer o que quer com o seu corpo tem de estar subordinado à vida que, por um acto voluntário e consciente dela, agora está temporariamente dependente do que ela faz.
«Acho que devemos separar é aquilo que é moral/imoral e aquilo que deve ser ou não legalizado.»
Concordo. E esse é outro problema. Um problema grave nisto do aborto é que muita gente defende que tem de ser legal porque é um direito da mulher. Isso é falso. Fora isso, a ideia de que deve ser despenalizado porque é uma lei difícil de fazer cumprir e porque se pode mais facilmente combater o aborto por acção social se for tudo legal faz algum sentido, e seria uma hipótese a testar. Como escrevi na altura, não me opunha a que se fizesse a experiência e ver se a despenalização facilitava reduzir o recurso a esta prática.
O problema foi a abordagem de repetir referendos até que o aborto fosse declarado um direito e a partir daí fingir que já não há problema. Se a mulher não tem dinheiro e o gajo foi-se embora, não faz mal. Aborta que o Estado paga. Se quiser a criança é que está pior, porque não há dinheiro.
A variação de 1250 complicações anuais para 1100 com a legalização indica claramente que ou o problema estava a ser muito exagerado ou o número de abortos aumentou bastante quando o Estado começou a subsidiar a prática. Eu diria que o que aconteceu foi uma combinação de ambos os factores...
Este comentário foi removido pelo autor.
EliminarMaria Madalena Teodosio03/10/13, 17:04
Eliminar«o direito que, em geral, a mulher tem de fazer o que quer com o seu corpo tem de estar subordinado à vida que, por um acto voluntário e consciente dela, agora está temporariamente dependente do que ela faz.» Tem uma certa razão.
«Se a mulher não tem dinheiro e o gajo foi-se embora, não faz mal. Aborta que o Estado paga. Se quiser a criança é que está pior, porque não há dinheiro.» Uma solução simples é entregar a criança à guarda do estado. Assim talvez possa ser adoptada por pessoas que a desejem e consigam dar-lhe uma vida digna. De facto nem é preciso abortar com esse sistema, o qual permite dar uma oportunidade mesmo nos casos em que a criança não é desejada.
Ludwig,
ResponderEliminar«Apesar de me repugnar a ideia de experimentação com destruição de recém-nascidos, aceito-a se nas mesmas condições que as da experimentação com embriões.»
Então porque dás um exemplo de um único caso extremo em que aceitarias tal coisa? Se o teu “argumento” serve para defender que matar embriões é equivalente a matar recém-nascidos, devias ser capaz de aceitar sem mais exigências o caso de um laboratório onde passassem bandejas com com bebés vivos para dissecar. Porque é isso que acontece com os embriões e tu não te queixas.
E já agora não te queixas por um motivo bastante exótico, como já te apontei várias vezes. Um embrião no útero de uma mulher não é mais nem é menos do que um embrião numa placa de Petri. São precisamente o mesmo produto biológico, com as mesmas potencialidades intrínsecas. E tu, depois de tanto esforço a defender as potencialidades intrínsecas, dizes que o embrião da placa de Petri teve azar nas potencialidades extrínsecas e sendo assim podemos lixá-lo. In extenso:
«É esta a diferença grande entre o embrião implantado no útero e o embrião numa caixa de petri. É que o segundo está tramado faças o que fizeres, pelo que não há problema em fazer experiências.»
Cum caneco, Ludwig. Esse embrião foi ter ao laboratório pelo seu próprio pé, ou terá havido um investigador inimputável que não fazia ideia das implicações futuras das suas acções quando produziu um embrião in vitro?
«desde que se garanta que [o recém-nascido] não sofre adicionalmente com a experiência»
Eis uma diferença fundamental entre matar um embrião e matar um recém-nascido, uma vez que o embrião nunca poderia sofrer em circunstância alguma. Afinal até sabias desta...
«Se tu decidires atirar para o mar bidões de material radioactivo»
Se eu atirar bidões de material radioactivo, o que estou a fazer é atirar bidões com material radioactivo. Mas para usares uma comparação válida terias que me falar em bidões vazios. Matar embriões que ainda não são sistemas biológicos, muito menos com interesses no seu próprio futuro, tem apenas o custo do recipiente. Infelizmente tu desfaleces com a radioactividade só de olhar para eles, mas isso não quer dizer que estejam cheios. Desenvolveste uma reacção emocional ao símbolo, nada mais.
«não me importa o que identificas como animal, futuro ou o que raio seja»
Já tinha percebido isso. Mas esse é um problema teu, porque temos que falar de coisas quando falamos de coisas. E parece-me frustrante como tens insistido numa rejeição dos “rótulos” apenas para teimar que um bidão vazio é um bidão radioactivo, ou que um embrião é um homenzinho pequenino.
«porque o facto é relevante é mais simples e independente dessas categorizações: se destróis aquela massa de células elas morrem, se não destróis sabes que essa massa de células vai ser uma massa de células como nós.»
Ludwig, segue com amizade pela última vez: simples e relevante é que não podes destruir o que não existe, podes apenas lamentar que não tenha existido. Mas isso é uma reacção emocional, não é uma perda objectiva.
«Se aceitares como facto estabelecido pela neurobiologia que a capacidade cognitiva de um cão adulto é superior à de um humano recém-nascido, que nem sequer ainda tem mielina nas fibras nervosas do cérebro, inferes daí que o valor da vida de um humano recém-nascido é inferior ao valor da vida de um cão? Eu não.»
Foi já para evitar este tipo de karaté filosófico que eu deixei muito claro: o gradiente de valor que te convidei a encontrar na ontogénese é entre uma pequena massa de células em diferenciação e um animal.
Na verdade, quando digo «segue com amizade pela última vez» estou a fazer bluff.
ResponderEliminarBruce,
ResponderEliminar«Então porque dás um exemplo de um único caso extremo em que aceitarias tal coisa?»
Porque só num caso extremo é que um bebé está tão tramado como um embrião na caixa de Petri. Só num caso extremo é que fazer experiências num bebé e acabar por destruí-lo é indiferente para o futuro desse bebé, tal como acontece com o embrião na caixa de Petri.
«Um embrião no útero de uma mulher não é mais nem é menos do que um embrião numa placa de Petri. »
Fico a pensar se leste alguma coisa do que eu escrevi...
O que é, se é mais ou se é menos, se lhe chamas couve ou o que for, é irrelevante. O que importa são as consequências do acto em causa. Se matar ou não matar vai dar ao mesmo, então é indiferente. Se matar vai resultar em algo de muito menor valor para o morto do que não matar, então é mau matar. Se matar for muito melhor para o morto do que deixá-lo viver, como no caso de eutanásia, então é melhor matar. Isso quer estejamos a falar do feto, do embrião, do bébé, do touro, do chimpanzé ou das pessoas que vão nascer daqui a 500 anos e levar com a radiação dos bidões que mandaste agora ao mar.
«Esse embrião foi ter ao laboratório pelo seu próprio pé, ou terá havido um investigador inimputável que não fazia ideia das implicações futuras das suas acções quando produziu um embrião in vitro?»
Tanto faz. Considera o problema visto da perspectiva do embrião X. Compara o valor subjectivo destas três alternativas:
A. O investigador não cria o embrião X.
B. O investigador cria o embrião X e o embrião X morre ao fim de uns dias na caixa de Petri.
C. O investigador cria o embrião X, faz experiências com o embrião X, e o embrião X morre ao fim de uns dias na caixa de Petri.
Parece-me que para o embrião X tanto faz. Nenhuma destas é melhor ou pior do que a outra.
Agora considera o embrião Y.
A. A mãe deixa o embrião Y onde está e ele desenvolve-se em feto Y, bebé Y e cidadão Y
B. A mãe manda matar o embrião Y.
Aqui acho que é inegável uma grande diferença entre A e B para o feto Y, o bebé Y e o cidadão Y, quer consideres que são o mesmo organismo ou que, magicamente, se transformam um no outro sendo coisas diferentes.
«E parece-me frustrante como tens insistido numa rejeição dos “rótulos” apenas para teimar que um bidão vazio é um bidão radioactivo»
Não é nada disso. A minha posição é que, independentemente dos rótulos, se matares um humano na fase de embrião ele não se desenvolve, e isso faz muita diferença em relação ao que acontece se não o matares e ele se desenvolver. O exemplo dos bidões é que, na altura, são bidões estanques mas que tu sabes que 100 ou 500 anos mais tarde vão verter, e a avaliação do teu acto não depende da diferença semântica entre “bidão estanque” e “bidão a verter” mas sim das consequências previsíveis do que estás a fazer.
«simples e relevante é que não podes destruir o que não existe»
Certo. Mas quando o embrião não existe também não se pode abortar. É como os bidões. Então o senhor não sabe que os bidões vão vazar? Não, senhor juíz. Esses bidões que vazam não existem. Os que eu deitei ao mar são estanques; não me venha falar do que não existe, que só daqui a 100 anos é que isso será problema.
«Foi já para evitar este tipo de karaté filosófico que eu deixei muito claro: o gradiente de valor que te convidei a encontrar na ontogénese é entre uma pequena massa de células em diferenciação e um animal. »
Não. É simplesmente porque a tua proposta de avaliar a vida toda de um ser com base no seu estado num dado instante é claramente disparatada.
Madalena,
ResponderEliminar«Uma solução simples é entregar a criança à guarda do estado. Assim talvez possa ser adoptada por pessoas que a desejem e consigam dar-lhe uma vida digna. De facto nem é preciso abortar com esse sistema, o qual permite dar uma oportunidade mesmo nos casos em que a criança não é desejada.»
Essa é a solução que temos. Ninguém é forçado a criar crianças que não deseja; pode sempre entregá-las à guarda do Estado. Não sei quanta papelada isso envolve, mas sei que é possível.
O problema é que temos um historial de muitos milhões de anos de evolução que nos deram fortes instintos em relação aos bebés. No entanto, nunca foi preciso instintos em relação a fetos ou embriões porque a gravidez decorre em piloto automático. É muito mais fácil, psicologicamente, livrar-se da barriga do que da criança recém nascida.
Parece-me que mesmo as pessoas que defendem que a mulher tem o direito moral de mandar matar o feto hesitam em defender que uma mãe tenha o direito moral de abandonar um filho num orfanato. Precisamente por causa desse instinto.
A distinção entre o bebé e o “monte de células”, as desculpas de que sente, pensa e tem grande discernimento quando um recém nascido é intelectualmente muito inferior à maioria dos mamíferos adultos, se já respira ou se tem orelhas, são apenas racionalizações para lidar com a grande diferença emocional entre a ideia de matar um bebé e a ideia de livrar-se do coiso. Devia ser possível perceber esse problema e pensar nas coisas com mais racionalidade. Mas a julgar por respostas como a do Bruce e pela quantidade de gente que ainda acha que a homossexualidade devia ser proibida, temo que a tripa continue a mandar mais do que a mioleira...
Parabéns, Ludwig. Dois posts e discussões anexas brilhantes. Isto, sim, deveria passar em salas de aula (descontando a referência a carnes vermelhas no primeiro texto). As tentativas de réplica do Wirm e do Bruce expõem a total inconsistência da argumentação de suporte a uma lei que muito tem contribuído para o contínuo extermínio de um quarto da população portuguesa.
ResponderEliminarjá passa tanta merda e inda qwerias mais?
Eliminarmasoquista....
"Por essas razões é que eu rejeito como eticamente irrelevantes os rótulos e olho em vez disso para as consequências dos actos."
ResponderEliminarNão. Tu olhas para probablidades. Uma amálgama de células num útero não resultará necessariamente num ser humano nem tens forma de aferir a quantidade de experiências das quais será privado. Uma quantidade de células a que se convencionou chamar embrião não vive independentemente da progenitora nem tem consciência nem tem expeeriências. Se há algo que é de uma estupidez, ou má fé, atroz é achar que o direito de um feto a putativas experiencias se sobrepõe aos direitos da progenitora. Ela existe agora.
"Não interessa se és categorizado de herege, infiel, de raça inferior, infantil, feto, embrião ou o que for."
Interessa. Desse conjunto há dois elementos que a ele não pertencem.
"É também por isso que sou contra a tourada e o racismo."
O racismo e a tourada causam sofrimento a pessoas e animais respectivamente que existem como seres independentes e que possuem a capacidade de sentir coisa que um feto até às 10 semanas não pode. Mais valia teres levado a falácia ao extremo e comparasses logo com, sei lá, genocídio ou autos de fé.
"Isso faz com que considere o aborto, em certos casos, como eticamente equivalente ao infanticídio e dá-me uma carga de trabalhos, mas não vou criar excepções ad hoc só para ficar mais na moda..."
Percebo o teu ponto de vista mas não tens razão nenhuma. Se um feto até às dez semanas reconhecesse a mãe, pedisse comida, chorasse quando tem fome ou sente desconforto (e coisas semelhantes acontecem nos ultimos meses de gravidez) poderias ter alguma razão. Mas não sente. A mulher que pretendes obrigar a levar a gravidez a termo certo é um ser humano agora, tem experiencias agora, sofre ou sente prazer agora. Os seus direitos são mais importantes que potenciais direitos.
"Estás a advogar como fundamento ético que é legítimo matar qualquer ser da nossa espécie que, temporariamente, esteja num estado em que não respira como nós, não beba o que nós bebemos e não consiga apreender o meio e os indivíduos que o rodeiam?"
Bem, muitas vezes desligam-se as máquinas a doentes precisamente nas condições que enumeras. Consideras isso legitimo? É que um doente em coma profundo ou com danos cerebrais ainda pode vir a acordar e mesmo com danos pode ter experiencias.
"Será uma aberração que a lei me diga azar, fizeste-o agora ajudas a sustentar e se não o fizeres vais de cana?"
Acho que isto é respondido por isto:
"Essa é a solução que temos. Ninguém é forçado a criar crianças que não deseja; pode sempre entregá-las à guarda do Estado. Não sei quanta papelada isso envolve, mas sei que é possível."
"A distinção entre o bebé e o “monte de células”, as desculpas de que sente, pensa e tem grande discernimento quando um recém nascido é intelectualmente muito inferior à maioria dos mamíferos adultos, se já respira ou se tem orelhas, são apenas racionalizações para lidar com a grande diferença emocional entre a ideia de matar um bebé e a ideia de livrar-se do coiso."
Errado. Esse é o teu problema emocional porque és incapaz de perceberes diferença entre um potencial ser humano e um ser humano. Entre algo que sente e algo que não sente mas que eventualmente poderá vir a sentir. E que depende exclusivamente de uma hospedeira para sobreviver. De caminho borrifas-te completamente para os direitos do ser humano que já existe, que já sente e que pode ter cometido um erro ou um acidente pode ter acontecido pois não existem anticoncepcionais 100% eficazes. Isto também é pensar com a tripa e não com a mioleira.
"Mas a julgar por respostas como a do Bruce e pela quantidade de gente que ainda acha que a homossexualidade devia ser proibida, temo que a tripa continue a mandar mais do que a mioleira..."
É mesmo engraçado como enfias racismo, crueldade para com animais e homofobia pelo meio dos teus argumentos precisamente para fazeres que a tripa mande mais que a mioleira. Já só falta a eugenia.
Ludwig,
ResponderEliminar«Fico a pensar se leste alguma coisa do que eu escrevi...»
Confesso que por vezes me deixo embalar em pensamentos vagos, aqui a contemplar um longo cerejal de caroços de cereja...
«Considera o problema visto da perspectiva do embrião X. Compara o valor subjectivo destas três alternativas:»
Não existe nenhuma diferença subjectiva quando X e Y morrem no laboratório e no útero da mãe. Pelo contrário, já encontro uma diferença substancial entre a opção « A mãe deixa o embrião Y onde está e ele desenvolve-se em feto Y, bebé Y e cidadão Y» e a opção «A mãe manda matar o embrião Y», mas pela razão de tornares esta conversa impossível com uma sobreposição temporal absurda e não considerares o aspecto fulcral da transformação do sujeito da tua análise ao longo da tua análise. É o que tem acontecido de outras vezes e penso que não passamos daqui.
De qualquer modo foi interessante sublinhar tua distinção folclórica entre matar um embrião já condenado numa placa de Petri e matar um outro embrião já condenado no útero de uma mulher que não quer continuar grávida. Da “força” dessa distinção resulta que no primeiro caso vês investigação científica e no segundo vês infanticídio.
Enfim, parece que pelo menos o Gaspar ficou satisfeito.
Nem de propósito: http://www.thedailyshow.com/watch/wed-april-11-2012/bro-choice?xrs=share_fb
ResponderEliminarBruce e Wyrm,
ResponderEliminarParece-me que a vossa posição de que só conta o estado do feto enquanto feto, naquele momento, sem ligar a consequências futuras, não é apenas uma divergência de valores, mas sim uma aplicação inconsistente com os vossos próprios valores.
Para testar esta hipótese proponho uma experiência conceptual. Notem que o propósito desta experiência não é fazer um argumento por analogia nem relatar casos reais mas apenas salientar, de forma inequívoca com cenários fáceis de imaginar, que o que vocês alegam ser o vosso princípio não é realmente o princípio que aplicam em geral.
Vamos imaginar que uma mulher decide submeter o seu feto saudável, de 9 semanas, a uma cirurgia para retirar os olhos. Os olhos, nesta fase, não são funcionais, e vamos assumir que o feto não sente nada. A pergunta, neste cenário, é se é eticamente aceitável que a mulher o faça porque quer.
Se vos parecer eticamente inaceitável que a mãe cegue permanentemente o feto de 9 semanas deixando-o vivo perceberão que não podem olhar apenas para o que ele é nessa altura – que não mexe, nem sente, nem vê, nem ouve – mas que têm de considerar também o que ele vai ser. Cego.
Mas ainda há uma escapadela. Se ignorarem o facto de que um morto não vê, podem dizer que o que há de mau aqui é a mãe ter deixado o feto vivo. Se ela o matasse não haveria problema. Portanto o acto é imoral porque resultou, mais tarde, numa criança cega em vez de simplesmente num feto morto.
Agora o segundo cenário. Vamos imaginar que o feto não era saudável. Tinha um tumor nos olhos, nunca poderia ver porque os olhos não se formariam correctamente, e se os olhos não fossem removidos iria morrer de cancro no primeiro ano de vida. A mãe, para o salvar, pede que lhe removam os olhos. Será cego, mas ainda terá tudo o resto que a vida lhe pode oferecer.
Se realmente o que vos interessa é apenas evitar a cegueira da criança e não importa se se mata o feto, então irão considerar que salvar o filho neste segundo cenário é tão imoral como cegá-lo no primeiro porque resultará numa criança morta em vez de simplesmente um feto abortado. Mas se vos parecer que este segundo cenário não é eticamente igual ao primeiro, parabéns. Conseguiram perceber o que eu tenho tentado dizer-vos, mesmo que não o queiram admitir. O que importa é a diferença que o acto faz. Se ele vai ser cego de qualquer forma e a diferença é entre ser cego e morto, é eticamente louvável retirar-lhe os olhos. Se vai ser saudável e a diferença é entre saudável, cego ou morto, é eticamente condenável tirar-lhe os olhos ou matá-lo. O estado em que provisoriamente se encontra no instante do acto é irrelevante.
Prevejo que vão dizer que isto é falácia, não tem nada que ver com o aborto, é um exemplo disparatado e assim. Desculpas. O que importa aqui é demonstrar que vocês estão a defender como regra fundamental algo que nem sequer vocês aceitam como regra. O factor mais importante para decidir se desligamos a máquina e deixamos morrer o paciente em coma não é o estado em que ele se encontra. É o prognóstico. As consequências de um acto estão sempre no futuro, e é isso que importa avaliar e comparar com as alternativas.
Wyrm,
ResponderEliminarEsse vídeo do Daily Show (excelente, como é regra) ilustra um problema importante. Toda a gente começa por aprender regras morais. Isto é assim, aquilo é assado, etc. E a grande maioria nunca chega a questionar a sério porque é que isto há de ser assim e aquilo assado. Ou seja, nunca chega a pensar em problemas éticos, que são os de procurar fundamento consistente e racional para as regras morais.
O resultado é o hábito generalizado de pensar em chavões, desculpas ad hoc, e das conclusões para a sua racionalização. Eu sei que isto tem de ser assim, vou agora escolher o que pode ajudar a argumentar nesse sentido.
Como consequência, surge a tese ridícula de que no ciclo de vida da espécie humana, dois gâmetas se unem num coiso de outra espécie não identificada, esse coiso desenvolve-se durante dez semanas sem ser humano e depois, por volta da altura em que as orelhas adquirem o seu formato característico, torna-se pessoa. Esta tese é biologicamente um disparate e eticamente um absurdo, visto não ser minimamente relevante a classificação do ser em causa.
Biologicamente, o que distingue o zigoto dos gâmetas é que os gâmetas são células dos pais e o zigoto é a primeira célula do filho. Todos nós somos colónias de células, e todas estas colónias foram fundadas por uma célula que resultou da união de dois gâmetas.
Eticamente, a diferença mais importante entre a masturbação e o aborto é a relação causal entre o acto e os efeitos. Seja a Sara 23112415 a criança que nasceria da combinação daquele meu espermatozóide com aquele óvulo da minha mulher. Infelizmente, a Sara 23112415 não nasceu. De quem é a culpa? Talvez do espermatozóide ter morrido muito antes do óvulo ter saído do ovário. Talvez porque a minha mulher estava grávida dos irmãos da Sara 23112415 nessa altura. Talvez por uma carrada de razões que não têm nada que ver com as nossas decisões conscientes. É uma situação análoga, se bem que ainda mais extrema, àquela do Habtamu Tewolde, um hipotético miúdo etíope que morreu à fome. Entre as inúmeras causas da morte do pobre Habtamu, a minha decisão de fazer outras coisas que não ir à Etiópia salvá-lo conta muito pouco.
Mas se a Sara 23112415 estivesse a desenvolver-se saudável no útero da mãe alguém a matasse, ou Habtamu a viver aqui em casa comigo, à minha guarda, e eu o deixasse morrer à fome, nesse caso a relação causal entre decisão e consequências seria suficientemente clara para que o acto fosse eticamente inaceitável.
Nuno Gaspar,
ResponderEliminar«(descontando a referência a carnes vermelhas no primeiro texto) »
Se partimos da conclusão pré-concebida e depois, se alguma vez nos questionam porque defendemos essa posição, simplesmente inventamos alguma desculpa como “não é pessoa” ou “Deus mandou”, é quase certo que iremos acumular opiniões que não se consegue fundamentar.
Se um dia nos preocuparmos com o fundamento ético da moral, vamos inevitavelmente encontrar conflitos com os nossos preconceitos, e com os preconceitos dos outros. Vamos ter discussões com a namorada, depois esposa, acerca do que é aceitável comprar no supermercado. Vamos sentir a tentação de dizer “sou vegetariano” só para não ter de explicar que, apesar de comer animais mortos não ser problema nenhum, subsidiar a sua tortura é eticamente condenável. E vamos arranjar chatices quer com os ateus liberais defensores de direitos porque sim sem pensarem bem no que defendem quer com crentes que acham que as coisas têm de ser certa maneira porque Deus quer.
Não me queixo, que eu até gosto de zaragatas destas. Mas queria dizer isto para deixar claro que não descontas coisa nenhuma. O pacote é este, é consistente e não vou admitir excepções ad hoc só para dar o jeitinho a este ou àquele. Isso é ter moral sem ética.
Ludwig,
EliminarOs crentes que julgam que sabem o que Deus quer são iguais aos crentes que julgam que há uma senhora que responde pelo nome Ciência que lhes diz como o mundo funciona. Uns e outros confundem a atitude de procurar com a de ter encontrado. Não me interessam. Interessa-me o que não consigo recusar como evidente, seja a consistência de um argumento, seja o deslumbre com alguma linguagem ou gesto que me acende a alegria de viver.
No caso, acho muito difícil de ultrapassar a tua exposição contra a lei que equiparou o aborto a um método anti-anticoncepcional.
Já de carnes gosto muito. E acho que estás muito enganado quando pensas que estás a subsidiar a tortura de animais quando a compras no supermercado. Bem pelo contrário, não há maior interessado no seu bem-estar do que os criadores. É dele que depende o seu negócio. Eles sabem bem que, se os animais não se sentirem bem e saudáveis, não crescem, não produzem leite nem ovos. Estão bem pior os que andam na selva, sem quem deles cuide, passando o dia a fugir de cobras e leões, morrendo com a jugular arrancada sem choque insensibilizador.
E, como acho que já uma vez te disse, para vir ao mundo sem poder comer, por exemplo, pastéis de nata, mais vale a pena não vir.
Se não vendes o pacote fatiado paciência.
"Prevejo que vão dizer que isto é falácia, não tem nada que ver com o aborto, é um exemplo disparatado e assim. Desculpas."
ResponderEliminarPrevês muito bem. É um disparate a comparação que fazes.
Olha o seguinte: imagina que um assaltante entra em tua casa e tu para te defenderes espetas-lhe uma faca na perna. A policia chega, leva-o preso. Por outro lado, se lhe espetares 30 facas na perna, quem vai preso és tu. No primeiro caso, estás defender-te. No segundo caso resolves torturar o homem porque sim. Avaliar ambos da mesma maneira é idiota. Que é o que fazes quando pretendes comparar uma mulher que pretende abortar com uma que pretende remover os olhos do feto porque, sei lá, adora o livro da Helen Keller.
"É o prognóstico."
Pois, se houver 60% de probablilidade de acordar, não se desliga a máquina, mas se for 59% já se desliga? E para um feto? Com que probabilidades de sobrevivência se torna aceitável fazer um aborto?
"Esta tese é biologicamente um disparate e eticamente um absurdo, visto não ser minimamente relevante a classificação do ser em causa."
Nunca foi disputado que um embrião humano não o é. Mas não é uma Pessoa. Lá estás tu com espantalhos.
"Biologicamente, o que distingue o zigoto dos gâmetas é que os gâmetas são células dos pais e o zigoto é a primeira célula do filho."
Mas, pera lá! Existem circunstancias em que os gâmetas têm enormes probabilidades de se transformarem num zigoto! Se um homem ejacular noutro sitio que não seja a vagina da sua mulher quando esta está fértil está a impedir o seu gâmeta de se transformar num ziogoto que seria uma pessoa. Todos os gâmetas são sagrados como diziam os Python, não? :D
"Mas se a Sara 23112415 estivesse a desenvolver-se saudável no útero da mãe alguém a matasse, ou Habtamu a viver aqui em casa comigo, à minha guarda, e eu o deixasse morrer à fome, nesse caso a relação causal entre decisão e consequências seria suficientemente clara para que o acto fosse eticamente inaceitável."
Mas o Habtamu é uma Pessoa, a Sara tem apenas uma probabilidade de o vir a ser. Podes dar os mortais que quiseres e chamar o disparate e dizer que os argumentos dos outros são desculpas. Mas isto ainda não reconciliaste e a unica inconsistência que apontas está na tua cabeça.
Sinto que estes dois textos não esclareceram/alteraram o estado da discussão em que já me encontrava com o Ludwig. E foram muitas centenas e centenas de mensagens, onde eu fiquei convencido que tinha apanhado o Ludwig numa flagrante inconsistência no seu modelo quanto à "responsabilização" pelas acções, e o Ludwig convencido que não havia inconsistência alguma, que eu é que não estava a compreender o ponto de vista dele. Centenas de mensagens até se chegar a esses "círculos" não é exagero.
ResponderEliminarMas numa coisa o Ludwig tem razão: importam as consequências futuras das acções. A consequência de um aborto é que o «Luís Pedro» já não vai viver. O exemplo que ele dá da cegueira é muito engenhoso ao mostrar isto.
E isto parece bizarro. Se o modelo do Ludwig face à responsabilização pelos actos não fosse inconsistente, ele perceberia que se a Isabel, mãe do «Luís Pedro» tivesse escolhido ir para freira (e ser fiel aos seus votos) o «Luís Pedro» também não nasceria. Tal qual como se Isabel tivesse feito um aborto.
Mas então, qual a diferença entre negar ao Luís Pedro o direito a viver 70 anos de vida (supondo que viveria este tempo) e matá-lo à nascença?
E aqui surge algo que me surpreendeu, e que só descobri por causa desta discussão: matar é muito mais do que negar a vida restante. Por isso é que matar o Luís Pedro aos 69 anos NÃO é 70 vezes menos grave que matá-lo à nascença.
Existem consequências no assassinato para além da restante vida negada, e são tão ou mais importantes que estas.
É por isso que quando uma mulher escolhe ter 2 filhos e não 4, ela não matou duas pessoas por identificar. Ela não matou ninguém, nem fez algo eticamente condenável.
Se Isabel tiver 6 filhos e matar 2, ela permite a 4 pessoas ter cerca de 70 anos de vida. Se só tiver um filho, existem 3 pessoas a menos a viver cerca de 70 anos de vida, existe muito mais vida que é negada. Mas a primeira opção é censurável, condenável, criminosa, e a segunda não.
O que é que o homicídio tem para além da vida negada?
Deixo-vos com esta pergunta, que não é fácil e encerra o erro da perspectiva do Ludwig.
Wyrm,
ResponderEliminar«Olha o seguinte: imagina que um assaltante entra em tua casa e tu para te defenderes espetas-lhe uma faca na perna. A policia chega, leva-o preso. Por outro lado, se lhe espetares 30 facas na perna, quem vai preso és tu.»
Bem visto. Agora imagina esse cenário mas com algo que não fosse uma pessoa (o assaltante) mas que fosse um mero monte de células. Por exemplo, um bife de perú. Comprava o bife, punha na tábua e dava-lhe uma facada. Nada de polícia. Depois dava mais 29 facadas. E nada de polícia. Claro, é só um monte de células.
Mas se o feto é só um monte de células, porque é que nesse caso já faz diferença como no caso do assaltante, em vez de ser como o bife?
"A consequência de um aborto é que o «Luís Pedro» já não vai viver."
ResponderEliminarO "Luís Pedro" não existe. Não se sabe se existirá. Não se pode prever nada a respeito do "Luís Pedro."
"O que é que o homicídio tem para além da vida negada?"
Dolo? Pretende-se acabar com aquela vida específica enquanto na vida negada não há qualquer especificidade em relação ao sujeito?
João Vasco,
ResponderEliminarO problema da nossa discussão foi que as tuas experiências conceptuais assentavam sempre em diferenças pequenas demais para se conseguir avaliar. Vê o outro exemplo do Wyrm. Se nós discutirmos o problema ético de desligar a máquina quando sabemos que o paciente vai recuperar e quando sabemos que não tem recuperação possível, a experiência conceptual funciona. Mas se alguém diz que depende do prognóstico e o outro diz “mas se for 60% de probabilidade? E 59%? E 58%?” e às tantas o primeiro já não sabe o que responder, a acusação “Aha! Estás a ser inconsistente!” não é muito sensata.
«Se o modelo do Ludwig face à responsabilização pelos actos não fosse inconsistente, ele perceberia que se a Isabel, mãe do «Luís Pedro» tivesse escolhido ir para freira (e ser fiel aos seus votos) o «Luís Pedro» também não nasceria. Tal qual como se Isabel tivesse feito um aborto.»
É verdade. E se a Isabel decidir passar um fim de semana numa pousada em vez de mandar esse dinheiro para a Etiópia, o Habtamu Tewolde vai morrer tal e qual morreria se a Isabel lá fosse e o estrangulasse.
