Treta da semana (passada): toma lá iogurtes.
Há umas semanas a Danone foi criticada por remunerar estagiários com iogurtes (1). Na RTP, a directora da escola explicou que é assim que as coisas são; as empresas dão o que querem (2). Em princípio, não há nada de fundamentalmente errado nisso. Se uma pessoa quer trabalhar a iogurtes tem o direito de o fazer. É como oferecer uma moeda a um transeunte para que ajude a estacionar o carro. Mas estas transacções começam a ser problema quando deixam de ser voluntárias. Se o condutor não precisa de ajuda para estacionar mas o transeunte ainda assim gesticula, grita “Destroce, destroce!” e cobra a moeda porque o condutor receia ficar com o carro riscado então já não é comércio livre. É extorsão.
É este o problema dos iogurtes. Um estágio curricular pode criar uma relação justa entre o aluno e a empresa se o contrato for realmente voluntário, porque isto obriga a repartir custos e benefícios de forma equitativa. Este princípio de participação voluntária é o que garante que as transacções num mercado livre são justas apesar dos valores envolvidos serem subjectivos e variarem de interveniente para interveniente. Mas se os estudantes não têm perspectivas de emprego e são forçados a aceitar qualquer oportunidade, as empresas podem explorar essa vulnerabilidade e tornar a relação injusta. Uma empresa que oferece iogurtes pelo trabalho do estagiário não é uma empresa disposta a contratá-lo no final do estágio. O mais certo é optar por ir trocando de estagiários e pagando sempre em iogurtes o que, de outra forma, teria de pagar com um salário decente. É como os arrumas mas com a injustiça adicional de, neste caso, serem os mais privilegiados a coagir quem tem menos.
Mais preocupante do que os estagiários e os iogurtes é a ideia de que é assim que as coisas devem ser. Numa conversa arrepiante entre a Isabel Stilwell e o Eduardo Sá, este último defende que o problema é estes alunos não terem humildade, que deviam até estar gratos pela oportunidade de trabalhar de graça e nem sequer têm noção do que é uma relação de trabalho (3). Aparentemente, a noção correcta da relação de trabalho é a da empresa pagar 24 iogurtes por semana. Esse episódio do programa “Dias do Avesso” até tem o título de “Pobre e mal agradecido”. Por alguma razão estranha, parece que quem é pobre tem mais obrigação de estar grato do que quem tiver a sorte de ser rico.
Estes disparates são um perigo porque a única justificação para o capitalismo, o empreendedorismo e toda a ideologia de direita é a justiça inerente a um mercado em que cada agente participe de forma livre, sem constrangimentos ou coação. Nessas circunstâncias pode haver ricos e remediados sem haver injustiça. Uns organizam cadeias de supermercados, outros herdam nome e dinheiro dos pais, outros escrevem poesia ou plantam flores, mas se todos são livres de dizer não a coisa vai funcionando. A proliferação destes “estágios” pagos a iogurtes é um sinal de que as interacções deixaram de ser voluntárias, que a coacção está a substituir a liberdade de escolha e que se criou um desequilíbrio que, sem controlo, só se irá agravar conforme quem mais pode explora quem pode menos. Os disparates destes comentadores contribuem para que a sociedade ignore os sintomas até ser tarde demais.
Perante estes indícios o mais prudente seria restabelecer o equilíbrio no poder de negociação. Melhorar a segurança social e criar emprego, nem que fosse por investimento público, para que só trabalhasse a iogurtes quem verdadeiramente quisesse e ninguém fosse forçado a fazê-lo por lhe faltar sequer a possibilidade de dizer não. Infelizmente, isso exigiria um esforço adicional da parte de quem tem mais e, especialmente repugnante, a admissão de que estamos todos juntos no mesmo barco. Assim, predomina esta atitude irresponsável e egoísta de assumir que só é pobre quem quer e exigir do desesperado que seja grato e humilde, que trabalhe para pagar as dívidas “do país” e que se torne mais competitivo nem que seja trabalhando a iogurtes.
