quarta-feira, junho 22, 2011

Interrogar-se.

Parece que a história do rabino, o advogado e o cão (1), afinal, é treta (2). O que até vem a calhar. O Alfredo Dinis disse que «gostava de ver o espírito crítico dos não crentes aplicar-se também às suas próprias ideias»(1). Aqui tem. Julguei que fosse verdade – estava na BBC e tudo (3) – mas não era. Enganei-me, e admito-o. Mas quando o Alfredo diz que «Na Igreja Católica não se considera uma virtude que alguém tenha fé sem que se interrogue sobre aquilo em que acredita», está a falar de um “interrogar-se” muito desenxabido. Porque só vale a pena interrogarmo-nos acerca da verdade de qualquer alegação se estivermos dispostos a mudar de ideias quando as evidências a revelam infundada. Caso contrário, é só interrogação a fingir. E isso, tanto quanto sei, é tradição da Igreja Católica desencorajar.

A interrogação também só vale pelas perguntas que fizermos. Por exemplo, se um rabino disser que o cão tem a alma do advogado, importa perguntar “como raio sabe ele?” Quem deixar escapar essa pergunta de pouco lhe servirá perguntar se é sincero, se falou alto ou se outros acreditaram no que ele disse. E se disse ou não disse nem sequer é o mais fundamental. Temos relatos segundo os quais Maomé disse ter falado com Alá e os apóstolos alegaram ter conhecido o criador do universo encarnado em Jesus. Talvez estes relatos sejam verídicos e essas pessoas tenham mesmo afirmado o que lhes atribuem. Ou talvez sejam tão treta como a história do rabino e do cão. Mas, se tivermos o pensamento crítico que o Alfredo pede, vemos que não faz muita diferença. Porque mesmo que tenham dito tais coisas não tinham forma de saber se era verdade ou não. Como é que Maomé sabia que era Allah que lhe falava? Como é que os apóstolos determinaram que o filho do carpinteiro tinha mesmo criado o universo? Ninguém que pense criticamente pode aceitar o testemunho – e muito menos a autoridade – de alguém que não tem como saber se o que diz é verdade.

Finalmente, o Alfredo disse também que «Infalibilidade por infalibilidade prefiro a do Papa à de Dawkins, Hitchens, Harris... » Pois eu prefiro nenhuma. Acreditar numa autoridade infalível não é compatível com a interrogação ou com o pensamento crítico. Se admito que posso errar, e de pouco vale interrogar-me se descartar essa possibilidade, tenho de admitir que posso errar quando julgo alguém infalível. E se posso estar enganado acerca disto não posso considerar infalível o que essa autoridade me disser. Afinal, podemos estar ambos enganados. Portanto, para o Alfredo Dinis poder considerar o Papa infalível é preciso que o Alfredo Dinis se considere também ele próprio infalível, pelo menos nisto. Este é outro caminho por onde a fé o leva mas por onde eu não o consigo acompanhar.

1- Treta da semana: justiça divina.
2- Harry's Place, The Dog That Didn’t Die
3- BBC, Jerusalem rabbis 'condemn dog to death by stoning' (Já está offline, mas está aqui o cache do Google).

96 comentários:

  1. Caro Ludwig,

    Foi pena não teres referido tudo o que disse sobre a infalibilidade papal. Depois deste reconhecimento pelo Concílio Vaticano I, em 1870, esta infalibilidade foi expressa apenas uma vez pelo Papa Pio XII. Ora, a infalibilidade de Dawkins, Harris, Hitchens,etc. é permanente. Continuo pois a dizer que infalibilidade por infalibilidade prefiro a do Papa.

    Saudações,

    Alfredo

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  3. Caro Alfredo Dinis:

    «Ora, a infalibilidade de Dawkins, Harris, Hitchens,etc. é permanente.»

    Algum dos ateus que comenta neste espaço considera, no ver do Alfredo Dinis, alguma destas pessoas infalíveis?

    Como fundamenta o Alfredo Dinis esta crítica que já denunciei como grosseiramente injusta? Com base em que ateus?
    Não conheço nenhum em relação ao qual essa crítica possa ser considerada justa. O Alfredo pode dar-me algum exemplo contrário?

    Saudações,

    João Vasco

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  4. Ó Ludwig e João Vasco,

    Não percam tempo a vasculhar o lixo das curiosidades exóticas. Arriscam, como neste caso, a fazer figura de tolinhos.
    Chutem p'ra frente: Há formas diferentes de relacionarmos a consciência da nossa finitude com a percepção do infinito. Cada um busca a que mais lhe interessa. Não é de estranhar que muitos queiram fazer isso em conjunto, conforme o lugar onde nasceram e as pessoas que foram conhecendo. Para quê xingar de quem escolhe olhar para a morte de uma maneira diferente da sua?

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  5. Caro João,

    A obra Richard Dawkins: How a Scientist Changed the Way We Think
    Alan Grafen (Editor), Mark Ridley (Editor) tem o contributo de 25 autores.

    Saudações,

    Alfredo Dinis

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  6. Caro Alfredo,

    Essa resposta assume que o facto das ideias de alguém mudarem a nossa vida implica a consideração de que essa pessoa é infalível.

    Mas eu faço mais. Eu aposto com o Alfredo Dinis - 5 para 1 se for o caso - que caso enviasse a qualquer desses 25 autores uma mensagem a perguntar se discordam de alguma forma com Dawkins, a resposta não seria de que não encontram qualquer ponto de divergência, a haver resposta ela corresponderia à enumeração de pontos em que os autores divergem do ponto de vista de Dawkins, ou da exposição por ele feita.

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  7. Caro Alfredo,

    O Richard Dawkins mudou a minha forma de pensar, isso faz com que eu o considere infalível? É que consigo dizer o mesmo de imensas pessoas. O Aristóteles, por exemplo, mudou a forma de pensar de metade do mundo ocidental -- e contudo eu não lhe dou razão quando ele diz, como disse, que as moscas têm quatro patas. Porque consigo distinguir -- como conseguem fazê-lo todos os 25 autores do livro que referiu -- que respeito intelectual não é o mesmo que fidelidade acrítica.

    Saudações,
    Gil Henriques

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  8. krippahl acredita na infalibilidade de Ludwig III

    Ludwig acredita na infalibilidade de krippahl

    é a díade perfecta y incorruptível

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  9. Ó Nuno:

    Eu acho que a crítica é saudável, e o humor é muitas vezes uma forma de crítica legítima e louvável.

    Há coisas em relação às quais é impossível duas pessoas terem opiniões opostas sem que nenhuma esteja equivocada.

    Por exemplo, se eu acredito que as Igrejas são instituições construídas à volta de um equívoco fundamental, é natural que considere que mais facilmente a sua actuação será perniciosa do que proveitosa. Nesse sentido, tentar denunciar esse equívoco como tal é a coisa moralmente correcta a fazer.

    É que não se trata de uma diferente sensibilidade poética, ou existe vida após a morte, ou não existe. Se o Nuno acreditasse que não existe, e acreditasse que alguém por equívoco acredita que existe, e que esse equívoco o está a prejudicar (como é apanágio dos equívocos em geral..) não acreditaria que seria louvável criticar o erro?

    As pessoas que gostam de astrologia, que gostem à vontade, são livres e assim devem ser. Mas não digam que eu, por criticar essa perspectiva, estou a ser malvado. Seria egoísta se não o fizesse.

    Ora o Nuno pode discordar da minha perspectiva, mas para mim o cristianismo e a astrologia têm muitas semelhanças.

    Assim sendo, ou bem que acredita que o equívoco é dos ateus e tenta refutar suas críticas ou ignorar o seu humor, confiante de que as suas convicções é que triunfarão no debate de ideias, ou bem que as suas inseguranças face às ideias que advoga tornam insuportável a voz dos seus críticos, e então eles tornam-se desagradáveis e o seu silêncio deveria ser encorajado...

    Não conte comigo. Eu gosto do debate de ideias. Tenciono continuar a criticar quem eu acho que está equivocado.

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  10. Caros João e Gil,

    Suponho que nenhum dos dois se considera seguidor incondicional de Dawkins. Peço pois que me digam quais os pontos em que discordam dele, pontos de opinião e não apenas de estilo.

    Obrigado.


    Alfredo

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  11. Caro Prof. Alfredo DInis:

    Não se trata de estar de acordo ou não. Trata-se de, mesmo estando de acordo, de não considerar infalivel. É uma diferença abismal.

    Já agora, eu lembro-me de ter discordado de Dawkins, mas não me lembro em que neste momento. Afinal também estou de acordo comigo próprio mas não me considero infalível.

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  12. "...ou bem que acredita que o equívoco é dos ateus..."

    Aqui ninguém se incomoda com ateus, João Vasco. Há formulações ateias mais interessante do que muitas religiosas. E outras que até parece dizerem a mesma coisa utilizando linguagens diferentes. O que está em cima da banca é esta mania de andar à procura de caricaturas e forçar generalizações sobre o que, por definição, é particular e pessoal, mesmo quando é partilhado em comunidade. E pior ainda quando procuram reduzir as grandes questões da nossa vida, como o mal ou o fim, a representações binárias do género Deus existe ou não existe, ou há vida depois da morte ou não.

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  13. Caro Alfredo:

    Quando li o livro «O Gene Egoísta» não me lembro de ter discordado em relação a nenhum ponto.

    Li outro da Gradiva de Dawkins, e também não me recordo de discordâncias.

    Quando li o God Delusion, de que gostei, discordei algumas vezes, mas não me lembro do livro em detalhe, por isso já me esqueci de quase todas.

    Uma da qual ainda me recordo prende-se com a importância da teoria de Darwin na rejeição de Deus. Dawkins alega que fazia sentido acreditar em Deus até existir uma explicação natural melhor para a existência e aparecimento da vida. Com Darwin, tudo mudou.

    Ora essa perspectiva poderia fazer o seu sentido do ponto de vista da compreensão daquilo que alterou as convicções religiosas da maioria dos cientistas - onde antes de Darwin a maioria dos cientistas acreditava em Deus, depois de Darwin a situação mudou.

    Mas por muito poder persuasivo que a teoria de Darwin possa ter a este respeito, ela parece-me uma razão muito fraca para deixar de acreditar em Deus de um ponto de vista racional. Afinal, ela ajuda a explicar o mundo, mas continuam a existir coisas por explicar. Nem hoje, nem antes dessa teoria, seria racional recorrer ao «Deus das lacunas» para explicar aquilo que a ciência ainda não explica.