A diferença é que quando nós consideramos as consequências da Isabel ter ido à pousada e depois ter ido para freira, e vemos que há um Habtamu Tewolde morto e um Luís Pedro inexistente, não podemos dizer que as escolhas da Isabel estão entre as causas principais para a inexistência daquele Luís Pedro específico e da morte daquele Habtamu Tewolde em particular. Porque houve muitos outros factores causais importantes, bem mais importantes, que contribuíram para esse resultado. O momento da ovulação, os espermatozóides, a situação social, climática e económica da Etiópia e mais uma carrada de coisas.
Por outro lado, se a Isabel engravidar do Luís Pedro e o abortar, fugir para a Etiópia e estrangular o Habtamu Tewolde, vemos claramente que as escolhas da Isabel estão entre as causas principais da morte de ambos.
Essa diferença pode não ser relevante para o Luís Pedro e para o Habtamu Tewolde, para os quais todos estes cenários acabam igualmente mal. Mas é importante para avaliar eticamente as decisões da Isabel. E isto não é inconsistente com os meus critérios.
«O que é que o homicídio tem para além da vida negada?»
A relação causal forte e clara entre o acto e as consequências. Mas para perceber isto, é preciso olhar com atenção para o primeiro critério, o da subjectividade, também. O que está em causa na subjectividade não é uma vida como mera quantidade, uma variável anónima, abstracta e substituível. Por exemplo, se mandas construir uma estrada, uma consequência previsível é que várias pessoas vão morrer. Mas “várias pessoas”, como entidade abstracta, não tem significado ético. O que é relevante é aquelas pessoas que vão morrer, cada uma delas, em concreto. E quando examinarmos as causas da sua morte vemos que no topo estará o excesso de velocidade, o álcool e afins, e a decisão do burocrata em aprovar a construção da estrada está bem cá para baixo.
Quando falas na Isabel ter o Luís Pedro, é mesmo o Luís Pedro. Aquele, único, um em muitos milhões de possibilidades que ficariam excluídas se nascesse o Luís Pedro, e qualquer uma das quais capaz de excluir o Luís Pedro se nascesse em vez dele. O valor subjectivo da vida não é um valor abstracto de uma variável X que se possa instanciar à vontade, mas o valor concreto de cada vida em particular.
(peço desculpa pelo comentário confuso, mas tenho de ir buscar o miúdo ao treino e não posso organizar melhor isto agora :)
Ludwig,
EliminarEstás a repetir tudo o que escreveste na altura e a cair nos mesmos erros. Pode ser que aches que também me vou repetir. Enfim...
O assassino que põe uma bomba na ponte terá feito algo que tem uma "relação causal forte" com a morte de um ou vários indivíduos. Mas existe uma relação causal fraca quanto à identidade específica desses indivíduos, como no caso da construção da ponte.
Nesse sentido, o teu critério colocaria a construção da ponte e o assassino na mesma categoria (o número de mortes esperadas é X, a identidade das vítimas é desconhecida) e no entanto são acções radicalmente diferentes do ponto de vista moral.
Quatro situações:
a1) O assassino Z sabe quem está a matar - relação causal forte entre a morte daquela vítima específica e o seu acto
a2) O assassino Z mata a primeira pessoa que aparecer na rua, e não tem controlo sobre quem é - relação causal forte entre a decisão do assassino e a morte de alguém, mas relação causal fraca entre a identidade da vítima e o seu acto do assassino.
b1) A Mãe aborta o feto que viria a ser o Luís Pedro - relação causal forte entre aquela vida negada e o acto de abortar
b2) A mesma pessoa decide ir para freira e não ter filho nenhum - relação causal forte entre uma (ou mais) vida(s) negada e a escolha de ir para freira, mas relação causal fraca entre a identidade da(s) pessoa(s) a quem a vida é negada e a escolha de não ter filhos.
No caso a) parece-nos que a distinção não é muito relevante. a1 e a2 são altamente condenáveis, independentemente da relação causal em relação à vítima específica ser forte num caso e fraca noutro. Enfraquecer a especificidade da vítima não torna o acto menos condenável, como pretendes.
E face a b2) existe uma radical diferença no julgamento ético que fazemos. Mas não pode ser pela razão que atribuis. Há qualquer coisa que tu não estás a ver.
A não especificidade de quem sofre as consequências de uma escolha não é o atenuante que tu acreditas ser.
"Mas se o feto é só um monte de células, porque é que nesse caso já faz diferença como no caso do assaltante, em vez de ser como o bife?"
ResponderEliminarPorque há uma diferença entre "não quero ter um filho" e "quero ter um filho cego." Na primeira a Pessoa não chega a existir, na segunda pretende-se que essa Pessoa exista tendo sido mutilada.
Wyrm,
ResponderEliminar«Porque há uma diferença entre "não quero ter um filho" e "quero ter um filho cego." Na primeira a Pessoa não chega a existir, na segunda pretende-se que essa Pessoa exista tendo sido mutilada.»
Excelente. Isso quer dizer que o argumento de que não existe pessoa nenhuma na altura do acto pode ser enterrado definitivamente, visto que o que interessa é a pessoa que chega, ou não chega, a existir, e como chega a existir.
Agora supõe que o que faz alguém ser pessoa é a capacidade de auto consciência, ou outra capacidade mental à tua escolha. E imagina que a mãe, em vez de querer o filho cego, quer uma reserva de órgãos para os irmãos. Para isso, antes das 10 semanas, pede ao médico que retire aquelas partes do cérebro que são necessárias para a auto-consciência (ou outra capacidade cognitiva que para ti seja essencial para ser pessoa).
Nesse caso, o feto cresce, desenvolve-se e assim por diante mas nunca chega a ser consciente. Nunca chega a existir pessoa.
Achas que isto é uma forma eticamente aceitável de criar órgãos para transplante, operando os fetos antes das 10 semanas para que nunca se tornem conscientes?
João Vasco,
ResponderEliminar«O que é que o homicídio tem para além da vida negada?»
No caso de não teres dificuldade em encontrar diferenças entre um pedaço de células em processo de diferenciação e um sistema biológico completo, incomparavelmente mais complexo e irrepetível, a que a podemos para a compreensão de todos chamar animal (humano neste caso) e de diferenciares por esta simples razão o aborto do homicídio, verificas que para o caso do homicídio não te serve um pedaço de células. Porque é um animal humano que matas.
Negas uma vida quando não matas nada disso, apenas extingues um processo biológico que constrói a possibilidade de um animal humano existir. A ausência desse animal humano, pela supressão da hipótese desse animal humano, não pode ser confundida com a sua morte. Em rigor:
a) acção homicídio: o agente mata um animal humano.
b) acção aborto: o agente suprime a hipótese de um animal humano. Este animal não existirá pela razão de nunca ter existido, não pela razão de alguém o ter morto.
A experiência diz-me que em b) a racionalidade é vencida normalmente por um enviesamento cognitivo.
E já que o Ludwig se atirou de pés juntos para a tese indefensável, mas corajosa, de que o aborto é equivalente ao infanticídio, eu retribuo, com a humildade e a coerência que Deus Nosso Senhor me permitir, que o aborto é uma falsa questão ética. Tudo isto me parece uma grande parvalheira, sendo de embriões que estamos a falar.
Bruce,
ResponderEliminarNa tua opinião, de que espécie era esta colónia de células que todos reconhecem agora como sendo eu, durante as dez semanas após ter sido fundada pela fusão de um espermatozíode com um óvulo?
É que tudo o que eu sei de biologia aponta para que a espécie se mantenha a mesma ao longo do desenvolvimento. Mas parece-me que tu achas que após as dez semanas é "animal humano" mas que antes disso é... o què? Planta? Macaco? Mineral?
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarLudwig,
ResponderEliminarNão te quero responder à pressa, até porque me reservo o direito de estar um bocadinho amuado por me teres acusado de pensar com as tripas. Além disso onde estou são horas de jantas e estou a cozinhá-lo.
Remeto ainda assim para a alínea b) do meu comentário anterior. No entanto a questão que colocas é um problema para ti, porque as células a que te referes aparecem às vezes nas placas de Petri.
" Isso quer dizer que o argumento de que não existe pessoa nenhuma na altura do acto pode ser enterrado definitivamente, visto que o que interessa é a pessoa que chega, ou não chega, a existir, e como chega a existir."
ResponderEliminarNão, não quer. Isso é um non-sequitur. Se não chega a existir, não é uma pessoa. Se calhar devia ter escrito a frase da seguinte forma: "Na primeira o conjunto de células não chega a existir como Pessoa, na segunda pretende-se que a Pessoa que pode vir a existir viva essa vida mutilada." Num caso uma mulher não quer ser mãe e por isso impede que se venha a gerar uma pessoa. Noutro pretende que a pessoa que se pode vir a formar viva com uma deficiência. Não me parece que sejam situações equivalentes que se prestem a esse rodriguinho teórico.
Mas não fiques por aqui: pergunta-me se concordo que a mulher mande um cirurgião enxertar uma cauda de cachorro no feto porque ela gosta de furries e como isso é compativel com o que eu defendo!
"Achas que isto é uma forma eticamente aceitável de criar órgãos para transplante, operando os fetos antes das 10 semanas para que nunca se tornem conscientes?"
Outra situação relevantíssima! É como argumentar que, eticamente, não há diferença entre dar 1 bofetada e dar 50 desde que o dano não seja permanente. O que é engraçado porque em diversas situações, por exemplo no copyright, tu assumes que alguns direitos são menos importantes que outros.E os frangos, Ludwig, e os frangos?
Em todo o caso palmas para o uso dissimulado da slippery slope partindo do "eu acho que o aborto deve ser uma escolha da mulher pelo menos até às 10 semanas" e chega-se a mutilação e criação de bancos de orgãos. Já falta pouco para a Lei da Boa Vitória!
Wirm,
ResponderEliminar"eu acho que o aborto deve ser uma escolha da mulher pelo menos até às 10 semanas"
O aborto é sempre uma escolha da mulher. Tal como atirar o bébé da varanda. A lei não pode tratar é todas as escolhas de cada um como iguais ao litro. Matar alguém conscientemente não pode ser visto com indiferença pela comunidade. Menos ainda entregar uma parte dos recursos públicos a facilitar essa actividade. Tarde ou cedo, esta aberração legal tem que ser corrigida.
"Matar alguém conscientemente não pode ser visto com indiferença pela comunidade."
ResponderEliminarMas não se "mata alguém" quando se faz um aborto. Esse é o ponto de discórdia.
"Menos ainda entregar uma parte dos recursos públicos a facilitar essa actividade."
Concordo. Não me parece que o aborto como método contraceptivo ou porque o feto vai ser de um sexo ou de outro deva ser comparticipado nem tampouco encorajado. Mas se a uns lhes faz muita confusão que se impeça um embrião de se tornar uma pessoa, a outros faz muita confusão obrigar uma mulher a ter algo dentro do seu corpo que ela não quer.
"não se "mata alguém" quando se faz um aborto"?
ResponderEliminarAh não? Então como é que alguém pode viver se tiver sido abortado?
"a outros faz muita confusão obrigar uma mulher a ter algo dentro do seu corpo que ela não quer"
O que uma mulher ou um homem querem ou deixam de querer não é critério para coisa nenhuma. Eu, por exemplo, posso querer dar-te com um martelo na cabeça quando passar por ti no jardim. Se cumprido, será um desejo que deverá ter algumas consequências jurídicas.
Ludwig,
ResponderEliminarNão há embriões de geração espontânea. No meio de tanto tiro ao lado talvez seja mais produtivo propor-te que assentes este ponto de uma vez por todas em vez de nos repetirmos até cair com a língua de fora :)
Os embriões que estão nas placas de Petri resultam de uma acção voluntária e consciente, tal como a maioria dos que estão nos úteros nas mulheres que não querem continuar grávidas. Portanto se tentarmos analisar a culpabilidade dos agentes como uma variável isolada, não encontramos nenhuma diferença relevante para as acções que geram o primeiro embrião e as acções que geram o segundo.
(repara que estou a simplificar a questão em benefício da tua posição, uma vez que incluir a intencionalidade na culpabilidade seria neste caso devastador para os investigadores em embriologia, porque, ao contrário das mulheres que não querem engravidar depois de uma queca explosiva e inadiável, a intenção dos investigadores é precisamente não falhar na fecundação ao juntar gâmetas nos frasquinhos. Este apontamento é para que vejas como estou a ser fixe.)
Agora preciso que me faças um favor também a mim e olhes para um aspecto importante daquilo a que traduzes como a “fatalidade de ser um embrião e estar num placa de Petri”. Porque esta fatalidade apresenta desde logo o problema de não ser uma fatalidade, repara que uma “barriga de aluguer” poderia evitar a morte do embrião e, havendo esta alternativa, segundo a distinção que tens defendido, produzirias um infanticídio de cada vez que tal não acontecesse. Mas o problema que te quero apontar com isto nem é que exageras o sentido de “fatalidade” no caso das placas de Petri. Porque bem pior é desconsiderares a fatalidade de um embrião estar numa mulher que não quer ter produzir um filho. Faz-me portanto o favor de olhar para isso com atenção.
Para o caso de o Diabo te tentar na forma de paternalismo: recorda que muitas mulheres já perderam a vida ao abortar, mesmo conhecendo o risco desse desfecho, e repara como na tua comparação laboratório vs. útero desconsideraste erradamente a fatalidade para um embrião na circunstância de estar no útero errado. E compreende que seria incrivelmente sobranceiro argumentares sobre as opções dessas mulheres com a tua própria relativização das razões dos outros.
Se conseguiste não escorregar em subterfúgios até aqui, reconheces então a diferença **nula** entre aquilo que traduzes por fatalidade para o caso de um embrião numa placa de Petri, que alguém decidiu pôr lá precisamente para destruir, e fatalidade para o caso de um embrião num útero de uma mulher que irredutivelmente não o quer lá.
Creio que esta clarificação é suficiente para mostrar que:
1) o teu argumento não distingue a destruição de embriões nas placas de Petri, dada a mesmíssima fatalidade que habita um útero hostil à gravidez;
2) o tua tese de que aborto e infanticídio são uma e a mesma coisa não justifica que, ao contrário dos embriões, só num caso muito particular aceites a destruição de recém-nascidos em laboratório. Porque quem estabelece os factores da “fatalidade”, no caso dos investigadores em embriologia, são esses investigadores. Não só decidem criar o embrião como decidem destruí-lo. É uma incoerência inaceitável que no caso dos embriões em placas de Petri sejam estes factores exógenos a estabelecer a inevitabilidade, e no caso dos recém-nascidos exijas um factor intrínseco para produzir uma inevitabilidade comparável (ao mesmo tempo que pretendes não encontrar diferenças eticamente relevantes entre os dois sujeitos).
Quanto à pergunta que me fazes no último comentário, repito a sugestão de ontem.
Bruce,
ResponderEliminar«Os embriões que estão nas placas de Petri resultam de uma acção voluntária e consciente, tal como a maioria dos que estão nos úteros nas mulheres que não querem continuar grávidas.»
Concordo.
«uma “barriga de aluguer” poderia evitar a morte do embrião e, havendo esta alternativa, segundo a distinção que tens defendido, produzirias um infanticídio de cada vez que tal não acontecesse.»
Não. Cada vez que uma criança morre à fome há uma alternativa para evitar essa morte: o Bruce dar-lhe comida. Mas daí não segue que o Bruce é o maior infanticida da história da humanidade, porque as decisões do Bruce não são um factor causal importante para o infortúnio desses petizes.
Diferente seria se o Bruce tivesse convidado uma criança para uma visita de um dia à sua casa da Antártica, sabendo o Bruce do risco de começar a qualquer momento um nevão de nove meses que impossibilitaria o regresso nesse período. Começa a nevar, e agora o Bruce tem a escolha entre dizer “não é isto que eu queria e faço o que quiser com o meu corpo” e a criança morre à fome porque não consegue abrir latas de conserva, ou usar o seu corpo e a sua copiosa dispensa para alimentar o puto. Neste caso, se o Bruce optar pela primeira alternativa, já se justifica considerá-lo um infanticida.
«Mas o problema que te quero apontar com isto nem é que exageras o sentido de “fatalidade” no caso das placas de Petri. Porque bem pior é desconsiderares a fatalidade de um embrião estar numa mulher que não quer ter produzir um filho.»
É muito mau para uma mulher estar grávida de um filho que não quer. É muito mau também, para qualquer pessoa, ter de alimentar, limpar, e zelar por um recém nascido que não quer. Mas penso que estamos de acordo na regra de que qualquer adulto que tenha à sua guarda um ser humano demasiado imaturo para cuidar de si próprio (e muitos estenderiam isto a gatos, cães, cavalos e outros bichos), por causa de escolhas que tomou, mesmo que seja consequência indesejada dessas escolhas, não está isento de assegurar a saúde e vida desse ser até que possa transferir essa responsabilidade a outro em segurança. É eticamente condenável recorrer ao infanticídio porque a segurança social só vem para a semana, ou até meter os gatinhos num saco e afogá-los porque a pessoa que disse que ia ficar com eles só pode a partir do mês que vem.
«Para o caso de o Diabo te tentar na forma de paternalismo: recorda que muitas mulheres já perderam a vida ao abortar, mesmo conhecendo o risco desse desfecho»
A taxa de mortalidade média por aborto ilícito em Portugal antes de 2007 era de duas mortes por ano. Isto é 18 vezes menos do que o número de mulheres assassinadas em Portugal, por ano. Penso que esse argumento depende de sobrestimar muito o tal risco. Além disso, a situação em que não considero o aborto eticamente aceitável é aquela em que a mulher aborta por razões económicas ou simplesmente porque oops, não era isto que eu queria, que chatice. Esse aborto do desespero de enfiar o cabide e esvair-se em sangue deve-se a muitos outros factores que não apenas o de ter de levar uma gravidez a termo para depois dar a criança para adopção.
Já agora, há alguma estatística de quantas mulheres abortam por pressão ou ameaças do homem que contribuiu para a gravidez? Ou achas que os tipos são sempre cavalheiros e dizem sempre para ela decidir livremente que eles ajudam no que for preciso? Pela proporção entre o número de mulheres assassinadas e o número de mulheres mortas por abortar nas alegadas más condições antes de 2007, o cenário do “trata disso ou parto-te os cornos” não me parece de desprezar, nem me parece estranho mulheres escolherem abortar clandestinamente como sendo o risco menor. Em muitos casos, o aborto é apenas um aspecto mais saliente de factores dramáticos que se torna mais simples esquecer dizendo “bravo, exerceu o seu direito”.
Bruce,
ResponderEliminarComo acabei por me desviar do tema no comentário anterior, aqui vai um fresquinho só para este.
«1) o teu argumento não distingue a destruição de embriões nas placas de Petri, dada a mesmíssima fatalidade que habita um útero hostil à gravidez»
O meu critério não avalia eticamente um acto apenas pelas consequências em absoluto, mas sim pelas consequências de optar por uma acção em relação às consequências de optar pela alternativa.
Assim, quando consideramos as consequências para o embrião de ser ou não ser criado numa caixa de Petri, vemos que é indiferente viver ou não viver aquela meia dúzia de dias.
A diferença entre ser ou não implantado num útero já é grande, e penso que não se deve destruir um embrião se houver alguma voluntária para tentar implantá-lo. Mas coagir alguém a implantar o embrião seria errado, e até sairia da categoria de casos em que considero eticamente inaceitável abortar. E isto não é só com o embrião. É com as crianças também. Sou a favor que se tente salvar crianças que estejam a morrer à fome, mas seria contra medidas coercivas para obrigar famílias a adoptar essas crianças. Nem acho que os pais dessas crianças devam ser condenados por homicídio só porque tiveram filhos em tempo de fome ou guerra.
Wyrm,
ResponderEliminar«Outra situação relevantíssima! »
É relevante sim. Tu dizes que não há problema desde que se evite que a pessoa apareça. Infelizmente, não especificas o que é preciso para a pessoa aparecer e, já agora, aproveito para te perguntar quais são as características fundamentais para distinguir entre uma pessoa e uma não pessoa e quando é que achas que elas surgem no nosso desenvolvimento.
Se não há problema desde que se evite que a pessoa apareça, então se retirarmos as partes certas do cérebro do feto antes da pessoa aparecer, e se com isso evitarmos que a pessoa apareça, então não devia haver problema. Se há, então ou estás a ser inconsistente ou há aqui algum mal entendido.
Isto não tem nada que ver com slippery slope. Estou a abordar o problema de tu dizeres uma coisa que depois, afinal, não se aplica. Começaste, como o Bruce, por focar apenas o momento do aborto como se o futuro não interessasse, só considerando relevantes «seres independentes e que possuem a capacidade de sentir coisa que um feto até às 10 semanas não pode». Com o exemplo de tirar os olhos já admitiste que o facto de ele não sentir às 10 semanas não impede que se tenha de considerar o que ele vai sentir no resto da vida. Assim, substituíste o teu critério por uma tal de “pessoa” que não definiste ainda, e afirmaste que só há problema ético se essa pessoa existir, e que se não chegar a existir não há problema.
O caso hipotético do feto saudável a quem se retira parte do cérebro serve para ilustrar que, mais uma vez, o que tu apontas como critério é algo com o qual nem tu concordas. Impedir que a “pessoa” surja não resolve o problema ético de tirar o cérebro a um feto para que ele cresça o resto da vida sem conseguir sentir nem pensar.
Bruce e Wyrm,
ResponderEliminarPenso que há uma coisa muito importante que falta na vossa descrição da posição que defendem, que agrupo por ser semelhante, mas onde admito obviamente diferenças. Ambos defendem que só a partir de certo momento é que temos uma pessoa, ou um ser humano, e que até lá é só um monte de células. Até agora tenho focado os meus esforços a tentar explicar porque é que considero essa classificação eticamente irrelevante, e a demonstrar que vocês, no fundo, também a consideram irrelevante, como ilustrado pelos casos hipotéticos de tirar os olhos ou o cérebro ao feto.
Mas gostava também de perceber qual ou quais são as características que vocês consideram separar uma não-pessoa de uma pessoa e em que fase do nosso desenvolvimento julgam que surgem. Notem que o que pretendo é aqui algo de fundamental para separar não-pessoa de pessoa, como, por exemplo, falar ou ter consciência de si próprio como indivíduo, e não uma coisa ad hoc ou circular como “ser um membro da nossa espécie e ter mais de 10 semanas de gestação”. Convém que seja algo que se possa justificar como eticamente relevante...
«Cada vez que uma criança morre à fome há uma alternativa para evitar essa morte: o Bruce dar-lhe comida. Mas daí não segue que o Bruce é o maior infanticida da história da humanidade, porque as decisões do Bruce não são um factor causal importante para o infortúnio desses petizes.»
ResponderEliminarLudwig, penso que estás baralhado. Falava-te na responsabilidade directa de um embriologista ao produzir um embrião precisamente para o destruir.
«Mas penso que estamos de acordo na regra de que qualquer adulto que tenha à sua guarda um ser humano demasiado imaturo para cuidar de si próprio (e muitos estenderiam isto a gatos, cães, cavalos e outros bichos)»
Continuas baralhado se achas que nesse grupo de dependentes vou aceitar que esteja uma cagamerdice de células sem um grama de subjectividade. Não tenciono repetir o que já disse muito claramente sobre gradiente de valor e sobre a transformação fulcral de um sujeito nulo para um sujeito eticamente relevante.
De resto, toda a tua resposta é um esforço de poluição com variáveis desnecessárias e mais uma vez vais por aí fora, como eu adverti no meu primeiro comentário no post anterior, até exigires o apuramento (inútil) quanto ao momento exacto em que deixamos de ter uma massa de células desprezável eticamente e passamos a ter um sistema biológico atendível eticamente. O mérito dessa exigência é aproximadamente igual a "esse não é o Deus em que eu acredito"... Estamos a falar de embriões, quer queiras quer não.
Acontece que também sobre isto já me exprimi longamente de outras vezes e não acredito que não recordes nada do que tenhas lido. Razão tem o João Vasco, que já escolhe os temas antes de se meter contigo! chiça...
Bruce,
ResponderEliminar«Ludwig, penso que estás baralhado. Falava-te na responsabilidade directa de um embriologista ao produzir um embrião precisamente para o destruir.»
Não havendo diferença subjectiva para o visado entre A) nunca chegar a existir e B) viver durante meia dúzia de dias numa caixa de Petri, por muita responsabilidade que o embriologista tenha, não é eticamente relevante se prefere A ou B. Segundo os meus critérios, não faz sentido dizer que eticamente exigível escolher uma opção subjectivamente idêntica à alternativa preterida.
«Continuas baralhado se achas que nesse grupo de dependentes vou aceitar que esteja uma cagamerdice de células sem um grama de subjectividade. Não tenciono repetir o que já disse muito claramente sobre gradiente de valor e sobre a transformação fulcral de um sujeito nulo para um sujeito eticamente relevante. »
O que disseste, alegadamente “muito claramente”, sobre o tal gradiente de valor e sobre a transformação fulcral infelizmente não inclui qualquer critério pelo qual se possa aferir se essa transformação já se deu ou ainda não, e em que organismos se dá.
«até exigires o apuramento (inútil) quanto ao momento exacto em que deixamos de ter uma massa de células desprezável eticamente e passamos a ter um sistema biológico atendível eticamente.»
Não exijo o apuramento ao momento exacto. E acho estranho que consideres inútil esse apuramento do qual depende a distinção que fazes entre algo tão condenável como o homicídio e algo tão irrisório como cortar um bife. O que te peço que me expliques é como determinas se essa «transformação fulcral de um sujeito nulo para um sujeito eticamente relevante » já se deu.
E isto é especialmente importante porque a nossa espécie tem um nascimento muito precoce para um mamífero da nossa dimensão, o cérebro é a última parte a formar-se e, na nossa espécie, o desenvolvimento do cérebro acaba por decorrer em grande parte já fora do útero. Isto faz com que, na nossa espécie, um ponto fulcral dependente de capacidades cognitivas – especialmente de capacidades onde a nossa espécie é exímia – acabe por ficar muito longe do intervalo de conforto para os defensores do direito de abortar, mesmo fora do tempo da gravidez.
«Acontece que também sobre isto já me exprimi longamente de outras vezes e não acredito que não recordes nada do que tenhas lido. »
Se assim é, e se realmente já me explicaste como determinas a diferença entre uma pessoa e um sujeito nulo, basta fazeres copy-paste do trecho relevante. Mas parece-me que nunca explicaste isso. Sempre assumiste que o feto antes das dez semanas é nulo e nem sequer explicaste quando deixaria de ser.
É. No desespero, só resta ao Bruce tentar empurrar o Ludwig para as placas de Petri. Não se safa é com quem já assinou isto http://www.umdenos.org/.
ResponderEliminarLudwig,
ResponderEliminar«Não havendo diferença subjectiva para o visado entre A) nunca chegar a existir e B) viver durante meia dúzia de dias numa caixa de Petri, por muita responsabilidade que o embriologista tenha, não é eticamente relevante se prefere A ou B.»
Podia repetir-te que é eticamente irrelevante a alternativa A ou B porque nunca o embrião prefere seja o que for. Repara, mesmo assim, que se um embriologista decide criar um embrião, e eu te aponto a responsabilidade directa e inequívoca do embriologista nessa acção, o mais absurdo que podes fazer é falar-me nas preferências do embrião.
«Segundo os meus critérios, não faz sentido dizer que eticamente exigível escolher uma opção subjectivamente idêntica à alternativa preterida.»
E fazes muito bem em dizê-lo, desde que não voltes ao ponto de presumir alternativas para um embrião no útero de uma mulher que não o quer lá. Mostrei-te num comentário anterior que a inevitabilidade é comum aos dois universos (laboratório e útero) que procuras inutilmente diferenciar.
«Não exijo o apuramento ao momento exacto.»
Pois não, pois não. Mas que tal voltarmos pela última vez à tese que defendes neste post? Repito o que disse acima, já que me pedes copy-paste: a tua tese de que aborto e infanticídio são uma e a mesma coisa não permite que, ao contrário dos embriões, só num caso particular aceites a destruição de recém-nascidos em laboratório. Porque quem estabelece os factores da “fatalidade”, no caso dos investigadores em laboratório, são os investigadores. Não só decidem criar o embrião como decidem destruí-lo. É uma incoerência inaceitável que no caso dos embriões em placas de Petri sejam estes factores exógenos a estabelecer a inevitabilidade, e no caso dos recém-nascidos exijas um factor intrínseco e excepcional para produzir uma inevitabilidade comparável. Isto ao mesmo tempo que pretendes não encontrar diferenças eticamente relevantes entre os dois sujeitos.
Demonstrei com base nos teus argumentos que no gradiente de valor da ontogénese tu próprio reconheces o suficiente para não poderes afirmar que “aborto é infanticídio”. A não ser que em vez de mais contorcionismos te disponhas a aceitar análises laboratoriais com destruição de recém-nascidos tal como aceitas a de embriões, ou seja, avaliados em função da inevitabilidade exógena.
É melhor acrescentar já isto antes de me dizeres que fui eu que fiz mal as contas :)
ResponderEliminarMesmo no caso de se dar o pequeno milagre de tu, por coerência com a afirmação “aborto é infanticídio”, reconheceres que os sujeitos equivalentes podem ser tratados e destruídos de forma equivalente, resolverás apenas uma parte da tua incoerência. Porque a outra parte (a de aceitares investigação em laboratório e condenares o aborto) não só se mantém como se agrava, porque ficarás na posição de aceitar investigação em laboratório com destruição de embriões e de recém-nascidos, mas, por um motivo ainda mais místico, desaprovas o aborto em particular.
Não esquecer: este absurdo vem todo do teu lado.
Bruce,
ResponderEliminar«Podia repetir-te que é eticamente irrelevante a alternativa A ou B porque nunca o embrião prefere seja o que for. »
Penso que é neste “nunca” que está a nossa divergência.
No caso do embrião na caixa de Petri, isto é verdade em dois sentidos. É verdade no sentido de que nunca é possível um embrião naquela situação estar, naquele momento, ciente do que se passa ou preferir seja o que for. E é verdade no sentido de que quer na opção A, de não ser sequer criado, quer na B, de viver meia dúzia de dias na caixa de Petri, o embrião nunca irá preferir seja o que for. Por isso, neste caso estamos de acordo. Não há problema ético em criar o embrião na caixa de Petri para experiências. E estamos de acordo, por coincidência, apesar de usarmos o “nunca” de forma diferente.
No caso do embrião implantado no útero e em vias de ser abortado, a situação é diferente. O “nunca” é verdade no sentido de que nenhum organismo da nossas espécie naquela fase de desenvolvimento é capaz de preferir ou sentir seja o que for. Mas o “nunca” é falso se quiser dizer que aquele organismo nunca poderá preferir nada. Numa das alternativas, não ser abortado, irá ser capaz de preferir não ter sido abortado. É por isso que no caso do aborto discordamos. Tu usas um sentido para esse “nunca”, curiosamente referindo apenas aquela fase de desenvolvimento, que eu considero eticamente irrelevante. E que tu também consideras eticamente irrelevante no caso geral.
Imagina que um recém nascido foi posto à tua guarda e podes decidir entre entregá-lo a uma família que o vai amar, educar e dar-lhe uma vida plena e feliz, ou vendê-lo como escravo para o Paquistão onde vai passar fome, levar pancada e coser bolas de futebol durante uma vida curta e miserável. Neste momento, o recém nascido é incapaz de preferir seja o que for, ou sequer de perceber o que se passa. No entanto, é evidente que estas opções não são eticamente indiferentes. Ou seja, tu não consideras apenas o que o visado pode preferir na altura do acto, mas o que iria ser capaz de preferir mais tarde. E isto é válido mesmo que, no caso de ser vendido como escravo, o desgraçado nunca chegue a saber o que perdeu. Isso é irrelevante. O que é relevante é a diferença que esta decisão faz no futuro daquele recém nascido.