É um problema tramado. A história dá-nos inúmeros exemplos do perigo de deixar estas tensões e injustiças acumularem-se demais mas, infelizmente, é fácil ir repetindo os erros do passado. É fácil iludir-se com a aparente solidez do status quo e esquecer que a diferença entre ricos e pobres é mera convenção; basta um número suficiente de pessoas com catanas e bastões para a luta de classes se tornar num massacre. É fácil que quem está melhor do que o seu vizinho julgue que a diferença se deve ao seu mérito em vez de admitir que é pura sorte. É fácil desprezar as reivindicações dos menos favorecidos como abuso ou birra. O resultado é termos pessoas como estes comentadores de rádio, com vidas confortáveis e idade para ter juízo, a dizer que o problema é falta de humildade e os jovens não quererem “esfolar os joelhos”. Não estranham que uma empresa multinacional pague com iogurtes a elaboração de procedimentos de segurança e manutenção de equipamento exigindo conhecimentos de Inglês e um curso superior quase terminado. Não compreendem o que isto implica para os salários dos restantes trabalhadores, a grande maioria dos quais tem muito menos qualificações do que os estagiários que são pagos a iogurtes. E nem sequer imaginam o que pode acontecer se essa gente toda se fartar de ser humilde, de esfolar os joelhos e de ouvir impávida os insultos dos senhores Sá e das senhoras Stilwell.
1- 5dias, Danone oferece emprego… ou quase… oferece iogurtes em troca de trabalho especializado
2- RTP Notícias, Danone oferece estágios não remunerados e iogurtes
3- Dias do Avesso, Pobre e mal agradecido
Oiço sempre esse tipo de argumentos com alguma estupefacção. Inicialmente pensei que fosse incapacidade cognitiva. É um exercício algo complexo, compreender por exemplo, o que o artigo expõe, que se deixa de ser excepção para se transformar na regra então há qualquer coisa de errado no sistema e não necessariamente no agente que o integra. Mas... aqui há uns tempos tropecei numa ted talk que me fez repensar se não existirá qualquer coisa de irracional nessa postura..
ResponderEliminarPaul Piff: Does money make you mean?
https://www.youtube.com/watch?v=bJ8Kq1wucsk
É tão fácil que as pessoas confundam a intuição com uma espécie de nascente de verdades absolutas. Este blog está repleto de alguns dos meus exemplos preferidos, pelo que foi uma optima surpresa ter aterrado por aqui.
Parabéns pelo conteúdo.
Para avaliar esta questão, convém ter em conta alguns detalhes que não foram tidos em conta.
ResponderEliminarNote-se, desde já, que, como princípio geral, não defendo que o trabalho deva ser pago com iogurtes.
No entanto, o que me parece estar aqui em causa é uma situação diferente.
Já fui responsável por estágios pós-curriculares de recém-licenciados, de 3 meses, não remunerados. O objectivo destes estágios não é obter mão de obra para trabalhar de graça, nem tãopouco beneficiar as empresas ou instituições que recebem os estagiários. A presença de estagiários não constitui necessariamente uma vantagem para as entidades de acolhimento. A presença de estagiários implica a atribuição de um supervisor, que gasta parte do seu horário de trabalho a explicar tarefas e a supervisioná-las, corrigindo erros e dando instruções para a repetição do trabalho. É claro que, se se trata de uma empresa, ela pode ver isto como um investimento na formação de futuros empregados, o que diminui o inconveniente do gasto de tempo. Para que o empregado seja contratado é evidentemente preciso que mostre qualidades.
Portanto, o ponto é este: não temos aqui uma relação laboral, portanto não creio que se lhe aplique aquilo que poderíamos dizer sobre pagar trabalho com iogurtes. O estágio é "não remunerado", como fica muito claro no anúncio. Portanto, os iogurtes não são uma remuneração, são apenas uma espécie de prenda que a empresa oferece porque quer, sem ser a isso obrigada.
Resumindo: os comentários feitos no post estariam muito certos se estivéssemos perante uma relação laboral. Mas estamos perante uma situação de formação, não remunerada. Por isso, não me parece que as observações sejam adequadas à situação.