    Assim, creio que seja compreensível alterar as convicções em relação à existência de Deus face à compreensão desta teoria, é algo que se me afigura fácil. Mas parece-me uma atitude pouco racional. Incorrecta.

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  14. Nuno Gaspar:

    No PiPismo também não gostam do princípio do terceiro excluído.

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  15. Ó João Vasco,

    está a falar do blog "o meu pipi"?

    Era muito bom, era.

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  16. Caro João,

    Obrigado pelo teu interessante comentário.

    O Gene Egoísta tem sido muito criticado, do ponto de vista estritamente biológico. Em Setembro do ano passado saiu um livro de Mary Midgley intitulado "The Solitary Self: Darwin and the Selfish Gene" onde é feita uma crítica demolidora à teoria de Dawkins. Por outro lado, o mesmo Dawkins escreve as suas obras em que critica a religião (todas, praticamente) referindo-se apenas aos argumentos dos criacionistas e do projecto inteligente, ignorando sistematicamente que essas não são as únicas perspectivas cristãs, e que predominam na América, não na Europa. Dawkins ignora sistematicamente as posições dos cristãos que integram o cristianismo e o darwinismo. Porquê? Porque tem que seguir a estratégia de escolher os seus inimigos que mais facilmente pode vencer, ignorando os outros.

    Ora, parece-me que esta é também a estratégia dos ateus nos portais que conheço (ktreta, diário ateísta, portal ateu....). Como já disse noutras ocasiões, esta estratégia não adianta ao ateísmo porque não belisca senão aquelas correntes cristãs que precisam realmente ser beliscadas. Neste sentido, esta estratégia promove o cristianismo mais racional e actualizado em relação, por exemplo, à ciência.

    Cordiais saudações,

    Alfredo Dinis

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  17. Caro Alfredo,

    Sobre biologia não sei muito mais do que aquilo que se aprende até ao 12º (em ciências), portanto é natural que alguma incorrecção em que Dawkins tenha incorrido no «Gene Egoísta» me tenha passado despercebida.

    No entanto queria fazer algumas observações:

    a) dificilmente poderá ter sido feita uma crítica demolidora à «teoria de Dawkins», porque não se trata de um livro científico, mas sim de um livro de divulgação. Nesse sentido, não é apresentada nenhuma teoria de Dawkins, ao ponto de eu nem saber a que teoria é que se poderá estar a referir.

    b) também não é verdade que Dawkins ignore a existência de cristãos ou religiosos não criacionistas. Nos livros que li, em particular o «God delusion», são tantas vezes referidos que eu nem sei como é possível acreditar que são ignorados pelo autor depois de ter lido algum desses livros.

    c) «Porquê? Porque tem que seguir a estratégia de escolher os seus inimigos que mais facilmente pode vencer, ignorando os outros.»
    Dawkins não ignora os restantes, portanto a pergunta está errada pela base. Mas imaginemos que o Alfredo pergunta porque é que Dawkins dá mais importância aos criacionistas do que aquilo que o Alfredo considera que deveria dar.
    A resposta que o Alfredo dá a essa perunta limita-se à afirmação infundamentada de que o autor não está de boa fé. Se assumisse o contrário poderia dar outras explicações tais como enviesamento profissional (dada a profissão de Dawkins e aquilo que considerará ser o maior erro científico no seu campo) ou o facto de preferir dedicar mais esforço a desmistificar os equívocos mais perniciosos, considerando os equívocos criacionistas mais flagrantes e perniciosos do que os equívocos da religião em geral.

    d)«Como já disse noutras ocasiões, esta estratégia não adianta ao ateísmo porque não belisca senão aquelas correntes cristãs que precisam realmente ser beliscadas. Neste sentido, esta estratégia promove o cristianismo mais racional e actualizado em relação, por exemplo, à ciência. »
    Portanto o Alfredo considera que essa estratégia tem consequências positivas, mas pelas suas palavras deduz-se que a explicação para tal estratégia parte da má fé, da vontade dos ateus de «escolher os inimigos que mais facilmente se pode vencer».

    Se o critério para aferir a «vitória» for a persuasão do interlocutor, qualquer dos participantes «veteranos» (de ambos os lados) nestas conversas é virtualmente «invencível» (como o seria uma pedra). Ainda assim eu arriscaria dizer que o Jonatas deve ser mais invencível do que o Alfredo (no sentido em que estaria mais perto da pedra...).

    Se o critério para aferir a «vitória» for a persuasão de terceiros, não existe qualquer forma de aferi-la.
    Eu especulo que o Alfredo seja mais persuasivo que o Jonatas - quero viver num mundo em que isso acontece - mas duvido muito que tais especulações condicionem quem quer que seja a escolher falar sobre o criacionismo e não sobre outro tema.

    Aquilo que vejo é o contrário - esta gente (na qual me incluo) não tem vontade de fugir a qualquer debate seja com quem for, sacrificando uma boa quantidade do seu tempo livre para o fazer. É mais agradável discutir com o Alfredo do que com o Jonatas, e não é nenhuma procura de «vitória virtual» que faz com que se fale no criacionismo - é mais a dimensão do fenómeno e do erro.

    Cordiais saudações,

    João Vasco

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  18. «Eu especulo que o Alfredo seja mais persuasivo que o Jonatas - quero viver num mundo em que isso acontece - mas»

    o aparte é um acrescento e não uma fundamentação. Era suposto ter escrito um « e quero », mas pelos vistos o «e» não saiu.

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  19. Obrigado, Arcanjo Gabriel. Já acrescentei o link para o cache.

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  20. Alfredo,

    Eu, como muitos outros, não considero que o Dawkins seja infalível. Na verdade, não considero que ninguém seja infalível. Isto porque considerar alguém infalível implica aceitar o que me diz, nesse caso, como absolutamente verdadeiro e impossível de estar errado. Ora, para fazer isso, tenho da assumir primeiro que eu sou infalível a identificar essa pessoa como infalível. Não me arrogando dessa capacidade não posso considerar ninguém infalível.

    E considerares que só um Papa foi infalível e que o foi só uma vez não faz qualquer diferença. Também para essa vez tens de assumir, implicitamente, que tu és infalível quando fazes esse juízo. Porque se admitires que podes estar enganado e, afinal, esse Papa dessa vez não tiver sido infalível, então não o podes considerar infalível.

    Seja como for, peço-te que sejas claro e me digas se admites que, entre eu e tu, só tu é que consideras que alguém é infalível, ou então que digas claramente que me julgas mentiroso quando afirmo que não considero ninguém infalível. Caso contrário vamos andar aqui às voltas comigo a dizer que não considero ninguém infalível e tu a dizeres que eu considero o Dawkins infalível. Será pouco produtivo...

    Nota também que isto não é o mesmo que concordar. Por exemplo, eu concordei com o site da BBC quando li aquela notícia, mas não considero a BBC infalível, tanto que quando encontrei evidências contrárias concluí que a BBC tinha errado. O problema da infalibilidade é excluir a possibilidade de mudar de ideias. E quando se exclui essa possibilidade, de nada vale esse “questionar”.

    Já agora, pedia-te que me dissesses, em concreto, onde achas que um Papa foi infalível. E, de especial interesse, como é que podes ter essa certeza absoluta de que esse Papa foi infalível nessa ocasião.

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  21. Nuno,

    «Arriscam, como neste caso, a fazer figura de tolinhos.»

    Se alguém enganar-se e admitir que se enganou faz figura de tolinho, parece-me que só quem for desonesto é que evita fazer essa figura. Porque duvido que haja quem nunca se engana. E entre ser desonesto ou fazer figura de tolinho, prefiro a figura. Do mal o menos.

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  22. Alfredo,

    «O Gene Egoísta tem sido muito criticado, do ponto de vista estritamente biológico.»

    Pessoalmente, acho o “The extended phenotype” muito mais interessante, nesse contexto.

    «Dawkins ignora sistematicamente as posições dos cristãos que integram o cristianismo e o darwinismo. Porquê?»

    Julgo que seja porque lhe interessa principalmente os problemas que a religião traz à compreensão da ciência.

    «Porque tem que seguir a estratégia de escolher os seus inimigos que mais facilmente pode vencer, ignorando os outros. Ora, parece-me que esta é também a estratégia dos ateus nos portais que conheço (ktreta, diário ateísta, portal ateu....)»

    Eu não te considero meu inimigo (pelo contrário), não acho que te ignore e não tenho qualquer objectivo de te “vencer”. Nem percebo o que seria isso. Eu discuto estas coisas contigo porque são assuntos que me interessa e porque me parece te interessam também. Portanto acho que essa caracterização da minha “estratégia” é, além de injusta, completamente falsa.

    «esta estratégia não adianta ao ateísmo porque não belisca senão aquelas correntes cristãs que precisam realmente ser beliscadas»

    Por exemplo, aquela corrente cristã que afirma saber que Maria era virgem e que o seu filho era a encarnação humana do criador do universo, mas que não consegue explicar como é que conseguem saber uma coisa dessas.

    «Neste sentido, esta estratégia promove o cristianismo mais racional e actualizado em relação, por exemplo, à ciência.»

    E isso seria óptimo. Se os cristãos todos percebessem que o conhecimento exige a capacidade de testar as hipóteses de forma objectiva e que, por isso, as suas crenças são algo pessoal e não algo que possam afirmar saber – que não sabem se a hóstia se transubstancia, que o Papa é infalível, que Deus existe, mas apenas acreditam nessas coisas – poderíamos finalmente substituir as religiões como instituições baseadas numa falsa autoridade e cada um usufruir da sua liberdade de crença sem interferir na vida dos outros. Por exemplo, sem querer proibir divórcios, casamento entre pessoas do mesmo sexo, contracepção, etc.

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  23. alfredo dinis: ... «Foi pena não teres referido tudo o que disse sobre a infalibilidade papal. Depois deste reconhecimento pelo Concílio Vaticano I, em 1870, esta infalibilidade foi expressa apenas uma vez pelo Papa Pio XII. Ora, a infalibilidade de Dawkins, Harris, Hitchens,etc. é permanente. Continuo pois a dizer que infalibilidade por infalibilidade prefiro a do Papa.» ...

