Jónatas Machado e a Genética de Populações
Esta é a segunda parte da série dedicada às criticas que Jónatas Machado (JM) tece à teoria da evolução e a várias disciplinas científicas modernas. Pessoalmente, não tenho nada contra JM, mas parece-me ser um exemplo paradigmático dos defensores do criacionismo, por isso decidi homenageá-lo como representante desse grupo, felizmente ainda raro em Portugal.
No texto publicado no dia 8 no jornal «O Público», JM afirma:
«Os criacionistas não confundem variação adaptativa e especiação (que todos podem ver) com evolução (que nunca ninguém viu)»
Esta é uma afirmação curiosa se tivermos em conta que evolução é a variação das frequências dos genes numa população ao longo das gerações. Ou seja, aquilo que JM chama «variação adaptativa e especiação» são exemplos de evolução. Penso que é por não quererem confundir evolução com evolução que os criacionistas acabam por ficar tão confusos.
Mas vejamos esta afirmação no contexto do que JM escreve mais atrás:
«Os criacionistas não disputam os resultados das observações científicas feitas no presente. Todavia, o passado distante não é observável nem repetível.»
Talvez o que JM quer dizer é que apenas devemos aceitar aqueles aspectos da evolução que conseguimos observar no presente e repetir, e que devemos recusar tudo no que pretende explicar o passado. Mas há duas falhas graves neste argumento.
Primeiro, JM levanta o problema de não conseguirmos observar nem repetir o passado. Eu observei que os meus filhos nasceram, e o nascimento de um ser humano é algo repetível e observável no presente. Mas pelo argumento de JM eu nunca podia inferir que a minha avó nasceu, porque o seu nascimento não é nem observável nem repetível. Isto é absurdo. O que importa é que o processo de nascimento é observável e repetível, e por isso posso usá-lo para explicar a origem da minha avó, mesmo que o seu nascimento em particular não seja nem observável nem repetível.
A evolução é um caso análogo, pois a especiação, que é o nascimento de uma nova espécie, é observável e repetível como processo. O nascimento da minha avó, ou de uma espécie há centenas de milhões de anos, já não é observável nem repetível. Mas é legítimo explicar estes acontecimentos pelos processos que observamos repetidamente no presente. E isto é essencialmente o que a genética de populações nos diz, que a evolução não é mais que o acumular destas variações, adaptações, e especiações, tal como a minha família, por muitas gerações que tenha, é uma longa sequência de nascimentos.
O outro problema no argumento de JM é a premissa implícita que para que o criacionismo seja aceitável basta apontar erros na teoria da evolução. Por muito arriscado e falível que seja explicar acontecimentos passados com base no que se observa no presente, é ainda mais arriscado e falível explicá-los com base em histórias escritas por pessoas que também não os observaram. O que é que os antigos Hebreus sabiam acerca dos trilobites e dinossáurios que nós não sabemos hoje em dia?
Em conclusão, e apesar da tentativa de JM de nos persuadir do contrário, a genética de populações explica a origem e evolução das espécies duma forma bastante mais fiável que a interpretação bíblica.
Caro Jónatas,
ResponderEliminarMuito obrigado pelos seus comentários. Tenciono abordar o tema da informação assim que o tempo o permitir, pois merece uma discussão mais atenta e cuidada. Mas gostava de chamar a atenção para alguns outros aspectos do seu comentário que penso não estarem totalmente correctos.
1- Fiz o doutoramento em bioquímica estrutural, e há cerca de dez anos que trabalho em investigação em bio-informática. Penso que tenho formação e prática suficiente nesta área para não estar totalmente mal informado. Parcialmente mal informado, é provável que esteja. Mas como cientista estou disposto a mudar de opinião se tal se justificar.
2- Não existem espécies mais elevadas, a menos que esteja a referir-se a pássaros. Este conceito não tem um sentido concreto em biologia ou na teoria da evolução. Trata-se apenas duma metáfora popular em que se considera (premissa questionável) que a nossa espécie está no topo e são mais elevadas as espécies mais parecidas connosco.
3- “Evolução” é um termo técnico com uma definição rigorosa, que é a variação na frequência de genes numa população. Tudo o que implique esta variação é evolução. Por isso o é errado dizer que a adaptação e a especiação não são evolução.
4- Pode haver coisas impossíveis, mas não o são apenas por dizermos que o são. Para descobrir se são ou não impossíveis é preciso um processo metódico e racional de análise dos dados e de formulação de hipóteses, processo ao qual chamamos ciência. Foi por este que se demonstrou que não é impossível voar, ir à Lua, ou saber de que são feitas as estrelas.
5- Não é uma partícula que se transforma em biólogo molecular. Foi uma população de replicadores que evoluiu gradualmente até gerar muitas populações de replicadores, uma das quais contém biólogos moleculares. Aparentemente, quatro mil milhões de anos é suficiente para este processo.
6- Estimar probabilidades é uma tarefa complexa, e que requer cuidados especiais. Entre os biliões de espermatozóides do meu pai e os milhares de óvulos da minha mãe, a probabilidade de eu ter nascido era virtualmente zero. Mas concluir que não existo seria, a meu ver, um erro de raciocínio.
Melhores cumprimentos,
Ludwig
Caro Jónatas,
ResponderEliminarRemovi dois comentários seus por estarem duplicados (eram cópias dos dois que ficaram).
Em primeiro lugar queria salientar que num debate em que se confronta duas hipóteses que pretendem explicar um fenómeno, como o criacionismo e a teoria da evolução, espera-se que ambos os lados estejam dispostos a apresentar evidências positivas em suporte das suas teses. Não devemos encarar isto como um julgamento em que o ónus da prova recai só sobre uma das partes.
Quanto ao seu pedido, não percebi o que quer que forneça. Eu mencionei os trilobites, os corais, e os peixes teleósteos. Que tipo de evidência quer acerca destes? Ou referia-se a outras espécies?
Finalmente, há que salientar que o registo fóssil é apenas uma peça de um grande puzzle, que abrange a genética, a biologia molecular, a anatomia comparada, e até a física nuclear. Face a este grande corpo de conhecimento uma lacuna nesta ou naquela espécie é tão relevante como eu não ter a certidão de nascimento dos meus tetravós. Mesmo assim posso inferir que existiram.
Caro Jónatas,
ResponderEliminarDiscordo de si neste aspecto. Acho que ao lermos a Bíblia temos apenas uma peça que não encaixa em lado nenhum. Mas isso é o menos importante nesta discussão. Nem tão pouco estamos a discutir se a teoria da evolução é perfeita e permanecerá para sempre imutável. Não é perfeita, e há ainda muito que fazer.
O importante aqui é decidir se é a criação ou a evolução que melhor explicam o mecanismo pelo qual as espécies se formaram. E aqui a teoria da criação fica nitidamente para trás porque nem sequer propõe um mecanismo. O que quer que seja que se observe, a teoria da criação apenas diz “deus assim o fez”. Isto não é uma explicação aceitável, e muito menos se pode propor como superior à teoria da evolução.
Por isso peço-lhe que tente colmatar estes defeitos, começando por especificar como é que propõe que o seu deus tenha criado as espécies (qual o mecanismo, que é isso que estamos a tentar perceber), e como é que a sua proposta pode ser confirmada ou infirmada pela observação.
Este senhor doutor é agora director da faculdade de direito da universidade de Coimbra...
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