O que eu faço é ser consistente na aplicação desses critérios, o que me leva a considerar a mesma coisa em relação ao embrião, e um embrião implantado no útero tem o mesmo futuro que um recém-nascido.
«a tua tese de que aborto e infanticídio são uma e a mesma coisa não permite que, ao contrário dos embriões, só num caso particular aceites a destruição de recém-nascidos em laboratório. Porque quem estabelece os factores da “fatalidade”, no caso dos investigadores em laboratório, são os investigadores. Não só decidem criar o embrião como decidem destruí-lo. »
ResponderEliminarNão seja por isso. Imagina que daqui a uns anos o embriologista consegue desenhar um genoma à medida e produzir gâmetas sem os genes necessários para que se desenvolvam as partes do cérebro que dão consciência e sensação. Será eticamente condenável ele juntar dois desses gâmetas, criar um embrião acéfalo, nutrí-lo até que se desenvolva numa criança de 10 anos sem cérebro e depois fazer experiências com o miúdo acéfalo? Sim. Apesar de ser uma ideia repugnante, para a tripa, o facto é que fazer isso ou não fazer é completamente indiferente para o visado. Se o teu problema é a determinação das circunstâncias pelo embriologista, aqui tens um exemplo em que ele actua com consciência, é o factor causal principal, mas falta a primeira parte e esta escolha seria eticamente irrelevante porque não faz diferença na subjectividade daquele ser.
«Isto ao mesmo tempo que pretendes não encontrar diferenças eticamente relevantes entre os dois sujeitos. »
Ainda estou à espera que me digas quais são essas diferenças...
« A não ser que em vez de mais contorcionismos te disponhas a aceitar análises laboratoriais com destruição de recém-nascidos tal como aceitas a de embriões, ou seja, avaliados em função da inevitabilidade exógena.»
Sim. Sempre que as alternativas disponíveis sejam subjectivamente idênticas, o problema ético não existe.
«Será eticamente condenável ele juntar dois desses gâmetas, criar um embrião acéfalo, nutrí-lo até que se desenvolva numa criança de 10 anos sem cérebro e depois fazer experiências com o miúdo acéfalo? Sim.»
ResponderEliminarArgh... este sim era suposto ser um não... queria escrever indiferente em vez de condenável. Seja como for, se têm gâmetas que dão um ser que nunca poderá sentir, seja que forma esse ser tiver, é indiferente até que idade o deixam desenvolver e depois matam.
João Vasco,
ResponderEliminar«O assassino que põe uma bomba na ponte terá feito algo que tem uma "relação causal forte" com a morte de um ou vários indivíduos. Mas existe uma relação causal fraca quanto à identidade específica desses indivíduos, como no caso da construção da ponte.»
Não me parece nada disso.
Supõe estes dois acontecimentos:
A) Uma bomba explode no Colombo e 10 pessoas morrem
B) Um autocarro despista-se na ponte Vasco da Gama e 10 pessoas morrem.
Achas que quem aprovou a construção da ponte tem a mesma responsabilidade como causa da morte dos passageiros do que quem pôs a bomba tem da morte das vítimas? Não me parece nada disso...
E não existe uma relação causal fraca quanto à identidade. Ele não sabia a identidade, é verdade, mas foram exactamente aqueles que morreram, em ambos os casos. A relação fraca quanto à identidade surge no caso, por exemplo, do aumento de mortes por problemas respiratórios devido ao smog. Nesse caso podes ver que mais poluição atmosférica leva a, por exemplo, 20% mais mortes nos hospitais, mas não sabes quais dos mortos foram devido a isso e quais a outras coisas. É o mesmo que se passa com as crianças que não são concebidas por a Isabel querer ser freira. Sabes que em média ela teria 1.8 filhos se não fosse freira, mas não sabes quais 1.8 é que seriam.
«a1) O assassino Z sabe quem está a matar - relação causal forte entre a morte daquela vítima específica e o seu acto
a2) O assassino Z mata a primeira pessoa que aparecer na rua, e não tem controlo sobre quem é - relação causal forte entre a decisão do assassino e a morte de alguém, mas relação causal fraca entre a identidade da vítima e o seu acto do assassino. »
Não. Há uma pequena diferença na percepção que o assassino tem do que está a fazer, e essa diferente consciência do acto talvez tenha alguma relevância ética (são os tais factores que estão dentro da margem de erro que complicam os teus exemplos) mas para quem investigar o homicídio em ambos os casos é igualmente claro que aquela vítima em concreto morreu porque o Z lhe deu um tiro na cabeça. Não há diferença na relevância do acto de Z como factor causal na morte da vítima.
«b1) A Mãe aborta o feto que viria a ser o Luís Pedro [...]
b2) A mesma pessoa decide ir para freira e não ter filho nenhum»
Vê acima. Em ambos os casos há uma relação causal forte com um número abstracto de mortes. Tal como conduzir em dias sem vento tem uma relação causal forte com um número maior de mortes nos hospitais, ou construir uma ponte tem uma relação causal forte com um aumento da sinistralidade.
Mas o que interessa é a relação causal com cada sujeito em concreto. O aborto é um factor causal determinante na morte daquele organismo que é abortado. A decisão de ir para freira é um factor causal determinante para reduzir em 1.8 o número esperado de filhos que a mulher teria, mas não há nenhum desses em concreto que possas apontar como sendo aquele que não nasceu por ela ter ido para freira em vez de por algum dos milhões de outros factores que poderiam ter impedido a concepção daquela combinação específica entre espermatozoide e óvulo.
Já agora, não faças reply, por favor. Acrescenta no final dos comentários, porque isto já tem comentários a mais para conseguir encontrar replies no meio e só reparei no teu porque olhei para os emails...
A CIÊNCIA DAS CÉLULAS E A DOUTRINA BÍBLICA DA CRIAÇÃO DA VIDA
ResponderEliminarA Bíblia afirma que o Homem foi criado à imagem e semelhança de Deus e que quando atentamos contra um ser humano, por mais pequeno que seja, atentamos contra Deus. Isso vale, evidentemente, para embrião. e o feto.
Não podemos dizer que se trata aí de grandezas demasiado pequenas para Deus, porque o seu poder se manifesta tanto nas coisas maiores, como nas mais pequenas.
As células são disso um bom exemplo.
As membranas das células têm padrões de grande beleza e organização, espiralados ou uniformes, com propriedades biológicas ainda desconhecidas pela comunidade científica.
A divisão das células é orquestrada de forma precisa e sincronizada evidenciando uma inteligência com uma visão global e sistemática e atenção ao mais ínfimo pormenor.
A maquinaria da mitose é uma maravilha de nano-precisão, dotada de complexidade especificada e irredutível, que transcende toda a capacidade científica e tecnológica humana..
As células foram programadas para colaborarem umas com as outras. Elas têm, inclusivamente, sistemas de comunicação entre si, o que só fortalece a fé daqueles que acreditam num Deus triúno e comunicativo.
Basta uma pequena mutação para afetar essa cooperação e criar competição entre elas, causando doenças e morte, o que corrobora o que a Bíblia diz sobre a corrupção que afecta toda a natureza criada, mas desmente o que os evolucionistas imaginam sobre o poder criativo das mutações aleatórias.
A ideia de que sistemas tão miniaturizados, complexos, integrados e articulados uns com os outros poderia ter surgido por acaso, além de não poder ser empiricamente verificada, desafia a credulidade humana.No entanto, a criação racional da vida é inteiramente corroborada pelas observações.
«E não existe uma relação causal fraca quanto à identidade. Ele não sabia a identidade, é verdade, mas foram exactamente aqueles que morreram, em ambos os casos.»
ResponderEliminarPois. Era aqui que se chegava à tua inconsistência. E por mais que eu a demonstrasse inequivocamente, nunca a reconheceste. É um "ponto cego" na tua argumentação.
É verdadeiramente impressionante como é que não consegues compreender aqui a tua flagrante contradição.
A acção X não determina "a priori" a identidade Z de quem sofre as consequências. Existem inúmeros factores que não estão nas mãos de quem tomou a acção X que fazem com que quem venha a sofrer as consequências tanto possa ser o "Alberto", a "Maria" ou o "Joaquim". Sabe-se que alguém vai sofrer estas consequências, mas é impossível determinar quem. Antes da acção ser tomada, a probabilidade das consequências recaírem sobre um indivíduo específico em concreto é ínfima.
Perante isto, a força da relação causal entre a acção X e a "vítima" Z é forte ou fraca?
João Vasco,
ResponderEliminar«A acção X não determina "a priori" a identidade Z de quem sofre as consequências. »
Eu não exijo que a relação causal seja determinável “a priori” com o nosso conhecimento limitado e fraca capacidade de previsão. Se o bombista sabe e que vai matar gente, isso já chega para cumprir o terceiro ponto de ter consciência do mal que vai fazer. Mas para a relação causal, basta pensar no que acontece quando a bomba explode. Quando a bomba explode, aquelas pessoas em concreto que morrerem morrerão por causa do atentado. A causa principal não será a construção do centro comercial nem terem-se sentado ali um pouco a fazer tempo para o filme começar. Será a bomba.
No caso do projectista da estrada, ele até pode saber que vai lá morrer gente, mas a menos que as mortes se devam a um defeito no projecto, quando aquelas pessoas em concreto morrerem veremos que a causa principal foi algo como excesso de velocidade, falha nos travões, álcool ou algo assim.
A questão aqui não é uma de ter um oráculo infalível. É a da relação entre causas e efeitos quando os efeitos ocorrem.
No caso dos filhos da Isabel, quando ocorre o efeito de ela não ter nenhum dos milhares e milhões de filhos diferentes dos quais se esperava tivesse 1.8, não consegues estabelecer uma relação causal clara entre a ausência de nenhum deles em concreto e a decisão da Isabel de ir para freira. O problema não é ser “a priori”. Pode ser “a posteriori”, quando a Isabel entrar na menopausa, que continua a decisão dela a não ser uma causa clara para a ausência de nenhum desses potenciais filhos em concreto.
João Vasco,
ResponderEliminar«Perante isto, a força da relação causal entre a acção X e a "vítima" Z é forte ou fraca?»
Se a decisão for “vou dar um tiro no primeiro tipo que passar à frente da caçadeira” a relação causal é forte porque é fácil perceber que, perante as consequências deste acto, será claro e evidente qual foi a causa. Isto mesmo que o Z não saiba o nome, morada e número de telefone de quem for a vítima.
Se a decisão for “este ano não vou dar dinheiro para comprarem redes anti-mosquito em África”, nenhuma análise das pessoas que morrerem de malária nesse ano revelará uma clara relação causal com a decisão desse Z que não deu dinheiro. Isto mesmo que a priori o Z saiba quantas pessoas, em média, se salvariam com o seu donativo.
Para não responderes à pergunta defendes que o desconhecimento de quem é a vítima não é um critério relevante para aferir a força da relação causal. A força da relação causal dependerá de factores que não explicas, mas o desconhecimento "a priori" da identidade da vítima não permite chegar à conclusão de que a "relação causal" é fraca.
ResponderEliminarIsto está tudo muito bem, tirando que logo no comentário acima usas esse mesmo desconhecimento para dizer que a relação causal entre a decisão da Isabel e a vida do(s) filho(s) que ela teria é fraca.
Aí, quando sabendo-se a identidade do futuro filho seria clara a relação causal imediata entre a decisão de não o ter e a vida do filho que ela teria, já se esmorece a relação causal de acordo com um critério que rejeitaste agora mesmo no caso da caçadeira.
Define "força da relação causal" com todo o rigor. De forma abstracta (os exemplos só poderão ser acessórios) e completa, por favor.
João Vasco,
ResponderEliminar«Define "força da relação causal" com todo o rigor. De forma abstracta (os exemplos só poderão ser acessórios) e completa, por favor.»
A noção de causalidade é discutida por filósofos, físicos e mais uma data de gente já há séculos. Não me parece que eu seja capaz de responder a esse teu pedido.
Felizmente, se tu concordares que a relação causal entre o bombista colocar a bomba e a morte daquelas pessoas na explosão é forte enquanto que a relação causal entre a aprovação do projecto da estrada e a morte do bêbado que se espatifou contra a árvore a 220km/h, ou da decisão de não dar dinheiro e a morte de pessoas à fome do outro lado do mundo, então não precisamos disso porque já encontrámos algo em que concordamos. Só se a tua noção de causalidade for tão diferente da minha que não seja possível concordarmos acerca do que causa o quê é que é necessário resolver esse problema.
Nesse caso, podemos começar por uma simplificação clássica de considerar factores necessários e suficientes. O disparo é um factor necessário e suficiente para a vítima morrer com um balázio na cabeça, a uma primeira aproximação (podemos considerar possível, se bem que improvável, que o movimento aleatório dos átomos da bala se alinhem todos de repente e a bala dispare sozinha contra a pessoa, mas é melhor simplificar o problema descontando esse tipo de coisas). Também o aborto é um factor necessário e suficiente para aquele abortado morrer daquela maneira. A Isabel ir para freira não é um factor necessário (podemos assumir suficiente, simplificando, se bem que também não seja) para evitar a concepção de cada um dos possíveis filhos dela em concreto. Tal como a decisão de não dar dinheiro para as redes não é identificável como um factor causal necessário para que cada uma das vítimas da malária morra. No caso da estrada, a construção é um factor necessário para que alguém lá morra, mas não é suficiente.
Assim, a uma primeira aproximação podemos dizer que uma relação causal forte entre um acto e as suas consequências existe se o acto é um factor causal necessário e suficiente para que as consequências ocorram.
É claro que nesta simplificação estamos a ignorar alguns problemas. Eu também prefiro uma formulação probabilística de causalidade, segundo a qual C é causa de E se, e só se:
P(E|C)>P(E|~C)
e, nesse caso P(E|C)/P(E|~C) dá-nos uma ideia da força da relação causal. O problema é que para distinguir causalidade de correlação precisamos calcular isto integrando um conjunto grande e aleatório de diferentes ocorrências para ver se a correlação sobrevive nesse caso, indicando causalidade, o que nem sempre é prático.
Felizmente, isto é desnecessário porque, na prática, conseguimos fazer esta distinção facilmente.
Qual foi a causa de morte do tipo que levou o tiro na cabeça dado por Z? O tiro que Z lhe deu na cabeça.
Qual foi a causa de morte do tipo que se espatifou contra a árvore? Bebedeira e excesso de velocidade, e não a construção da estrada.
Qual foi a causa de morte daquele embrião saudável que foi abortado? O aborto.
Qual foi a causa do espermatozóide nº 3.445.235.831 do teu pai não ter fecundado o óvulo 18.234 da tua mãe dando origem ao teu irmão Alfredo 455.332.144? Não fazemos a mínima ideia, pelo que culpar os teus pais por isso seria injusto. Basta-nos concordar acerca disto para não ser preciso eu ir agora escrever um tratado de mil páginas sobre as várias noções filosóficas de causalidade. Não me importava, porque o assunto interessa-me, mas já estou atrasado na treta da semana passada e tenho uma data de outras coisas para fazer :)
João Vasco,
ResponderEliminarCria frisar em particular esta parte «na prática, conseguimos fazer esta distinção facilmente.» A menos que estejamos em desacordo acerca das causas da morte de alguém, será pura perda de tempo estares a dissecar as várias noções de causalidade. Nota que o meu ponto principal é que a relação causal, a perda de valor subjectivo e a consciência das consequências do acto por parte do agente são identicas no caso do aborto e no caso do infanticídio. Penso que, independentemente dos detalhes filosóficos da noção de causalidade, isto deve ser consensual entre nós.
"Cria" argh... queria. Acho que tenho de começar a dormir mais horas por noite :P
ResponderEliminarLudwig,
ResponderEliminar«Felizmente, isto é desnecessário porque, na prática, conseguimos fazer esta distinção facilmente.»
Nesse enredo há outra distinção que conseguimos fazer facilmente, e esta parece-me muito mais útil. Não há paralelismo nenhum entre estas duas direcções do tempo:
a) o sujeito que existe mas podia não ter existido; e
b) alguém que nunca existiu mas podemos apenas fazer com que venha a existir na forma de um sujeito qualquer.
O que tens exposto de várias maneiras é a implicação ética de b), como se o paralelismo que imaginas entre a) e b) o justificasse. Acontece que o paralelismo entre a) e b) é um enviesamento cognitivo gerado na emocionalidade de olhares para alguém que existe e podia não ter existido, onde a perda corresponderia sem dúvida à subtracção de uma existência real, e depois, “paralelamente”, assumires que algures na inexistência está alguém a olhar a montra para o lado da existência, a tremer de frio, com fome e a segurar as lágrimas até um casal consciente lhe estender aconchego.
A única possibilidade de este falso paralelismo ir além da mera irracionalidade é se a tua obrigação ética for produzir o maior número de filhos possível ao longo da tua idade fértil, uma vez que todos os que não produzires ficarão algures na inexistência a olhar pela montra para o lado da existência, a tremer de frio, com fome e a segurar as lágrimas. E já te foi demonstrado que o teu subterfúgio da relação probabilística seria irrelevante. Tanto faz se cada uma dessas pessoas acerta no 1 para 1 do teu embrião preferido, ou se estão algures no 1 para milhões de possibilidades que todos trazemos na tomateira.
A única “implicação ética” do-que-nunca-existiu-mas-poderia-ter-existido, para a questão do aborto em concreto, é trazer um debate pedante e inútil enquanto o mundo ali ao lado precisa de resolver problemas.
Agora voltando à nossa bulha, de que já desisti parcialmente. Respondes:
«Penso que é neste “nunca” que está a nossa divergência.»
Optaste pelo contorcionismo mais uma vez. E o que apresentas a seguir como justificação não faz sentido nenhum, incorres precisamente no erro de sobreposição de sujeitos que já identifiquei tantas vezes. Um embrião não tem preferências porque é um embrião, não por ser um embrião hoje ou um embrião daqui a dois meses. Mais concretamente:
«Mas o “nunca” é falso se quiser dizer que aquele organismo nunca poderá preferir nada.»
Esta afirmação é apenas falsa. Para qualquer dos sentidos que queiras encontrar em “nunca”, nunca o embrião tem preferência. O organismo que poderá começar a introduzir a dimensão subjectiva do problema ético não é um embrião, é um outro organismo que tem a particularidade de não existir. Aqui é que está a nossa divergência: contrariamente ao que implicas no teu pensamento ético, um embrião não é um animal em “estado” embrionário. Repito: um embrião não é um homenzinho pequenino. Embrião e animal humano são produtos biológicos suficientemente diferentes para que releve a circunstância de “ser” animal e não a de “estar” embrião, sobretudo porque não existe tal coisa. O animal não “está” embrião e isto é importantíssimo porque só a subjectividade do animal nos pode interessar.
Nota que estou a falar nos dois extremos, embrião e animal, depois de todas as características de **ser** embrião terem migrado inequivocamente para as características de **ser** animal. Tenta não rebater com análises mais finas do curso da gestação.
«Ainda estou à espera que me digas quais são essas diferenças»
Só se quiseres mesmo fugir ao que escreveste neste post. O que eu te demonstrei é que tu próprio encontras diferenças suficientes.
Bruce,
ResponderEliminarA tua distinção entre o que existe e o que podia ter existido não se aplica no caso do aborto, porque só se pode abortar o embrião que exista. O embrião existe. Ponto. Também pareces estar convencido de que o organismo não é o mesmo. Chama-se concepção precisamente ao processo pelo qual o organismo é concebido. Os termos embrião, feto, recém nascido, adolescente e assim por diante referem-se a fases de desenvolvimento do organismo e não a organismos diferentes.
Reiterando: «O organismo que poderá começar a introduzir a dimensão subjectiva do problema ético não é um embrião» é como dizer que o adulto que poderá votar não é o recém nascido. Não é se estiveres a referir fases de desenvolvimento, mas é se te estiveres a referir ao organismo que passa por essas fases.
«um embrião não é um animal em “estado” embrionário»
Que raio de ideia. Se não é um animal em estado embrionário, é o quê?
Quantos organismos estavam envolvidos na minha concepção? O que eu aprendi de biologia é que seriam os meus pais, cada um fornecendo uma célula, e depois eu, o produto da fusão dessas células. Tu pareces insistir na presença de um quarto, mas não sei quem raio seja esse. Podes explicar melhor isto?
«O animal não “está” embrião e isto é importantíssimo porque só a subjectividade do animal nos pode interessar. »
Concordo que só a subjectividade nos pode interessar. Mas discordo de que só a subjectividade de agora nos possa interessar. É preciso contar com o impacto futuro das nossas decisões na subjectividade de quem afectarmos.
«Só se quiseres mesmo fugir ao que escreveste neste post. O que eu te demonstrei é que tu próprio encontras diferenças suficientes.»
Eu não quero fugir a nada. Tu defendes que este organismo que eu sou – esta colónia de células – não era o mesmo organismo quando era embrião, e nem sequer era o mesmo quando eu era feto (o período embrionário termina às seis semanas, e pareces defender que não está lá o animal pelo menos até às 10). Isto é contrário a tudo o que eu sei de biologia, e não posso aceitar isto sem pelo menos uma explicação dos critérios pelos quais te reges para decidir quando é que eu era eu e sem me explicares quem é que era essa outra geração entre mim e os meus pais.
Defendes que «Um embrião não tem preferências porque é um embrião», mas um recém nascido também não tem preferências porque é um recém nascido. Naquela idade, tanto lhe faz se o entregas a quem o quer ou se o vendes como escravo. Qual é a diferença?
Não há diferença! Um embrião é um ser humano, com todo o potencial de um ser humano, distinto de todos os outros seres humanos. Para Deus isso é claro. A ciência só pode confirmar isso.
ResponderEliminarDeus criou o ser humano à sua imagem, com dignidade intrínseca. Atentar contra um embrião ou um feto é atentar contra Deus!
"Tu criaste o íntimo do meu ser
e me teceste no ventre de minha mãe.
Eu te louvo porque me fizeste
de modo especial e admirável.
Tuas obras são maravilhosas!
Digo isso com convicção.
Meus ossos não estavam escondidos de ti
quando em segredo fui formado
e entretecido como nas profundezas da terra.
Os teus olhos viram o meu embrião;
todos os dias determinados para mim
foram escritos no teu livro
antes de qualquer deles existir.
Como são preciosos para mim
os teus pensamentos, ó Deus!
Como é grande a soma deles! " (Salmo 139:13-17)
"Desde o ventre materno dependo de ti;
tu me sustentaste
desde as entranhas de minha mãe.
Eu sempre te louvarei!" (Salmo 71:6)
"Assim como tu não conheces
o caminho do vento,
nem como o corpo é formado
no ventre de uma mulher,
também não podes compreender
as obras de Deus,
o Criador de todas as coisas". (Eclesiastes 11:5)
PRÉMIO NOBEL DA MEDICINA DE 2013 E A BÍBLIA
ResponderEliminarO prémio Nobel da Medicina de 2013 foi atribuído a dois investigadores americanos e um alemão. James E. Rothman, Randy W. Schekman e Thomas C. Südhof.
As suas descobertas corroboram inteiramente o que a Bíblia diz sobre uma criação super-inteligente da vida e sobre a corrupção que a afecta.
Os investigadores observaram que as células têm uma extremamente complexa, miniaturizada, ordenada, precisa e eficiente rede de transportes e logística, cujas instruções operativas se encontram codificadas no DNA.
Essas instruções determinam o conteúdo, a origem, o destino e o tempo de cada carregamento, no seio da célula, com a maior precisão.
A mais pequena anomalia no sistema pode desencadear doenças e morte. Ora, se todo o sistema depende da maior precisão (executando informação codificada) não se vê como é que ele poderia ter surgido ou permanecer funcional com base em mutações aleatórias.
Códigos, informação codificada, complexidade integrada e miniaturização são marcas, por excelência, de inteligência e racionalidade.
Para que não haja confusões (porque tem havido!), não foram os cientistas que criaram o sistema de transportes das células ou as instruções genética de que ele depende!
Eles só se limitaram a estudar o que estava lá (por sinal também dentro das suas próprias células!).
Ludwig,
ResponderEliminar«A tua distinção entre o que existe e o que podia ter existido não se aplica no caso do aborto, porque só se pode abortar o embrião que exista.»
Tens razão, se te referes à frase onde resumi que «A única “implicação ética” do-que-nunca-existiu-mas-poderia-ter-existido». Acredites ou não, quase corrigi para «A única “implicação ética” do-quem-nunca-existiu-mas-poderia-ter-existido». Porque foi aos sujeitos relevantes a que procurei referir-me. De qualquer forma o sentido correcto ficou patente em todos os meus comentários e também no anterior, logo em «b) alguém que nunca existiu mas podemos apenas fazer com que venha a existir na forma de um sujeito qualquer.»
«Chama-se concepção precisamente ao processo pelo qual o organismo é concebido.»
Nada mau, para quem não gosta de rótulos... Infelizmente esse rótulo refere-se ao desencadear de um processo biológico onde nada existe além de duas células e muita expectativa da tua parte.
«[dizer que o embrião não é um animal] é como dizer que o adulto que poderá votar não é o recém nascido.»
Acredito que seja a parte mais difícil para tu aceitares mas é para mim a mais fácil de explicar. Embrião e animal humano são produtos biológicos suficientemente diferentes para que, entre os dois produtos, releve a circunstância de ser um deles. Por mais frequente que seja dizermos “estado embrionário”, nunca esse estado pode referir-se ao estado de um organismo que ainda não foi produzido pela ordem natural dos acontecimentos. Numa conversa como esta não podemos deixar que a conveniência de linguagem dilua um pormenor decisivo: nunca um animal “está” embrião. São organismos diferentes.
De qualquer forma a distinção que faço entre embrião e animal não te permite concluir que a faço também entre recém-nascido e eleitor. Até tive o cuidado de dizer que me refiro aos «dois extremos», embrião e animal, depois de todas as características de ser embrião terem migrado inequivocamente para as características de animal. Esta é a transformação que considero fulcral para termos um problema ético. Mas não quero com isto afirmar nem que se acabaram as transformações no animal, nem que essas transformações são eticamente tão relevantes como as da passagem fulcral.
«Que raio de ideia. Se não é um animal em estado embrionário, é o quê?»
É um embrião. Acontece que o único “estado” que lhe podemos atribuir ao longo da sua presença irrelevante, sendo embrião, é o de estar embrião. Acredito que isto te faça sentir defraudado para efeitos de suporte de toda a tua opinião sobre o aborto, mas factos são factos. Um animal não é um embrião em “estado” avançado, nem um embrião é um animal em “estado” de embrião. E quem estabelece a diferença é o processo biológico, não sou eu.
«Defendes que «Um embrião não tem preferências porque é um embrião», mas um recém nascido também não tem preferências porque é um recém nascido (...) Qual é a diferença?»
Vou apontar-te uma diferença suficiente. O recém-nascido, mesmo desprovido de planos para o seu futuro, quer sobreviver. A gritaria é um dispositivo óbvio para requerer do exterior aquilo de que precisa para sobreviver. E mesmo que alguns bebés sejam uns anjinhos silenciosos, a curva de Gauss (e as olheiras dos pais) dizem-nos que a verdade é que os bebés nascem com uma certa obstinação para se fazerem atender. Querias uma diferença, toma lá uma diferença: o vínculo à sobrevivência é eticamente relevante.
Mas agora vais perguntar-me: E o feto? E o feto? E o feto?
Ludwig,
ResponderEliminarNuma leitura apressada estranhei que fales de causualidade como uma relação de "necessidade e suficiência", porque eu sempre associei a causualidade à implicação (com o "extra" cronológico), e portanto suficiência, e não à equivalência (suficiência e necessidade).
Isto porque diferentes causas poderiam ter o mesmo efeito, o que excluiria a necessidade como característica importante de uma causa. Mas enfim, aqui a conversa é sobre "força da relação causal" e talvez a ideia seja que quando várias causas têm o mesmo efeito, a causa que efectivamente se verificou tem menos "relação causal" com o efeito. É isto?
Bom, mas passei à frente, que a formulação probabilística parece-me mais rigorosa e objectiva. Afinal, nas "causas reais" nunca existe uma completa necessidade ou suficiência, portanto sempre prefiro lidar com os tais problemas que consideras pouco práticos: vamos usar o poder da imaginação para simplificar as situações e tentar perceber essa definição probabilística.
«P(E|C)/P(E|~C) dá-nos uma ideia da força da relação causal»
Óptimo!
Agora só quero saber em que momento é que essas probabilidades são avaliadas.
Vamos aplicar isto aos exemplos que te pareceram tão evidentes que dispensavam contas:
«Qual foi a causa de morte do tipo que levou o tiro na cabeça dado por Z? O tiro que Z lhe deu na cabeça.»
É pena que tenhas usado Z para designar o agente, quando o objectivo da letra foi evidenciar que a identidade da vítima não está estabelecida antes da escolha ética relevante.
Isto é muito importante. Vamos supor que a vítima acaba por ser o Pedro Matias.
Existem duas formas de avaliar a "força da relação causal" entre a morte do Pedro Matias e acção de o matar, de acordo com a definição estabelecida, o que mostra como ela está incompleta e presta-se a inconsistências na forma de a aplicar.
Numa forma, nós somos omniscientes a avaliar as alternativas.
Embora o homicida não saiba quem vai matar, e no momento em que a escolha é feita inúmeras pessoas possam potencialmente assumir o lugar do Pedro Matias, nós já conhecemos o futuro que resulta de qualquer das escolhas. Sabemos que ninguém morrerá se o homicida não o for, e sabemos que é o Pedro Matias e mais ninguém no lugar dele morrerá se for dado o tiro.
Nesse caso, sendo:
E - morte de Pedro Matias
C - decisão de o matar,
nós temos:
P(E|C) - 100%
P(E|~C) - 0% (Pedro Matias morrerá depois, por outras causas, mas nós SABEMOS que terá ainda uns valentes anos de vida se não for morto pelo potencial homicida).
Neste caso, a força da relação causal é praticamente infinita. Resulta da omnisciência com que avaliámos os cenários. Sabemos exactamente qual a vítima que resultará da decisão de disparar, e deste conhecimento torna-se claro como a água que a sua morte foi resultado desta acção, desta escolha. De acordo com o teu critério, não pode existir relação causal mais forte.
(continua)
(continuação)
ResponderEliminarMas poderíamos ver as coisas de outra forma. Podemos assumir a nossa ignorância a respeito dos efeitos da acção do homicida. Afinal de contas, no momento da escolha, ainda é impossível saber quem será a vítima, mesmo que num dos futuros possíveis possamos vir a saber que foi o Pedro Matias. Também é impossível saber se Pedro Matias morreria por outra razão qualquer. Neste caso as probabilidades serão avaliadas de forma diferente:
Nesse caso, sendo:
E - morte de Pedro Matias
C - decisão de o matar,
nós temos:
P(E|C) - tão baixa quanto o número de pessoas que efectivamente pudessem ser vítimas do homicida. Numa cidade com muitos milhões de habitantes será muito reduzida, numa aldeia com poucas pessoas será considerável.