    * Vatican > The Successor of Peter Teaches Infallibly ( http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/audiences/alpha/data/aud19930317en.html ) :
    «For bishops are preachers of the faith, who lead new disciples to Christ, and they are authentic teachers, that is, teachers endowed with the authority of Christ, who preach to the people committed to them the faith they must believe and put into practice... Bishops, teaching in communion with the Roman Pontiff, are to be respected by all as witnesses to divine and Catholic truth. In matters of faith and morals, the bishops speak in the name of Christ and the faithful are to accept their teaching and adhere to it with a religious assent» ... «This religious submission of mind and will must be shown in a special way to the authentic Magisterium of the Roman Pontiff, even when he is not speaking ex cathedra; that is, it must be shown in such a way that his supreme Magisterium is acknowledged with reverence, the judgments made by him are sincerely adhered to, according to his manifest mind and will. His mind and will in the matter may be known either from the character of the documents, from his frequent repetition of the same doctrine, or from his manner of speaking»

    * http://en.wikipedia.org/wiki/Papal_infallibility#Instances_of_papal_infallibility
    * http://www.ewtn.com/library/CURIA/CDFADTU.HTM


    Alfredo, está a dizer que o Ludwig e outros ateus consideram que Dawkins, Harris e Hitchens são infalíveis? Se a reposta é "não", como harmoniza o seu argumento com a honestidade intelectual?

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  24. 'there are no gods' (1/3)

    http://youtu.be/YkExxkrMyU4

    'there are no gods' (2/3)

    http://youtu.be/Pt9x3CnxApo

    Morality 1: Good without gods

    http://youtu.be/T7xt5LtgsxQ

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  25. Caro Alfredo,

    Posso apresentar-lhe vários pontos em que discordo de Dawkins (e ainda mais em que discordo de Harris e Hitchens!). Antes de o fazer, porém, gostaria de apontar a futilidade desse exercício: eu poderia concordar com tudo o que o indivíduo diz, mas o importante é que eu concorde com as suas ideias porque elas têm mérito próprio e não porque ele seja a fonte de onde elas provêm. Repare, se eu disser que alguém é infalível, então desligo o critério para a aceitação das suas afirmações dos méritos inerentes a essas afirmações; se por outro lado eu não achar que alguém é infalível, posso ainda assim concordar com ele, não por ser ele a fazer as afirmações mas por causa dos méritos das afirmações em si. Creio que conseguirá apreciar esta diferença, subtil talvez, mas relevante.

    Dito isto, para que não pareça que me estou a esquivar à questão, posso deixar vários pontos em que discordo de Dawkins. Discordo dele, por exemplo, em que eu creio que a islamofobia é um fenómeno real (Dawkins parece viver na ilusão de que toda a crítica ao Islão é tão fundamentada como a que ele faz...); em termos de biologia, discordo dele em que aceito a existência de selecção multinível, embora apenas em casos muito excepcionais e certamente pouco relevantes; em termos políticos, discordo dele em que nunca votaria LibDem caso fosse britânico; em termos educativos, discordo dele por ele ter aceite ensinar na escola elitista para filhos de pais ricos do AC Grayling; etc. Se quiser posso enumerar outras discordâncias, mas penso ser suficiente para o meu argumento.

    Passo agora a comentar o seu post de hoje às 11:25. Diz que o Gene Egoísta tem sido criticado do ponto de vista biológico, indo ao ponto de apontar "críticas demolidoras". Ora, sou um mero estudante de biologia, mas nunca me deparei com tais críticas demolidoras. Há alguma controvérsia ligeira, maioritariamente centrada em redor de David Sloan Wilson, mas dificilmente se pode considerar uma crítica "demolidora". Não faz sentido apontar autores fringe como evidência para "grandes" controvérsias.

    Depois diz que Dawkins se refere apenas aos argumentos dos criacionistas nos seus livros. Ora, em God Delusion (bem como na sua vida, fora dos livros) ele vai muito mais longe do que os criacionistas, criticando todo o fenómeno religioso; já nos restantes livros, não vai além do criacionismo pelo simples facto de serem livros sobre biologia e não sobre religião: convém não misturar alhos com bugalhos, ou biologia e filosofia. Que sentido faria pôr-se a criticar o deísmo num livro sobre evolução?

    É completamente falso que Dawkins ignore sistematicamente as posições dos cristãos que integram o cristianismo e o darwinismo. Reconhece-as, tendo até feito acções em conjunto com o arcebispo da Cantuária para promover o ensino da evolução. Afirmações infundadas e falsas não contribuem para um debate razoável.

    Abraço,
    Gil Henriques

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  26. Ludwig,

    Além da teoria dos memes, razão de viver do Dennet, já devidamente rebaixada à categoria de romance, quais as outras tentativas de contribuição originais de Dawkins, no campo da Biologia?

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  27. Nuno:
    - o Ludwig acredita na hipótese da memética (ie: a herança cultural funciona como a evolução darwiniana)?

    - o Ludwig acredita que Dawkins é infalível?

    - o que isso tem a ver com a infalibilidade papal?

    - Dawkins é etólogo e daí criou modelos de decisões animais, aplicando a teoria dos jogos ao comportamento animal. Ele é reconhecido pelo seu conceito de fenótipo extendido (não pelos memes...), que é uma das bases da investigação da evolução a nível da genética molecular. A Oxford Institute institui o prémio Richard Dawkins em 2004 para estudos do comportamento animal importantes para a conservação de espécies.

    - Vamos supor que Dawkins não fez qualquer contribuição: qual é a relevância para o post do Ludwig? É para justificar os dogmas religiosos para a falta de contribuições de Dawkins?

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  28. Já agora, as contribuições de Dennett na filosofia:
    - heterofenomenologia,
    - postura intencional,
    - modelo de rascunhos múltiplos da consciência,
    - reducionismo egoísta,
    - "intuition pump",
    - investigação com Linda LaScola.

    Contribuições de William Lane Craig:
    - o argumento de Kalam

    Seria interessante se nos explicasses qual é a relevância de Dawkins e Dennet naquilo que está a ser discutido, para perceber se estás a tentar desviar para outros assuntos completamente irrelevantes.

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  29. Troll,

    Não tens nome de gente?

    Não estou interessado em discutir a infalibilidade papal. Mas tenho curiosidade em saber qual é o contributo efectivo que auto-intitulados porta-vozes da ciência, em regime de exclusividade, lhe deixam.

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  30. - não tenho nome de gente,
    - é irrelevante se o tenho (qual é a diferença?),
    - já os apresentei os contributos de dois deles, se está honestamente interessado,
    - é curioso não estar interessado na infalibilidade papal onde o tema é exactamente esse;
    - http://troll-provas.blogspot.com/

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  31. Nuno, prove que o que disse é verdade para verificar se não está a difamar: «auto-intitulados porta-vozes da ciência, em regime de exclusividade, lhe deixam».

    Não quero invenções. Quero uma prova genuína, usando uma citação de quem acusa para prová-lo, tal como faço nos meus blogs para refutar os outros:
    - http://troll-provas.blogspot.com
    - http://troll-criacionismo.blogspot.com

    Para a próxima vez que me dirigir a palavra, pense sete vezes antes de fazer acusações a seja quem for.

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  32. E eu quero saber o seu nome.

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  33. Diz o Nuno Gaspar "as grandes questões da nossa vida, como o mal ou o fim"

    Não posso estar mais de acordo com ele. São estas questões que fornecem os indícios da existência de Deus.

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  34. Nuno Gaspar, não tenho nome e enquanto não tiver, espero que na Web julguem-me pelo que digo em vez do que sou.

    Enquanto não me apresentas provas, apresento algumas razões para julgar que estás a difamá-los:

    "O Espectáculo da Vida", Richard Dawkins (p.17):
    «Diz-se amiúde, e com justiça, que os membros mais importantes do clero e teólogos não têm problemas em aceitar a evolução e que, em muitos casos, dão um apoio activo aos cientistas a esse respeito. Isto costuma ser verdade, pelo que posso testemunhar da agradável experiência que foi colaborar com o antigo bispo de Oxford, actual Lorde Harries, em duas ocasiões diferentes.»
    (Até fez a mesma menção em "A Desilusão de Deus")

    - Kenneth R Miller on Richard Dawkins
    - Richard Dawkins and Bishop Harries
    - Richard Dawkins Interview With Bill Maher
    - Christopher Hitchens says "I'm dying."

    Se é honesto, apresenta-me provas para defender a sua acusação, ou não reconhece que, pelo menos, você exagerou. Se é desonesto, vai enveredar noutras questões, como o meu nome.

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  35. O "não" no último parágrafo está a mais.

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  36. Ó Trollaró,

    Eu só quis dizer que há um grupo de pessoas, muitos deles deslumbrados com as coisas que os 4 cavaleiros do apocalipse dizem e escrevem, que passam uma parte do seu tempo a cavar uma trincheira entre o que pensam ser religião e ciência e reclamar o último como seu território exclusivo. Tanto que se entretêm a contar quantos ditos cientistas são crentes ou ateístas e coisas do género.
    Agora, é verdade que com o pressentimento da aproximação aos calores do forno crematório esse discurso amolece um bocado.

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  37. Então
    «tenho curiosidade em saber qual é o contributo efectivo que auto-intitulados porta-vozes da ciência, em regime de exclusividade, lhe deixam»
    significa o mesmo que:
    «há um grupo de pessoas, muitos deles deslumbrados com as coisas que os 4 cavaleiros do apocalipse dizem e escrevem, que passam uma parte do seu tempo a cavar uma trincheira entre o que pensam ser religião e ciência e reclamar o último como seu território exclusivo»

    Para ajudar-te a satifazer-te essa curiosidade, convém dares exemplos de pessoas desse tal grupo para te ajudar a enumerar os seus contributos, para ver se consigo mais uma vez fazer algo como em: http://troll-provas.blogspot.com

    Já que tinhas usado o nome de Dawkins, pensei em dar exemplos sobre ele. Mas não quis que perdesses a oportunidade de fazer um comentário típico de neo-ateu, por isso acrescentei Cristopher Hitchens.

    Estou a escangalhar-te?

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  38. Nuno,
    se és honesto, agora vais ter de também de provar o seguinte: «é verdade que com o pressentimento da aproximação aos calores do forno crematório esse discurso amolece um bocado.»

    Também vais ter de dar nomes do tal grupo e provar aquilo que acusas na mesma condição que coloquei, se és mais honesto que um neo-ateu.