Cristina, "potato", "potáto". É uma relação laboral. A pessoa tem de se deslocar ao local. Tem de executar tarefas atribuídas pelas pessoas responsáveis. É avaliada. É lavor.
ResponderEliminarMiguel Campiao,
ResponderEliminarNa escola também: a pessoa tem de se deslocar ao local, tem de executar tarefas atribuídas pelos professores responsáveis, é avaliada. É formação.
O que a Cristina e o António declararam faz sentido, tendo em consideração que, devido à minha situação presente, testemunhei em quase quatro semanas, em três momentos, enfermeiros estagiários (que totalizaram cinco) a observarem enfermeiros que lhes explicavam os procedimentos. Até uma tinha um bloco de notos no bloco de partos. Não sei se são remunerados, mas areciam mais estudantes numa sala de aula do que empregados.
ResponderEliminarPelo que é descrito, em relação ao caso da Danone, parece ser a mesma situação por se designarem de "estágios curriculares", "realização de projeto" e possibilidade realização de tese ou mestrado, salientando que não há remuneração (os iogurtes e o almoço são remuneração como as ofertas que recebemos nos nossos empregos). Não quer dizer que não existam abusos em estágios, como nos recibos-verdes, mas não há provas que seja o caso.
Cristina, na escola, enquanto aluna, não estás a desempenhar funções necessárias ao funcionamento e rendimento da mesma. Enquanto estagiária numa multi-nacional, estás. Nem que seja a tirar fotocópias. É menos uma pessoa que têm lá, nem que seja a ordenado mínimo. Não é a iogurtes.
ResponderEliminarMiguel Campiao,
ResponderEliminarBem... sem alunos, duvido muito que uma escola exista, sequer, quanto mais que tenha rendimento. E não me parece que se deva pagar a alguém para poder ensinar-lhe alguma coisa, costuma ser ao contrário.
Se o trabalho dos estagiários contribui mais para o rendimento da empresa do que contribuiria o tempo que o supervisor gasta com eles, não sei. Não tenho dados.
O que sei é de experiência: os estagiários que eu coloquei não foram para multinacionais mas para instituições do Estado, sabendo perfeitamente que elas não poderiam contratá-los no final, não só porque para o Estado se entra por concurso como sobretudo porque o Governo não deixa o Estado contratar. Mesmo assim, os relatórios de estágio vinham cheios de afirmações de entusiasmo sobre o que aprenderam, o benefício do contacto com o "mundo real" e a paciência e tempo que os supervisores gastaram com eles e a quem todos agradecem. E não é retórica, há nos relatórios descrições concretas acerca das dificuldades encontradas e do modo como foram superadas. Todos afirmam que, quando estavam realmente a tornar-se produtivos, o estágio chega ao fim, lamentando que seja tão curto.
Por isso, tenho as maiores dúvidas acerca da produtividade dos estagiários em apenas 3 meses.
Só mais uma coisa: o exemplo das fotocópias não serve. Não pode haver um funcionário só para tirar fotocópias porque uma empresa não precisa de fotocópias a um ritmo que permitisse ocupar um funcionário durante 8 horas. Por isso, ter um funcionário só para tirar fotocópias sairia caríssimo à empresa. Por outro lado, não sei o que se passa noutras escolas mas na minha há um regulamento de estágios que proíbe as entidades de acolhimento de atribuírem aos estagiários tarefas que não contribuam positivamente para a sua formação.
ResponderEliminarÉ óbvio que era apenas um exemplo, ninguém no seu perfeito juízo ia colocar uma pessoa frente a uma fotocopiadora 8 horas seguidas.