P(E|~C) - Podemos aproximá-la à probabilidade de um indivíduo ao acaso morrer num determinado dia. (nesta simplificação estamos a considerar o homicídio relevante a partir do momento em que rouba mais de um dia de vida)
Ambas as formas de aplicar a tua definição são contra intuitivas.
Na primeira, o valor infinito que resulta do conhecimento total das consequências mostra como uma formulação probabilística parece desadequada para uma situação de omnisciência.
Na segunda, é bizarro que a "força da relação causal" seja mais função do nosso conhecimento sobre a situação do que do acto em si. Que a morte do Pedro Matias tenha uma forte relação causal com a decisão de o matar caso o homicida ou o "avaliador" saiba que existem apenas 10 pessoas naquela aldeia, mas torne-se arbitrariamente fraca se existir gente suficiente que o homicidada (ou "avaliador") saiba que poderiam estar no lugar do Pedro Matias.
Ou existe uma terceira forma de aplicar o conceito que explicaste?
Com que base de conhecimento é que devem ser avaliadas as probabilidades necessárias à aplicação dessa definição?
Bruce,
ResponderEliminar«Infelizmente esse rótulo refere-se ao desencadear de um processo biológico onde nada existe além de duas células e muita expectativa da tua parte. »
O processo é o processo de desenvolvimento humano. Vê aqui por exemplo: Human development (biology). Começa quando o espermatozóide fecunda o óvulo e acaba quando aquele organismo humano (é sempre o mesmo organismo e sempre da mesma espécie) morre. Se insistes em usar termos da biologia como “organismo”, “animal” e “humano” de forma completamente errada só crias confusão.
«Vou apontar-te uma diferença suficiente. O recém-nascido, mesmo desprovido de planos para o seu futuro, quer sobreviver. A gritaria é um dispositivo óbvio para requerer do exterior aquilo de que precisa para sobreviver. E mesmo que alguns bebés sejam uns anjinhos silenciosos, a curva de Gauss (e as olheiras dos pais) dizem-nos que a verdade é que os bebés nascem com uma certa obstinação para se fazerem atender. Querias uma diferença, toma lá uma diferença: o vínculo à sobrevivência é eticamente relevante.»
OK, isto já é algo de concreto que se possa trincar.
Um problema com o “vínculo à sobrevivência” é ser comum a todos os seres vivos. Até o fungo que nos cresce nas unhas faz tudo o que pode para sobreviver. Aplica-se igualmente ao embrião e ao feto. O recém-nascido chora porque isso dá-lhe leite e porque os que não choraram não deixaram descendência. O embrião faz uma placenta porque com isso pode obter nutrientes, e os que falharam nisso não deixaram descendentes.
Até o querer é algo muito comum nos mamíferos. Penso que é evidente que não sugeres um raciocínio deliberado e linguístico da parte do recém-nascido, do género “quero leite, deixa-me cá chorar a ver se vem aí uma mama”. Nem é sequer razoável assumir que o bebé quer comer porque se quer manter vivo, com o seu choro é equivalente a um “não me matem de fome, por favor!” Mas se aceitas como “querer manter-se vivo” simplesmente a reacção de chorar porque sente fome, então devias considerar a morte de qualquer mamífero como equivalente a um infanticídio. No entanto, suspeito que não as equiparas assim.
Assumindo que consideras mais grave afogar um bebé humano do que uma cria de gato, explica porquê. Isto é relevante para a minha hipótese de que me estás a tentar aldrabar quando alegas que só consideras para a tua avaliação ética o estado do organismo no momento do acto. Se o critério é o tal “vínculo à sobrevivência” no momento do acto, tanto faz a espécie do organismo que se mata, é tudo homicídio desde que tenha algum instinto pela sobrevivência...
João Vasco,
ResponderEliminarO grande problema das nossas discussões é que tu recorres a uma versão sofisticada da táctica de só perguntar “porquê?” Se me disseres que o céu é azul, posso pedir para me definires azul. Depois de explicares a relação entre cores e percepção de luz de vários comprimentos, peço para definires luz. Ou percepção. Eventualmente, a meio da neurobiologia ou da física quântica acabas por desistir e eu digo aha, és inconsistente.
Proponho que tentemos ultrapassar esse pântano de inutilidades discutindo apenas aquilo em que discordamos. Assim, proponho uma definição operacional pragmática de relação causal forte no contexto da nossa discussão:
A decisão D do agente A tem uma relação causal forte com o efeito E se, perante E, alguém perguntar “qual a causa de E?” a resposta consensual foi “E aconteceu por causa de A ter decidido D”.
Mais, proponho adicionalmente que nem precisamos de discutir se isto se aplica em todos os casos. Apenas precisamos de saber se concordamos com esta forma simplificada de avaliar a relação causal para distinguir eticamente a decisão de abortar e outra como a de ir para freira. Desta forma:
A Isabel está grávida de 9 semanas. Decide abortar. Aborta. Qual foi a causa da morte do embrião? A Isabel decidiu abortar. Relação causal forte.
A Isabel foi para freira aos 19 anos. Nunca teve filhos. Qual foi a causa do óvulo nº 15299 da Isabel não ter sido fecundado pelo espermatozóide 15224791 do Miguel? Uma data delas, e não faz sentido dizer que a causa principal foi a Isabel ter ido para freira.
Isto é análogo a estes dois casos:
O João Vasco decide ir à Etiópia estrangular a primeira criança que vir quando chegar. Estrangula uma criança. Qual foi a causa de morte daquela criança? O João Vasco estrangulou-a. Relação causal forte, prisão com ele.
O João Vasco decide não dar dinheiro para ajudar as pessoas com fome em África. Qual é a causa daquela criança ter morrido naquela aldeia? Fome, sede, doença, etc. Mas não faz sentido dizer que a causa principal foi o João Vasco não ter dado dinheiro.
Penso que não vale a pena desviarmos a conversa para discutir o que eu percebo das várias teorias filosóficas de causalidade. Isto porque somos perfeitamente capazes de encontrar exemplos onde a pergunta “qual foi a causa disto?” seja consensual entre nós, e porque o que estamos a discutir – a diferença ou equivalência ética de matar um embrião e um recém nascido – não exige nenhuma teoria sofisticada de causalidade.
No entanto, vou tentar responder rapidamente ao problema da causalidade. Primeiro, a causa tanto pode ser suficiente, pode ser necessária ou ambas. O que eu escrevi foi que podíamos considerar uma relação causal forte aquela que é ambas. Segundo, a relação entre causa e efeito é avaliada considerando que a causa e o efeito ocorreram. No teu exemplo do atirador, para avaliares a relação entre o tiro e a morte tens de considerar que alguém morre por causa do tiro. Isso mostra-te uma relação causal forte (porque morreu? porque levou um tiro). Se a causa fosse construir a estrada e o efeito o bêbado espatifar-se, seria uma relação causal fraca (porque se espatifou? Porque ia bêbado, e não porque construíram a estrada).
«O grande problema das nossas discussões é que tu recorres a uma versão sofisticada da táctica de só perguntar “porquê?” Se me disseres que o céu é azul, posso pedir para me definires azul. Depois de explicares a relação entre cores e percepção de luz de vários comprimentos, peço para definires luz. Ou percepção. Eventualmente, a meio da neurobiologia ou da física quântica acabas por desistir e eu digo aha, és inconsistente.»
EliminarQue disparate.
Sempre te chamei inconsistente por caíres em inconsistências. Nunca foi porque não respondesses a perguntas. Eu não chamo inconsistente a quem "desiste", e sinceramente creio que nestas discussões tu és ainda mais paciente que eu, por isso nem faria sentido dizer que és inconsistente por desistires. Na verdade, nunca te censurei por desistires ao fim de - literalmente - centenas (milhares?) de mensagens trocadas a este respeito.
Portanto não faças confusão: sempre que te chamei inconsistente foi por ver inconsistências na tua argumentação.
«A Isabel foi para freira aos 19 anos. Nunca teve filhos. Qual foi a causa do óvulo nº 15299 da Isabel não ter sido fecundado pelo espermatozóide 15224791 do Miguel? Uma data delas, e não faz sentido dizer que a causa principal foi a Isabel ter ido para freira.»
Isso é muito conveniente, mas como já te disse eu também acho que a causa do assassino ter morto o Pedro Augusto e não o Bernardo Matias podem ter sido imensas.
Se soubermos que, não fosse a Isabel para freira, o Miguel nascia, poderíamos dizer - pela tua própria definição de relação causal interpretada de uma forma - que a relação causal entre a escolha da Isabel e não vida do Miguel é fortíssima.
Se não o soubermos o futuro antes do acto a avaliar, poderíamos dizer - pela tua própria definição de relação causal interpretada da outra forma - que a relação causal entre o disparo do homicida e a morte do Pedro Augusto é fraquíssima.
Ora tu discordas de ambas as conclusões: achas que a relação entre a decisão da Isabel e a vida do Miguel é fraca, mas que a relação entre a decisão do homicida e a morte do Pedro Augusto é fortíssima. Não encontro nenhuma forma de interpretar a tua definição de causualidade que seja compatível com ambas estas conclusões.
Se para ti, ambas são "senso comum", e portanto o senso comum chega para perceber a noção de "força da relação causal" sem ter de o definir com rigor, estás muito enganado. Não podemos partir daí, nem podemos partir de um conceito não definido de "força de relação causal" porque obviamente temos noções muito diferentes a este respeito.
Para esclarecermos a nossa divergência, não existe nada melhor do que responderes à pergunta que te coloquei. Se usas a tua definição de "força de relação causal", com base em que conhecimento é que é feita a avaliação das probabilidades. É muita pergunta importante e esclarecedora, e depois de responderes podemos olhar para diferentes situações e aplicá-la de forma consistente. Veremos se os resultados são intuitivos ou contra-intuitivos, ou se tens de alterar essa definição.
É possível que te tenhas enganado, e que situações que não te tenham parecido análogas afinal o sejam, ou vice-versa. Para identificares o teu próprio erro, caso exista, ou me convenceres que não existe inconsistência da tua parte, ou de alguma maneira progredirmos nesta conversa em vez de andar aos círculos, não existe nada melhor do que esclarecer com maior rigor o que entendes por "força da relação causal".
João Vasco,
ResponderEliminar«Isso é muito conveniente, mas como já te disse eu também acho que a causa do assassino ter morto o Pedro Augusto e não o Bernardo Matias podem ter sido imensas.»
Este é um ponto importante para decidirmos se vale a pena enveredar pela teoria da causalidade.
Imagina que o assassino queria matar a primeira pessoa que lhe aparecesse e deu um tiro na cabeça do Pedro Augusto. Tu, sabendo destes detalhes todos, quando te perguntassem qual a causa da morte do Pedro Augusto tu responderias:
A) Foi o assassino que lhe deu um tiro na tola.
Ou
B) Sei lá, há imensas. Por exemplo, o Bernardo Matias não ter passado por ali primeiro.
Se honestamente respondesses B e se honestamente te parecer que B é a resposta certa quando tentamos identificar a causa da morte do Pedro Augusto, então já identificámos um possível ponto de dissensão.
Mas se respondias A, então sugiro que passemos adiante ao que interessa. Depois, se quiseres, voltamos a isto. Mas não vale a pena deixar o resto em suspenso por uma falsa disputa acerca de algo no qual concordamos...
«Se soubermos que, não fosse a Isabel para freira, o Miguel nascia, poderíamos dizer - pela tua própria definição de relação causal interpretada de uma forma - que a relação causal entre a escolha da Isabel e não vida do Miguel é fortíssima.»
É um problema interessante. Num episódio do Fringe, havia um tipo com poderes especiais que equilibrou uma caneta em cima de um caixote do lixo e foi-se embora. Quando passou um autocarro a caneta caiu, um miudo parou o skate para apanhar, outra pessoa distraíu-se (ou algo assim) e ao fim de uma data de acontecimentos improváveis um desgraçado é atropelado e morre. Neste caso, isto era um homicídio porque ele sabia que aquilo tudo ia acontecer e fez de propósito. Se a Isabel estivesse a fazer algo deste género para evitar o nascimento do Miguel, então concordo que a relação causal seria forte. Mas penso que não basta saber. O que é difícil neste cenário é pensar como é que sabemos. Se sabemos por magia, por exemplo, então não me parece ser relevante. Se sabemos porque percebemos toda a cadeia de causalidade, então temos de ver como é que a decisão da Isabel é diluída noutras decisões. Por exemplo, se eu conseguir prever o futuro e sei que te vais suicidar daqui a uns anos com uma faca do pão com cabo branco, se te oferecer essa faca, mesmo sabendo isso, não serei propriamente um homicida porque tu continuas a ter a maior parte da responsabilidade pelo teu suicídio. No caso da Isabel presume-se que tem de partilhar a responsabilidade com um António ou algo do género, pelo menos.
Mas esses cenários não são relevantes para o problema que estamos a discutir que, em rigor, é este: com a informação que temos e a nossa capacidade cognitiva, podemos dizer que o aborto é eticamente muito diferente do infanticídio? Eu acho que não. E nada do que tu argumentaste parece indicar o contrário. Nota que o caso de uma mulher omnisciente decidir ir para freira é uma situação diferente.
O meu ponto é este: se os teus pais te tivessem abortado ou estrangulado à nascença eram igualmente responsáveis por tu não estares aqui. Mas nem podemos dizer que os teus pais escolheram que fosses tu que fosses concebido, em vez de qualquer um dos muitos milhões de outros filhos e filhas que poderiam ter tido, nem são culpados de não ter sido qualquer um deles em particular a ser concebido. Isto faz com que a contracepção e afins seja eticamente muito diferente do aborto ou do infanticídio.
(cont...)
ResponderEliminar«Se usas a tua definição de "força de relação causal", com base em que conhecimento é que é feita a avaliação das probabilidades. »
As probabilidades são apenas um possível modelo de causalidade, que tem o grande defeito de nem sequer sabermos ao certo o que são probabilidades. Se uma coisa ou ocorre ou não ocorre, tudo terá probabilidade ou 1 ou 0.
Por isso o que eu prefiro que façamos é responder à pergunta “o que causou isto?” É simples. Se despejas gasolina nos pinheiros e acendes um fósforo, foste tu quem causou o incêndio. Não foi a Galp nem foi a pessoa que plantou os pinheiros. Se abortar um feto foste tu quem o matou. Se não tens relações sexuais, no entanto, não se pode dizer de nenhum dos teus potenciais filhos que foi por causa dessa decisão que ele não nasceu. O mais provável até é não ter sido, porque por muito que te esforces nunca poderás ter mais do que uma fracção ínfima dos teus potenciais filhos.
Agora se a pessoa que plantou os pinheiros era omnisciente e pôs aquele pinheiro ali de propósito porque sabia que assim o incêndio iria deflagrar, então também partilha parte da culpa. Mas acho que continuas a ser tu o incendiário...
(e, finalmente)
ResponderEliminar«não existe nada melhor do que esclarecer com maior rigor o que entendes por "força da relação causal". »
Isso também eu queria. Mas, pelo que sei do problema de formalizar a noção de causalidade, parece-me que é areia demais para a minha camioneta. Por isso é que proponho, como alternativa, verificar primeiro se não conseguimos concordar acerca das causas dos acontecimentos que nos interessam no contexto em que estamos a discutir isto. Ou seja, se a causa da morte de um ser humano abortado é mais difícil de determinar do que a causa da morte de um ser humano morto à nascença, e se a causa da não concepção de um filho potencial em particular é igualmente fácil de identificar como sendo uma decisão dos pais. Se as duas primeiras forem igualmente claras e a última não, então estamos de acordo que, pelo menos segundo os meus critérios, o aborto e o infanticídio estão na mesma classe ética e a contracepção está noutra muito diferente.
E não me parece que seja difícil concordarmos acerca disto. Julgo que estás a fazer um esforço muito grande para evitar admitir que concordamos... :)
«O embrião faz uma placenta»
ResponderEliminarHã? O embrião “faz” o quê? Podias dizer-me que um bivalve faz filtração, que uma formiga faz colecções, que uma varejeira “faz” larvas ou uma tonelada de exemplos para me obrigares a acreditar que nas máquinas biológicas existe algo equiparável à auto-preservação de um recém-nascido. Mas no caso do embrião, caramba, a única acção a que podes referir-te é à acção-reacção no sentido estrito da nódoa com o detergente. Isto é o fim da picada, Ludwig. É que ainda por cima a placenta é uma defesa do hospedeiro, uma reacção ao embrião, não do embrião.
Respeitosamente, fico por aqui. Quis só apontar-te que este post é um nado-morto e não vou agora ajudar-te a sepultá-lo com batatinhas.
Estimados ludwikings:
ResponderEliminarLamento a aspereza, às vezes dá-me os nervos.
Bruce,
ResponderEliminarNão te preocupes com a aspereza. Preocupa-te mais em verificares a verdade de afirmações como
«É que ainda por cima a placenta é uma defesa do hospedeiro, uma reacção ao embrião, não do embrião.»
antes de as escreveres. Ao longo deste diálogo tenho estado a ficar com a crescente impressão de que não fazes a mínima ideia do que se passa no desenvolvimento embrionário. A placenta é um órgão do embrião. Procura na wikipedia.
E Bruce, post à parte, continuo com curiosidade em saber porque é que matar um recém-nascido humano é eticamente pior do que matar um gato. O teu critério do vínculo à sobrevivência não serve para distinguir isso, e é de desconfiar a relutância que tens em dizer que critérios verdadeiramente usas para fazer estas distinções. Será que (horror!) dás mais valor à vida do recém-nascido humano pelo futuro que tem pela frente em vez de pelo estado em que está? Isso era bem tramado...
ResponderEliminarBruce Losé:
ResponderEliminar"a placenta é uma defesa do hospedeiro, uma reacção ao embrião, não do embrião"
A placenta é formada do embrião, mais especificamente no trofoblasto, e depois é implantada no útero.
Se tem origem das células do embrião, como é que não é uma reacção do embrião e é uma defesa do hospedeiro?
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarLudwig e PAC,
ResponderEliminarMuito bem, pelo menos aprendi alguma coisa nesta conversa... A placenta é parte do embrião. Já anotei e agradeço a informação.
Agora, recapitulando as implicações disto na resposta que dei à pergunta do Ludwig, posso garantir que ficámos na mesma e nem se justifica ficarem indignados com a minha ignorância sobre desenvolvimento embrionário. Porque a afirmação do Ludwig foi de que o embrião assinala, por multiplicação celular (uau!), um mecanismo de auto-preservação equiparável ao de um recém-nascido. O disparate mantém-se igualzinho.
«continuo com curiosidade em saber porque é que matar um recém-nascido humano é eticamente pior do que matar um gato.»
Se prometeres não esquecer que tudo isto começou porque tu não sabes explicar porque é que matar um embrião é o mesmo que matar uma criança, posso assegurar-te de que não tenho dúvidas: matar um recém-nascido é pior do que matar um gato. Obviamente a distinção que faço não é a de “estar” recém-nascido, mas a de ser uma coisa ou ser outra. Eu encontro um gradiente de valor na biosfera, e tu também encontravas antes de eu insistir contigo para reparares no outro, da ontogénese. Espero que não tenhas deixado de o fazer por minha causa.
Livra... ia ser bonito se não desse pelo erro!
ResponderEliminarJoão Vasco,
ResponderEliminarNotei agora que estava a engatar uma coisa importante. Há dois aspectos da relação entre causa e efeito. Um é a eficácia da causa na produção de certo tipo de efeito. É esse que medimos pela diferença
P(E|C)-P(E|~C)
Se dividires os ratos em dois grupos aleatórios, deres aos de um grupo o carcinogénio e medires a diferença na percentagem de cancro nos dois grupos tens uma estimativa de quão eficaz é a substância a produzir cancro.
Mas o que nos interessa é o outro aspecto. Não quão eficaz é a causa para aquele tipo de efeitos, mas qual foi a causa principal de um certo efeito em particular. Ou seja, não queremos medir quão eficaz é cada substância a causar cancro nos ratos em geral mas encontrar qual foi a causa principal daquele cancro naquele rato. Para isso temos de medir ao contrário:
P(C|E)-P(C|~E)
Esta é uma experiência retrospectiva. Por exemplo, reúnes um grupo de pessoas com um certo cancro e comparas com um grupo análogo de pessoas sem esse cancro e procuras os factores mais diferentes. Na prática é tramado fazer isto bem, mas, conceptualmente, é o que nos interessa. Quando queres saber se a ligação causal entre o disparo do assassino e a morte da vítima é forte queres saber se esta é a causa principal daquele efeito concreto e não se o disparo é eficaz em geral a produzir aquele tipo de efeitos.
Assim, no exemplo do bêbado que se estampa na árvore, podemos imaginar o conjunto infinito de universos alternativos e dividi-lo em dois grupos: o grupo em que o tipo se estampou, e o grupo em que não se estampou. Agora vamos comparar a frequência de cada potencial factor causal nesses dois grupos de universos:
P(ter conduzido bêbado | estampou-se) – P (ter conduzido bêbado | não se estampou)
P(terem construido a estrada | estampou-se) – P(terem construido a estrada | não se estampou)
…
Desta forma determinamos se há uma causa claramente dominante entre os factores causais que contribuíram para aquele estampanço.
Podemos fazer o mesmo com o aborto e a morte daquele embrião, a contracepção e a ausência de qualquer um dos potenciais filhos em particular, a tua decisão de estrangular um miúdo e a morte do miúdo estrangulado, a tua decisão de não dar dinheiro para caridade e a morte do miúdo à fome, e assim por diante.
Por exemplo, o óvulo 20267 da Isabel não foi fecundado pelo espermatozóide 34511932 do Tomás para dar a esse possível filho dos dois. Para ver qual a contribuição de cada factor causal para isto, vamos ver a diferença, em todos os universos possíveis, entre a frequência do factor causal quando não houve esta fecundação e a frequência quando houve esta fecundação. Neste caso parece-me que temos muitos factores com diferenças ínfimas, e isolar a decisão da Isabel de ser freira como “a causa” não faz sentido. Mas se houver fecundação e a Isabel abortar esse embrião, então essa decisão de abortar já sobressai entre os possíveis factores causais para a morte desse embrião.
Nota, no entanto, que isto é apenas uma tentativa de formalizar algo que nós já concordamos à partida: se tu decidires estrangular o primeiro miúdo que te aparecer à frente és mais culpado por essa morte do que se decidires não dar dinheiro para organizações de caridade mesmo que saibas que, estatisticamente, algum miúdo irá morrer que de outra forma sobreviveria.
Bruce,
ResponderEliminarO do embrião é muito mais evidente do que o do recém nascido. O recém nascido chora até que o vão alimentar. O embrião agarra-se ao útero, produz um órgão específico para tirar de lá nutrientes e vive assim nove meses a menos que alguém o mate. Enquanto o recém nascido morre se ninguém fizer nada por ele, deliberadamente, durante uma ou duas dúzias de horas, o embrião agarra-se à vida de tal maneira que só mesmo com intervenção cirúrgica ou uma bomba hormonal se livram dele.
Seja como for, a questão que eu gostaria que esclarecesses é como é que tu avalias eticamente o problema de matar um ser vivo, seja em que estado for ou de que espécie for. Claramente, esse critério de se agarrar à vida não pode servir, porque esse vale igualmente para o gato.
Eu expliquei-te os meus critérios. Servem para gatos, cães, embriões, recém nascidos, o que for. São mesmo estes. Não estou a esconder nenhum na manga.
Tu só me mandaste esse de agarrar a vida depois de muita insistência, e claramente que não pode ser isso que te serve para «um gradiente de valor na biosfera». Eu sempre encontrei esse gradiente de valor mas, para mim, a diferença entre matar um recém nascido humano e um gato está no valor subjectivo da vida futura toda desses seres, que é precisamente o que lhes tiramos quando os matamos. Pela capacidade cognitiva e consciência que um humano tem ao longo da sua vida, a vida de um humano, como um todo, vale mais para esse humano do que a vida do gato vale para o gato. Mas isto é precisamente o que me leva a considerar que tanto faz matar à nascença ou às nove semanas de gestação, porque o que o visado perde é exactamente o mesmo.
E tu? Como é?
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ResponderEliminarLudwig,
ResponderEliminar«as probabilidades são apenas um possível modelo de causalidade,»
São o único que tive esperança que definisses com rigor. E não tem problema que sejam "apenas um possível", porque isso significa que são "um possível", que é tanto quanto basta para a conversa evoluir, desde que a definição seja feita com rigor.
Mas enfim, tu não respondes nesses dois comentários à pergunta que te fiz sobre com que base de conhecimento devem ser avaliadas as probabilidades, e voltas para o "senso comum", onde alegas que "concordamos no essencial".
Deixa-me que te diga que não concordamos "no essencial". Esta conversa lembrou-me com maior exactidão do ponto onde encravámos na discussão anterior.
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Aqui, gostava que todos os leitores apreciassem esta tua alegação, porque pode ser que algum deles te explique melhor o absurdo do que alegas do que eu.
Se bem me lembro, nós tínhamos uma situação em que o Alberto está na praia e pode salvar com algum esforço e sem risco o Luís Miguel. Ele abdicar de salvar o Luís Miguel (para evitar o esforço) é algo imoral, algo censurável - ambos estávamos de acordo até aqui.
Mas se em vez de apenas o Luís Miguel estiver na água e em risco um número suficientemente elevado de pessoas (2 mil milhões, sei lá) e o Alberto tiver tempo e possibilidade de salvar apenas uma (também com esforço e sem risco), então exactamente a mesma decisão de não salvar ninguém tornar-se-ia - dizias - praticamente nada imoral ou censurável. Na verdade, o acto estaria arbitrariamente próximo da neutralidade para um número suficientemente elevado de pessoas.
Tu tens ideia de como isto é disparatado????
De como para qualquer pessoa "normal" a imoralidade de não salvar uma vida para não se dar ao trabalho não depende do desconhecimento quanto à identidade da vida potencialmente salva? Não depende de saber se essa vida era uma em 3 ou uma em 300?
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Queres dizer que não precisamos de rigor, concordamos no "senso comum" quando me propões algo deste estilo?
Para mim a culpa - ou, mais exactamente, falta dela - que a Isabel tem por decidir ir para freira em vez de ter filhos, é completamente alheia ao facto de se poder ou não saber exactamente quem será o seu filho, ou saber-se que será alguém, mas não se saber quem. Não concordamos nisto.
Portanto, é verdade que concordamos num ponto que dizes que concordamos: o homicídio do não-se-quantos é completamente culpa do homicida. É verdade que concordamos aí.
Mas o meu ponto é que tu és inconsistente porque não estás a usar a mesma bizarria da diluição de culpa que usas nos outros casos, e nessa bizarria já não podemos usar o senso comum porque eu já não acho que ela faça sentido. A única solução para te demonstrar a tua inconsistência é expores as tuas ideias com rigor.
Bruce:
ResponderEliminar"a afirmação do Ludwig foi de que o embrião assinala, por multiplicação celular (uau!), um mecanismo de auto-preservação equiparável ao de um recém-nascido."
No entanto, usaste uma premissa, como se fosse relevante, mas é falsa, logo o argumento é errado.
O que é equiparado? (podemos sempre dizer que duas coisas não são equiparadas, se não forem o mesmo) A placenta é um mecanismo de auto-preservação:
O embrião não é um objecto inanimado: é um ser vivo, por isso precisa de se alimentar e fazer troca de gases. A placenta é um orgão que tem essa função, como parte do sistema digestivo e respiratório. Sabemos que sem ela, o embrião não sobrevive.
Além disso, a placenta tem origens evolutivas, por isso deve ser usado para preservar a vida de algum ser vivo. Nesse caso, um ovo não consegue fugir de um predador, mas a mãe consegue, que por sua vez permite ao mesmo tempo que o embrião sobreviva.
A diferença é que o recém-nascido usa o choro, precisa que a mãe responda dando-lhe a mama e não é uma actividade contínua (ou os pais ficariam doidos).
Voltando às probabilidades.
ResponderEliminarPropões agora algo diferente:
«Para isso temos de medir ao contrário:
P(C|E)-P(C|~E)
Esta é uma experiência retrospectiva. Por exemplo, reúnes um grupo de pessoas com um certo cancro e comparas com um grupo análogo de pessoas sem esse cancro e procuras os factores mais diferentes. Na prática é tramado fazer isto bem, mas, conceptualmente, é o que nos interessa.»
Óptimo!
C - o Manuel deu um tiro à primeira pessoa que apareceu
E - O Joaquim Esteves morreu
Temos de avaliar:
P(C|E) - ora isto é P(C^E)/P(E).
P(C|~E) - P(C^~E)/P(~E)
Vamos dar ao Joaquim Esteves uma probabilidade de pn de morrer por causas alheias ao disparo (P(E^~C)), e vamos assumir que o Manuel dispara para matar.
O Manuel está numa comunidade com N pessoas e qualquer delas pode ser a primeira a aparecer.
A probabilidade dele decidir disparar P(C) é M.
P(E) = P(E^C) + P(E^~C) = M*1/N + (1-M)*pn
P(E^C) = M*1/N
P(~E) = P(~E^C) + P(~E^~C) =M*(N-1)/N + (1-M)*(1-pn)
P(C^~E) = M*(N-1)/N
Fazendo as contas:
P(C|E)-P(C|~E) = P(C^E)/P(E) - P(C^~E)/P(~E) =
M*1/N / ( M*1/N + (1-M)*pn ) - M*(N-1)/N / ( M*(N-1)/N + (1-M)*(1-pn) ) =
É fácil perceber como toda a expressão tende para zero quando N tende para infinito.
Até direi mais, N pode ser tão elevado, que uma das várias causas que levam a uma morte natural pode tornar-se mais forte do que o homicídio, de acordo com o teu critério probabilístico.
Verifica-se assim que o teu critério probabilístico aplicado a este caso leva a resultados absurdos. Ou não? Deveria ser aplicado de outra forma?
Ludwig,
ResponderEliminar«O do embrião é muito mais evidente do que o do recém nascido.»
Lamento, isto é apenas ridículo. O embrião é um conjunto de células comandado por uma acção-reacção de relações químicas que resultam na proliferação de mais células. É isso que o embrião “faz”. O sentido de auto-preservação de um recém-nascido incorpora coisas como por exemplo sentir, mas como não te apetece nada reconhecer esta ligeira discrepância ao nível da sofisticação, pões-te a dizer coisas como “ah, mas o embrião também “quer” muito viver”... Como se não bastasse andares desde o início a fugir com a baliza de um lado para o outro.
«Seja como for, a questão que eu gostaria que esclarecesses é como é que tu avalias eticamente o problema de matar um ser vivo, seja em que estado for ou de que espécie for.»
Eu reconheço que não disponho de um único critério à prova de bala para traçar uma linha entre os animais que posso e não posso matar. A haver um único critério, será seguramente fundamentado em várias razões concomitantes e não apenas naquela, isolada, que me convidas a declarar de cada vez que mudas a tua baliza de sítio. Posso apenas dizer-te que, muito provavelmente, todas essas razões se enquadram na capacidade de desejar viver e na capacidade de sentir. Podemos com segurança extrapolar o nosso medo da morte e o nosso medo da dor para os animais onde reconhecemos perfeitamente a ansiedade gerada pela possibilidade da morte e pela possibilidade da dor.
Penso também que a dificuldade não está tanto em encontrar este critério, porque se baseiam em manifestações relativamente fáceis de observar, o problema mais bicudo está em persuadir um labrego habituado a fazer mal aos outros de que isso interessa para alguma coisa. Ou seja, o facto necessário para o critério não é impossível de identificar. O problema é o valor, mas penso que aí entramos no problema de a ética ser um elemento paisagístico neste mundo de Deus e de labregos. Por revoltante que seja, o poder evangélico do Perspectiva faz mais pelo bem estar animal do que qualquer dado objectivo que te esmifrasses para usar como fronteira entre o animal que podemos matar e o que não podemos.