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  39. Troll,

    Fiquei satisfeito com os exemplos que deste do Dawkins. Ele centra a explicação dos processos evolutivos na genética quando outras dimensões da evolução como a epigenética, o comportamento ou a cultura já estão razoavelmente esclerecidos e deram um pontapé na mesa dessa teorias. O Dennet vamos investigar melhor quando tivermos vagar.
    Mas a impressão com que ficamos é que essa gente se farta de escrever romances e poesias que os confortem na conclusão de uma narrativa preconceituosa, mesquinha e infantil: Deus existe/não exite; sem qualquer capacidade de predizer ou intervir no que vem a seguir. Uma masturbação,como tantas outras.

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  40. Este comentário foi removido pelo autor.

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  41. E enquanto não tiveres a decência de te apresentares a uma conversa com o teu nome verdadeiro evita utilizar a palavra honestidade.

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  42. Nuno Gaspar,

    O Dawkins considera o conceito de “extended phenotype” o seu maior contributo para a biologia, e eu concordo. É um conceito muito importante porque permite perceber o papel dos genes – o seu efeito ou fenótipo – como algo interligado com o ambiente e até com outros genes. Por exemplo, o espirro faz parte também do fenótipo dos vírus da gripe; a teia faz parte do fenótipo da aranha e o dique faz parte do fenótipo do castor, se considerarmos o fenótipo como algo que se estende por toda a esfera de influência desses genes.

    Quanto aos memes, é uma hipótese interessante, permite olhar para alguns problemas de forma diferente, mas a memética não tem o rigor matemático da genética nem os memes se podem identificar de forma tão concreta como os genes. Além disso, o Dawkins apenas inspirou a ideia. Têm sido outros, como a Susan Blackmore, que tentaram fazer dessa noção vaga uma teoria mais útil, se bem que com um sucesso até agora algo limitado.

    Seja como for, não acho que o Dawkins seja infalível. Nem ele, nem ninguém (incluindo o Ratzinger, por estranho que lhe pareça...)

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  43. João Vasco disse...

    Caro Alfredo,

    Sobre biologia não sei muito mais do que aquilo que se aprende até ao 12º (em ciências)

    meu DEUS o João Vasquismo admitiu que tem uma educação deficiente em Biologia
    diga-se de passagem que os novos programas do 12º dão algumas luzes de genética muito básica

    Nuno Gaspar disse...

    E enquanto não tiveres a decência de te apresentares a uma conversa com o teu nome verdadeiro

    meu excelentíssimo senhor doutor padre bispo Engenhêro Arquitecto eu já tive passaportes com tantos nomes diferentes que nem me lembrava do original

    como disse uma vez a uma moça de cabelo pintado de laranja
    e uma argola no nariz

    e o que é um nome

    somos todas pessoas incognitas in internet meos

    filhos de nomes incognitos só yo conheci uns 300 Nunos alguns deles 2 ou 3 chamavam-se Gaspar duvido que ocemecê seja um deles

    mas se o Troll se chamasse Carlos Bernardo Carlos Cortez ou Carlos Bobbone
    também teria dúvidas que fosse uma das personagens que conheço superficialmente

    isso invalidaria o seu raciocínio ou a falta dele?

    pinso je ki non

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  44. Ludwig Krippahl disse...

    Nuno Gaspar,

    O Dawkins considera o conceito de “extended phenotype” o seu maior contributo para a biologia....foi? não sabia

    É um conceito muito importante porque permite perceber o papel dos genes – o seu efeito ou fenótipo – como algo interligado com o ambiente e até com outros genes. Por exemplo,

    o espirro faz parte também do fenótipo dos vírus da gripe

    fenótipo são características observáveis

    os vírus só têm uma cápside proteica e por vezes nem isso

    e RNA ou DNA

    um virus nem sequer é considerado um ser vivo pela maioria dos biólogos uns 99,9% logo falar de fenótipo numa coisa que é ultra-microscópica

    é treta

    o espirro é ou pode ser um sintoma de irritação das vias aéreas superiores

    a tosse pode ter origem pulmonar

    as tretas são geradas por Krippahl que foi gerado pelas Tretas?

    essa parte da cosmogonia krippahlista é mais confusa

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  45. Caríssimos João, Ludwig, Gil,

    Considero que o termo ‘má fé’ tem uma conotação moral e equivale a ‘desonestidade moral e consciente’. Não tenho dados suficientes para me pronunciar sobre esta questão no que se refere a Dawkins, e concedo-lhe o benefício da dúvida. Pronuncio-me em relação tanto a ele como aos autores ateus mais recentes numa perspectiva objectiva com base na teoria da argumentação.

    Dawkins refere-se a autores cristãos que aceitam a teoria da evolução, e até debate o assunto com alguns, como mostram muitos vídeos acessíveis na net. Todos nós sabemos isso. No entanto, o que me parece é que ele não retira daí nenhum ensinamento, não considera que esse facto seja um dado interessante quando discute a relação da ciência com a religião em geral, e a relação do evolucionismo com o cristianismo em particular. Nas suas obras, Dawkins não entra em diálogo com esses autores, preferindo até dizer que não vale a pena perder tempo com livros de teologia, muito dos quais debatem em profundidade e com objectividade as questões que Dawkins aborda.

    Já tive oportunidade de ouvir uma conferência de Dawkins durante uma hora, em Berkeley, para uma audiência de 500 estudantes. A conferência não passou de um longo argumento falacioso que em teoria da argumentação tem o nome de ‘falácia do espantalho’: apresenta-se o adversário em tons ridículos e absurdos para no final lhe dar o golpe de misericórdia. Dawkins é bom comunicador e os estudantes riram-se do princípio ao fim da conferência com as contínuas piadas do autor. Para mim foi uma pura perda de tempo. Talvez me falte suficiente sentido de humor.

    Comparo a posição de Dawkins e de outros chamados ‘novos ateus’ a alguém que pretendesse ridicularizar a ciência apresentando exemplos retirados da astrologia ou da alquimia. Ao basear a sua crítica ao cristianismo nos elementos dos criacionistas e do projecto inteligente e não nos argumentos dos cristãos que ele conhece e que aceitam a teoria da evolução em termos científicos, parece-me que Dawkins faz o que eu equivocadamente faria nos exemplos da astrologia e da alquimia.

    Quanto ao facto de Dawkins não ser considerado infalível, ao passo que os católicos se inclinam acriticamente perante a infalibilidade do papa (tema recorrente nos posts do Ludwig), posso garantir que até hoje não foi publicado nenhum livro com o título “Como o Papa nos ensinou a pensar”. Nem virá a ser publicado, posso garantir-vos. Já agora, deixo aqui uma passagem da Introdução à edição portuguesa de “A Desilusão de Deus”: “Richard Dawkins é o Voltaire do nosso tempo em acutilância, perspicácia, lucidez, ironia no limiar do sarcástico, estilo, fluidez literária, respeito pelo leitor.”. Compare este texto com este outro de Desidério Murcho no jornal Público. Depois de elogiar a competência científica de Dawkins escreve o Desidério: “Este seu último livro é uma defesa do ateísmo. E como seria de prever, para quem conhece bem Dawkins, é um desastre. Dawkins é incapaz de abordar este tema com distanciamento e não parece disposto a estudar um pouco. Assim, sobretudo na primeira parte, o livro pouco mais é do que uma colecção avulsa de ideias soltas, revelando uma ignorância atroz de alguma bibliografia fundamental. Nem se percebe bem que tipo de público tem Dawkins em mente. Dado que passa grande parte da primeira parte do livro a insultar abertamente qualquer pessoa que acredite que Deus existe, não pode ter em mente persuadir estas pessoas a mudar de ideias. Por outro lado, incomoda qualquer ateu educado e sensato que concorde com o princípio geral de Dawkins de que o ateísmo precisa de ser vigorosamente defendido na sociedade contemporânea: defender o ateísmo vigorosamente é muito diferente de defendê-lo atabalhoadamente.”

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  46. É verdade que o João discorda por vezes do Ludwig, e acho isso muito salutar. Mas em geral o tom das intervenções em geral dos comentadores deste post é o de darem os parabéns ao Ludwig por tudo aquilo que escreve. Embora muito dos seus textos tenham qualidade, há também um número considerável deles, muitas vezes objecto de grandes e acríticos elogios, que são de uma grande superficialidade argumentativa.

    Embora os aspectos em que o Gil discorda de Dawkins sejam em grande parte marginais registo as críticas, sobretudo as mais objectivas. Mas deverão os três concordar comigo em que Dawkins é em geral citado como um ‘Voltaire do nosso tempo’ ao passo que autores identificados com alguma religião são em geral citados para provar a sua suposta falta de inteligência e de espírito crítico.

    Cordiais saudações,

    Alfredo Dinis

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  47. Alfredo,

    «Comparo a posição de Dawkins e de outros chamados ‘novos ateus’ a alguém que pretendesse ridicularizar a ciência apresentando exemplos retirados da astrologia ou da alquimia. Ao basear a sua crítica ao cristianismo nos elementos dos criacionistas e do projecto inteligente e não nos argumentos dos cristãos que ele conhece e que aceitam a teoria da evolução em termos científicos, parece-me que Dawkins faz o que eu equivocadamente faria nos exemplos da astrologia e da alquimia.»

    É uma má comparação. Em ciência há métodos consensuais, e objectivos, para determinar a verdade de alegações. Aplicando esses métodos, conclui-se que tanto a astrologia como a alquimia são falsas. E isto não só é consensual em ciência como é consensual nesta conversa, entre nós os dois. Ambos concordamos certamente com isto, e penso que tu não vais defender que a astrologia ou a alquimia são ciências legítimas.

    Em contraste, o cristianismo não tem um método objectivo consensual que permita excluir o criacionismo. E, mais uma vez, estamos ambos de acordo nisto. Penso que tu terás de admitir que há correntes da religião cristã, que fazem parte do cristianismo mas que são criacionistas. Será errado tu dizeres que o Mats ou o Jónatas não são cristãos, por exemplo.

    Por isso é muito diferente apontar o criacionismo como um defeito de algumas correntes cristãs ou apontar a astrologia como um defeito de algumas áreas da ciência. Porque, objectivamente, podemos dizer que a astrologia não é ciência mas, objectivamente, temos de admitir que muitos criacionistas são cristãos.

    «Quanto ao facto de Dawkins não ser considerado infalível, [...] posso garantir que até hoje não foi publicado nenhum livro com o título “Como o Papa nos ensinou a pensar”.»

    O que pode ser verdade mas é completamente irrelevante. Podes ter um livro desses publicado por um filósofo, psicólogo ou neurologista sem que ninguém o considere infalível.

