Jónatas Machado e a Física Nuclear
Esta é a quinta parte da já longa homenagem ao criacionismo Português, cujos argumentos Jónatas Machado resumiu no Jornal «O Público» de 8 de Setembro. Desta vez veremos a alternativa criacionista à Física Nuclear. Já era hora de alguém simplificar esta terrível disciplina, eliminar todas as contas e expressões complicadas, e transformá-la num elegante “foi Deus”.
Mas o mais engraçado desta física criacionista é ser tão obviamente contraditória. Por um lado temos:
«Os criacionistas sugerem que as evidências de decaimento radioactivo acelerado [...] testemunham a ocorrência de um dilúvio global, descrito na Bíblia»
Isto alude à proposta criacionista que o decaimento radioactivo (o tempo de meia vida) não é constante para cada isótopo, mas que, no passado, era mais acelerado, dando azo a erros na datação por este método. Por outro lado, temos este:
«As leis da causalidade, da termodinâmica, da biogénese, das probabilidades, etc., e o princípio antrópico corroboram a criação e não a evolução.»
Aqui o princípio antrópico refere-se à ideia que o Universo está afinado com grande precisão para suster a vida humana. Parte deste argumento é que as forças nucleares não poderiam variar nem uma pequena fracção dos valores que têm. Mais fracas e não haveria fusão do Hidrogénio nas estrelas, e sem estrelas não poderia haver vida. Mais fortes, e as estrelas explodiriam.
O que é curioso é que o decaimento radioactivo depende da força nuclear (mais precisamente, da força nuclear fraca). Ou seja, os criacionistas dizem que uma rocha que aparenta ter um bilião de anos de idade tem, no máximo, uns dez mil anos, porque antigamente o decaimento radioactivo era diferente. Bem diferente; isto equivale a medir um palmo com um erro de dez quilómetros. Ao mesmo tempo defendem que a força que determina o decaimento radioactivo tem que ter exactamente o valor que tem senão as estrelas congelam, ou explodem, e é o fim do mundo. Meus senhores, decidam-se... Então pode mudar ou não pode mudar?
Eu penso que os criacionistas nem se apercebem destas contradições (assumindo que apresentam estes argumentos de boa fé) porque tudo para eles se explica por intervenção divina, o que isola as explicações umas das outras. Os tubarões vivem no mar e têm guelras, porque o criador quis que respirassem debaixo de água. Os golfinhos vivem no mar e têm pulmões, porque o criador achou melhor obriga-los a respirar à superfície. Nos olhos dos invertebrados, as células da retina que detectam a luz estão do lado de onde vem a luz, tendo por trás os vasos sanguíneos que as alimentam e as células nervosas que formam o nervo óptico e transmitem os sinais ao cérebro. O criador achou por bem fazer um trabalho decente quando criou os olhos dos polvos e das lulas. A retina dos vertebrados está ao contrário, com os receptores na parte de traz, os neurónios e vasos sanguíneos a tapar a luz, e um buraco para o nervo óptico poder sair do globo ocular. O criador deve ter achado que tinha piada fazer olhos do avesso.
Este hábito de explicar tudo ad hoc dificulta a discussão com os criacionistas. O que se espera de uma explicação científica é que unifique os fenómenos explicados num corpo de conhecimento interligado e coerente. Mas o que os criacionistas apresentam é uma batelada de afirmações desconexas, muitas contraditórias, e quase todas sem fundamento. Expliquem-me lá, senhores criacionistas, onde estão os dados que demonstram que o decaimento radioactivo era um milhão de vezes mais rápido no tempo de Adão, e por que raio não explodiu o Sol nessa altura se é tão sensível aos valores das forças nucleares?
Já sei, já sei... O primeiro é porque deus quis, e o segundo porque não quis.
Se não me engano foi o Al Pacino no filme O Advogado do Diabo que clarificou a questão.
ResponderEliminar"God is a spoiled kid with an ant farm!"
os criacionistas, como em quase tudo o resto, falham por completo em entender o princípio antrópico. na realidade não tem nada de mais misterioso do que perguntar porque a terra tem o diâmetro que tem ou porque a sua órbita tem a distância ao sol que tem. naturalmente existe um número imenso de outros planetas espalhados pelo universo, em condições diferentes, que não têm condições para suportar formas de vida. mas não é necessária qualquer "intervenção divina" para nos colocar aqui: apenas uma muito óbvia selecção natural de planetas: nuns pode ser, noutros não -- dados suficientes planetas, nalgum há de ser! :-) para os universos, pensa-se que se passe o mesmo fenómeno: na landscape do multiverso em teoria de cordas, existem universos com constante cosmológica que permite haver espaço para a vida, noutros não. é divertido ver que se trata ainda de mais um caso onde a selecção natural funciona!! :-)
ResponderEliminarBem por falar em contradições não resisto a uma provocação aos argumentos de Jónatas Machado. Segundo o seu artigo publicado no Público, o genoma de Jesus seria perfeito, porque era imortal. Ora basta olhar para a natureza que, se por Deus foi criada, deve ser igualmente perfeita, e reparar que qualquer animal tem um único objectivo, e não, não é ser imortal! é reproduzir! nem que para isso tenha que morrer, como no exemplo conhecido da efémera, ou numa simples divisão/multiplicação de uma bactéria, levedura ou célula. Ou seja... parece que aqui os critérios também foram diferentes!
ResponderEliminarSegundo se entre Maria e José, a acreditar na Biblia, não ocorreu qualquer relação, leia-se não houve nenhum espermatozóide a entrar num óvulo... então o genoma de Jesus era o de Maria! mas se o genoma de Jesus é perfeito e o de Maria não, é porque, pasme-se! ocorreu uma mutação... que gerou evolução! aliás... se assim não fosse... sendo Maria XX... onde foi aparecer o pequenino do Y?! Milagre!
Excelente este texto e o seu blogue, em que alia capacidade científica à pedagógica! É importante divulgar o conhecimento científico.
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