Disto e daquilo, 6.
Jessica
A Jessica Athayde desfilou em biquíni na Moda Lisboa e foi «alvo de críticas, comentários desagradáveis [...] feitos na maioria por mulheres»(1). Não vejo que defeitos se possa apontar ao corpo dela (2) mas vejo alguns no que ela escreveu. Athayde quer combater a «tendência redutora de nos verem» apenas pelo corpo porque «Cada mulher é um mundo muito para além do corpo que a recebe.» É verdade que somos muito mais do que o aspecto físico mas raramente avaliamos a pessoa como um todo. Depende das circunstâncias. Tal como não seria apropriado considerar o corpo sensual de Athayde para avaliar um artigo ou dissertação que ela escrevesse, também não seria de esperar que, se fosse eu a desfilar de biquíni, avaliassem a minha prestação como modelo pela minha formação académica ou experiência de ensino. Isto não é reduzir as pessoas. É simplesmente considerar o que é relevante em cada situação. Mas o pior é como aproveitou a campanha HeForShe, cuja ideia fundamental é a de que a discriminação sexual afecta ambos os sexos e é um problema de todos. Athayde propõe «que abracemos também o #SheForShe. Ela por ela. Cada uma de nós pela mulher ao nosso lado.» Além de trivializar a discriminação sexual confundindo-a com o “problema” de haver quem exprime opiniões disparatadas, defende um retrocesso à ideia da igualdade de direitos como uma luta entre a quadrilha dos ovários e o gang dos testículos. Toda a gente, homem ou mulher, tem o direito de formar a opinião que quiser acerca de quem entender pelos critérios que lhe apetecer. E ninguém, nem homem nem mulher, tem a obrigação de ser mais solidário seja com quem for só por ter o mesmo tipo de órgãos sexuais. Se bem que Athayde tenha razão em apontar que as críticas ao aspecto físico podem ser prejudiciais, a solução não é reprimir a crítica mas sim ensinar cada pessoa a lidar com os críticos de forma racional. Seja como for, a discriminação (sexual ou qualquer outra) é um problema muito mais sério e objectivo do que haver quem aponte defeitos ao corpo de quem desfila de biquíni.
Islão
Pessoas como Reza Aslan e Ben Affleck têm-se insurgido contra quem considera o Islão a pior religião do mundo. Alegam que isso é ser intolerante (3), ou mesmo racista (4), e que os muçulmanos não são todos iguais. Como diz Cenk Uygur, muitos muçulmanos são simplesmente «tios e tias», pessoas que querem viver a vida em sossego e sem extremismos (5). Isto está certo mas omite um ponto importante. Aslan alega que é um erro fundamental julgar que «as pessoas obtêm os seus valores» dos seus textos religiosos porque, na realidade, as pessoas usam os seus valores morais para interpretar os textos das suas religiões. Mas isto só é verdade quando a religião é vista como um direito individual. Por exemplo, pela Europa, há milhões de pessoas que se identificam como católicos mas que usam essa liberdade individual para seleccionar o que lhes interessa e descartar preceitos como a condenação dos contraceptivos ou da homossexualidade. Mas isto é muito mais raro nas comunidades muçulmanas. Na Arábia Saudita ou no Irão, por exemplo, um muçulmano não pode interpretar a sua religião de acordo com valores que se desviem do que é oficialmente permitido. Sob pena de morte. Mesmo em países mais livres, os muçulmanos tendem a organizar-se em comunidades que inibem a divergência de interpretações. Há excepções mas, em média, o cristianismo é mais uma religião de pessoas, cada uma livre de divergir dos restantes na sua interpretação do que é ser cristão, enquanto o islão tende a ser uma religião de comunidades onde cada individuo é pressionado, nuns casos mais do que noutros, para se conformar a uma interpretação colectiva. O resultado é que, no islão, é muito mais fácil que prevaleçam ideias extremistas do que a voz dos moderados e tolerantes.
1- Jessy James, Para mulheres reais
2-DN, Jessica Athayde responde a críticas ao seu físico
3- Salon, EXCLUSIVE: Reza Aslan on Bill Maher’s anti-Islam crusade: “Frank bigotry”
4- Huffington Post, Ben Affleck vs. Bill Maher: A Totally Biased Viewer's Account
5- The Young Turks, Ben Affleck Angrily Defends Islam Against Bill Maher/Sam Harris
Ludwig,
ResponderEliminarQuanto à questão das senhoras que desfilam e que acham que o pessoal só vai ver a roupa, é realmente muito caricato. Eu vi a "notícia" e acho simplesmente que nem vale perder mais tempo com o caso!
Sobre a questão do Islão, creio que o grande problema das pessoas que receberam uma cultura quase exclusivamente cristã, é acharem que as religiões são mais ou menos a mesma coisa e que defendem mais ou menos os mesmos valores. Como estão errados!
E é pena, para o bom e para o mau.
Eu acho que realmente faz falta no currículo dos estudantes conhecerem bem várias religiões, várias formas de ver o mundo e sobretudo, de ver a humanidade. Isto porque é também uma forma de conhecer melhor culturas que nos são tão estanhas como se viessem do planeta Marte.
Fica a ideia.
A IRRACIONALIDADE DA CONCEPÇÃO DO LUDWIG SOBRE DIGNIDADE HUMANA
ResponderEliminarO Ludwig diz que a questão da dignidade humana não pode ficar dependente da questão factual da existência de Deus.
No entanto, a ideia de dignidade da pessoa humana é uma doutrina da teologia judaico-cristã!