    «Compare este texto com este outro de Desidério Murcho no jornal Público»

    Isso apenas nos diz que há pessoas que dão muito valor ao que o Dawkins escreve, outras que acham que ele mete os pés pelas mãos. O que é muito comum com qualquer autor. O que não será comum é ateus defenderem que é incorrecto criticar Dawkins alegando que ele é infalível de acordo com o dogma da infalibilidade como estipulado pelo próprio Dawkins. Não só porque o Dawkins nunca disse ser infalível, como porque tal coisa seria perfeitamente ridícula :)

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  48. Caro Ludwig,

    Se partirmos do princípio, como penso ser o teu caso e também o do 'novos ateus' de que a verdadeira interpretação da Bíblia é a literal e só ela, então não há muitas razões para procurar critérios que falsifiquem o criacionismo. Mas não há literalismo puro, abstracto. O sentido dos termos e dos textos não é sempre o mesmo ao longo dos séculos e esta é uma das razões pelas quais o literalismo puro e duro defendido pelos criacionistas não tem qualquer fundamento.

    Por outro lado, considerar que se deve interrogar a Bíblia para nela encontrar teorias científicas acerca do universo também não faz sentido. Se fizesse, valeria a pena procurar na Bíblia a teoria unificada do universo que tantas dores de cabeça tem dado a muitos cientistas. Mas essa teoria não está lá, como não está lá nenhuma outra. Ora, os criacionistas acham que sim, que está lá a explicação sobre a origem do universo e da vida. Se estão lá estas, porque não estarão outras que ainda desconhecemos? E por que se preocuparia Deus a revelar-nos teorias que podemos formular por nós próprios? Esta já era a questão levantada por Galileu:

    "Eu acreditaria que a autoridade das Sagradas Letras tivesse tido em mira apenas persuadir os homens daqueles artigos e proposições que, sendo necessários para a salvação deles, e superando todo o discurso humano, não poderiam tornar-se credíveis nem por outra ciência, nem por outro meio, senão pela boca do próprio Espírito Santo. Mas que aquele mesmo Deus, que nos dotou de sentidos, de discurso e de intelecto tenha querido, preterindo o uso destes, nos dar por outro meio as informações que podemos conseguir por aqueles, não penso que seja necessário crê-lo."(Carta a Benedetto Castelli)

    Por estas e por outras razões, o criacionismo não tem ponta por onde se lhe pegue. Com base em critérios objectivos. Tal como a astrologia e a alquimia.

    Saudações,

    Alfredo

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  49. A comparação da astrologia e da alquimia como espantalho de uma crítica à ciência como Dawkins utiliza o criacionismo para criticar a religião é muito válida. Não basta falar em astros para que se trate de astronomia ou de elementos para que se trate de química ou de Deus para que se trate de religião. Aliás, o próprio criacionismo, como proposta de explicação para a origem das espécies, é muito mais uma proposição científica, errada, do que religiosa. A religião tem menos interesse em perceber como o mundo funciona do que em descobrir o que fazer com a nossa vida nele.

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  50. Caro Alfredo Dinis:

    «Se partirmos do princípio, como penso ser o teu caso e também o do 'novos ateus' de que a verdadeira interpretação da Bíblia é a literal e só ela, então não há muitas razões para procurar critérios que falsifiquem o criacionismo. »

    Isto é perfeitamente errado.

    Ninguém alega que a leitura correcta de um texto é a literal, até porque a palavra tem uma conotação negativa que indicia enviesamento na interpretação do texto num determinado sentido.

    Aquilo que eu - e outros ateus - alegamos é que repetidas vezes a Igreja Católica interpreta os textos de forma a que eles digam algo muito diferente - por vezes completamente oposto - da intenção do autor, e a esta crítica vários católicos respondem - sem fundamento - que quem a faz propõe uma interpretação literal em alternativa.

    E para não falar no abstracto, eu ilustro com uma situação concreta do Novo Testamento:

    «Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor;

    Porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja, sendo ele próprio o salvador do corpo.

    De sorte que, assim como a Igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos.»

    Isto num contexto de vários textos em que é dito pelo mesmo autor que a mulher não deve falar na Igreja, não deve poder ensinar, etc.. (Colossenses 3:18)

    A Igreja Católica consegue fazer uma interpretação tão enviesada deste texto, que quem confie nessa interpretação fica a acreditar que o texto não é sexista.
    Ora maior traição à mensagem do autor não pode existir. O autor pede que as mulheres «se sujeitem» (ou "submetam", noutras traduções) ao marido da mesma forma que a Igreja a Cristo.

    Supondo que é a Igreja quem se sujeita a Cristo, e não Cristo à Igreja, a assimetria de deveres é gritante.

    Mas que o texto seja sexista, tendo em conta a época e a cultura em que foi escrito, não espanta muito. O que espanta é que em vez de reconhecer o sexismo, se interprete o texto de forma a que não exista sexismo algum.

    Seria como alegar que nos Maias o Carlos não é neto de Afonso, e que quem rejeita tal interpretação está a ser «literalista».

    «Por estas e por outras razões, o criacionismo não tem ponta por onde se lhe pegue. Com base em critérios objectivos. Tal como a astrologia e a alquimia.»

    Pode ser da opinião que o criacionismo é um conjunto de ideias «sem ponta por onde se lhe pegue». Mas outros serão da opinião que essa classificação se estenderá ao cristianismo em geral. De qualquer forma, isso é irrelevante.

    O Mats e o Jonatas terão muito a obstar ao cristianismo do Alfredo e do Nuno, como o Nuno e Alfredo terão a obstar ao deles. Mas não faz sentido negar que todos sejam igualmente legítimos. Todos eles são cristãos.

    Quanto à astrologia ser uma ciência, não creio que a mesma situação se verifique: os astrólogos não alegam que os biólogos não são verdadeiros cientistas, que eles é que são os cientistas. Nem os alquimistas afirmam que os químicos ou historiadores não sejam verdadeiros cientistas.
    Portanto existem aqueles que são cientistas indisputadamente, e aqueles - como os astrólogos ou alquimistas - que muitas vezes não alegam ser cientistas, e quando o fazem essa alegação está em disputa. Há uma verdadeira assimetria.

    Entre criacionistas e não-criacionistas a simetria é perfeita - cada um acredita que o outro não é um cristão «a sério», e cada um tem argumentos fortes para fazer essa alegação. Mas, objectivamente, ambos são cristãos, com perspectivas religiosas igualmente legítimas. Mesmo que eu, pessoalmente, tenha mais simpatia pelas perspectivas não criacionistas. O que fará o Mats sentir-se ainda mais confiante de que a sua posição é a certa ;)

    Cumprimentos,
    João Vasco

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  51. João Vasco,

    Já te disse que a simetria está entre quem equivocadamente pretende a partir de um contexto religioso elaborar teorias científicas e entre quem a partir de contexto científico labora propostas que têm a ver com religião. É por isso que se atraiem tanto.

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  52. Alfredo,

    «Se partirmos do princípio, como penso ser o teu caso e também o do 'novos ateus' de que a verdadeira interpretação da Bíblia é a literal e só ela,»

    Depois do que já conversámos sobre isso parece-me estranho que ainda penses assim. Vou tentar, mais uma vez, explicar-te o que eu penso da Bíblia. Por favor diz-me já se tiveres dúvidas, porque senão vamos andar às voltas nisto sem qualquer progresso.

    Eu acho que, se interpretada de acordo com o que lá está escrito e de acordo com o pensamento das pessoas que primeiro contaram essas histórias, das pessoas que viveram nessas épocas, daqueles que depois escreveram as histórias e até de muitos que as leram durante séculos, a Bíblia revela uma ignorância profunda acerca da natureza e um conjunto bárbaro de costumes que hoje, justamente, consideramos moralmente condenáveis. Desde as ideias que tinham acerca da origem do universo e das espécies à escravatura, à guerra e como tratavam as mulheres e as crianças, o que transparece não é uma obra intemporal de origem divina mas sim uma expressão de tradições tribais que, felizmente, ultrapassámos.

    É claro que se interpretares a Bíblia de uma forma diferente do seu sentido literal e ignorando as intenções de quem a escreveu, então podes tirar de lá o que quiseres. E, admito, dessa forma podes corrigir todos os erros. Quando lá diz que se deve apedrejar a filha que deixa de ser virgem antes de casar, podemos interpretar como sendo um exemplo de algo que nunca se deve fazer, e fica tudo bem. O problema aí é que deixa de ser preciso a Bíblia. Porque se vais ignorar o que lá está escrito para o interpretar à medida do que tu consideras correcto, então podes muito bem pensar por ti em vez de ir ver ao livro.

    Seja como for, há uma forma que muitos aceitam correcta de interpretar um texto: é fazê-lo de acordo com as intenções dos autores. É correcto interpretar “fogo que arde sem se ver” como metáfora porque podemos assumir que era essa a intenção de Camões. Mas, se usarmos este critério para interpretar, por exemplo, Mateus 21 19:22

    «E, avistando uma figueira perto do caminho, dirigiu-se a ela, e não achou nela senão folhas. E disse-lhe: Nunca mais nasça fruto de ti! E a figueira secou imediatamente.
    E os discípulos, vendo isto, maravilharam-se, dizendo: Como secou imediatamente a figueira?
    Jesus, porém, respondendo, disse-lhes: Em verdade vos digo que, se tiverdes fé e não duvidardes, não só fareis o que foi feito à figueira, mas até se a este monte disserdes: Ergue-te, e precipita-te no mar, assim será feito;
    E, tudo o que pedirdes na oração, crendo, o recebereis.»


    O que percebemos é algo evidentemente falso, e que até tu aqui tens rejeitado (de que Deus responde às nossas orações, tudo o que pedirmos, incluindo amaldiçoar uma figueira por não ter figos quando queremos).

    Nota, mais uma vez, que eu não estou a dizer que a interpretação literal é verdadeira. Pelo contrário. Eu acho que nada disto aconteceu nem acontece. O que eu estou a dizer é que quando olhamos para a Bíblia como foi escrita, pelo que lá consta e pela forma como os autores e seus contemporâneos interpretavam estes relatos, o que vemos é evidentemente um manifesto humano, cheio de conotações políticas, ficção, superstições e afins.

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  53. Alfredo,

    «Por estas e por outras razões, o criacionismo não tem ponta por onde se lhe pegue.»