Mas não vires o bico ao prego, este post foste tu que escreveste e sua inconsistência fiou registada. Por favor não escrevas outro a dizer que produziste neste um argumento válido e só alguns vigaristas como eu ficaram com outra recordação.
Bruce,
ResponderEliminar«O sentido de auto-preservação de um recém-nascido incorpora coisas como por exemplo sentir»
O que parece uma coisa muito boa para fazer esta distinção até nos lembrarmos que matar o recém nascido anestesiado é tão mau como matá-lo quando está capaz de sentir, e que matar um gato que sente é menos mau do que matar um recém-nascido, ainda que anestesiado. Ou seja, estás outra vez a alegar que usas um critério quando obviamente não é esse que usas.
«Eu reconheço que não disponho de um único critério à prova de bala para traçar uma linha entre os animais que posso e não posso matar.»
Mas pelo menos entre aqueles que tens uma opinião forte, como por exemplo embrião e recém nascido, ou gato e recém nascido, nesses casos devias ter um critério que pudesses explicar. Senão, és tu quem sofre do problema do qual me acusaste, que é primeiro decidir a conclusão a que queres chegar e depois logo vais inventando desculpas.
É isso que suspeito que estejas a fazer. Essa coisa do sentir, naquele momento, ou do "vínculo à sobrevivência", cheiram a desculpas ad hoc e não a uma coisa pensada antecipadamente.
«Penso também que a dificuldade não está tanto em encontrar este critério, porque se baseiam em manifestações relativamente fáceis de observar,»
Não... muitas das manifestações que alegas são ou impossíveis de observar (não é nada claro que o recém nascido sinta, no mesmo sentido que nós sentimos, em vez de apenas reagir automaticamente... nota que não temos recordações dessa fase da vida) ou são redondamente falsas (como a da placenta) ou irrelevantes (como o embrião ser um conjunto de células que se reproduzem em função de reacçoes químicas, que todos nós também somos...)
E esse critério devia vir primeiro. Só depois de teres o critério e justificares a sua relevância ética é que podes tomar uma decisão fundamentada acerca destas coisas. Senão, estás ao nível de dizer que não se pode abortar porque Deus não quer...
Correcção:
ResponderEliminarM*1/N / ( M*1/N + (1-M)*pn ) - M*(N-1)/N / ( M*(N-1)/N + (1-M)*(1-pn) )
Ao contrário daquilo que eu escrevi acima, com N a tender para infinito, a expressão tende para
-M/(M+(1-M)(1-pn))
Mas a conclusão é idêntica...
João Vasco,
ResponderEliminar«C - o Manuel deu um tiro à primeira pessoa que apareceu
E - O Joaquim Esteves morreu »
Não. O acontecimento que estamos a avaliar não é simplesmente o Joaquim Esteves ter morrido. É ter morrido ali com aquele balázio na cabeça. O acto que estamos a avaliar é também bastante específico. O Manuel decidiu a que horas saiu de casa, para onde se dirigiu, onde ficou à espera da vítima, etc. E o que estamos a comparar não é simplesmente o Joaquim Esteves morrer com o balázio naquele sítio ou tudo o resto, incluindo o Joaquim Esteves não existir sequer. Se queres encontrar a causa mais provável de cancro cervical em mulheres jovens, não vais comparar, por exemplo, o uso de contraceptivos hormonais em mulheres jovens que tiveram cancro cervical com o uso de contraceptivos hormonais em tudo no universo que não for mulheres jovens com cancro cervical. Vais comparar com as mulheres jovens sem cancro cervical. Analogamente, aqui tens de considerar os universos alternativos em que os Joaquim Esteves não morreu com o balázio mas, de resto, era equivalentes aos Joaquim Esteves que morreram com o balázio. O resultado será muito diferente de zero.
«Verifica-se assim que o teu critério probabilístico aplicado a este caso leva a resultados absurdos. Ou não? Deveria ser aplicado de outra forma? »
Este modelo probabilístico não é um critério. Como já te disse muitas vezes, não estou a apresentar um modelo normativo que determine como vou considerar a força das relações causais. Estou apenas a tentar formalizar uma descrição da distinção que faço entre, por exemplo, a relação causal quando decides estrangular uma pessoa e a morte dessa pessoa por estrangulamento e a relação causal quando decides não fazer um donativo e aumentas em 1 o número de mortos à fome noutro continente. Por isso, além de estares a aplicar mal o modelo, se acontecer que leva a resultados absurdos será apenas porque o modelo é uma descrição errada. Como já te expliquei, a minha avaliação da ética do aborto e da contracepção não depende de um modelo normativo formal de causalidade. Depende apenas, a esse respeito, da noção intuitiva e consensual de que quando a Isabel aborta essa decisão é a causa da morte do embrião que trazia no útero, mas quando a Isabel decide ir para freira não se pode dizer que essa decisão é *a* causa, no sentido de ser de longe a principal, de não ter sido concebido aquele filho em concreto resultante da fusão daquele óvulo específico com aquele espermatozóide em particular. A menos que tu discordes desta distinção e aches que se pode apontar a decisão da Isabel de ir para freira como sendo *a* causa de cada um dos potenciais filhos dela não ter sido concebido, já estamos de acordo acerca do que interessa na discussão ética. Tentarmos depois arranjar uma forma de descrever formalmente esta intuição pode ser interessante, mas será irrelevante para a discussão do aborto e contracepção.
«A menos que tu discordes desta distinção e aches que se pode apontar a decisão da Isabel de ir para freira como sendo *a* causa de cada um dos potenciais filhos dela não ter sido concebido, já estamos de acordo acerca do que interessa na discussão ética.»
EliminarEu discordo que tu possas avaliar em termos de "cada um dos potenciais filhos" quando falas na Isabel, mas já não fales em "cada uma das potenciais vítimas" quando falas no potencial homicida. Estás a ser inconsistente, e estás a afastar-te de qualquer tipo de modelo rigoroso para determinar a "força da relação causal" porque ele põe a nu essa inconsistência.
Eu concordo contigo que se o Mateus mata uma pessoa ao acaso e calha essa pessoa ser o Tiago, a escolha do Mateus foi a causa de morte do Tiago. E se o Mateus decidisse não matar ninguém, nunca saberíamos que o Tiago seria a pessoa salva por essa decisão diferente, mas isso é irrelevante. Sem saber quem irá o Mateus matar, é possível saber que quem quer que seja, será culpa do Mateus.
Da mesma forma a decisão da Isabel ir para freira é a causa DAQUELE(S) filho(s) que ela teria não existir, independentemente de podermos saber antes da decisão quem é que ele seria.
Portanto, não é verdade que possamos concordar com aquilo que dizes ser óbvio.
Aliás, repito o que escrevi acima a este respeito:
«
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Aqui, gostava que todos os leitores apreciassem esta tua alegação, porque pode ser que algum deles te explique melhor o absurdo do que alegas do que eu.
Se bem me lembro, nós tínhamos uma situação em que o Alberto está na praia e pode salvar com algum esforço e sem risco o Luís Miguel. Ele abdicar de salvar o Luís Miguel (para evitar o esforço) é algo imoral, algo censurável - ambos estávamos de acordo até aqui.
Mas se em vez de apenas o Luís Miguel estiver na água e em risco um número suficientemente elevado de pessoas (2 mil milhões, sei lá) e o Alberto tiver tempo e possibilidade de salvar apenas uma (também com esforço e sem risco), então exactamente a mesma decisão de não salvar ninguém tornar-se-ia - dizias - praticamente nada imoral ou censurável. Na verdade, o acto estaria arbitrariamente próximo da neutralidade para um número suficientemente elevado de pessoas.
Tu tens ideia de como isto é disparatado????
De como para qualquer pessoa "normal" a imoralidade de não salvar uma vida para não se dar ao trabalho não depende do desconhecimento quanto à identidade da vida potencialmente salva? Não depende de saber se essa vida era uma em 3 ou uma em 300?
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Queres dizer que não precisamos de rigor, concordamos no "senso comum" quando me propões algo deste estilo?»
João Vasco,
ResponderEliminar«Eu discordo que tu possas avaliar em termos de "cada um dos potenciais filhos" quando falas na Isabel, mas já não fales em "cada uma das potenciais vítimas" quando falas no potencial homicida.»
Quando avalio a ética de matar o Tiago, estou a comparar dois futuros possíveis, o do Tiago vivo e o do Tiago morto. Quando avalio o acto do assassino que matou o Tiago, estou a comparar um futuro tornado real, o do Tiago morto, com outro potencial, o do Tiago vivo. Quando avalio o acto da Isabel ir para freira ou de tu não dares dinheiro para combater a fome em África, tenho de comparar os dois futuros alternativos para cada um dos possíveis filhos da Isabel e cada uma das pessoas que morra em África. Não estou a ser inconsistente. Eu comparo sempre os valores subjectivos para cada indivíduo em concreto, e incluo sempre as alternativas, ainda que sejam meramente potenciais.
«Da mesma forma a decisão da Isabel ir para freira é a causa DAQUELE(S) filho(s) que ela teria não existir, independentemente de podermos saber antes da decisão quem é que ele seria.»
O problema do podermos saber é que implica, mesmo que intuitivamente, um grau de controle do agente sobre o desfecho da acção que não existe neste caso. Não tens razão em dizer que ir para freira é a causa daquele(s) não existirem tal como não tens razão se disseres que a causa do bêbado se espetar contra a árvore foi terem construído a estrada.
«Mas se em vez de apenas o Luís Miguel estiver na água e em risco um número suficientemente elevado de pessoas (2 mil milhões, sei lá) e o Alberto tiver tempo e possibilidade de salvar apenas uma (também com esforço e sem risco), então exactamente a mesma decisão de não salvar ninguém tornar-se-ia - dizias - praticamente nada imoral ou censurável.»
Se mudares o exemplo não te parecerá tão absurdo. Imagina que em África está a morrer uma, e uma só criança, de fome. Imagina que tu és a única pessoa que pode doar os €50 que a podem salvar. Não doares esses €50 será mais censurável do que se estiverem a morrer cem mil crianças em África e cada €50 servirem para salvar uma delas. E a razão é precisamente que, no primeiro caso se pode dizer que aquela criança em concreto morreu porque tu não doaste os €50, enquanto que se estão cem mil a morrer não podes ser acusado de nenhuma dessas mortes em concreto.
Mas a diferença entre o aborto e a contracepção não é esta. É a diferença entre estrangulares uma criança ou não dares os €50 para salvar uma entre milhares de milhões. Essa diferença persiste mesmo que discordes da minha avaliação ética segundo a qual recusares-te a salvar aquela criança em concreto é eticamente mais condenável do que recusares-te a salvar uma criança em abstracto de entre milhares de outras. Basta que concordes que nenhuma destas é tão condenável como matares uma criança. O senso comum pode não nos servir para concordarmos em todos os casos, como se é pior se o Alberto lança a moeda ao ar ou atira a bóia de olhos fechados. Mas permite facilmente concordar que o agente deliberadamente matar alguém é eticamente pior do que qualquer desses exemplos em que o agente não salva alguém que, por circunstâncias alheias à vontade de ambos, tem o futuro dependente de uma certa escolha do agente.
É por isso que eu acho que as tuas experiências conceptuais são mal feitas. O que está em causa na distinção ética entre aborto e contracepção é a diferença entre matar um ser humano, no primeiro caso, e não salvar um ser humano. Mas os exemplos que tu escolhes são sempre acerca de diferenças menores entre salvar ou não salvar desta ou daquela maneira. Mesmo que eu não te consiga convencer a concordares comigo que não salvar uma pessoa qualquer entre cem mil é menos condenável do que não salvar aquela em particular que está ali mesmo à frente, isso é irrelevante porque concordas que pior ainda é dar-lhe um tiro na mioleira, e é essa diferença que estamos a discutir.
«Se mudares o exemplo não te parecerá tão absurdo.»
ResponderEliminarLudwig, não é uma questão de "parecer" absurdo.
Se um exemplo não parece absurdo, é porque o exemplo não é realmente análogo, como aliás é o caso do exemplo que dás. Mas não precisamos de discutir se o exemplo é análogo ou não: o exemplo das vítimas e do potencial salvador é claro.
Uma lógica que diga que quanto maior a escolha de pessoas que poderão ser salvas, mais próximo está o acto de salvar uma delas da neutralidade é uma lógica absurda.
Que tu penses "não é nada absurdo, deixa-me encontrar um exemplo que eu considere análogo e que não pareça absurdo para que ele entenda" mostra como estás a fugir da questão sem confrontar a absurdidade disso.
Nota como eu não preciso de explicar qual a falha na analogia que fazes com África. Não quero discutir se o exemplo é análogo ou não, porque depois tu centras-te numa questão diferente.
Antes de ir para aí, eu quero que confrontes o absurdo que defendes: «o mérito de salvar um vida torna-se próximo da neutralidade se não existir forma a priori de conhecer a identidade da pessoa que será salva [e puder ser uma entre N, com N suficientemente grande]»; «a culpa de não salvar uma vida torna-se próxima da neutralidade se não existir forma a priori de saber quem será a vida salva [e puder ser uma entre N, com N suficientemente grande]»
Lê isto quantas vezes forem necessárias, antes de pensares num exemplo qualquer para defenderes que isto faz sentido. Se leres as frases acima com um espírito aberto verás como aquilo que disseste "parece" absurdo por uma excelente razão: É absurdo.
O perspectiva esquivava-se de definir informação de todas as maneiras e feitios. É muito raro tu esquivares-te a definir com rigor seja o que for. Como é evidente que não queres definir com rigor "força da relação causal", peço-te que vejas a discussão "de fora", e entendas o como estás a ser diferente na tua forma de discutir e abordar os problemas. Considera MESMO a hipótese de estares enganado.
E se fosse completamente errado dizer que o mérito/culpa do nadador ao salvar/não-salvar uma vida (assumindo que só podia salvar uma) diminui com o número de pessoas em perigo, até se tornar irrelevante?
Se o nadador tivesse tempo para salvar duas vidas, mas perdesse o tempo de salvar uma a identificar/escolher a outra, qualquer um diria que essa escolha tinha muito menos mérito do que salvar dois indivíduos que não tivesse identificado ou escolhido.
A tua lógica retorcida leva à conclusão oposta. Se isto parece absurdo é por uma excelente razão: é porque o é. Uma lógica que leva a tal conclusão é para deitar para o lixo.
(continua)
«Imagina que em África está a morrer uma, e uma só criança, de fome. Imagina que tu és a única pessoa que pode doar os €50 que a podem salvar. Não doares esses €50 será mais censurável do que se estiverem a morrer cem mil crianças em África e cada €50 servirem para salvar uma delas. E a razão é precisamente que, no primeiro caso se pode dizer que aquela criança em concreto morreu porque tu não doaste os €50, enquanto que se estão cem mil a morrer não podes ser acusado de nenhuma dessas mortes em concreto.»
ResponderEliminarDe sentimentos/instintos como a empatia e a reciprocidade nasce a moral, mas depois usamos a racionalidade para sistematizar a moralidade, e torná-la consistente. Quando isto é bem feito, chegamos a formulações éticas admiráveis. Há casos em que a intuição engana as pessoas, e o pensamento/raciocínio/demonstração éticos pode alertá-las para os seus erros; há outros em que a intuição permite identificar quando uma proposta ética tem falhas graves - face a este alerta, é importante fazer um "debugging" racional, ver onde está o erro de raciocínio.
A formulação ética que propões tem falhas grosseiras.
É engraçado porque ela é contra-intuitiva, mas poderia ser utilizada para justificar uma intuição errada (que as pessoas rapidamente reconhecem como errada, e podemos identificar de onde vem o erro).
Fizeram um estudo (infelizmente não tenho a referência), em que se dizia algo deste tipo "precisamos de X dinheiro para salvar 100 crianças. Cada moeda conta. Por favor, ajude". Haviam fotografias de várias crianças, e por aí fora.
Depois, as mesmas pessoas, em locais semelhantes, passaram a dizer:
"precisamos de X dinheiro para salvar a Anita. Cada moeda conta. Por favor, ajude". Haviam fotografias da Anita, e por aí fora.
O resultado absolutamente espantoso foi que a Anita teve mais donativos (espero que oportunamente devolvidos) que as 100 crianças. Isto é tudo de memória, espero não estar a falhar os detalhes.
Eu não sei como é que vais interpretar estes resultados, agora que estás a discutir este assunto. Mas aposto que interpretarias noutro contexto como toda a gente interpretou: eis como as pessoas não são racionais na forma como ajudam os outros.
Parte da vontade de ajudar não é "bondade pura": há uma expectativa inconsciente de reciprocidade que faz com que a diminuição da sensação de anonimato aumente a vontade de ajudar. É evidente que é melhor salvar 100 crianças do que apenas a "Anita", mas as pessoas sentiram-se mais impelidas a salvar a "Anita".
Isto é reconhecido por todos como um erro. Teria mais mérito dar para salvar 100 crianças que não se sabe quem são, do que dar para salvar a Anita.
Tu pretendes o oposto: podiam ser 1000 ou 10 000, e teria mais mérito salvar a Anita, do que salvar 10 000 anónimos.
Mas o curioso é que o exemplo que dás é diferente disto. É também diferente do exemplo do nadador.
No exemplo que dás, comparas uma situação em que o agente é o ÚNICO* que pode salvar uma pessoa DETERMINADA, com uma situação em que o agente é UM DE MUITOS que pode salvar uma pessoa INDETERMINADA.
Assim, em vez de controlares (e igualares) os restantes factores para aferir o efeito do factor em causa, baralhas os resultados dessa experiência conceptual, manipulando dois factores diferentes.
Nota bem: no exemplo do nadador comparamos uma situação em que ele é o ÚNICO* que pode salvar uma pessoa DETERMINADA, com uma situação em que ele é o ÚNICO* que pode salvar uma pessoa INDETERMINADA. Assim podemos ver que as tuas alegações sobre a importância da determinação a priori da pessoa salva são absurdas.
Tu comparas com um caso em que além desse factor mudas outro (outra pessoa qualquer pode salvar a criança) que não é análogo, e só baralha.
*UNICO em todos estes exemplos não quer dizer que a salve isoladamente, mas que se o agente não a escolher salvar ela morrerá inevitavelmente.
«O que está em causa na distinção ética entre aborto e contracepção é a diferença entre matar um ser humano, no primeiro caso, e não salvar um ser humano.»
ResponderEliminarUm dia, ainda poderei discutir o aborto contigo.
Mas tu dizes bem que não podemos começar pelas conclusões, e depois martelar premissas e raciocínios para elas funcionarem.
Tu baseias a tua conclusão a respeito do aborto numa formulação mais ampla. O meu problema é com essa formulação. A discordância a respeito do aborto NÃO é a razão de ser do meu problema com essa formulação. Se tu mantivesses a tua formulação e acrescentasses uma inconsistência mais dizendo que o aborto devia ser permitido até às 12 semanas, ou lá que é, eu continuaria a manter o essencial desta discussão contigo.
Para mim esta discussão não é sobre aborto. Parece-me muito mais aceitável, aliás, considerar que o aborto é imoral, do que considerar que o nadador não faz nada de mal em não salvar uma vida para não se dar ao trabalho, desde que estejam suficientes pessoas em risco e ele só possa salvar uma.
Perante este exemplo dizes que estou a desviar a conversa e queres voltar ao aborto, mas eu sinto precisamente o contrário. Aí, nesse exemplo do nadador é que a nossa divergência é mais gritante. Enquanto que me parece razoável (se bem que equivocado) defender o que defendes a respeito do aborto, parece-me completamente irrazoável defender o que defendes a respeito do nadador. Deveria ser óbvio para qualquer um o absurdo do que defendes a esse respeito.
É aí que a discussão se deve focar. Esta é (a meu ver) uma falha muito grave na estruturação que fazes, e não deverias fugir dessa discussão se realmente queres ter uma estrutura sólida da qual fazes deduções éticas.
Quando acabarmos de discutir essa estrutura, lá poderemos aplicá-la ao caso do aborto.
Antes, vamos aos fundamentos, como a "força da relação causal", ou o exemplo do nadador, dos quais parece que andas a fugir.
João Vasco,
ResponderEliminar«Nota como eu não preciso de explicar qual a falha na analogia que fazes com África.»
Este é o que me parece ser o problema principal no nosso diálogo: a premissa de que só eu é que tenho de explicar, propor critérios, justificar, etc, e tu só precisas de exigir explicações e inventar novos cenários.
Vou então explicar a diferença entre o teu cenário e o meu. Quando imaginamos uma pessoa a afogar-se à nossa frente, e basta esticar o braço para o salvar, estamos a imaginar o problema ético se salvar *aquela pessoa*. Isto, obviamente, não depende de quantos estão a afogar-se noutros sítios. Por isso esta diferença parece absurda no teu cenário. Para eliminar este factor, podemos considerar a diferença entre salvar aquele que se está a afogar ao pé de nós ou fazer um donativo aos serviços de salvamento tal que se espera salvar, em média, uma pessoa. Mas nesse caso tu podes dizer que é porque o donativo pode ou não salvar alguém, então temos de inventar um oráculo para se saber exactamente que vai ser salva uma pessoa, e assim por diante, até termos um cenário tão estranho que não podemos depender da nossa intuição, e estarmos a discutir diferenças tão pequenas que estão abaixo das margens de erro. E tudo isto para nada.
«o mérito de salvar um vida torna-se próximo da neutralidade se não existir forma a priori de conhecer a identidade da pessoa que será salva [e puder ser uma entre N, com N suficientemente grande]»
Não é essa a minha regra. Eu defendo que o mérito de salvar uma vida é tão menor quanto menor for a relação causal entre o acto voluntário do agente e o resultado de salvar a vida. Isto correlaciona-se com o conhecimento da identidade, porque normalmente os factores causais adicionais que diluem o papel do agente também introduzem incertezas, e correlaciona-se com a presença de outras vítimas porque muitas vezes essa também pode fazer surgir outros factores causais. Mas o fundamental é: quanto mais importante for o acto do agente como factor causal para o salvamento, maior é o mérito.
Duas notas importantes: primeiro, isto não tem nada que ver com a diferença entre o aborto, o infanticídio e a contracepção. Segundo, isto não assume qualquer modelo de causalidade. Podemos criticar e afinar modelos de causalidade sem por esta regra de avaliação ética em causa. Portanto, se tu discordas deves dizer-me que discordas de avaliar eticamente um acto em função da relação causal entre o acto e as consequências. Se concordas, então o resto são detalhes de outra natureza.
«A formulação ética que propões tem falhas grosseiras.»
Eu proponho avaliar eticamente um acto com base em três aspectos:
1- o impacto desse acto nos valores subjectivos de todos os seres, em concreto e individualmente, cujo futuro seja diferente por causa desse acto.
2- a importância desse acto como causa para essa diferença.
3- a consciência que o agente tem das consequências do seu acto.
Qual destes três é uma falha grosseira e qual a alternativa que propões?
«Tu pretendes o oposto: podiam ser 1000 ou 10 000, e teria mais mérito salvar a Anita, do que salvar 10 000 anónimos.»
Não. Eu penso que seria produtivo perderes menos tempo com a coisa do salvamento e um pouco mais a tentar perceber o que eu escrevo :)
Salvar 10 000 anónimos tem mais mérito do que salvar a Anita. Mas o acto deliberado que se pode dizer ser a causa do salvamento da Anita (depois da Anita ser salva) tem mais valor ético do que um acto do qual o máximo que se pode dizer é que, estatisticamente, se espera ter salvo em média uma de 10 000 pessoas, mas que se dilui entre tantos outros factores que nem se pode identificar qual das pessoas em particular foi salva por esse acto (o exemplo dos donativos).
«No exemplo que dás, comparas uma situação em que o agente é o ÚNICO* que pode salvar uma pessoa DETERMINADA, com uma situação em que o agente é UM DE MUITOS que pode salvar uma pessoa INDETERMINADA. »
ResponderEliminarTanto faz. Assume que és o único em ambos os casos. Vai dar ao mesmo. Num caso se deres €50 podemos dizer que os teus €50 salvaram aquela criança, porque podemos seguir a linha de causalidade e o teu donativo foi a causa do salvamento. No outro se deres €50 será salva mais uma criança, mas como o teu dinheiro é somado ao bolo todo, gerido por várias pessoas, usado em várias coisas, o teu acto fica diluído entre muitas outras causas que tu não controlas e não se pode dizer que seja a causa do salvamento de nenhuma das crianças em particular. Nesse caso, por haver uma relação causal mais fraca, tens menos mérito.
«Tu baseias a tua conclusão a respeito do aborto numa formulação mais ampla. O meu problema é com essa formulação. »
Não. Até agora nunca vi objecções tuas à formulação de uma forma ampla com exemplos claros. Só vi tentativas tuas de encontrar objecções escondidas nos detalhes de cenários confusos que focam diferenças pequenas.
Por exemplo, nunca vi um cenário proposto por qualquer um de nós contrastando um acto deliberado de matar uma pessoa saudável e a decisão de não salvar alguém em que nós chegássemos a conclusões contrárias. Em todos os casos que temos discutido o problema acaba por estar nos detalhes do cenário e em cenários ligeiramente diferentes a situação muda completamente. Por exemplo:
«considerar que o nadador não faz nada de mal em não salvar uma vida para não se dar ao trabalho, desde que estejam suficientes pessoas em risco e ele só possa salvar uma »
Isto é uma deturpação grosseira da minha posição e não podes derivar isto dos três princípios que eu enunciei. Até porque a forma de medir a relação causal é considerar se a causa daquela pessoa ser salva foi o acto do nadador. No caso de ser esticar o braço para ir buscar alguém, isso nem depende de estarem milhões de outros fora do alcance do braço...
Além disso, parece-me injusto considerares que a minha avaliação ética tem falhas grosseiras só pela eventualidade de não concordarmos 100% em todas as avaliações éticas em problemas como a diferença ética entre salvar uma criança ou uma de dez mil crianças.
Eu acho que o teu sistema de avaliação ética tem falhas grosseiras. Por favor explica-me detalhadamente como avalias a ética das decisões para eu apontar as tuas falhas grosseiras :)
«Antes, vamos aos fundamentos, como a "força da relação causal", ou o exemplo do nadador, dos quais parece que andas a fugir. »
Quero fugir dos teus exemplos porque são maus exemplos. Tu queres demonstrar que esticar o braço para salvar uma pessoa que se afoga sozinha é eticamente idêntico a esticar o braço para salvar uma pessoa que se afoga estando muitos outros a afogar-se à volta ao mesmo tempo que a relação causal entre aquela pessoa ser salva e o acto do nadador são completamente diferentes. Mas isto está errado. Se à pergunta “porque é que se salvou?” a resposta for “porque aquele nadador esticou o braço e me puxou”, então a relação causal é equivalente e eticamente são equivalentes.
Para que a relação causal seja diferente terás de encontrar um cenário diferente. Por exemplo, dar um donativo ao corpo de nadadores salvadores em vez de salvar uma pessoa. Mesmo que, em média, esse donativo resulte no salvamento de uma pessoa, eticamente serão actos diferentes precisamente pela diferença na relação causal.
Em vez de disparares exemplos pouco adequados, proponho que sigas o teu próprio conselho e comeces pelo fundamento. Diz-me o que é que falta nos meus critérios ou o que é que está a mais, e depois vamos aos exemplos. Mas só depois de perceberes bem o que eu estou a defender, senão perdemos imenso tempo com disparates como «teria mais mérito salvar a Anita, do que salvar 10 000 anónimos.»
João Vasco,
ResponderEliminarSe queres demonstrar que eu estou errado no meu critério de que a força da relação causal entre o acto e as consequências afecta o valor ético do acto então proponho que encontres um exemplo contrastando a situação X e Y de tal modo que:
A. Ambos concordemos que as consequências de X e Y são equivalentes e que a consciência que os agentes têm dessas consequências são equivalentes também.
B. Ambos concordemos que em X a relação causal é mais fraca do que em Y
C. Ambos concordemos que X tem mais valor ético (negativo ou positivo) do que Y
Nesse caso, será claro que eu tenho critérios inconsistentes com estes que enunciei.
Se focas o problema na nossa divergência acerca do que conta como relação causal, então nunca chegas a abordar o problema ético. Apenas poderias propor que temos noções diferentes de causalidade, pelo que aplicamos os mesmos princípios de forma diferente nas situações em que essa diferente noção de causalidade for relevante (e só nessas).
«Este é o que me parece ser o problema principal no nosso diálogo: a premissa de que só eu é que tenho de explicar, propor critérios, justificar, etc, e tu só precisas de exigir explicações e inventar novos cenários.»
ResponderEliminarComo repetes várias vezes isto nos comentários que escreveste e já tinhas dito algo deste tipo, creio que é importante:
a) esclarecer como isto não é problema algum
b) evitar apresentar qualquer tipo de alternativa, que só servirá para desviar a discussão para os problemas de uma potencial alternativa que apresentasse, como se isso diminuísse o que quer que fosse a pertinência das minhas críticas ou a evidência das tuas inconsistências.
Vejamos: nas discussões entre crentes e ateus é comum falar-se sobre a criação do Universo. Os ateus alegam que o mito cristão da criação não faz sentido, e os crentes respondem perguntando aos ateus «então como é que o Universo foi criado».
Face a isto existem duas possibilidades: o ateu está a par das últimas descobertas no campo da cosmologia e pode dar uma resposta satisfatória, ou não está a par e responde "não sei". Para 99.9% das pessoas, esta é a resposta mais honesta.
Mas é completamente irrelevante se o ateu tem resposta ou não. Na verdade, ele poderia dar uam resposta errada para a criação do Universo e isso não lhe tiraria qualquer razão quando critica a alternativa.
Quando alguém propõe uma ideia, um crítico que encontre inconsistências ou falhas NÃO tem de apresentar alternativas. Pode não conhecer nenhuma alternativa satisfatória, ou pode ter uma alternativa que é igualmente insatisfatória.
Portanto, quando tu criticas uma determinada perspectiva por ser inconsistente ou absurda, não é importante teres uma teoria alternativa.
Podes tê-la e querer apresentá-la. Ou não.
Ora acontece que o blogue é teu, e o texto é teu, e eu estou a criticar as ideias subjacentes a este texto, porque já as discuti contigo.
Não estou a convencer as pessoas a votarem em mim, que tenho uma formulação ética melhor, não é o meu objectivo.
Estou a alertar-te para o facto da tua formulação ética ser absurda.
É irrelevante se tenho uma melhor (eu até acredito que tenho, mas posso estar enganado).
Se calhar até pegavas na minha formulação ética e mostravas que dela se concluem absurdos como os que se concluem da tua. Nesse caso, oxalá que eu fosse menos obstinado e aprendesse alguma coisa com a tua crítica. Mas eu não escrevi um texto num blogue meu baseado nessa formulação, que tivesses tido vontade de criticar, e estou muito mais seguro que a tua formulação está errada (porque os absurdos a que chega são evidentes) do que que a minha esteja certa.
E por outro lado interessa-me FOCAR a discussão. Se num exemplo tão simples como o do nadador ainda encontras tanto por fugir à evidência do teu absurdo, imagina se estivesse além disso em discussão uma formulação alternativa.