ResponderEliminarQuanto a pagar para estudar. Sim, normalmente. Há países onde se verifica o contrário, como na Suécia, mas não conheço toda a envolvente, não me alongo nisso. Fica aqui um link:
http://qz.com/85017/college-in-sweden-is-free-but-students-still-have-a-ton-of-debt-how-can-that-be/
Quanto a estágios: quando fiz o meu estágio final de curso, rejeitei a priori todas as propostas de estágio que não fossem explícitas quanto ao factor pagar e quanto iam pagar. Influenciei e influencio, sempre que posso, as pessoas que conheço que fazem estágios para fazerem o mesmo. É trabalho e tem de ser pago. Aprendi bastante no meu estágio e possivelmente fez mais diferença para mim do que para a empresa onde estagiei. Não interessa, foi trabalho que foi feito. Se não fosse eu, seria outra pessoa, que seria, claro está, paga para o fazer.
Felizmente, estou empregado, e já tive formações. Pagas. Aliás, nem fazia sentido o contrário. Se o meu chefe dissesse: "olha, já agora, estes 3 dias do workshop, sabes...é formação, consolidaste conhecimentos e tal...não tos vou pagar" era uma boa altura para eu entregar a carta de demissão.
Um artigo científico recente mostra que os pombos têm uma capacidade de categorização de objectos semelhante à dos seres humanos.
ResponderEliminarEste facto só vem baralhar os evolucionistas que procuram interpretar as semelhanças entre seres vivos como resultado de proximidade evolutiva e de um antepassado comum.
Mas ele não surpreende aqueles que acreditam num Criador Comum,
Um artigo científico recente mostra que os benefícios para a saúde pública da circuncisão excedem os riscos em 100 para 1.
ResponderEliminarInteressante, do ponto de vista bíblico...
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ResponderEliminarA CIÊNCIA DA CIRCUNCISÃO E A DOUTRINA BÍBLICA SOBRE A ELEIÇÃO DE ISRAEL
EliminarEm Génesis 17:23 diz-se que a eleição de Abraão e da sua descendência foi marcada pela prática da circuncisão.
“Naquele mesmo dia Abraão tomou seu filho Ismael, todos os nascidos em sua casa e os que foram comprados, todos os do sexo masculino de sua casa, e os circuncidou, como Deus lhe ordenara".
Em Génesis 21;4 diz-se:
“Quando seu filho Isaque tinha oito dias de vida, Abraão o circuncidou, conforme Deus lhe havia ordenado”.
Desde então, trata-se de uma prática que caracteriza judeus e, a partir de muito mais tarde, os islâmicos.
Será esta uma prática bárbara e sem sentido? Será uma violação dos direitos humanos equiparável à mutilação genital feminina?
Alguns juízes menos informados têm dito que sim.
Mas estudos científicos recentes mostram outra realidade.
Um estudo científico recente demonstra que as vantagens para a saúde pública da circuncisão excedem os riscos em mais de 100 para 1.
Na verdade, já outros estudos ligavam a circuncisão à diminuição do risco de infeção com o vírus HIV.
O risco de transmissão do vírus HIV é reduzido com a circuncisão, sem eliminar o prazer sexual.
Não admira que, por causa dos seus efeitos higiénicos, a mesma seja até recomendada aos homens que adoptam condutas homossexuais.
No entanto, dado o impacto limitado da medida, o conselho bíblico é mesmo a abstinência dessas condutas, no contexto de uma ligação da sexualidade a uma ideia de responsabilidade familiar e social.
Como se vê, só por ignorância é que alguém poderia comparar a circuncisão à mutilação genital feminina.
Esse Eduardo Sá .... um pedante mimado com ar de quem nunca teve de fazer nada na vida a dar opiniões sobre a vida dos outros. Está em sintonia com os lambecuzistas desta política de humilhação das pessoas.
ResponderEliminarSe me dessem iogurtes eu recusava , é insultuosa a ideia de uma multinacional oferecer um produto que nada mais é que leite estragado seja a quem for. Porque as pessoas para irem para o estágio pagam transportes e outros extra, que lhes dessem o passe e mais comida era mais correcto menos humilhante.
mas eu já desisti de tentar entender estas aberrações a que hoje assistimos, já só espero pelo estouro da manada com uma máquina fotográfica, vai dar muita foto para tirar
abraços a todos