    O criacionismo não tem ponta por onde se lhe pegue porque contradiz as evidências que temos. Mas, se estivéssemos a discutir isto há 300 anos atrás, tu não dirias o mesmo. Nessa altura não tínhamos nem as evidências nem as teorias necessárias para concluir que o criacionismo não tem ponta por onde se lhe pegue, e se eu estivesse a rejeitar o criacionismo tu, como representante da Igreja Católica, certamente me dirias que eu estava a cometer um erro porque a Bíblia descreve a criação tal como o criacionismo a propõe.

    O meu ponto, saliento, não é que a Bíblia é verdadeira se interpretada à letra. O meu ponto é que aquilo que interpretas da Bíblia te engana a menos que já saibas que é falso e por isso o reinterpretes de acordo com a informação que tens.

    Como método, isto é incorrecto. Em qualquer livro, se encontras uma afirmação que seja falsa quando interpretada de acordo com as intenções do autor, tu concluis que o autor cometeu um erro. Mas neste, e só neste, tu concluis que todas as interpretações, incluindo a do autor, estavam erradas e que só a tua é que está correcta. Isto é um mau método porque deixas de ter um livro e passas a ter uma mancha de Rorschach, onde só vês o que queres ver.

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  54. Ludwig

    Tu lês as obras dos grandes escritores da humanidade como se lesses um livro de receitas de cozinha?

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  55. Nuno Gaspar,

    «A religião tem menos interesse em perceber como o mundo funciona do que em descobrir o que fazer com a nossa vida nele.»

    Essa é uma posição conveniente, quer para quem queira perceber como o mundo funciona mas esteja a ser ameaçado pelos religiosos, quer para alguns religiosos modernos que percebem como a religião não presta para perceber a realidade. Infelizmente, é uma posição muito minoritária, e mesmo aqueles que a dizem defender abrem excepções para transubstanciações, milagres, nascimentos virgens, ascenção ao céu de corpo e roupa, infalibilidades ad lib, etc.

    Mas o facto é que, para a grande maioria dos religiosos, hoje e sempre, a religião é uma forma de magia e superstição. Serve para tentar manipular o mundo com promessas, orações e maldições. Seja para fazer secar a figueira, seja para que o filho tenha boa nota no exame, alguém se cure de uma doença ou o marido volte a ser fiel. E serve para sentir que se percebe o que se passa. Que há um Plano, que tudo vai correr bem, eventualmente, senão nesta vida então na próxima. E a própria crença numa vida depois da morte é do âmbito científico, e contrária à evidência de que dispomos (que nos diz que, sem cérebro, não resta nada do eu).

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  56. Sofrologista,

    «Tu lês as obras dos grandes escritores da humanidade como se lesses um livro de receitas de cozinha?»

    Sim e não. Não, porque não as interpreto como receitas. Sim, porque tento perceber nas palavras que leio o que o autor quer transmitir, em vez de projectar lá aquilo que eu gostava que fosse.

    Portanto, se leio uma receita de carne guisada não a interpreto como sendo de mousse de chocolate, mesmo que eu preferisse a mousse. Se leio a Bíblia, Shakespeare ou Goscinny também não vou reinterpretar o que leio à luz dos meus desejos ou preconceitos em vez de tentar perceber o que os autores queriam exprimir.

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  57. Entre muitos outros, David Lodge, escreveu uma coisa óbvia. Que o que caracteriza os génios da literatura, os grandes escritores da humanidade é as suas obras terem um conteúdo simbólico tão grande que não só ultrapassa os vários níveis metafóricos que eles quiseram imprimir às suas obras (como matrioskas que saem de outras matrioskas) como ultrapassa as intenções simbólicas conscientes dos próprios autores. É a capacidade que eles têm de "falar" com aqueles que eles próprios não imaginavam como destinatários transmitindo mensagens que são como chaves universais. Provavelmente isto não te faz sentido...

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  58. Sofrologista,

    Concordo que muitos autores escreveram coisas que ainda hoje fazem sentido. Não sei se isso de que escreveram sem saber que o faziam, e são tão génios que nem sabiam o que estavam a escrever, é muito persuasivo. Parece-me que o que acontece é que mais tarde lêem aquilo de outra forma. Por exemplo, quando um poema lírico pergunta onde está o meu amigo, hoje em dia, dando um sentido diferente ao termo, poderíamos pensar que se tratava de amizade e não de paixão amorosa.

    Mas, seja como for, quando leio o episódio em que Jesus amaldiçoa uma figueira e diz aos seus seguidores que, se acreditarem, todas as suas orações serão respondidas, mesmo se for para algo tão mesquinho e ridículo como vingar-se de uma árvore por não ter os frutos quando os queremos, não vejo aí nada de profundo ou intemporal. Bem pelo contrário.

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  59. Ludwig

    Dizes num comentário que "também não vou reinterpretar o que leio à luz dos meus desejos ou preconceitos em vez de tentar perceber o que os autores queriam exprimir."

    Achas mesmo que consegues?

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  60. Sofrologista,

    Acho que posso tentar e estar disposto a corrigir-me quando cometer esse erro. Parece-me muito mais honesto do que dizer que quem escreveu que um deus criou os céus e a Terra, os animais, etc, mesmo que acreditasse que isso era literalmente verdade afinal queria dizer algo completamente diferente...

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  61. Ludwig

    O meu comentário anterior tinha uma intenção imediata (resposta ao teu comentário) em que interpretavas um episódio dos Evangelhos.

    Mas era também uma constatação factual que me parece universal: todos interpretamos aquilo que lemos, aquilo que ouvimos, aquilo que sentimos, aquilo que vemos, à luz dos nossos "desejos ou preconceitos".

    A interpretação "objectiva" é impossível. A interpretação "objectiva" é, na maior parte dos casos, aquela que é comum à maioria (ou a uma maioria qualificada...).

    ResponderEliminar
  62. Sofrologista,

    A interpretação objectiva é impossível, obviamente, visto que tem de ser sempre um sujeito a interpretar. Mas é possível discutir objectivamente qual foi a intenção e interpretação do sujeito que escreveu. Por exemplo, parece-me que, independentemente de como interpretamos o Génesis, é objectivamente verdade que quem escreveu aquilo originalmente era criacionista.

    Portanto temos duas opções. Se nos dedicamos a interpretar subjectivamente, então ninguém tem mais razão que o outro, e o Alfredo não pode dizer que a sua interpretação subjectiva é melhor do que a do Jónatas Machado. Em alternativa, podemos considerar o que queriam transmitir as pessoas que criaram essas histórias. Aí podemos ser mais objectivos, e nesse caso é possível que um de nós esteja correcto e outro enganado. Mas isso leva-nos ao criacionismo.

    O que não podemos é ter as duas coisas misturadas, de tal forma que um católico faz uma interpretação subjectiva diferente da do autor mas afirma que a sua interpretação subjectiva é que é objectivamente correcta. Isso parece-me um erro.

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  63. Sim, é verdade. Não existe maneira de certificar "objectivamente" que é o Alfredo, o Jónatas, tu ou eu que tem razão. E, claro, muito menos cada uma destas personagens relativamente ao que afirmam (mbora seja algo cómico ler que tu afirmas que "independentemente de como interpretamos o Génesis, é objectivamente verdade que quem escreveu aquilo originalmente era criacionista").

    Dirás (ou direi eu pelo menos) que nesse caso não estamos aqui a discutir nada de válido (e Wittgenstein disse algo nesse sentido).

    E então a única coisa a fazer seria agirmos (éticamente ou não) em conformidade com o que nos apetece fazer ou com os nossos valores sem pensar duas vezes na fundamentaç=ao desse comportamento.

    Parece-me contudo que podemos, através de argumentos lógicos e indícios, chegar a conclusões probabilisticas sobre a realidade que nos rodeia, sobre a existência, sobre o sentido desta, sobre o universo, as suas origens e a sua (não?) intencionalidade. E mesmo que não cheguemos a acordo, estou convencido que vamos avançando mesmo quando nada parece indicar isso.

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  64. Nuno Gaspar,
    honestidade e decência não é dar o nome. É óbvio que toda a gente sabe que "troll" não é o meu nome. É um pseudónimo, tal como os que uso em concursos, para que os nomes não sejam influência na avaliação.

    Espero que também seja avaliado pelo que digo, não por usar um pseudónimo, em vez de deparar-me com uma atitude preconceituosa, mesquinha e infantil. Por essa via, não defendeu as acusações que fez. Isso é que é ser desonesto. Eu, por outro lado, pareço que satisfaço as suas curiosidades. Mas não se preocupe, que desvendarei o meu nome no seu devido tempo.

    Não percebi qual é a relação entre a epigenética e o fenótipo extendido. Podia esclarecer? E sabes qual é a distinção entre genótipo e fenótipo?
    Também gostaria de conhecer exemplos de teorias científicas que não receberam pontapés. O mendelismo? A física newtoniana?

    Há um hábito de atribuir qualidades a pessoas sem o justificarem. Por exemplo, porque razão a opinião de ateus críticos à religião é preconceituosa, mesquinha e infantil, mas opiniões de teístas críticos ao ateísmo não o são, especialmente, por exemplo, quando dizem que Karl Popper e Francis Collins são bons exemplos para perceber ciência, mas o contradizem, ou quando dizem que o ateísmo é o maior drama da humanidade ou comparam-no com o nazismo e comunismo?

    ResponderEliminar
  65. Scientific Theology, by Paul Giem:
    «Many think the term scientific theology is an oxymoron. The-
    ology, they say, has to do with God and the supernatural, and
    science is the study if nature, The two have nothing to do with
    each other.
    The thesis of this book is that science and theology have pro-
    found interactions with each other. I have chosen to use the term
    scientific theology for the synthesis I will describe. Scientific the-
    ology gets its name from two important properties. It attempts to
    fully integrate science into theology, and it views theological theo-
    ries as analogous to scientific theories.» ...
    «Part of what I mean by scientific theology is a theology that
    interacts with science. It takes the findings of science into ac-
    count, and it has something to say to science. Science and theol-
    ogy both approximate truth, and therefore must fit together har-
    moniously where they overlap. We do not have one truth for sci-
    ence and another for theology.» ... «We should not have one god for
    sociology and another for chemistry and another for history and
    another for religion, any more than our spiritual forefathers
    should have had a god for the sky and another for the river and
    another for the earth.» ... «Suppose that a
    scientific theory states that it is impossible to resuscitate anyone
    who has been dead over 1 hour, and that a theological doctrine
    states not only that one man rose from the dead after being dead
    over 24 hours, but that all the dead will rise someday. We cannot
    base our actions on both statements.»