Espero que no fim desta mensagem concordes que é perfeitamente válido e aceitável centrar a discussão na tua proposta, sem estar a baralhar e a criar mais confusão com qualquer tipo de proposta alternativa.
Eu estou a criticar as tuas ideias como inconsistentes e absurdas, e essa consistência e razoabilidade não depende do mérito (ou falta dele) de quaisquer propostas alternativas que aqui apresentasse.
(continua)
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Eliminar«Se focas o problema na nossa divergência acerca do que conta como relação causal, então nunca chegas a abordar o problema ético. Apenas poderias propor que temos noções diferentes de causalidade, pelo que aplicamos os mesmos princípios de forma diferente nas situações em que essa diferente noção de causalidade for relevante (e só nessas).»
ResponderEliminarA "força da relação causal" é um conceito mal definido mas absolutamente essencial na tua formulação ética.
Quando o usas, ou és inconsistente e chegas a resultados "normais", e quando és forçado a ser consistente chegas a resultados absurdos.
Não dá para fazer como pedes: imagina que estávamos de acordo quanto à "força da relação causal" nas diferentes situações, quando eu acho que o próprio conceito, da forma como o usas, é altamente bizarro.
No caso da Isabel ir para Freira, tu dizes-me que a sua responsabilidade na não-vida do Luís Miguel é pequena porque, tanto quanto ela sabe, tanto pode ser o Luís Miguel como o Joel Matias, como o Augusto Freitas. Não tens noção de quão contra-intuitivo e bizarro isto me parece.
Enquanto que eu acredito que o acto de Isabel teria o mesmo mérito moral caso ela soubesse exactamente qual o ADN do potencial futuro filho ou não soubesse, tu pareces acreditar que essa informação faria a diferença entre o "mérito negativo" de não salvar uma vida (!), ou a neutralidade. Uma diferença abismal.
É verdade que é diferente não salvar uma vida ou matar alguém. Concordamos nisso. Mas não se trata de "força da relação causal" (a justificação bizarra que dás), que seja lá como defines esse termo, se existir consistência no momento da avaliação, ela pode chegar a ser forte no caso de não salvar e fraca no caso de matar. Por isso é que foges de dar uma definição rigorosa desse termo como o diabo da cruz.
Há razões para ser diferente "não salvar uma vida" ou "matar", mas não descobrirás quais são enquanto continuares a esconder o que "não bate certo" na inconsistência com que usas esse conceito mal definido.
João Vasco,
ResponderEliminar«A "força da relação causal" é um conceito mal definido mas absolutamente essencial na tua formulação ética. »
Apenas porque insistes numa formalização, algo que está fora das minhas capacidades.
Se aceitares uma definição operacional mais pragmática temos o problema resolvido.
A relação causal entre o acto A e o efeito E é forte sempre que, à pergunta “porque é que aconteceu E?” a resposta consensual mais evidente for “por causa de A”. Exemplo: a vítima morreu por causa do tiro que o Manuel lhe deu na cabeça; o náufrago salvou-se porque a Ana o puxou da água.
A relação causal entre o acto A e o efeito E é fraca se A for um factor causal que não sobressai entre muitos outros que possam ter contríbuido para E. Exemplos: tu não dares €50 à UNESCO e uma certa criança aparecer morta em África; a Isabel ir para freira e um certo óvulo dela não ser fecundado por um certo espermatozóide do Joaquim.
Traduzir isto para um sistema formal completamente especificado de tal forma a que nenhuma situação concebível possa suscitar dúvidas é muito difícil.
Traduzir isto para um sistema formal completamente especificado de tal forma a que tu admitas que em nenhuma situação concebível possa suscitar dúvidas é, pelo que me parece, impossível :)
«No caso da Isabel ir para Freira, tu dizes-me que a sua responsabilidade na não-vida do Luís Miguel é pequena porque, tanto quanto ela sabe, tanto pode ser o Luís Miguel como o Joel Matias, como o Augusto Freitas. Não tens noção de quão contra-intuitivo e bizarro isto me parece.»
Não é por isso. Isso é apenas uma das muitas formas como tentei explicar isto enquanto tu andavas à volta à caça de detalhes onde implicar.
A razão pela qual a Isabel ir para freira tem uma relação fraca com um certo óvulo não ter sido fecundado por um certo espermatozóide é que, quando listamos os factores que fizeram com que isso fosse realidade – este não fecundar aquele – a decisão da Isabel aparece lá para o meio de uma lista enorme e não aparece como factor causal saliente à cabeça da lista.
Eu não garanto que estejamos sempre de acordo acerca do que encabeça a lista. Julgo ser perfeitamente possível, principalmente com cenários complexos e detalhes omissos, conceber uma situação em que um acha que a causa principal é A e outro acha que é B. Mas nisto temos de admitir que cada um de nós pode errar e temos de aceitar uma margem de erro considerável nestas estimativas.
O que proponho é que, no caso dos salvamentos, quanto mais para baixo na lista das causas mais importantes estiver o acto do salvador, menos relevância ética tem esse acto. E o mesmo para os outros casos.
«Quando imaginamos uma pessoa a afogar-se à nossa frente, e basta esticar o braço para o salvar, estamos a imaginar o problema ético se salvar *aquela pessoa*.»
ResponderEliminarNo exemplo que eu me referia NÃO bastava "esticar o braço".
O exemplo que torna claro o absurdo do que defendes não é particularmente contra-intuitivo.
O exemplo é o seguinte: está um número N de pessoas a afogar-se. O nadador terá tempo para salvar apenas uma. O nadador acabou de ver o perigo, e faz uma avaliação instantânea do mérito moral de cada uma das suas opções: pode salvar uma ao acaso (não sabe a priori quem será), ou não salvar nenhuma.
O exemplo não é assim tãoooo estranho. Às vezes eu colocava uns "extras" tais como "envolve esforço" ou "não envolve risco", e o objectivo era simplificar, mas se os consideras tão contra-intuitivos, não creio que eles sejam precisos. Assim o cenário fica bem menos bizarro que muitos cenários "clássicos" dos debates sobre ética.
O que é bizarro no teu cenário é que o mérito moral do salvamento dependa de N. Dependa de N ao ponto das duas decisões poderem ter um mérito moral semelhante, para N suficientemente grande.
Isto acontece porque para cada uma das N pessoas que morre a probabilidade de o salvador as ter salvo é ínfima. Mas se fosse só uma pessoa, essa probabilidade era alta. Por alguma razão misteriosa, tu não multiplicas a "diferença" que o nadador fez em cada cenário pelos N cenários (além da inacção). A culpa dilui-se nas N pessoas que poderiam ser salvas: eram tantas, que o nadador ficar quieto, mesmo custando 70 anos de vida a alguém, acabou por não custar a ninguém, por pura impossibilidade de determinação prévia de quem seria esse alguém.
Não percebes mesmo que há algo muito errado aqui?
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ResponderEliminar«O que proponho é que, no caso dos salvamentos, quanto mais para baixo na lista das causas mais importantes estiver o acto do salvador, menos relevância ética tem esse acto. E o mesmo para os outros casos.»
ResponderEliminarPois. Se for uma pessoa em apuros, o nadador não ter feito nada é uma causa muito mais importante da morte dela, do que a mesma inacção se tivessem sido 4 milhões a afogar-se e o nadador só com tempo para salvar uma.
De onde, por essa lógica, ele não ter feito nada, como teve 4 milhões de "quase nada vítimas" em vez de uma "bastante vítima" está muitíssimo mais perto da neutralidade. Mas eu eu diria que é mais ou menos a mesma coisa.
Acho que qualquer pessoa. Mesmo tu, noutras circunstâncias.
João Vasco,
ResponderEliminar«O exemplo é o seguinte: está um número N de pessoas a afogar-se. O nadador terá tempo para salvar apenas uma. O nadador acabou de ver o perigo, e faz uma avaliação instantânea do mérito moral de cada uma das suas opções: pode salvar uma ao acaso (não sabe a priori quem será), ou não salvar nenhuma.»
Se salvar não será ao acaso. Vai decidir para que lado mergulha, até onde nada, quem agarra e puxa, etc. Assim, quando salvar uma certa pessoa, à pergunta “porque se salvou esta pessoa?” a resposta será “por causa do nadador a ter puxado para fora da água” e temos uma relação causal forte.
«O que é bizarro no teu cenário é que o mérito moral do salvamento dependa de N. »
Neste caso não depende significativamente de N. Pode ser que, em rigor, se conseguíssemos avaliar tudo sem erro, houvesse alguma diferença pequena em detalhes como a consciência do acto ou a natureza das pequenas decisões que o nadador vai fazendo até chegar a quem salva. Mas ir por aí é fútil porque estamos a operar muito abaixo das margens de erro. Assim, o que posso dizer é que neste caso não consigo detectar diferença em função de N.
«Pois. Se for uma pessoa em apuros e o salvador só tinha tempo para salvar uma, então ele não ter feito nada é uma causa muito mais importante do que se eram 4 milhões e ele só tinha tempo para salvar uma. »
Não. Em ambos os casos, à pergunta “porque se salvou esta pessoa?” a resposta será “por causa da acção do nadador”. Podemos ter dificuldades em concordar com uma formalização adequada desta intuição, mas duvido de que discordemos dela.
Resumindo e reiterando, se no teu cenário, em ambas as alternativas a resposta a “porque se salvou X?” é “Porque o nadador o tirou da água”, então considero em ambos os casos que a relação causal é forte e, ignorando alguns detalhes de menor importância, os salvamentos são eticamente equivalentes.
É claro que isto assume que podemos ignorar os outros detalhes de menor importância. Pode não ser o caso. Imagina que o acidente acontece às escuras e o nadador ouve toda a gente a afogar-se à sua volta, mas vai esperando, nadando silenciosamente, até que uma voz lhe chama a atenção por alguma razão e salva esse. Nesse caso, a causa do salvamento será a decisão de salvar esse e deixar morrer alguns outros pelos quais passou, o que pode reduzir o mérito bastante.
Mas, voltando ao cenário inicial, se imaginarmos o nadador a olhar para as pessoas e a pensar quem vai salvar, podemos também ter este factor novamente a ser relevante. Tu dizes que é “ao acaso”, mas é difícil imaginar que seja exactamente ao acaso. Até porque se for puramente por acaso nem sequer teria mérito ético (e.g. O nadador nem tinha reparado que estava alguém a afogar-se, espreguiçou-se e salvou). O que quero dizer com isto é que há muitos detalhes omissos no cenário que poderiam ser importantes, que eu tenho de assumir que são assim ou assado, mas se tu estiveres a assumir algo diferente vens logo com afirmações como as de que considero mais meritório salvar aquele do que os outros 10,000...
«De onde, por essa lógica, ele não ter feito nada, como teve 4 milhões de "quase nada vítimas" em vez de uma "bastante vítima" está muitíssimo mais perto da neutralidade. Mas eu eu diria que é mais ou menos a mesma coisa. Acho que qualquer pessoa. Mesmo tu, noutras circunstâncias.»
Nestas circunstâncias sim. Se a diferença for entre ele não fazer nada ou agir de forma a que seja claro que o acto dele foi *a causa* do salvamento de uma pessoa em particular, eu concordo que isso está muito longe da neutralidade. Onde me parece mais perto da neutralidade é se ele agir de forma a que se estima que alguém provavelmente será salvo, mas sem se poder saber quem nem depois do salvamento por haverem muitos outros factores causais. Aí direi porreiro, mas não chega para ganhar um charuto.
«Não. Em ambos os casos, à pergunta “porque se salvou esta pessoa?” a resposta será “por causa da acção do nadador”. Podemos ter dificuldades em concordar com uma formalização adequada desta intuição, mas duvido de que discordemos dela.»
ResponderEliminarMas calma! Não estamos a discutir o mérito de salvar alguém assumindo que foi salvo. Estamos a discutir o "mérito negativo" de não a salvar, não faças confusões.
É nesse caso que o número N faz diferença: se estiver só ali o Luís Miguel o nadador é culpado e a sua inacção está longe da neutralidade moral. Se estiverem N pessoas e o nadador só pode salvar uma, entra a tua lógica de "para cada uma delas ninguém vai culpar a sua morte na inacção do nadador (visto que seria altamente improvável que o salvasse, mesmo que fizesse o seu melhor) e exactamente a mesma inacção torna-se próxima da neutralidade moral.
Não alteres os dados do problema.
João Vasco,
ResponderEliminar«Mas calma! Não estamos a discutir o mérito de salvar alguém assumindo que foi salvo. Estamos a discutir o "mérito negativo" de não a salvar, não faças confusões. »
Não estou a fazer confusão. O mérito ou demérito de uma acção tem de ser sempre determinado em comparação com as alternativas. É claramente diferente o caso de quem não salvou e podia ter salvado do caso de quem não salvou mas não tinha maneira de salvar. Não salvar não pode ser avaliado isoladamente.
«se estiver só ali o Luís Miguel o nadador é culpado e a sua inacção está longe da neutralidade moral. »
Aqui estás a confundir duas coisas. O nadador é culpado na medida em que as suas escolhas tiverem contribuído para o colocar nesta situação. Se tiver optado por ser nadador salvador, por exemplo, pode ser culpado por negligência se não salvar ninguém quando podia ter salvo alguém. Mas sem essa responsabilidade, dizer que é culpado por não salvar parece-me um exagero. É claramente meritório que salve, mas a culpa, no sentido de uma falta deliberada a um dever, acho que será forte demais (depende de como defines os termos... mais uma vez, atolamos nos detalhes porque não escolhes exemplos claros...)
«Se estiverem N pessoas e o nadador só pode salvar uma, entra a tua lógica de "para cada uma delas ninguém vai culpar a sua morte na inacção do nadador»
Sim. Imagina que estás junto a um lago e uma criança cai lá dentro e afoga-se. Pouco depois chega o pai e, transtornado, diz que foi por causa da tua inacção que o filho morreu. Até tem alguma razão; se bem que as causas principais sejam outras e não mereças cadeia por homicídio, a tua inacção até está perto do topo.
Agora imagina que se tinha despistado um autocarro cheio de miúdos e, por alguma razão que agora não consigo inventar, nunca seria possível salvar mais do que um. Agora já dificilmente alguém pode dizer que foi por causa de ti que o filho morreu.
Nota, no entanto, que em ambos os casos a avaliação ética é dominada não pela morte no caso de não agires, visto que isso tem uma ligação causal muito fraca contigo, mas sim pela alternativa: pelo salvamento daquela criança que tirarias da água se agisses. É essa diferença, acima de tudo, que determina o valor ético da tua decisão. É por isso que não dares dinheiro para salvar crianças em África tem um valor ético tão mais baixo: porque a alternativa, dar o dinheiro, é apenas um pouco melhor do que não dar por a relação causal entre acto e consequências ser tão fraca.
«e exactamente a mesma inacção torna-se próxima da neutralidade moral. »
Sim. O teu exemplo confunde bastantes coisas, pelo que dificulta esclarecer isto. Mas conforme a relação causal entre o acto e a diferença nas consequências se torna mais ténue, mais próximo ficamos da neutralidade moral. Focar apenas o número de vítimas no teu exemplo do afogamento é confuso porque só afecta a relação causal entre a inacção e a morte, que já de si é fraca logo à partida e tem pouco peso na avaliação. O nadador não é culpado por as pessoas se estarem a afogar. Do outro lado, a relação causal entre decidir salvar e a pessoa ser salva é muito mais forte, e por isso esse é o lado que tem mais peso na equação.
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ResponderEliminar«Sim. Imagina que estás junto a um lago e uma criança cai lá dentro e afoga-se. Pouco depois chega o pai e, transtornado, diz que foi por causa da tua inacção que o filho morreu. Até tem alguma razão; se bem que as causas principais sejam outras e não mereças cadeia por homicídio, a tua inacção até está perto do topo.»
ResponderEliminarExacto, mas se fossem N miúdos e só pudesse salvar um (e não o fizesse), já não tinha feito nada de mal...
Como é que não vês o absurdo disto???
João Vasco,
ResponderEliminar«Exacto, mas se fossem N miúdos, já não tinhas feito nada de mal...
Como é que não vês o absurdo disto??? »
Vou fazer um boneco.
Se salvares um miúdo, o valor ético positivo desse acto, dada a força de relação causal entre o acto e o salvamento desse miúdo em particular, é este:
|----------------------------------------------------->
Se estiver um miúdo a afogar-se, o valor ético negativo desse acto, dada a fraca relação causal (o miúdo morre, principalmente, que nada têm que ver contigo, e o não salvares é um factor lá para o meio, depois de muitos outros) é este:
<-|
Conforme o número de miúdos aumenta, a relação causal da tua decisão com a morte de cada um deles torna-se mais fraca, reduzindo este termo. Isto assumindo a situação muito irrealista de estarem todos equidistantes de ti e de só poderes salvar um independentemente do número de miúdos que se estejam a afogar, tão irrealista de facto que deixa de ser aplicável a nossa intuição porque nem conseguimos imaginar essa situação, e é por isso que eu prefiro não usar este exemplo para isto. Com N infinito fica
|
em vez de
<-|
O que fazes de mal é a diferença entre as alternativas. Ou seja, com N=1:
<-|----------------------------------------------------->
Com N infinito
|----------------------------------------------------->
Isto não é “nada de mal”. É praticamente o mesmo mal. E mesmo esta diferença fica obscura no teu exemplo porque não conseguimos realmente imaginar um caso em que se pode aumentar arbitrariamente N mas não haverá alguns náufragos que estejam mais à mão do nadador e que, seja qual for N, o nadador só pode salvar um. Estas condições não encaixam nada bem no exemplo e, por isso, a nossa intuição funciona mal. Ou seja, como já te disse várias vezes, é um mau exemplo porque está tudo dependente de detalhes contra-intuitivos.
Não percebi nada dessas contas.
ResponderEliminarNão sei como chegas à conclusão que é "praticamente o mesmo mal", não sei como saltas de I para -I, não percebo o fundamento dos teus raciocínios aqui.
E a desculpa "ah e tal, a nossa intuição falha se N for muito grande" é mesmo desculpa de mau pagador. A esmagadora maioria dos exemplos clássicos da ética tem condições tão ou mais bizarras e irrealistas que estas, e basta N ser 3 para que os resultados da tua lógica já serem altamente contra-intuitivos, N ser perto de infinito é apenas uma extensão desse absurdo até ao limite.
Mas essa desculpa manhosa foi a única coisa que entendi na tua resposta. Por favor sê mais claro a explicar as tuas contas, ou a tua notação, etc...
Não vejo como obstar ao que escrevi no comentário anterior a este, e não destrincei na tua resposta qualquer objecção.
João Vasco,
ResponderEliminar«Não sei como chegas à conclusão que é "praticamente o mesmo mal"»
Não tenho muitas maneiras e de explicar isto...
O mal de agir de forma X está na diferença do valor ético entre X e a alternativa Y. Salvar uma pessoa é eticamente muito bom porque tem um grande valor subjectivo, uma relação causal forte e é um acto consciente (vou assumir que todos são, para não ter de mencionar sempre esta última parte). Não salvar uma pessoa é mau porque se poderia ter salvo uma pessoa, o que é eticamente muito bom. Se a pessoa está a morrer por causas alheias ao potencial salvador, a relação causal entre a morte e a decisão de não salvar será sempre fraca. Portanto, a diferença entre X e Y, neste caso, é dominada pelo valor ético positivo de Y e não pelo valor ético negativo de X, que é baixo.
Isto é fácil de ver quando mudamos apenas o Y. Por exemplo, se não dás 50€ há de haver uma criança a mais a morrer em África. Se não saltas para salvar, há de haver uma criança a mais a morrer no lago. Mas se dás os 50€, o valor ético disto é baixo porque não há relação causal forte com uma criança em particular que tenhas salvo. Enquanto que se mergulhas e tiras uma criança do lago há uma relação causal forte e esse acto é eticamente mais valioso.
Por isso, não salvar uma criança que esteja a afogar-se no lago (mesmo havendo muitas crianças) é eticamente mais condenável do que não salvar uma criança africana doando 50€. Não pelo valor negativo, pequeno, daquela componente de não salvar mas pelo valor positivo, grande num caso e pequeno no outro, da componente em que salvas.
«A esmagadora maioria dos exemplos clássicos da ética tem condições tão ou mais bizarras e irrealistas que estas »
O problema não é as condições serem bizarras ou irrealistas. O problema é serem contra-intuitivas. Por exemplo, imaginar que encontramos um lagarto que fala, pensa, discute filosofia e é em tudo equivalente a um humano pode ser irrealista mas é fácil de conceber intuitivamente, e fácil de perceber porque é que esse lagarto mereceria o mesmo respeito que um humano. Imaginar que infinitas pessoas se estão a afogar, o nadador só pode salvar uma delas e não há nenhuma que esteja mais perto do nadador não é só irrealista. É inimaginável. Por isso não serve para testar uma hipótese contra a nossa intuição do que é certo ou errado porque não conseguimos intuir acerca de algo que nem conseguimos imaginar adequadamente.
ResponderEliminar«Por favor sê mais claro a explicar as tuas contas, ou a tua notação, etc... »
Vou tentar mais uma vez. O valor ético de não salvar não pode ser avaliado isoladamente. Tem de ser avaliado em comparação com o valor ético da alternativa. Se não houver alternativa, por exemplo, o valor ético de não salvar é nulo.
O valor ético da alternativa, no caso do afogamento, é elevado porque há uma relação causal clara entre aquela pessoa salvar-se e o nadador ter decidido salvá-la. É esse o termo dominante na avaliação da decisão de salvar ou não salvar. O outro termo, o de deixar morrer, é ligeiramente negativo mas muito mais fraco porque a relação causal entre a decisão e a morte, nesse caso, é fraca.
Conforme N varia, este termo, muito menor, vai diminuindo em valor absoluto. Mas o outro termo, o dominante, é constante. Por isso, por muito que N varie, a diferença entre salvar e não salvar continua grande pelo valor ético de salvar.
Se o valor ético de salvar for pequeno, como no caso dos donativos pela diluição do donativo do agente no meio de muitos outros factores causais contribuindo para o salvamento, nesse caso o termo devido a não salvar já se torna mais importante, relativamente ao total, e é mais fácil de perceber como a ética da decisão varia em função do N. Essa é uma das razões pela qual no caso dos donativos esta variação parece menos absurda do que no caso do afogamento.
A outra razão é que com os donativos podemos imaginar N a aumentar mantendo todos os indivíduos equidistantes, no sentido causal, da acção do agente (estão todos a morrer à fome em África), mas no caso do afogamento isso não é sequer imaginável. Estão todos num círculo de raio infinito centrado no nadador? Então como é que ele consegue salvar alguém?
«Por isso, não salvar uma criança que esteja a afogar-se no lago (mesmo havendo muitas crianças) é eticamente mais condenável do que não salvar uma criança africana doando 50€.»
ResponderEliminarMas que confusão que fazes.
Estávamos a comparar a situação A de não salvar uma criança no lago sendo a única que lá está, com a situação B de não salvar uma criança no lago sendo uma entre N (e só se podendo salvar uma).
Tu respondes comparando a situação B, com outra C da criança africana.
Vamos lá entender o teu ponto de vista, que parece que estás a dizer uma coisa diferente do que dizias antes.
Acreditas que o valor ético de não salvar a criança na situação A é igual ou diferente da situação B. Se diferente, muito ou pouco diferente?
«Imaginar que infinitas pessoas se estão a afogar, o nadador só pode salvar uma delas e não há nenhuma que esteja mais perto do nadador não é só irrealista. É inimaginável.»
Em primeiro lugar, não são infinitas, são N.
Pensar quando N se aproxima do infinito x/N tende para zero é algo tão trivial, que posso garantir que se não estivesses a sentir-te "entalado" nunca darias uma desculpa tão fraquinha.
E a ideia de que o nadador não tem controlo sobre qual pessoa é que ele salva entre várias desafia a tua imaginação? É mesmo "inimaginável" para ti? Tenho suficiente respeito por ti para não acreditar. Estás a "cegar-te".
«Vou tentar mais uma vez. O valor ético de não salvar não pode ser avaliado isoladamente. Tem de ser avaliado em comparação com o valor ético da alternativa. Se não houver alternativa, por exemplo, o valor ético de não salvar é nulo.»
De acordo.
«Conforme N varia, este termo, muito menor, vai diminuindo em valor absoluto. Mas o outro termo, o dominante, é constante. Por isso, por muito que N varie, a diferença entre salvar e não salvar continua grande pelo valor ético de salvar.»
Curioso.
Então não salvar continua a ser muito grave, mesmo que sejam N pessoas e nenhuma delas possa dizer que és o culpado pelo não salvamento. Isto porque a pessoa que seria salva caso a salvasses, não importa qual seja, e não importa que não saibas a priori quem é, estaria viva e assim não está.
É isto?
É muito grave a pessoa não salvar a criança, não importa quão elevado o N?
-"...João Vasco a conseguir o take-down. Ground-and-pound no Ludwig e movimenta-se para a submissão..."
ResponderEliminar-"Sim, parece complicado para o Ludwig, mas já o vimos sair de situações piores."
-"Entretanto João Vasco a tentar o Kimura. Ludwig tem de reagir ou o tap-out será invevitável!"
MMA intelectual é quase tão emocionante como o fisico! :D
Entre empurrar as mães para o aborto ilegal ou providenciar um processo civilizado, penso que não existe grande dúvida.
ResponderEliminarPode ser eticamente reprovável , até admito é, pode ser desaconselhado , é , mas sabemos que o que não vai mudar é a natureza humana,.
durante milénios o aborto foi feito, ora mais aceite ora mesmo proibido foi sempre feito.
a questão nunca foi se é +etico ou menos ético abortar, a questão é se deve ser criminalizado não permitindo às mulheres que abortam e sempre abortarão terem cuidados médicos.
os toxicodependentes tb têm acesso a cuidados médicos mesmo quando o consumo de droga era crime. não deixou de ser uma estupidez consumir heroína, a limitação de riscos compensa entregar seringas.
aqui a limitação de riscos para as mulheres compensa não serem feitos os abortos com agulhas e ramos de plantas
pouco ético é sempre, pode ser pouco ético com e sem condições
não entendo o tema fora deste contexto
João Vasco,
ResponderEliminarO teu cenário do afogados é mau porque, intuitivamente, se posso salvar alguém e só posso salvar uma pessoa, irei salvar aquele que está perto de mim. Intuitivamente, os outros não interessam porque não os posso salvar, só o que está ali ao pé de mim. Para que a relação causal varie com o N, tu impões como condição adicional que todos estão em situação equivalente, mas isso é contra intuitivo. Se partes de condições contra-intuitivas, obteres um resultado contra-intuitivo não é evidência de algo errado com o meu critério.
Se isto é um diálogo racional, tens de procurar pontos consensuais onde possas assentar inferências que permitam avançar no diálogo. A tua insistência teimosa em aplicar um exemplo de forma que eu considero incorrecta impede-nos de avançar porque não há consenso de onde progredir.
Pela mesma razão, eu tenho de encontrar pontos de consenso contigo para poder argumentar de forma eficaz. Infelizmente, tu não me dizes nada acerca do que pensas à parte de insistir neste cenário. Precisava de saber se discordas dos meus princípios (diferença de valor subjectivo e relação causal entre acto e consequências), se achas que algum está a mais ou se falta outra coisa, ou se a discussão não é sobre os princípios éticos mas apenas sobre a determinação do a ligação causal entre acto e consequências.
Mas, adiante.
«Acreditas que o valor ético de não salvar a criança na situação A é igual ou diferente da situação B. Se diferente, muito ou pouco diferente?»
Se um grupo de crianças cai ao lago e eu só posso salvar uma, que intuitivamente será a que está mais perto de mim (não faz sentido que só possa salvar a que está mais longe passando ao lado de todas as outras), então não faz diferença haver mais porque essas não posso salvar. Por isso, intuitivamente, os cenários A e B são eticamente equivalentes.
Se impões uma condição adicional, contra intuitiva, de que eu posso salvar só uma mas pode ser qualquer uma, então, se essa condição for tal que, conforme N aumente, a relação causal entre a minha decisão de não salvar e o afogamento de qualquer criança em particular vá enfraquecendo, então o cenário em que há uma criança é ligeiramente mais relevante, eticamente, do que o cenário em que há várias. Isto é contra-intuitivo porque as condições impostas são contra-intuitivas (como se demonstra se mudarmos o cenário para outro em que essas condições sejam intuitivas), e a diferença é pequena porque o termo dominante é a relação causal mais forte entre a minha decisão de salvar e a criança que for salva.
João Vasco,
ResponderEliminar«Então não salvar continua a ser muito grave, mesmo que sejam N pessoas e nenhuma delas possa dizer que és o culpado pelo não salvamento. Isto porque a pessoa que seria salva caso a salvasses, não importa qual seja, e não importa que não saibas a priori quem é, estaria viva e assim não está.»
Não é bem assim. Se fosse no início do diálogo diria que sim, mas nesta fase já vi que tenho de ter muito cuidado com os termos porque o teu objectivo não é discutir duas ideias diferentes é, aparentemente, apenas o de me apanhar nos detalhes. Assim sendo, não me pronuncio acerca do “muito” porque é demasiado vago e um termo que depende do contexto. Três quilos é muito peso para uma formiga mas não para um presunto.
Também não é porque a pessoa que salvasses estaria viva. É pela importância do teu acto como causa para a pessoa estar viva.
Dada a necessidade de ter muito cuidado com estes detalhes, o melhor que posso fazer é dar-te uma escala e dizer onde vários casos se inserem, e porquê.
A- Eticamente irrelevante será um acontecimento cujas consequências de valor objectivo não são causadas pela vontade de ninguém. Por exemplo, a pessoa cãibra e afogou-se.
B- Um pouco mais relevante será a decisão de doares ou não 1000€ para o instituto de socorros a náufragos sabendo que, em média, cada 1000€ salvam uma pessoa e havendo mais pessoas a doar dinheiro e muitas praias onde montar postos de vigilância. Neste caso há uma ligação causal muito fraca entre a morte de uma pessoa e não dares dinheiro, ou o salvamento de uma pessoa e dares dinheiro, mas há tantos factores causais adicionais de maior importância que a diferença ética é pequena.
B2-A relevância ética desta decisão aumenta quer com a redução do número de vítimas, do número de dadores adicionais e do número de praias onde colocar postos de vigia porque tudo isto aumenta a relação causal entre a tua decisão e as suas consequências.
C- Se fores a única pessoa com dinheiro para pagar ao nadador salvador e se houver só aquela praia e só uma pessoa se afogar, a diferença ética entre dares e não dares já é maior. Mas não tão grande como
D- Se fores tu quem salva a pessoa a afogar-se. Isto porque pagar ao nadador salvador coloca vários factores entre a tua decisão e o efeito, enfraquecendo a relação causal. Se tu salvares a pessoa, há uma relação causal mais forte entre ela ser salva e a tua decisão de salvar. Se não a salvares, a relação causal é fraca, assumindo que não tens responsabilidade pela situação. O que nos leva a
E- Quem se está a afogar é o teu filho pequeno, que tu levaste a passear ao pé do lago. Aqui a relação causal com o salvamento de o salvares é igual a D, mas a relação causal com o afogamento se não o salvares é mais forte do que em D porque a situação resultou de escolhas tuas. No fundo, estamos a comparar a decisão de o levar e o salvar quando cair à água com a decisão de o levar e o deixar morrer quando cair à água. Mas pior de tudo seria
F- Dares um tiro na cabeça do outro. Aqui a força da relação causal é ainda maior do que quando salvas porque o salvamento é uma causa entre muitas outras para ele continuar a viver (muitas delas biológicas). Quando o matas estás a ser tu a causa de toda as alterações que o levam a morrer.