Só tem sentido falar em dignidade humana se for verdade que Deus criou o homem e a mulher à Sua imagem, tendo-os dotado de racionalidade, moralidade, criatividade e subjectividade comunicativa e relacionai.
Para além do mais, Deus adotou a forma humana ao incarnar em Jesus Cristo, que morreu pelos pecados da humanidade, confirmando a sua dignidade.
Diferentemente, a dignidade humana nunca poderia ser logicamente deduzida da mitologia grega, em que os próprios deuses se devoravam uns aos outros, de forma arbitrária e sem qualquer respeito pela dignidade uns dos outros, ao mesmo tempo que se compraziam a impor sofrimento e morte aos seres humanos sem qualquer justificação moral.
Do mesmo modo, ela nunca poderia ser logicamente deduzida da ideia evolucionista de que o ser humano é um acidente cósmico, sem qualquer valor intrínseco, resultante de milhões de anos de processos aleatórios, predação, dor, sofrimento e morte...
O próprio Charles Darwin afirmou que, do ponto de vista evolucionista, falar em dignidade da pessoa humana é uma manifestação de preconceito natural e orgulho natural.
Na mesma linha, o jurista ateu evolucionista Oliver Wendell Holmes, juiz do Supremo Tribunal norte-americano, dizia, de forma consistente com as suas premissas darwinistas, que não via qualquer razão para atribuir a um ser humano maior dignidade do que a de um babuíno ou de um grão de areia.
A dignidade humana não se deduz logicamente da teoria da evolução.
Quem for evolucionista e achar que o ser humano é um acidente cósmico sem sentido, só de forma ilógica, irracional, arbitrária e subjetiva, é que pode dizer que o ser humano tem uma dignidade intrínseca e um valor transcendente, que se impõe ao Estado.
A dignidade humana baseia-se na doutrina bíblica de que homem e a mulher foram criados à imagem e semelhança de Deus e salvos por Ele. No ocidente judaico-cristão essa doutrina foi incorporada na filosofia política, tendo passado daí para as constituições e irradiado ao direito internacional dos direitos humanos.
Atualmente, muitos querem comer o fruto da dignidade humana, embora tudo façam para destruir a semente, a raiz e a árvore de onde ele brotou.
Não entendo as críticas à moça visto que o corpo dela é infinitamente melhor que o dos esqueletos andantes que normalmente caminham por aqueles antros.
ResponderEliminar«Mesmo em países mais livres, os muçulmanos tendem a organizar-se em comunidades que inibem a divergência de interpretações. Há excepções mas, em média, o cristianismo é mais uma religião de pessoas, cada uma livre de divergir dos restantes na sua interpretação do que é ser cristão, enquanto o islão tende a ser uma religião de comunidades onde cada individuo é pressionado, nuns casos mais do que noutros, para se conformar a uma interpretação colectiva. O resultado é que, no islão, é muito mais fácil que prevaleçam ideias extremistas do que a voz dos moderados e tolerantes. »
ResponderEliminarO que pergunto é qual é o fundamento para estas afirmações. O que significa e em que se baseia «tendem a...»,«tende a ser...», «no islão é muito mais fácil que...», etc. ? Impressões ? Baseadas em que tipo de conhecimento sobre que comunidades islâmicas?
Cristina Sobral,
ResponderEliminarHá indicadores fáceis de encontrar. Por exemplo, a apostasia é explicitamente crime em 23 dos 49 países de maioria muçulmana, em muitos casos punível com a pena de morte. Isto é significativamente diferente do que acontece nos países que não têm maioria muçulmana. Entre todos os outros países do mundo, o total dos que punem a apostasia como crime é zero. Parece-me uma diferença bastante significativa e informativa quanto à liberdade de divergir dos preceitos de cada religião.
http://en.wikipedia.org/wiki/Apostasy
A questão era sobre as comunidades muçulmanas "em países mais livres", isto é de maioria não muçulmana (pelo menos foi assim que entendi a expressão). Os meus filhos estudaram num colégio católico juntamente com vários muçulmanos, de que até hoje são amigos e que fazem uma vida laica como a deles. Serem de famílias muçulmanas não os impediu de conviverem naturalmente com cristãos nem de viverem hoje sob padrões ocidentais iguais aos dos meus filhos.
ResponderEliminarO problema que nos deve preocupar hoje em dia é outro - e este, sim, grave - que é perceber como é que jovens de países ocidentais, criados como cristãos, se convertem ao Islão e se transformam em jihadistas. Sugestão: porque não escreve um post sobre isto?
«Serem de famílias muçulmanas não os impediu de conviverem naturalmente com cristãos nem de viverem hoje sob padrões ocidentais iguais aos dos meus filhos.»
ResponderEliminarMas serão mesmo iguais? Por exemplo, será que podem livremente expressar a mesma opinião que nós expressamos acerca de um homem casar com uma rapariga de 12 anos? É que o facto de Maomé ter feito isso e ter dito que era uma bênção fazer uma coisa dessas provavelmente limita um pouco a latitude que um muçulmano pode ter para opinar sobre isso.
Outro detalhe é o da apostasia. Maomé disse explicitamente que se devia matar quem abandonasse o Islão. A opinião de um muçulmano tenderá a ser mais constrangida por isso do que a opinião de um budista ou cristão, religiões cujos fundadores nunca defenderam tal coisa.
Mas sim, estou a escrever um post sobre isso. Assim que os miúdos se deitarem vou acabá-lo :)