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  66. Sofrologista,

    «mbora seja algo cómico ler que tu afirmas que "independentemente de como interpretamos o Génesis, é objectivamente verdade que quem escreveu aquilo originalmente era criacionista"»

    Não vejo o que tenha de cómico afirmar que, naquele tempo, a ideia consensual nesta cultura é que esse deus teria criado cada criatura de acordo com o seu tipo. Ou achas que quem escreveu o Génesis achava que as espécies que conhecia tinham originado por descendência e modificação a partir de antepassados comuns?

    Este tipo de coisas podemos discutir objectivamente. Que D. Afonso Henriques não sabia que o Sol era composto principalmente por hidrogénio e hélio, que Colombo julgava poder chegar à Ásia pelo Atlântico, e que os autores do Génesis não percebiam nada da teoria da evolução.

    «E então a única coisa a fazer seria agirmos (éticamente ou não) em conformidade com o que nos apetece fazer ou com os nossos valores sem pensar duas vezes na fundamentaç=ao desse comportamento.»

    Não. Isso não tem nada que ver com o que estamos a discutir. Estamos a discutir questões descritivas, e não normativas. Por exemplo, discutir se Thomas Jefferson tinha escravos não é o mesmo que discutir se a escravatura devia ser legal nos EUA. Outro grande problema nesta conversa é essa misturada.

    «Parece-me contudo que podemos, através de argumentos lógicos e indícios, chegar a conclusões probabilisticas sobre a realidade que nos rodeia, sobre a existência, sobre o sentido desta, sobre o universo, as suas origens e a sua (não?) intencionalidade.»

    Sim. É isso que faz a ciência. Mas não é isso que fazem as religiões, porque essas, com tretas como infalibilidades e revelações divinas, excluem logo à partida esse aspecto probabilístico de ir criando hipóteses e confiando nelas em proporção ao seu fundamento nas evidências.

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  67. a ciência chega a conclusões sobre a intencionalidade (ou não) do universo?

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  68. O sofrologista católico,

    "O sofrologista católico" é o teu nome verdadeiro?

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  69. Sofrologista,

    «a ciência chega a conclusões sobre a intencionalidade (ou não) do universo?»

    Pode chegar. Por exemplo, se a melhor explicação para algo (que melhor prevê e unifica observações) não inclui intencionalidade, então justifica-se concluir que não há nisso intencionalidade. É por isso que na metereologia atribuímos a origem das tempestades a fenómenos atmosféricos em vez da vontade de Zeus, na biologia atribuímos a evolução às mutações e selecção em vez da vontade de Ganesh ou Yahvé, etc.

    E quando a melhor explicação inclui intencionalidade, a ciência até nos dá mais do que as religiões conseguem dar. É por isso que não é a teologia que estuda Stonehenge, as pirâmides do Egipto, as pinturas em Lascaux, etc.

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  70. Ludwig,

    "alguns religiosos modernos que percebem como a religião não presta para perceber a realidade"

    Não presta para perceber a realidade tangível, assim como a ciência não serve para nos aproximarmos de realidades intangíveis, nem sequer para afirmar que só a primeira existe: escorrega logo para fora da sua base.

    "Infelizmente, é uma posição muito minoritária..."

    Como é que sabes isso?

    E que importância tem o facto de serem muitos ou poucos?

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  71. Trollaró,

    "tal como os que uso em concursos"

    concursos de quê, pá?

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  72. Troll,

    Já em tempos deixei aqui esta recomendação para perceber as limitações da explicação exclusivamente genética da evolução:

    "Evolution in four dimensions", Jablonka e Lamb.

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  73. Ludwig

    pode-se defender precisamente o contrário; o princípio antrópico pretende exactamente que os indícios revelados pela ciência apontam para uma intencionalidade na existência do universo

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  74. Nuno Gaspar,

    de desenho, filmes e programação. No primeiro concurso que participei, ganhei 10 mil euros com uma banda-desenhada. Os trabalhos devem ser assinados com pseudónimos, para que o júri não seja influenciado pela autoria. "O sofrologista católico" ... cof, cof!

    Já tenho uma colecção de livros sobre ciência e religião.
    Nestas duas últimas semanas passadas encomendei (sem contar com livros de informática):
    - "Evolution", de Colin Patterson,
    - "The Beginnings of Western Science: The European Scientific Tradition in Philosophical, Religious, and Institutional Context, Prehistory to A.D. 1450", de David C. Lindberg,
    - "What Americans Really Believe", de Rodney Stark,
    - "A Lógica da Pesquisa Científica", de Karl Popper (já tinha lido 3 livros do mesmo autor),
    - "A Escalada do Monte Improvável", de Richard Dawkins.
    Já recebi os últimos dois.

    Esse que me referiu será então o próximo.
    Não será capaz de citar partes relevantes, antes de eu receber o livro?

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  75. Nuno,

    relativamente à última pergunta que fiz no meu penúltiplo comentário, podes ter em consideração a seguinte entrevista:
    Richard Dawkins and Alister McGrath, 2, 3, 4, 5, 6 ... (é uma entrevista longa, mas é interessante ver a relação entre os dois)

    Na minha opinião (claro!), várias críticas em relação a neo-ateus são exageradsa, dirigindo-se especialmente aos carácteres dos mesmos, levando a que as críticas sérias - especialmente de ateus militantes - fiquem escondidas no meio de tanto lixo.

    No entanto, se fazem as acusações, e se são legítimas, devem ter razões para isso que podem ser transmitidas. Sem mostrar o que os neo-ateus realmente dizem ou fazem o que acusam, pelos suas próprias palavras e contextualizando-os com referências, para podermos verificar e avaliarmos por nós mesmos, simplesmente parece que fazem o que acusam dos neo-ateus.

    Não vejo a diferença entre o comportamento e forma de argumentar de você, do Jairo "Entrecosto", do Luciano Henrique e daquilo que acusam dos neo-ateus. Afinal, onde quais são as diferenças, para além de terem opiniões diferentes?

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  77. Troll,

    "Não será capaz de citar partes relevantes, antes de eu receber o livro?"

    Concerteza:

    "A paixão e o fervor acompanham todas as boas discussões científicas. Isso fica ainda mais evidente quando a discussão se dá em torno de algo como a teoria da evolução,...
    Não estamos falando aqui de discussões entre pessoas que aceitam as ideias evolutivas e pessoas que preferem acreditar que o mundo foi criado por Deus em seis dias, reias ou metafóricos. Essas discussões suscitam interesses políticos e sociológicos consideráveis mas, na verdade, não são parte da ciência e, por isso, não precisamos dizer mais nada sobre elas. O que estamos falando é sobre discussões acaloradas que ocorreram e vêm ocorrendo entre os próprios biólogos que estudam a evolução."

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  78. Nuno Gaspar,

    eu tenho um livro chamado "Evolução - Conceitos e Debates".
    A última palavra do título mostra que no livro há conteúdo que descreve aquilo que citou.
    O capítulo 7, escrito por Timothy Shanahan, tem o seguinte título: "Unidades de selecção", com a secção: "A controvérsia da selecção de grupo".
    No capítulo 9, há uma parte onde Massimo Pligliucci e André Levy descrevem a epigenética. Aliás, dizem: «temos agora evidências convincentes de que pelo menos alguns efeitos epigenéticos são herdáveis.»

    Um colega meu, no Sapo, na semana passada esteve a descrever trabalho pessoal dele que envolve redes neuronais e algoritmos genéticos. Ele disse que queria que a aprendizagem das suas criaturas artificiais fosse herdada. Disse-lhe que há um processo relevante cujo nome não me recordava. Na quinta-feira enviei-lhe a seguinte mensagem por Facebook:
    «Eu tinha dito que foi dado um nome a um mecanismo parecido com o uma forma de lamarckismo, mas que não era bem a lei do uso e desuso, mas uma reacção do ADN a factores externos; o nome é "epigenética". http://en.wikipedia.org/wiki/Epigenetics Por acaso o nome surgiu quando estava a ver este vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=LCiODhuc3aY»

    Dito isso - para não achares que não sei que existe discussão académica e que não sei o que é a epigenética - podes apresentar uma citação que seja mesmo realmente relevante para o caso do fenótipo extendido?
    Tenta ver no livro que referiste o capítulo VII), B).

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  79. Nuno Gaspar,

    «Não presta para perceber a realidade tangível, assim como a ciência não serve para nos aproximarmos de realidades intangíveis,»

    Isso parece-me treta. A causalidade, o tempo, a distância, a frequência, o divergente de um campo magnético, a aceleração, a probabilidade de detecção de um electrão e uma data de outras coisas são claramente intangíveis. Além disso não apresentas nada que fundamente a ideia das religiões servirem para "nos aproximarmos de realidades intangíveis". A explicação melhor para as religiões é que são uma de muitas coisas que os homens inventam com pouca ligação à realidade, tangível ou intangível.

    «"Infelizmente, é uma posição muito minoritária..."

    Como é que sabes isso?»


    Pela percentagem de pessoas que reza a pedir coisas (saúde, dinheiro, sorte, amor, para si ou para outros). E pela percentagem de pessoas que usa a religião como fundamento para afirmar coisas acerca da realidade tangível.

    «E que importância tem o facto de serem muitos ou poucos?»

    Tem importância porque cada religião é apenas aquilo que os seus aderentes dizem que é. É uma construção humana que não pode ser examinada de forma independente das opiniões daqueles que nela crêem. Tu podes estudar insectos sem ter entomólogos por perto, mas não podes estudar o cristianismo sem consultar os cristãos, porque o que estás a estudar, neste último caso, é apenas um conjunto de crenças.

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  81. Ludwig,
    "A causalidade, o tempo, a distância, a frequência, o divergente de um campo magnético, a aceleração, a probabilidade de detecção de um electrão,...".

    Os exemplos que dás são acompanhados de unidades de medida, mais ou menos precisas. Isso não conta.

    "A explicação melhor para as religiões é que são uma de muitas coisas que os homens inventam com pouca ligação à realidade, tangível ou intangível."

    O caralho. Tem de haver maneira de tratar da morte, do sofrimento, da esperança, da incerteza, do amor, da beleza, e de uma série de outras coisas, longe de curvas de Gauss e regras de lógica e, sobretudo, fora da condenação de uma qualquer predição.

    "Pela percentagem de pessoas que reza a pedir coisas"

    Sabes qual é? O que é pedir coisas?