Já agora, a contracepção fica algures entre A e B, porque quer no caso de alguém não nascer quer no caso de nascer, a decisão dos pais é uma causa muito fraca. Quem nasce ou não nasce, em concreto, é determinado também por muitos outros factores biológicos fora do alcance da decisão consciente dos pais. Assim, a relação é ainda mais fraca (por haver muito mais combinações e possibilidades) do que entre quem dá dinheiro para o ISN e os salvamentos. O aborto fica ao nível do F, se o embrião resultar de uma relação sexual consensual.
Nuvens,
ResponderEliminar«a questão nunca foi se é +etico ou menos ético abortar,»
A questão, aprovada por uma minoria à segunda tentativa, realmente não foi sobre isso. Foi apenas sobre a despenalização. Mas, com base nesse pretexto, adoptou-se como princípio que a mulher tem o direito de abortar até às dez semanas só porque quer, a custas do Estado, e com uma intervenção prioritária. Na prática, assume-se que o direito de abortar é mais importante do que o direito de prevenir cancro na pele ou de ver, a julgar pelo tempo de espera para operações às cataratas ou para tirar sinais perigosos.
«os toxicodependentes tb têm acesso a cuidados médicos mesmo quando o consumo de droga era crime. não deixou de ser uma estupidez consumir heroína, a limitação de riscos compensa entregar seringas.»
Concordo. Entregar seringas beneficia toda a gente, por reduzir a propagação de doenças nesses grupos de risco, e é um bom investimento. Pelo que descobri numa googladela rápida, o custo anual do programa de troca de seringas é o mesmo que tratar 250 pessoas com hepatite C. Parece-me óbvio que o SNS poupa dinheiro com isto. Com o aborto é o contrário. E a forma como é usado, com um quarto das mulheres que abortaram em 2012 já terem abortado entre 2008 e 2012 pelo menos uma vez, e 300 até abortando mais do que uma vez no ano de 2012, é evidente que o princípio do aborta porque quer não é boa ideia.
«aqui a limitação de riscos para as mulheres compensa não serem feitos os abortos com agulhas e ramos de plantas »
A julgar pelas estatísticas, a descida de 1250 para 1100 complicações anuais devido a abortos, indica que esse drama das mulheres morrerem por espetar agulhas e assim era muito exagerado. Se o objectivo for salvar a vida a mulheres, seria várias ordens de grandeza preferível gastar esse dinheiro em lombas à volta das passadeiras do que em abortos subsidiados.
Além disso, o aborto não é o problema em si. É um sintoma de problemas maiores, sociais, culturais e económicos, que acabam por não ser resolvidos porque se assume que o aborto é um direito e a mulher que se amanhe.
Finalmente, nota que se o aborto for eticamente equivalente ao infanticídio, esta decisão é uma calamidade. E não vejo razão nenhuma eticamente relevante para achar que matar alguém às 9 semanas é mais aceitável do que esperar uns meses e matar o mesmo ser mais tarde. Temo que a história nos irá julgar como hoje julgamos os gregos que deixavam os filhos indesejados expostos aos elementos para morrerem.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarLudwig,
ResponderEliminarInsistes em desviar a conversa- Explicas novamente a tua perspectiva que denuncio como cheia de inconsistências, mas não respondes ao que te pergunto.
Dizes «Por isso, por muito que N varie, a diferença entre salvar e não salvar continua grande pelo valor ético de salvar.», mas agora já não podes falar em "tamanhos" que são subjectivos e eu sou um mauzão que anda à caça de erros. Só podes é não explicar o que é "força da relação causal" e contar com o meu bom senso para a compreender. Ou seja: eu tenho de ter "bom senso" para entender um termo que já várias vezes critiquei como mal definido e usado por ti de forma inconsistente, mas termos relativos a quantidades e tamanhos como "muito" ou "grande" são subjectivos e já não os podes usar.
Depois outra vez a Treta (com maiúscula) de dizeres que é muito contra-intuitivo o nadador não saber quem vai salvar. Epá, que desafio para imaginação! Que forma de desafiar ao limite a nossa capacidade de imaginar. Atrito nulo, 26 dimensões, experiências científicas onde se reza para ter melhores colheitas de forma a criar "tecnologia religiosa", experiências conceptuais em que o comboio vai atropelar 5 pessoas numa linha e uma pessoa se for desviado para outra, raciocínios como "os mafaguinhos são califráticos", tudo isto a tua imaginação pode alcançar e pode ser usado em debates. A cabeça do António Parente explode cada vez que usas o Pai Natal no lugar de Deus, agora - na tua incapacidade de imaginares um nadador que não sabe qual de N pessoas vai salvar - podes compreender essa falta de capacidade de abstracção. A tua imaginação chega a todo o lado, menos à demonstração cabal da tua inconsistência.
Sim, Ludiwg, está descansado. O exemplo do nadador não mostra nada de errado na tua perspectiva. Ele simplesmente APARENTA mostrar, mas isso é porque a nossa intuição, coitada, confunde-se com essa bizarria: um nadador que vai salvar uma de N pessoas e não tem controlo sobre qual delas será. Caramba, nunca vi nada de tão contra-intuitivo e longe da realidade do dia-a-dia nos teus textos...
Eu sugiro algo simples. Esquece a ética, a causualidade, o aborto.
Lê este diálogo com algum distanciamento, e vê que um dos participantes usa como "desculpa" para os resultados absurdos a que o seu raciocínio o leva, o facto de um exemplo desses resultados assumirem algo tão "inimaginável" como um nadador que não tem controlo sobre qual de N pessoas irá salvar.
Vê como esse indivíduo está claramente a arranjar desculpas.
Mas se não reconheceres que o exemplo não tem nada de inimaginável, se continuares convencido que tens razão como o Perspectiva que não define informação, e quando lhe começo a perguntar sobre as diferenças de informação entre um mamute e um elefante ele toca a fugir do tema com medo de ser entalado, então deixa-me colocar-te um cenário onde a aquilo que te confunde - o nadador não saber a priori que vítima irá salvar - não se coloca.
(continua)
Falou-se na ideia de existirem várias (N) crianças no lago, e o agente moral tem tempo para salvar uma. Assumindo que o risco de vida é nulo, a recusa do agente em não salvar uma criança é condenável (longe da neutralidade) independentemente de N.
ResponderEliminarIsto porque a decisão de não salvar é confrontada com a alternativa "salvar". Como nessa alternativa ele seria muito responsável pelo salvamento dessa criança em particular, a decisão de não salvar fica longe da neutralidade.
Mas se ele não tivesse escolha em quem salvaria, fosse uma questão de sorte, o caso seria diferente. Parte da razão pela qual a criança seria salva seria porque ela teria tido a "sorte" de ser aquela que calhou ele salvar. Assim, nesta circunstância, a decisão de não salvar já estaria significativamente mais próxima da neutralidade, tanto mais próxima quanto maior o N.
Nenhum pai choroso poderia apontar para o agente moral.
Parece bizarro que exactamente a mesma escolha por parte do agente moral - não salvar - tenha um mérito ético tão diferente consoante o este agente saiba a priori quem vai salvar, ou não saiba. Dir-se-ia que o mérito ético de não salvar é o mesmo. Mas tu explicas que isso é a nossa intuição a enganar-nos: como é tão inimaginável a situação em que ninguém pode saber a priori quem é que o agente moral salvaria caso agisse, não podemos levar a sério a nossa noção de que a tua perspectiva é absurda.
Outros diriam que, mais do que imaginável, é comum. Não na forma de crianças a afogar-se num lago, mas na forma de tantos outros salvamentos.
O teu ponto de vista é que é significativamente mais grave não salvar o José, do que não salvar uma criança que tanto podia ser o José como o Manuel como a Patrícia - mas se isto parece bizarro é porque esta segunda situação não é realista num contexto de salvamento(!!). Apenas no contexto radicalmente diferente das doações à UNICEF é que o agente não tem controlo sobre quem salva...
Mas seja.
Pelo menos nisto estamos de acordo: se o agente moral pudesse saber a priori quem é que ele NÃO iria salvar, o seu acto de não salvamento estaria longe da neutralidade moral.
Certo?
Houve uma inundação e uma cave de um grande centro comercial com um número incerto pessoas no seu interior está a encher-se de água rapidamente. Um bombeiro não tem forma de descer, mas sabe pode chamar o elevador antes que este se avarie completamente. Tem 5 minutos para o fazer, e não o pode fazer mais de uma vez. O controlo no interior do habitáculo está avariado, porque o painel de controlos assim o indica. O elevador pode ter pessoas lá dentro, ou estar vazio. Se tiver pessoas no seu interior, o bombeiro salvá-las-á.
EliminarO bombeiro não tem forma de saber quem são nem o número de pessoas que morrerão senão depois da drenagem, muitas horas depois. Depois de carregar no botão, terá de ir-se embora para prestar auxílio noutras paragens, e jamais saberá se o elevador chegou com alguém ou se chegou vazio.
O bombeiro pensa: "O elevador pode muito bem estar vazio. Se não carregar no botão, ninguém me poderá recriminar. Mesmo que salve alguém, ninguém me poderia agradecer e jamais saberá quem foi o seu salvador. Vou-me embora..."
A atitude do bombeiro é censurável?
Claramente ;)
EliminarJoão Vasco,
ResponderEliminar«Insistes em desviar a conversa- Explicas novamente a tua perspectiva que denuncio como cheia de inconsistências, mas não respondes ao que te pergunto.»
Eu tenho tentado explicar a minha posição o melhor possível. Mas como tu nunca dizes qual é a tua, tenho de ir tentando várias alternativas a ver se acerto naquilo que é a tua dúvida. A maior parte das tuas perguntas derivam de mal-entendidos. Ou porque eu explico muito mal, ou porque tu não tens tentado entender o que eu escrevo. Por exemplo:
«Depois outra vez a Treta (com maiúscula) de dizeres que é muito contra-intuitivo o nadador não saber quem vai salvar. »
Não é isso que é contra-intuitivo. O que é contra-intuitivo no caso do afogamento é aumentares o N mantendo-os todos exactamente equivalentes, sem que uns poucos estejam mais perto do nadador e os outros cada vez mais longe. É por essa intuição de que estaria ali um mais perto que é contra-intuitivo que aumentar o N faça diminuir a relação causal entre não salvar e o mais próximo se afogar. É essa a diferença entre o cenário dos afogamentos e o cenário dos donativos. Nos donativos pode-se aumentar o N sem que, intuitivamente, haja alguns indivíduos mais próximos de quem os salva.
«Lê este diálogo com algum distanciamento, e vê que um dos participantes usa como "desculpa" para os resultados absurdos a que o seu raciocínio o leva »
Sendo eu o único a apresentar um raciocínio, isso deve ser para mim :)
O resultado de um acto ser eticamente menos relevante quanto mais fraca for a relação causal entre essa acção e as suas consequências não me parece absurdo. A ti parece?
Se isto parecer absurdo num cenário, há duas possibilidades: ou estamos a estimar mal a relação causal, ou estamos a ser enganados por algo contra-intuitivo. Não consigo conceber que um acto seja eticamente mais relevante conforme a relação causal seja menor entre o acto e as consequências.
«Mas se não reconheceres que o exemplo não tem nada de inimaginável, se continuares convencido que tens razão como o Perspectiva »
Não percebo a utilidade do ad hominem. Se não quiseres ter um diálogo racional, diz, que eu baixo esta thread de prioridade. Se quiseres, então procura pontos de consenso onde assentar inferências. Eu dou-te muitas oportunidades para isso porque tento explicar o meu raciocínio. Se o meu sistema tem inconsistências tão grandes, certamente conseguirás mostrá-lo sem ser preciso um cenário de afogamentos onde haja N náufragos todos equidistantes do salvador que só pode salvar um, sabe-se lá porquê.
«Falou-se na ideia de existirem várias (N) crianças no lago, e o agente moral tem tempo para salvar uma. Assumindo que o risco de vida é nulo, a recusa do agente em não salvar uma criança é condenável (longe da neutralidade) independentemente de N.»
Intuitivamente sim, porque, não tendo mais tempo, irá salvar a criança mais próxima, e essa é a mesma independentemente de N. É possível conceber um cenário em que isso não acontece, mas esse é contra-intuitivo no caso do afogamento. No caso dos donativos já se nota mais intuitivamente a variação em função de N para a opção de não salvar.
«Mas se ele não tivesse escolha em quem salvaria, fosse uma questão de sorte, o caso seria diferente.»
Certo. No extremo, se o processo fosse todo aleatório, seria eticamente neutro. Só tem relevância ética o acto propositado e consciente. Se o agente não controla o que acontece, não há valor ético.
«Parece bizarro que exactamente a mesma escolha por parte do agente moral - não salvar - tenha um mérito ético tão diferente consoante o este agente saiba a priori quem vai salvar»
ResponderEliminarParece porque tu estás a saltar de “se ele não tivesse escolha” para “consoante o agente saiba a priori”. Não ter escolha implica que o resultado está menos sob o controlo do agente. Por exemplo, se ele escorrega, cai à água, uma criança agarra-se a ele e salva-se. Não saber a priori quem vai salvar não implica isto. Ele pode atirar-se de propósito, nadar para onde está a ouvir uma criança a afogar-se, pegar na criança sem saber quem é e salvá-la. O saber quem é a criança, por si só, é irrelevante. O que é importante é a relação causal entre os actos conscientes do agente e as consequências.
Isto é, aliás, o que já estou farto de te dizer e do qual tu nem sequer pareces discordar. O problema surge sempre com estas confusões em que dizes que eu acho que salvar uma é melhor que salvar 10000, ou que não ter escolha é igual a não saber quem é a criança, ou que o que é contra-intuitivo não é não saber qual é a pessoa que vai salvar mas terem de estar todas exactamente na mesma posição relativa ao nadador, e assim por diante. Perdemos o tempo todo com confusões desnecessárias por escolheres cenários em que tudo depende de detalhes picuinhas e onde fazes constantemente confusão.
Foca o essencial e tenta encontrar um cenário com diferenças claras, sem teres de depender de detalhes ou confusões destas.
«O teu ponto de vista é que é significativamente mais grave não salvar o José, do que não salvar uma criança que tanto podia ser o José como o Manuel como a Patrícia »
Não. O meu ponto de vista é que é mais grave não salvar uma pessoa quando o salvamento tem uma relação causal mais forte com a decisão do que, sendo o resto igual, não salvar uma pessoa quando o salvamento tem uma relação causal mais fraca com a decisão. Em muitos casos esta diferença correlaciona-se com saber ou não saber o nome ou identidade, mas não é esse o factor fundamental.
Lê o post.
«se o agente moral pudesse saber a priori quem é que ele NÃO iria salvar, o seu acto de não salvamento estaria longe da neutralidade moral.
Certo? »
Depende da relação causal entre a escolha do agente e as consequências. Por exemplo, no caso dos donativos, se tu souberes que há só uma criança a morrer à fome em África e que só tu podes dar dinheiro para a salvar, é indiferente se te dizem o nome da criança ou não. Porque a relação causal será igualmente forte. Se houver mil crianças a morrer à fome em África e só tu podes dar dinheiro para salvar uma, o valor ético será menor porque a relação causal será mais fraca, e é irrelevante que te dêem a lista completa dos nomes e moradas de todas. Isto assumindo que dás o dinheiro a uma organização que depois decide qual a criança a ser salva. Se tu próprio decidires qual será salva, ou pelo nome ou dizendo umas coordenadas e especificando que é a que estiver mais próximo, ou como quiseres, então temos uma situação análoga à primeira em que há uma só criança a morrer à fome, porque a relação causal entre o salvamento dessa e a tua escolha é mais forte novamente (não sei se será exactamente igual por causa das outras, mas penso que ficará mais próxima dessas; quanto mais precisão mais detalhes implícitos se tornam importantes, e não quero que comeces agora a discutir se uma é dois dias mais velha que a outra ou se tem cabelos encaracolados...)
Enfim, continuas a desviar a conversa para a questão do "eu não apresento nenhuma alternativa ao teu raciocínio". Eu dediquei a essa conversa um comentário inteiro (10/10/13, 15:49) a explicar porque é que não o faço, e tu não respondeste ao que lá está escrito. Se aceitas os argumentos que lá estão apresentados, não voltes a desviar a conversa para esse assunto.
ResponderEliminarPosto isto, dizes algo interessante, que creio que denuncia os enorme erro da tua perspectiva:
«Se houver mil crianças a morrer à fome em África e só tu podes dar dinheiro para salvar uma, o valor ético será menor porque a relação causal será mais fraca, e é irrelevante que te dêem a lista completa dos nomes e moradas de todas. Isto assumindo que dás o dinheiro a uma organização que depois decide qual a criança a ser salva.»
Isto é interessante.
Existem N crianças, e três agentes morais: o agente 1 decide se dá dinheiro à associação X ou não para salvar uma de N crianças. Se não der morrem N, se der morrem N-1.
O agente 2 faz parte da associação X. A sua função é escolher que criança será salva. Neste caso, como ele não encontra nenhum critério preferencial entre as N crianças, ele sorteia (isto não é irrealista, há vários casos de distribuição de casas e benesses de apoio social em que se recorre ao sorteio). O agente 3 tem como trabalho usar o dinheiro do agente 1 e salvar a criança que o agente 2 indicou.
Eu entretinha-me a falar sobre como era bizarro que o mérito moral da escolha do agente 1 dependesse de N.
Mas encontrei algo ainda mais bizarro/absurdo na tua perspectiva.
Nesta situação podemos concordar que o agente 2 não tem grande mérito por fazer o sorteio. A criança que efectivamente terá sido salva, te-lo-á sido graças ao agente 1 e 3, e porque "teve sorte".
Mas vamos imaginar que o agente 2 escolhe não sortear a criança, e em vez disso escolher a que tem o nome do qual ele gosta mais.
Neste caso, a criança que efectivamente terá sido salva pode dizer que existiu uma "relação causal" mais forte em relação à escolha do agente 2. Assim, de acordo com a tua lógica, o mérito do agente 2 em escolher a criança com o nome do qual gosta mais é muito superior ao mérito de sortear a criança a ser salva. A consequência é igual, mas a "força da relação causal" aumenta significativamente.
Enquanto que antes a criança efectivamente salva podia agradecer ao agente 1, 3 e à sua sorte, agora pode agradecer ao agente 1, 2 e 3. Quanto às crianças não salvas, a relação entre o que lhes aconteceu e a escolha dos agentes é irrelevante para N grande.
Isto significa que o agente 2 NÃO deve sortear a criança, mas sim escolher a que tem o nome mais bonito. O que é absurdo.
Não vês que algo está muito errado na tua perspectiva?
João Vasco,
ResponderEliminar«Isto significa que o agente 2 NÃO deve sortear a criança, mas sim escolher a que tem o nome mais bonito. O que é absurdo. Não vês que algo está muito errado na tua perspectiva? »
Não. O que vejo é que, mais uma vez, estás a escolher exemplos onde a diferença é pequena e onde misturas várias coisas. Prevejo que vamos novamente perder uma data de tempo futilmente a considerar detalhes.
Se o agente 2 decide, conscientemente, deixar a decisão a algo que o agente 2 não controla conscientemente, então o agente 2 está a reduzir o mérito ético da sua acção em relação ao que seria se o agente 2 assumisse controlo consciente do seu acto. Isto quer ele delegue a decisão ao resultado do lançamento de uma moeda, a um baralho de cartas, ao nome mais bonito ou a qualquer coisa que não seja ele a decidir de forma deliberada e em pleno uso da razão. O que além de poder afectar a relação causal, que é o que estamos a tentar discutir aqui, também afecta o terceiro elemento: a consciência do acto. Que por agora surgirem misturados ficamos com um cenário onde estamos condenados a discutir detalhes por mera teimosia irracional.
Escolhe cenários claros, com diferenças suficientemente grandes para que se possa testar como deve ser as hipóteses que apresentas. Se estamos a discutir a diferença ética entre um voluntário num banco alimentar alocar a comida com base na ordem pela qual as pessoas chegam, a idade ou o lançamento de uma moeda estamos tramados porque uma avaliação dessas está necessariamente sujeita a muitas incertezas.
Pior de tudo, continuo sem perceber qual é a tua objecção. Não sei se és contra considerar a relação causal como parte da avaliação ética, se és movido apenas por uma grande vontade de encontrar problemas seja onde for e andas só à procura deles.
Proponho que faças assim: primeiro, que me expliques qual é o problema na minha proposta de avaliar eticamente uma acção com base no valor subjectivo das consequências, na relação causal destas com a decisão do agente e na consciência que o agente tem da decisão que tomou. Depois, e só depois, apresenta um exemplo claro que ilustre o que queres dizer. Discutir exemplos sem contexto, como penso já fiou demonstrado, é fútil porque eu nunca sei que objecção devo esclarecer.
Se achas que está algo errado na minha perspectiva, diz-me primeiro explicitamente o quê. Senão passo o tempo todo a explicar, muitas vezes repetidamente, detalhes e confusões desnecessárias e que deviam ser irrelevantes...
«Isto quer ele delegue a decisão ao resultado do lançamento de uma moeda, a um baralho de cartas, ao nome mais bonito»
ResponderEliminarQue bela maneira de te fazeres desentendido e fugires à pergunta que te fiz.
Se ele escolhe o nome mais bonito ele tem responsabilidade pela escolha da criança. A criança salva foi-o em grande medida porque o agente 2 assim o escolheu.
«Escolhe cenários claros, com diferenças suficientemente grandes para que se possa testar como deve ser as hipóteses que apresentas.»
A diferença entre escolher ao acaso e escolher sem ser ao acaso é tão grande que no caso das crianças no lago era toda a razão pela qual dizias que o exemplo era "inimaginável" (a desculpa mais parva que deves ter dado em qualquer discussão que travaste, seja com quem for).
O problema aqui não está nos meus exemplos, está na tua disposição para não os entenderes.
«Proponho que faças assim: primeiro, que me expliques qual é o problema na minha proposta de avaliar eticamente uma acção com base no valor subjectivo das consequências, na relação causal destas com a decisão do agente e na consciência que o agente tem da decisão que tomou.»
O meu problema é aquele que tenho tentado demonstrar: quando tu usas o conceito (que és incapaz de definir objectivamente) da "relação causal" em relação ao alvo da acção, tu OU usas esse conceito de forma consistente e chegas a resultados absurdos, OU usas esse conceito de forma inconsistente.
Como isto ficou demonstrado num cenário em específico, tu agora alegas que o resultado absurdo deve-se não ao teu raciocínio, mas sim ao cenário ser "inimaginável" - coisa que contesto veementemente.
Procuro então encontrar outro cenário em relação ao qual possas usar o teu conceito de forma consistente, e veres por ti próprio, pelos resultados absurdos a que chegas, como esse conceito é pouco apropriado para os raciocínios que fazes em relação à ética.
Suponho que ambos concordamos que quando a Isabel decide não ter nenhum filho, essa decisão não é censurável; e que se decide matar uma criança acabada de nascer essa decisão é censurável. Suponho que também concordamos que a diferença entre decisão "passiva" e "activa" não é suficiente para justificar a diferença - afinal de contas, não salvar alguém que só pode ser salvo por nós, está bastante distante da neutralidade moral.
Portanto, tu justificas a diferença com base no facto de antes da concepção já se saber quem é (fazendo uma equiparação MUITO questionável entre ADN e identidade, que não estou a contestar para me centrar no outro problema), e antes não se saber ainda.
E isto parece-me MUITO problemático. Parece-me mesmo absurdo. Na verdade, parece-me claro que mesmo sabendo a priori quem seria o potencial filho da Isabel, a decisão de não obter seria igualmente próxima da neutralidade. Mais, salvar alguém que não está nas nossas mãos determinar quem é (e que portanto pode atribuir a sorte de ser salvo por nós mais ao acaso que à nossa iniciativa) tem o mesmo mérito que salvar alguém que sabemos quem é. E abstermo-nos de salvar tem a mesma falta de mérito.
Tu és inteligente e isto para ti deveria ser muito claro. Mas estás obstinado em não entender, e chegas ao ponto de criar problemas ridículos nos cenários claros que te apresentei.
Estás cego.
João Vasco,
ResponderEliminar«Que bela maneira de te fazeres desentendido e fugires à pergunta que te fiz.
Se ele escolhe o nome mais bonito ele tem responsabilidade pela escolha da criança. A criança salva foi-o em grande medida porque o agente 2 assim o escolheu. »
Lá vamos nós outra vez... Opção A: o agente atribui um número aleatório a cada candidato, ordena por esse valor e salva o primeiro da lista. Opção B: o agente atribui um valor a cada candidato com base numa avaliação subjectiva da beleza do nome, ordena por esse valor e salva o primeiro da lista. Tema de discussão para os próximos vinte comentários: o valor da beleza do nome é ou não é uma decisão mais consciente e voluntária do agente do que o valor aleatório.
Isto assim é um disparate.
«A diferença entre escolher ao acaso e escolher sem ser ao acaso é tão grande que no caso das crianças no lago era toda a razão pela qual dizias que o exemplo era "inimaginável" (a desculpa mais parva que deves ter dado em qualquer discussão que travaste, seja com quem for).»
Como já te expliquei, o que era contra-intuitivo no cenário dos afogados era poder-se alterar o número de náufragos arbitrariamente sem que os náufragos adicionais não estivessem mais longe do nadador. Porque se o nadador tem uma pessoa a afogar-se a 5 metros de distância e só tem tempo para salvar uma pessoa, o número de pessoas a afogar-se a 500 metros de distância é irrelevante.
«Portanto, tu justificas a diferença com base no facto de antes da concepção já se saber quem é (fazendo uma equiparação MUITO questionável entre ADN e identidade, que não estou a contestar para me centrar no outro problema), e antes não se saber ainda.»
Não. Já disse várias vezes que o problema fundamental não é saber quem é. É a relação causal entre a decisão da Isabel – ter ou não ter relações sexuais numa dada altura e com um homem que também decide se tem ou não relações sexuais – e o indivíduo em concreto afectado por essa decisão.
Entre a decisão da Isabel de ter ou não relações sexuais e a diferença que isso faça naquele ser que ela possa ou não conceber está um longo caminho de factores que a Isabel não controla e que tornam a relação causal entre a decisão e o resultado em concreto muito ténue. Uma situação análoga poderia ser a decisão de atirar ou não uma bóia para um tornado para a eventualidade de isso salvar alguém que se esteja a afogar. Mesmo que fosse certo que alguém seria salvo (e nem sempre o coito resulta em concepção) a relação causal seria ténue.
Entre a decisão da Isabel de abortar e a diferença que isso faça naquele ser que ela vai abortar está uma relação causal muito mais forte. Há muito menos factores intermédios que a Isabel não controla com esta decisão.
«E isto parece-me MUITO problemático»
O que te parece problemático é, mais uma vez, a deturpação que tu fazes dos meus critérios. Não saber é um indicador relevante quando se deve a factores causais que o agente não controla. Como normalmente acontece (o tornado, por exemplo). Mas se estipulamos no cenário que é simplesmente não saber sem qualquer correlação com factores causais, então não será, se bem que isso muitas vezes será contra-intuitivo. Mas o que importa é o papel da decisão do agente como causa dos efeitos do acto.
«Tema de discussão para os próximos vinte comentários: o valor da beleza do nome é ou não é uma decisão mais consciente e voluntária do agente do que o valor aleatório.
ResponderEliminarIsto assim é um disparate.»
Di-lo bem! isto assim é um disparate.
O que era relevante no exemplo que demonstrei é que o agente 2 ESCOLHIA quem seria salvo, em vez de sortear, e escolhia com base num critério que fosse independente das consequências do salvamento ou probabilidade de salvamento. Como queres fugir ao exemplo, o teu problema é se o agente 2 escolhe de facto quem é salvo, ou se foi a sorte do salvo ter um nome que o agente 2 considerasse bonito. Não: esquece o nome, se isso te causa comichão. Esquece o nome a arranja uma desculpa pateta qualquer a seguir, que estou curioso.
O agente 2 escolhe quem será salvo em vez de sortear. Mas a escolha não é feita nem em termos das consequências do acto de salvar (são iguais) nem em termos da probabilidade de salvar (é sempre 100%).
O resto mantém-se igual.
E agora?
«Como já te expliquei, o que era contra-intuitivo no cenário dos afogados era poder-se alterar o número de náufragos arbitrariamente sem que os náufragos adicionais não estivessem mais longe do nadador. Porque se o nadador tem uma pessoa a afogar-se a 5 metros de distância e só tem tempo para salvar uma pessoa, o número de pessoas a afogar-se a 500 metros de distância é irrelevante.»
Mas bastam 5 ou 10 pessoas para o teu exemplo parecer bizarro.
O agente moral abster-se de salvar uma pessoa, ou abster-se de salvar uma de 10 pessoas que ele não pode escolher quem será, é IGUAL. Pela tua lógica, é radicalmente diferente.
Claro dizer que quando N tende para infinito, o não salvamento de acordo com a tua lógica tende para a neutralidade só serve para evidenciar algo que já seria absurdo mesmo com N=2, N=5 ou N=10, percebes?
«Já disse várias vezes que o problema fundamental não é saber quem é. É a relação causal entre a decisão da Isabel – ter ou não ter relações sexuais numa dada altura e com um homem que também decide se tem ou não relações sexuais – e o indivíduo em concreto afectado por essa decisão.»
O problema fundamental é a relação causal, fantástico. Isso já repetiste muitas vezes, de acordo. Mas são palavras mágicas quando não defines o conceito com rigor. E quando tentas usá-lo no caso da Isabel alegas que a relação causal entre ela e o filho que não terá é fraca porque ela não tem forma a priori de saber que filho é que teria. Portanto não digas "não é não saber quem é, é a relação causal ser fraca, se depois vais justificar a suposta fraqueza da relação causal com base no não se saber a priori que criança é que será afectada pela escolha dela em não a ter.
No caso do agente no lago, mesmo que ele não saiba "a priori" que vítima é que ele salvaria caso fosse salvá-la, e mesmo que nenhum dos pais possa apontar o dedo "a culpa da morte da minha criança foi o teu acto", visto que as consequências da sua inacção (comparando com a acção) se distribuíram por N vítimas, é evidente que somando essas consequências (x/N * N = x) chegaríamos de novo À VÍTIMA específica que ele não salvou.
Pela tua lógica a relação causal diminui com N (e com N grande é "inimaginável"...) - e com ela o mérito (ou falta dele) do acto; enquanto que com a minha lógica, o mérito do acto é INDEPENDENTE de N. Não precisamos de um N "inimaginável" (...), basta isto.
João Vasco,
ResponderEliminar«O que era relevante no exemplo que demonstrei é que o agente 2 ESCOLHIA quem seria salvo, em vez de sortear, e escolhia com base num critério que fosse independente das consequências do salvamento ou probabilidade de salvamento.»
Se a escolha do agente é deixar a determinação de quem é salvo ao critério X, se o X não é algo que o agente controle e se não afecta em nada as consequências, então isto é moralmente equivalente qualquer se seja o X. Tanto faz se X é o resultado do lançamento de uma moeda, se a morada, se a beleza do nome ou o que for. Se o agente não controla X, então ao delegar a determinação a X o agente reduziu o seu papel em relação ao que seria se X fosse algo que ele controlasse (como por exemplo a direcção em que vai nadar).