    "cada religião é apenas aquilo que os seus aderentes dizem que é. É uma construção humana"

    As religiões têm uma componente colectiva e uma componente pessoal e são construções contínuas. Evoluem, tal como a ciência. Por isso, tratá-la por atacado, sem data e sem contexto, a partir da generalização de caricaturas, como tu e os teus mestres gostam de fazer, é um exercício pífio.

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  82. Nuno Gaspar,

    «Os exemplos que dás são acompanhados de unidades de medida, mais ou menos precisas. Isso não conta.»

    Se admites que a ciência não só estuda aspectos intangíveis da realidade como até os mede de forma mais ou menos precisa, julgo que isso devia contar para que admitisses errada essa tua proposta de demarcação entre ciência e religiões. Assumindo que prezas minimamente a honestidade intelectual, é claro. Podes sempre declarar-te infalível e dizer que a tua contradição não é contradição mas sim mistério da fé. Há quem caia nessas coisas :)

    «tem de haver maneira de tratar da morte, do sofrimento, da esperança, da incerteza, do amor, da beleza, e de uma série de outras coisas,»

    Primeiro, não vejo porque é que “tem de haver”. Se eu disser que tem de haver maneira de fazer chumbo mais leve que o ar não se torna necessariamente verdade que haja. Um professor meu de ética, católico convicto, uma vez argumentou que tinha de haver vida depois da morte porque senão a nossa existência seria injusta. Também essa me pareceu fraquinha.

    Mas até há. Graças à ciência, lidamos com a morte, o sofrimento e a incerteza de forma muito mais favorável do que em qualquer outro período da história. Vivemos mais tempo, melhor, e com melhor conhecimento dos riscos. E para lidar com o amor e a beleza não vejo que seja preciso religião.

    «Sabes qual é? [a percentagem de religiosos que pede coisas]»

    Aproximadamente, 99% +-1%. São muito raras as religiões em que haja sequer quem proponha deuses que não intervêm, e mesmo nessas há multidões a fazer promessas em troca de uma cura ou algo do género, ou até a pedir regularmente que o deus transubstancie hóstias no seu corpo.

    «O que é pedir coisas?»

    Segundo o dicionário na Priberam, é fazer pedido, requerer, rogar, solicitar algo que existe ou possa existir, negócio, facto ou acontecimento. Mas suspeito que já tinhas percebido perfeitamente isto e só estás a desviar a conversa...

    «As religiões têm uma componente colectiva e uma componente pessoal e são construções contínuas.»

    De acordo.

    «Evoluem, tal como a ciência.»

    Não da mesma forma. A ciência, enquanto corpo de conhecimento, transforma-se porque, enquanto método, visa constantemente adequar-se aos dados que se vai obtendo. As religiões transformam-se apenas em função de factores sociais e psicológicos. Alguém se lembra de se afirmar como infalível e, se os outros vão na conversa, temos mais um dogma, sem que ninguém tente sequer pensar como se pode testar a verdade da alegação.

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  83. "Primeiro, não vejo porque é que “tem de haver”."

    Ora bem. Não "tem de haver" da mesma maneira para toda a gente. Ninguém pode é estar impedido de fazer o seu percurso de descoberta nem, por isso, ser castigado num pelourinho, ser lançado às feras do circo, ou ser tratado como indigente mental como é prática neo-ateísta.

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  84. « ser castigado num pelourinho, ser lançado às feras do circo, ou ser tratado como indigente mental »

    Não admira que durante tanto tempo a liberdade de expressão e a tolerância às ideias diferentes fosse inexistente.

    Eu não fui «castigado no pelourinho» quando vi na comunicação social um bispo a alegar que o ateísmo é o maior drama da humanidade.

    Se alguém acredita que as minhas ideias são ridículas e di-lo, óptimo. Vejamos quem tem argumentos mais fortes, mas é certo que eu não fui agredido.

    Num debate franco e aberto, é possível considerar que quem acredita que o que se passou em N. Senhora de Fátima foi que o extraterrestres usaram os seus poderes acredita em algo ridículo. E realmente, todos os católicos trataram essa alegação como sendo uma alegação ridícula, sem paninhos quentes nem qualquer «respeito» acrítico. Pelo contrário.

    Por isso, não pedem um sistema justo e consistente. Querem poder ridicularizar as seitas e as superstições, mas que falta de respeito daqueles que os criticam, «impedindo»-os de fazer o seu percurso de descoberta.

    Se o Nuno fosse perder o seu tempo em defesa das outras perspectivas de vida, criticando os vários católicos que as "desrespeitam" (usando esse critério de "desrespeito", que rejeito), a começar pelo Cardeal Patriarca, eu poderia discordar da sua perspectiva, mas ao menos considera-la-ia consistente.

    Assim, a menos que verifique o contrário, parece-me uma hipocrisia.

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  85. Ludwig,

    "Se admites que a ciência não só estuda aspectos intangíveis da realidade como até os mede de forma mais ou menos precisa"

    Mas como raio é que podem ser ao mesmo tempo intangíveis e mensuráveis? Parece-me que a contradição não está deste lado. Mas se não gostas de intangível chama-lhe antes metafísica.

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  86. Nuno Gaspar,

    «Mas como raio é que podem ser ao mesmo tempo intangíveis e mensuráveis?»

    Intangível é aquilo em que não se pode tocar. Uma distribuição de probabilidade é intangível, uma frequência é intangível, o tempo é intangível.

    «Mas se não gostas de intangível chama-lhe antes metafísica.»

    Não adianta de muito, porque o termo "metafísica" é demasiado vago para discutir o que quer que seja que dependa do sentido desse termo.

    Seja como for, se tu propões que a metafísica se estuda melhor com as religiões do que com a ciência, penso que estás enganado. A metafísica tenta perceber coisas como o espaço, o tempo, a natureza dos objectos, o que existe, as possibilidades e a causalidade. Tudo isso parece-me mais adequado aos cientistas do que aos padres.

    Talvez seja melhor explicares o que queres dizer por palavras tuas, tendo o cuidado de justificar em vez de apenas dizer que é assim sem explicar porquê ou como o sabes.

    Quanto à alegada prática neo-ateísta de castigar no pelourinho ou atirar às feras do circo, desconheço tal coisa e não a pratico. Por isso, ao discutir comigo, não tens de ter medo dos leões.

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  87. Ludwig diz:

    "A metafísica tenta perceber coisas como o espaço, o tempo, a natureza dos objectos, o que existe, as possibilidades e a causalidade. Tudo isso parece-me mais adequado aos cientistas do que aos padres."

    Wikipedia diz:

    "a metafísica clássica ocupa-se das "questões últimas" da filosofia, tais como: há um sentido último para a existência do mundo? A organização do mundo é necessariamente essa com que deparamos, ou seriam possíveis outros mundos? Existe um Deus? Se existe, como podemos conhecê-lo? Existe algo como um "espírito"? Há uma diferença fundamental entre mente e matéria? Os seres humanos são dotados de almas imortais? São dotados de livre-arbítrio? Tudo está em permanente mudança, ou há coisas e relações que, a despeito de todas as mudanças aparentes, permenecem sempre idênticas?
    Em sua concepção clássica, os objetos da metafísica não são coisas acessíveis à investigação empírica; ao contrário, são realidades transcentes que só podem ser descobertas pelas luzes da razão."

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  88. Sofrologistas,

    A razão pela qual essa concepção clássica é muito discutível é que se revelou contraditória. Por exemplo, a relação entre a mente e a matéria ou a possibilidade de leis da física diferentes são questões científicas.

    Além disso, há o problema de que uma realidade que não esteja acessível à investigação empírica é necessariamente uma realidade acerca da qual nada podemos saber. Podemos conjecturar, especular, acreditar, mas não saber.

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  89. "uma realidade que não esteja acessível à investigação empírica é necessariamente uma realidade acerca da qual nada podemos saber. Podemos conjecturar, especular, acreditar, mas não saber."

    Nunca te aconteceu teres que tomar uma decisão baseado na crença? Eu, e acredito que tu também, todos os dias, desde que acordas, tens que tomar decisões baseadas na crença (pelo menos crença nos sentidos). E crenças em valores (uns bons e outros maus) que tu julgas teus mas que apenas te foram transmitidos.

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  90. Ludwig e João Vasco,

    "Quanto à alegada prática neo-ateísta de castigar no pelourinho ou atirar às feras do circo, desconheço tal coisa e não a pratico."

    Quer a vossa honestidade, então, dizer que aquilo que vocês e os vossos companheiros escrevem aqui e no diário ateísta não tem nada ver o que está neste vídeo?:

    http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=_TpM5rKgkzk

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  91. Nuno Gaspar,

    Nesse vídeo só vi pessoas a gritar umas coisas, uns algo que não percebi, outros, em resposta, viva la virgem del rosário. Não vi autos de fé, nem ninguém a ser comido pelos leões nem a ser chicoteado no pelourinho.

    Mas posso dizer-te que o que escrevo aqui não tem muito que ver com ir para a rua gritar viva isto ou aquilo. O que gostava que me explicassem é como raio sabem que a tal senhora do tal rosário era mesmo virgem, especialmente quando gritam que também é mãe. E isso de metafísico não tem nada... :)

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  92. Sofrologista,

    «Nunca te aconteceu teres que tomar uma decisão baseado na crença?»

    Sempre. O conhecimento é também uma crença porque, obviamente, não podemos saber que algo é verdadeiro se não acreditarmos também que o é. Isso seria contraditório. E é verdade que nunca posso ter a certeza absoluta de que o que creio é mesmo conhecimento e não erro. Por isso as minhas decisões são sempre incertas.

    Mas isto não nega o problema de que não poder saber nada sem alguma base empírica. Sem base empírica seria como um computador, que pode fazer muitos cálculos mas nunca sabe coisa nenhuma nem percebe o que está a fazer.

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  93. Ludwig,

    "O que gostava que me explicassem é como raio sabem que a tal senhora do tal rosário era mesmo virgem"

    Não tens nada a ver com isso. Tal como eu não tenho que me meter com os 3 milhões de maricas que passaram ali na rua de cima há bocado.

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  94. LUDWIG DIZ:

    "Acreditar numa autoridade infalível não é compatível com a interrogação ou com o pensamento crítico."

    Não acreditem no Ludwig quando ele diz isto, porque ele não é infalível...

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  95. E o perspectiva, é infalível?

    Que raio de argumento...

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