«O agente 2 escolhe quem será salvo em vez de sortear. Mas a escolha não é feita nem em termos das consequências do acto de salvar (são iguais) nem em termos da probabilidade de salvar (é sempre 100%). O resto mantém-se igual. E agora?»
Nesse caso, o valor ético é maior porque a relação causal entre a decisão e as consequências é mais forte. Vou dar um exemplo.
Num local remoto estão N pessoas a afogar-se. O agente está numa cabine de controlo com N botões numerados, cada um correspondendo a uma pessoa em concreto. O agente sabe que cada botão corresponde a uma pessoa em concreto. Além disso há também um botão encarnado. O agente sabe que se carregar num dos botões numerados o robot de salvamento irá buscar o náufrago correspondente ao botão, e sabe que essa correspondência está fixa. Se carregar no encarnado o robot de salvamento irá salvar um náufrago ao acaso, mas salvará de certeza um e só um náufrago. Vamos assumir que os náufragos são todos equivalentes.
O agente têm três (grupos de) possibilidades:
A- Escolhe um botão e salva o náufrago correspondente.
B- Carrega no botão vermelho e salva o náufrago ao acaso.
C- Não carrega em botão nenhum.
C é mau pela diferença entre este e a alternativa melhor. Principalmente porque numa alternativa a decisão causaria um salvamento e, adicionalmente, porque a decisão de não salvar causa a morte de um náufrago que se podia ter salvo. Esta segunda componente, menor, é reduzida com o aumento de N porque quanto maior o N menor é a relação causal entre a inacção do agente e a morte de qualquer um em particular.
Entre A e B é mais difícil distinguir porque o gerador aleatório enfraquece a relação causal tanto com o salvamento com o com os que se afogam. Se a relação causal com essa componente negativa for inicialmente muito forte – por exemplo, os náufragos são os filhos menores do agente que o agente mandou para o barco que se afundou – é possível que seja eticamente preferível reduzir a relação causal com os que morrem mesmo se isso reduzir a relação causal com o que salva. Por exemplo, o pai não querer determinar qual o filho que se salva e carregar no botão vermelho. Se a relação causal com as mortes for muito fraca, então pode ser eticamente preferível escolher um dos botões numerados e o agente assumir como acto deliberado seu a determinação de quem se salva. Infelizmente, aqui começamos a entrar nas margens de erro devido à incerteza e a dificuldade de quantificar estas relações causais.
Seja como for, independentemente de o agente saber ou não quem é que salva (nome, morada, número de telefone, avaliação no primeiro período), se o agente assumir como acto seu a determinação de quem se salva, a relação causal é mais forte do que se o agente delegar essa determinação a algum factor que não controla, como o robot.
Isto não me parece disparatado. Se te parecer, explica porquê.
Ludwig,
EliminarAntes de ler este comentário, imaginei um dilema semelhante lá mais acima, no seguimento de um comentário do João Vasco. Vou colocá-lo no fim do thread.
«O agente moral abster-se de salvar uma pessoa, ou abster-se de salvar uma de 10 pessoas que ele não pode escolher quem será, é IGUAL»
ResponderEliminarNão me parece que seja. Porque no primeiro caso a decisão dele não é só a causa principal que determina o número de pessoas que morre mas também a causa da morte daquela pessoa em concreto. No segundo caso a decisão é só causa da variação no número de mortes mas não é causa da morte de nenhuma das vítimas em particular.
Se tu achas que isto tem de ser igual, explica que critérios usas para chegar a essa conclusão. A mim parece-me claro que é eticamente diferente, sendo o resto igual, escolher quantos morrem ou escolher quantos e quem morre.
«visto que as consequências da sua inacção (comparando com a acção) se distribuíram por N vítimas, é evidente que somando essas consequências (x/N * N = x) chegaríamos de novo À VÍTIMA específica que ele não salvou.»
Só que não faz sentido somar porque ele só pode salvar uma pessoa. É imposta pelas circunstâncias, e alheia ao agente, a restrição de que no máximo só pode salvar uma pessoa. Assim, se bem que a responsabilidade dele se distribua por N vítimas dando x/N a cada uma, só se pode contabilizar no valor ético da escolha x/N porque só essa diferença é que está ao alcance da escolha do agente (nesse termo, o negativo; na parte positiva está o y inteiro correspondente a salvar uma pessoa, assumindo que quando salva é ele o responsável pelo salvamento e não algum outro processo que ele não controle, caso em que seria uma fracção de y).
«Pela tua lógica a relação causal diminui com N (e com N grande é "inimaginável"...) - e com ela o mérito (ou falta dele) do acto; enquanto que com a minha lógica, o mérito do acto é INDEPENDENTE de N. Não precisamos de um N "inimaginável" (...), basta isto.»
O que é inimaginável é que, no cenário em que estão pessoas a morrer afogadas e o nadador pode salvar só uma nadando até ela e trazendo-a para terra, as consequências da inacção se distribuam exactamente em x/N para cada náufrago. É inimaginável, com N suficientemente grande, que estejam todos exactamente nas mesmas circunstâncias em relação ao nadador, e que o nadador não tenha uns mais ao alcance do que outros. Porque se tiver um mesmo ao pé, então esse tem o x todo e os outros ficam com 0. Intuitivamente, devia ser assim, razão pela qual o cenário é mau.
«Seja como for, independentemente de o agente saber ou não quem é que salva (nome, morada, número de telefone, avaliação no primeiro período), se o agente assumir como acto seu a determinação de quem se salva, a relação causal é mais forte do que se o agente delegar essa determinação a algum factor que não controla, como o robot.
ResponderEliminarIsto não me parece disparatado. Se te parecer, explica porquê.»
Vou explicar num comentário seguinte.
Antes de explicar, responde-me a uma pergunta: nesse teu exemplo, o número N já pode ser tão elevado quanto se queira?
«Se tu achas que isto tem de ser igual, explica que critérios usas para chegar a essa conclusão. A mim parece-me claro que é eticamente diferente, sendo o resto igual, escolher quantos morrem ou escolher quantos e quem morre.»
Sem dúvida que explicarei.
Peço-te que respondas antes à pergunta acima.
«É inimaginável, com N suficientemente grande, que estejam todos exactamente nas mesmas circunstâncias em relação ao nadador, e que o nadador não tenha uns mais ao alcance do que outros.»
Parece que resolveste esse problema com o teu exemplo dos robots e do botão vermelho.
Não era assim tão difícil, pois não?
A menos que nesse exemplo - que tu criaste - o N também esteja limitado...
Caros,
ResponderEliminarSem querer causar disrupção no vosso debate, que ando a acompanhar, aqui fica um dilema que imaginei. É o mesmo de uns comentários acima, com uns pequenos retoques:
Houve uma inundação e uma cave de um grande centro comercial com um número incerto pessoas no seu interior está a encher-se de água rapidamente. Um bombeiro não tem forma de descer, mas sabe pode chamar o elevador antes que este se avarie completamente. Tem 5 minutos para o fazer, e não o pode fazer mais de uma vez. O controlo no interior do habitáculo está avariado, porque o painel de controlos assim o indica. O elevador pode ter pessoas lá dentro, ou estar vazio. Se tiver pessoas no seu interior, o bombeiro salvá-las-á.
O bombeiro não tem forma de saber quem são nem o número de pessoas que morrerão senão depois da drenagem, muitas horas depois. Depois de carregar no botão, terá de ir-se embora para prestar auxílio noutro local, e jamais saberá se o elevador chegou com alguém ou se chegou vazio.
O bombeiro pensa: "O elevador pode muito bem estar vazio. Se não carregar no botão, ninguém me poderá recriminar porque ninguém sabe que estou aqui. Mesmo que salve alguém, ninguém me poderá agradecer e jamais saberá quem foi o seu salvador. Vou-me embora..."
A atitude do bombeiro é censurável?
João Vasco,
ResponderEliminar«Antes de explicar, responde-me a uma pergunta: nesse teu exemplo, o número N já pode ser tão elevado quanto se queira?»
Antes de responder, explica-me primeiro os critérios que tu usas para determinar que é disparatado dizer que quando algo que o agente não controla se interpõe entre o acto e as consequências a relação causal entre acto e consequências é menor. Formaliza isto adequadamente, de forma objectiva e detalhada.
Estou a brincar. Se ambos jogarmos assim é que isto não sai da cepa torta mesmo :)
Sim, no meu exemplo podes aumentar N à vontade. Assumindo que só pode salvar um, isto faz com que a relação causal com a morte de qualquer pessoa individualmente seja reduzida. No entanto, a relação causal com a vida daquela que salva mantém-se constante, e esse é o factor dominante, em geral (talvez seja possível encontrar um cenário em que a responsabilidade pelo azar dos outros sejam tão grande que o salvamento já não seja o termo mais significativo, mas não me parece que seja esse o caso com isto dos afogamentos)
«Parece que resolveste esse problema com o teu exemplo dos robots e do botão vermelho.
Não era assim tão difícil, pois não?»
Não. Já o tinha resolvido com os donativos. Mas sempre que tento procurar pontos de consenso para avançarmos tu acusas-me de ser como o perspectiva, de me fazer de parvo, de mudar de conversa e assim... finalmente parece que há um que te agrada, mas como estou completamente às cegas acerca dos teus critérios só acerto por sorte...
Francisco,
ResponderEliminarComo o bombeiro não sabe quantas pessoas lá estão, etc, isso torna-se logo à partida eticamente irrelevante. No entanto, ele sabe que se alguém se salvar por ele chamar o elevador, essa pessoa (ou pessoas) terá sido salva por causa da decisão dele de chamar o elevador. Essa relação causal forte com esse resultado, aliada ainda por cima à responsabilidade dele por ter escolhido essa profissão, faz com que seja eticamente muito diferente chamar o elevador e não chamar. Por isso si, é censurável ir-se embora.
Não é relevante que, mais tarde, ninguém saiba ao certo o que aconteceu. O que é relevante é que ele consegue perceber que se chama o elevador então há uma probabilidade significativa de salvar alguém com uma relação causal forte e se não chama não salva ninguém.
Se essa relação causal fosse muito mais fraca, eventualmente a decisão seria eticamente neutra. Por exemplo, recuamos 10 anos quando ele está a decidir se vai ser bombeiro ou poeta. Ele sabe que é muito provável que como bombeiros vá salvar mais gente do que se for poeta. Mas sabe também que, quando isso acontecer, a decisão de ser bombeiro será apenas uma de imensas condições necessárias mas não a causa saliente do salvamento, que será ele saltar para a água, ou entrar no prédio em chamas, ou chamar o elevador. Por isso não é eticamente censurável (ou, se for, será muito muito pouco) que ele decida ir para poeta em vez de para bombeiro.
Na verdade, se ele gostar mais de poesia, pode ser até que o valor subjectivo para ele combinado com a forte relação causal entre decidir ser poeta e ser poeta torne essa opção eticamente mais valiosa do que o valor subjectivo das vidas que ele salvaria como bombeiro combinado com a fraca relação causal entre decidir ser bombeiro e as vidas salvas, devido a tudo o que tem de acontecer ainda pelo meio, muito do qual não depende de decisões dele.
Sim, eu sei que é irrelevamente vir a saber-se quem foi que salvou ou foi salvo. Quis apenas reduzir os custos tanto de acção como de inacção ao mínimo possível.
ResponderEliminar«Sim, no meu exemplo podes aumentar N à vontade.»
ResponderEliminarPerfeito.
«Assumindo que só pode salvar um, isto faz com que a relação causal com a morte de qualquer pessoa individualmente seja reduzida. No entanto, a relação causal com a vida daquela que salva mantém-se constante, e esse é o factor dominante, em geral (talvez seja possível encontrar um cenário em que a responsabilidade pelo azar dos outros sejam tão grande que o salvamento já não seja o termo mais significativo, mas não me parece que seja esse o caso com isto dos afogamentos)»
Deixa ver se entendo aquilo que dizes agora.
Suponho que a opção C será sempre grave, por comparação com a alternativa A. (Aqui estamos de acordo)
A opção B é equivalente à opção A para N=1. De acordo com os teus princípios, quando N aumenta, a opção B torna-se mais e mais semelhante à opção C. Para N suficientemente grande, a opção B torna-se arbitrariamente próxima da C, certo?
«Já o tinha resolvido com os donativos.»
Os donativos são um exemplo muito diferente. No exemplo dos donativos, se o agente não salvar a criança, outras pessoas poderão fazê-lo. Isso basta para fazer com que o exemplo não fosse análogo. Mas não importa, agora temos um exemplo sugerido por ti, que me parece relevante e análogo. Fiquemo-nos neste.
Antes de responder porque é que eu considero absurdo o resultado a que chegas, peço-te apenas que confirmes que estamos de acordo que o teu raciocínio chega a este resultado, para que não exista outro equívoco por apurar.
Responde por favor à pergunta feita acima.
João Vasco,
ResponderEliminar«A opção B é equivalente à opção A para N=1.»
Sim, mas só porque nesse caso o botão vermelho é equivalente ao botão marcado “1” (fazem ambos o mesmo visto não haver mais náufrago nenhum que o robot possa salvar)
«De acordo com os teus princípios, quando N aumenta, a opção B torna-se mais e mais semelhante à opção C.»
Não... Divide os universos alternativos em dois grupos:
G- a pessoa X foi salva
H- a pessoa X não foi salva.
Vamos assumir, para simplificar, que estamos só a considerar a diferença entre B e C e que o agente decide carregar no botão vermelho em metade dos universos.
No conjunto G, a frequência de “carregou no botão” será 1 e a frequência de “não carregou” será 0. Portanto, para o peso da causa “carregou no botão” para a pessoa ser salva tanto faz qual o N. A razão pela qual a opção B tem uma relação causal menor é que no conjunto G tem de estar também “o gerador aleatório escolheu X” a par com G, e isso o agente não controla.
Em H, a frequência de “carregou no botão” é 0.5-0.5/N e a de “não carregou” será 0.5+0.5/N (ou algo assim, assumindo que não me enganei nas contas) porque em metade dos universos ele não carrega, e essas estão todas em H, e, além disso, só 1/N vezes em que carrega num botão é que salva aquela pessoa. Por isso, contributo da opção C é tanto menor quanto maior for N. Se N for infinito, dado que uma pessoa morreu afogada, ter carregado num botão é um factor causal tão importante como não ter carregado num botão.
Assim, de acordo com os meus princípios, conforme N aumenta, não carregar no botão (opção C) vai tendo cada vez menos peso como factor causal na morte de uma pessoa X, dado que essa pessoa morreu afogada, até que, no infinito, não carregar no botão tem o mesmo peso como factor causal do que carregar no botão para a morte de X. Por outro lado, carregar no botão tem sempre o mesmo peso como factor causal para salvar aquela pessoa, independentemente de N, só variando entre A e B porque B acrescenta o gerador de números aleatórios como factor causal adicional.
«Para N suficientemente grande, a opção B torna-se arbitrariamente próxima da C, certo?»
Não. Para N suficientemente grande, não carregar no botão deixa de ser uma causa relevante para a morte daquela pessoa que morra, por ter igual peso à alternativa, mas carregar no botão é sempre uma causa importante para o salvamento daquela pessoa que será salva. Ambas as opções se aproximarão arbitrariamente do zero se, ao mesmo tempo que aumentas N, reduzires também o papel de carregar no botão como factor causal para o salvamento de quem se salvar (por exemplo, introduzindo infinitas causas igualmente importantes de forma a que já não haja razão nenhuma para dizer que a pessoa se salvou porque ele carregou no botão... mas isso acho que é ainda mais difícil de compreender intuitivamente do que aumentar o N, neste tipo de exemplos)
EliminarDeixa ver se concordamos com uma coisa: a melhor opção do teu ponto de vista é a opção A, a seguir (para N>1) é a opção B, e em último a opção C.
Isto significa que a opção A tem um determinado mérito face à alternativa C (chamemos y a esse valor).
A opção A também tem mérito face à opção B (chamemos z a esse valor), e a opção B tem mérito face à opção C (chamemos w a esse valor). E para que tudo face sentido, é necessário que y=z+w*.
(*De outra forma, quem estivesse para escolher C, e depois decidisse B, mas antes de escolher B optasse afinal por A teria um mérito diferete de quem estivesse para escolher C e optasse directamente por A).
Espero que concordes.
Já concordaste que para N=1, z=0 e portanto y=w; e pelo que percebo dizes que z aumenta com N, e portanto w diminui.
Acabaste agora de responder que, mesmo com N infinito, w continua diferente de zero.
Certo?
Pelo que percebo, muito diferente de zero:
«Para N suficientemente grande, não carregar no botão deixa de ser uma causa relevante para a morte daquela pessoa que morra, por ter igual peso à alternativa, mas carregar no botão é sempre uma causa importante para o salvamento daquela pessoa que será salva.»
Isto quer dizer que o mérito de B face a C, independentemente de N, é sempre muito significativo, certo?
Como a B corresponde aquilo a que chamas uma "relação causal forte" com o salvo - qualquer que ele seja - e as consequências positivas de uma vida salva; e em C não existe nada disto, escolher B face a C tem muito mérito, qualquer que seja N.
Estou certo até aqui?
João Vasco,
ResponderEliminar«A opção A também tem mérito face à opção B (chamemos z a esse valor), e a opção B tem mérito face à opção C (chamemos w a esse valor). E para que tudo face sentido, é necessário que y=z+w*.»
Sim, concordo.
«Isto quer dizer que o mérito de B face a C, independentemente de N, é sempre muito significativo, certo?»
Não. Isto quer dizer que B tem mais mérito que C enquanto a relação causal entre a pessoa salva e o acto de a salvar for não nula. Quanto mais fraca essa relação causal, mais fraco será o mérito que B tem sobre C.
Neste exemplo não estava a quantificar a relação causal entre o salvamento daquela pessoa e a decisão de carregar no botão encarnado. Queria apenas dar uma ideia da ordenação de valores, o tal y=z+w. Nem sei se consigo quantificar o w porque isso pode depender de muitos detalhes do funcionamento do gerador de números aleatórios. Por alto, se assumirmos que o gerador é apenas um factor causal e carregar no botão é apenas um factor causal, então a força da relação causal entre carregar no botão vermelho e o salvamento daquela pessoa que se salvou será metade da força da relação causal entre carregar no botão com o número e a pessoa que se salvou. Mas é muito questionável se podemos considerar que isto é apenas mais um factor e conta tanto quanto conta carregar no botão. Especialmente se agora quiseres extrapolar daqui para outro cenário.
Portanto o melhor é concordarmos que y=z+w, que w>0 em geral, e que só tenderá para zero se a relação causal entre carregar no botão e o salvamento daquela pessoa que foi salva for praticamente nula. Mas se é muito ou pouco não posso responder, nem estava a pensar neste exemplo para ajudar a quantificar isto, razão pela qual disse só que era ao acaso e pronto.
Ludwig,
ResponderEliminarEstás a baralhar muito.
Em resposta a:
«Para N suficientemente grande, a opção B torna-se arbitrariamente próxima da C, certo?»
Dizes:
«Não. Para N suficientemente grande, não carregar no botão deixa de ser uma causa relevante para a morte daquela pessoa que morra, por ter igual peso à alternativa, mas carregar no botão é sempre uma causa importante para o salvamento daquela pessoa que será salva.
Quando pergunto:
«Isto quer dizer que o mérito de B face a C, independentemente de N, é sempre muito significativo, certo?»
Tu respondes:
«Não. Isto quer dizer que B tem mais mérito que C enquanto a relação causal entre a pessoa salva e o acto de a salvar for não nula.»
Isto é bizarro, primeiro porque eu pergunto se está próxima de C e tu dizes não, e depois pergunto se está afastada de C e tu voltas a dizer não.
E segundo porque a ideia destas perguntas é perceber como é que tu usas o tal conceito de "força da relação causal" no contexto da determinação do mérito. Perceber se neste caso dizes que é forte ou fraca, e portanto o mérito é elevado ou quase nulo, e como é que isso depende de N.
E tu dizes-me que neste caso o mérito depende da "força da relação causal". Mas precisamente a ideia é dizeres se neste cenário a força da relação causal é fraca ou forte, ou o que seja. É isso que se pretende apurar. Parece que já disseste tudo e o seu contrário.
E essa última resposta é basicamente uma não-resposta.
O cenário é teu, portanto deixa-me fazer uma pergunta concreta, para ver se saímos daqui. Para N muito elevado (no limite, infinito) o mérito da acção B está mais próximo do mérito da acção A, ou da acção C?
Assim já se perceberá melhor a influência de N na forma como estipulas a "força da relação causal".
João Vasco,
ResponderEliminar«Isto é bizarro, primeiro porque eu pergunto se está próxima de C e tu dizes não, e depois pergunto se está afastada de C e tu voltas a dizer não. »
Não é nada bizarro. “Próximo” e “afastado” são termos relativos, subjectivos e algo metafóricos, e não faz sentido neste contexto comprometer-me a um como se pudesse determinar objectivamente e sem qualquer margem de erro que está próximo ou afastado. Principalmente se for para depois inventares outro cenário e exigires que aquilo que considerei próximo num seja também próximo no outro.
«E segundo porque a ideia destas perguntas é perceber como é que tu usas o tal conceito de "força da relação causal" no contexto da determinação do mérito.»
Uso para encontrar ordenações parciais e não valores absolutos.
«E tu dizes-me que neste caso o mérito depende da "força da relação causal". Mas precisamente a ideia é dizeres se neste cenário a força da relação causal é fraca ou forte, ou o que seja. »
Como já expliquei, não posso dizer isso em absoluto. Nem sequer faz sentido.
O que posso dizer, em rigor (se bem que por vezes atalhe nas palavras) é que a relação causal entre a decisão e o resultado é mais forte no caso A do que no B. Se alguma delas é, em absoluto, “muito forte” ou “pouco forte” ou “mais ou menos forte mas um caguichinho mais para mais do que para menos” não é viável.
«Para N muito elevado (no limite, infinito) o mérito da acção B está mais próximo do mérito da acção A, ou da acção C?»
Não sei. Se assumirmos que o gerador de números aleatórios conta como uma causa igualmente importante à da decisão de carregar no botão, e se assumirmos que não há mais causas a considerar, então a relação causal em B terá metade da força da relação causal em A e, sendo C neutro, B ficará a meio caminho entre A e C. Mas estas premissas são muito questionáveis, e podíamos facilmente passar mais um mês ou dois só a discutir quanto é que o gerador de números aleatórios conta como factor causal em relação à decisão de carregar no botão...
Felizmente, na prática ainda não encontrei uma decisão ética importante em que ficasse encravado por causa de uma coisa destas. Senão, teria de deixar os meus critérios e usar os teus. Se os tivesses :)
«Assim já se perceberá melhor a influência de N na forma como estipulas a "força da relação causal".»
A uma primeira aproximação, estou a considerar que N só afecta a relação causal no cenário C, porque em N infinito, dado que uma certa pessoa morreu, é igualmente provável que o agente tenha carregado ou não tenha carregado no botão. No entanto, se formos mais rigorosos, pode ser que N também tenha algum efeito no cenário B por causa do gerador de números aleatórios, pelo argumento de que o gerador de números aleatórios será um factor causa tão mais importante para o salvamento daquele que se salvou quanto mais náufragos houver. Mas essa complicação já começa a fazer-me confusão demais.
Nota que eu não defendo que seja trivial quantificar a relação causal entre uma decisão e as consequências, nem alego ser capaz de o fazer sempre. O que defendo é que isso é eticamente relevante. Nos extremos, se o acto X não é factor causal para o efeito Y então Y não pode ser eticamente relevante para avaliar o acto X. Isto parece-me ser verdade independentemente da nossa capacidade de avaliar essas relações causais em qualquer cenário que se possa conceber.
João Vasco,
ResponderEliminarVou dar dois exemplos de como posso usar a força da relação causal como parte da avaliação ética sem precisar de uma quantificação absoluta, só comparando alternativas.
Imagina que temos N agentes em cabinas de controlo. A cada par de agentes corresponde um de N*(N-1) planetas onde estão continuamente a ser criados e destruídos humanos em estado de coma. Aparecem, ficam a boiar um pouco, e depois são eliminados sem sentirem nada. Cada humano é único. Os agentes têm todos skype, e podem comunicar à vontade. Cada agente tem uma consola com N-1 botões, cada um identificando um dos outros agentes.
A qualquer momento dois agentes podem combinar entre si, carregar cada um no botão correspondente ao outro, e será salvo um humano ao acaso de entre os que estiverem em existência nesse momento no planeta correspondente a esse par. Essa combinação de botões ficará bloqueada durante 9 meses e o humano salvo, em coma, terá de ficar ligado cirurgicamente a um dos agentes durante esse período, até que comece a sair de coma. Mesmo depois, durante anos esses dois agentes terão de partilhar a tarefa de o alimentar, lavar, educar, passar noites em branco e ter imensas despesas até que o humano salvo ganhe autonomia.
Nestas condições, a minha estimativa é que não é eticamente censurável que um agente se abstenha de carregar em qualquer botão. Isto porque a relação causal entre o acto de carregar no botão e o valor subjectivo negativo para os agentes envolvidos é suficientemente mais forte do que a relação causal entre a decisão de cada agente em carregar num botão e o valor subjectivo ganho pelo humano salvo para que possa ser eticamente preferível não carregar no botão, se o agente for especialmente avesso a essa situação.
Vamos assumir agora que quando dois agentes carregam num botão há apenas uma pequena probabilidade de isto acontecer, todos os agentes sabem disso e, além disso, quando dois agentes carregam no botão desta forma têm imenso prazer. Vamos supor que, não querendo a chatice de salvar um humano, dois agentes decidem à mesma arriscar e carregar no botão por gozo. Se, sabendo do que isso pode acarretar, depois se virem com aquele humano dependente de um deles e responsável por, pelo menos, zelar por esse humano até o poderem passar a alguém que possa cuidar deles, já será censurável matá-lo para evitarem o trabalho. Isto porque a relação causal entre a morte e a decisão de o matar agora é suficientemente forte para que o valor subjectivo em causa do lado desse humano já ser um factor importante e, além disso, os agentes são responsáveis, em parte, pela situação, que é fruto de uma decisão que tomaram antes (posto de outra forma, estamos a comparar as decisões de carregar no botão e matar quem apareça com carregar no botão e cuidar de quem apareça).
Quando as coisas são assim muito diferentes, não tenho problema em avaliar a situação mesmo sem uma quantificação absoluta destes valores subjectivos ou da força da relação causal.
É claro que quando os pesos se aproximam já tenho problema. Por exemplo, vamos supor que um dos agentes foi enganado e julgava que se carregasse com o polegar a probabilidade de salvar um humano era zero. Carregou com o polegar mas era mentira e agora tem um humano cirurgicamente ligado a si que tem de ficar durante 9 meses. Nesse caso tenho de admitir que não sei dizer se é eticamente condenável que o mate. A morte é uma coisa má, mas este tipo de violação do corpo do agente à revelia deste também é algo que pode ter um valor subjectivo muito negativo. Por isso é que a minha oposição ao aborto se restringe ao caso particular em que mãe e filho são saudáveis e a gravidez resultou de um acto consensual informado. Quando os pratos começam a ficar demasiado equilibrados não posso tomar uma decisão. Mas isto não é por falta de uma avaliação absoluta da força da relação causal. É por causa das margens de erro tanto na causalidade como nos valores subjectivos.
«Não sei.»
ResponderEliminarBolas!
«Se assumirmos que o gerador de números aleatórios conta como uma causa igualmente importante à da decisão de carregar no botão»
O cenário foi criado por ti, e neste cenário estou a perceber como avalias a "força da relação causal". Diz-me tu, se essa assumpção é razoável. Pelo contexto, parece-me que sim.
«e se assumirmos que não há mais causas a considerar,»
Sim, não há mais causas. O cenário está tão simples quanto necessário para que eu entenda o papel que dás a N.
«então a relação causal em B terá metade da força da relação causal em A e, sendo C neutro, B ficará a meio caminho entre A e C.»
Perfeito!
Uma resposta concreta.
Tinha prometido que te respondia qual era o meu problema com a tua perspectiva, e agora que me deste uma resposta concreta (demorou mais do que esperava), posso dar essa resposta.
Continuas a "mandar bocas" sobre eu ter exposto uma alternativa, que acho injustas pois já expliquei adequadamente a minha opção, e não contestaste os seus argumentos. Mas por acaso quero expor uma perspectiva alternativa na minha próxima mensagem que evidencia alguns erros teus (ex: contares o "ser responsável pela morte" e acrescentares isso ao "ser responsável pela vida" somados, em vez de veres a vida/morte uma só vez como consequência da diferença entre cenários - vida quando comparamos A com C, morte quando comparamos C com A, o que tornará claro como B é igual a A qualquer que seja N).
Mas isso vai demorar muito tempo a escrever, pelo que não o farei já.
Peço-te apenas que confirmes que no cenário imaginado as assumpções que colocaste como condições se aplicam, para eu confirmar que tenho uma "resposta concreta".
João Vasco,
ResponderEliminar«Peço-te apenas que confirmes que no cenário imaginado as assumpções que colocaste como condições se aplicam, para eu confirmar que tenho uma "resposta concreta".»
Já te disse que acho muito questionáveis. Não posso quantificar o peso de cada factor com essa precisão. E isto não é só para a relação causal. É um problema em todos os elementos que uso para avaliar eticamente uma decisão.
Acontece também com a avaliação do valor subjectivo de cada alternativa. Eu posso dizer que se cobrarmos €200 de imposto tanto a quem ganha €500 como a quem ganha €5000, estamos a exigir um esforço maior a quem ganha €500. Também posso dizer que se cobrarmos 20% do salário a ambos continuamos a exigir um maior esforço de quem ganha menos. E consigo estimar que se cobrarmos €50 ao que ganha €500 e €4550 ao que ganha €5000, de modo a que ambos fiquem com o mesmo depois de pagar impostos, já estamos a exigir um esforço subjectivamente maior ao segundo. Isto permite-me concluir que o mais justo é ter um imposto progressivo, que cobre uma percentagem maior a quem ganha mais. Mas não me é possível dizer-te qual a percentagem exacta que iguala o esforço do que ganha €500 ao esforço do que ganha €5000.
O mesmo se passa com o terceiro elemento, a consciência do acto e responsabilidade. Eu sei que se uma criança de 2 anos está a brincar com uma pistola e mata o irmão isso não é um acto com relevância ética porque a criança não percebe o que está a fazer. Se tiver 18 anos, sei que percebe bem e portanto será um homicídio ou morte por negligência. Mas não consigo quantificar exactamente a responsabilidade ética da criança em função da idade, nem dizer-te em que idade é que a responsabilidade é 68% da responsabilidade que tem aos 18.
O mesmo se passa com a estimativa da força da relação causal. No cenário que descrevi, o botão encarnado que salvava um ao acaso servia para mostrar que essa redução na força da relação causal resultava numa redução no valor ético do salvamento. Mas não era suposto, nem me é possível, quantificar de forma fiável essa redução. Se a única resposta que consideres concreta for uma em que eu posso quantificar com exactidão o valor subjectivo, a consciência do acto e a relação causal, então nunca te poderei dar essa “resposta concreta”. Em nenhum caso.
Mas tinha interesse em saber se tu podes. Por exemplo, gostaria de saber qual é exactamente a progressão da taxa de IRS que garantiria que toda a gente contribuía com o mesmo esforço para o erário. Ou, no caso de não me saberes dizer isso, se achas que isso implica que é inconsistente exigir que quem ganha mais pague uma percentagem maior...