domingo, março 09, 2014

Treta da semana: o direito do cobrador.

Num texto no Público, o José Jorge Letria, presidente da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), queixa-se de que «Todos os dias, os motores de busca, com o Google em natural destaque, utilizam conteúdos protegidos, sejam eles autorais, informativos ou outros, sem nada pagarem em troca»(1). Esta frase merece uma análise cuidada para percebermos o problema. Primeiro, “sem pagarem nada em troca” tem um sentido mais estreito do que parece. Não considera os custos operacionais da empresa, de cerca de quatro mil milhões de dólares por mês, ou as centenas de milhões de dólares investidos todos os meses em investigação e desenvolvimento (2), nem considera os benefícios que este investimento traz para quem tem o seu conteúdo indexado no Google. Refere-se estritamente ao facto do motor de pesquisa oferecer a quem quem quer aceder a uma página toda a infraestrutura e serviços necessários para que a encontre sem pagar nada a quem publicou a página com o intuito de que os interessados a encontrassem.

O termo “utilizam conteúdos” também tem um significado peculiar. Quando procuro um número de telefone na lista telefónica faz mais sentido dizer que eu utilizo a lista para encontrar o número do que dizer que a lista utiliza os números de telefone. A lista, afinal, não telefona a ninguém. Quando procuro uma rua no mapa também sou eu quem utiliza o mapa para encontrar a rua onde quero ir e não o mapa quem utiliza as ruas. Mas no caso do Google, segundo parece defender o José, quando eu procuro “José Jorge Letria” não sou eu quem usa o motor de pesquisa para encontrar informação. Aparentemente, é o motor de pesquisa que está a usar o José. Exactamente como, não é claro. Deve ser uma coisa Zen.

O termo “conteúdos protegidos” tem um significado ainda mais estranho. Para proteger qualquer página da indexação por motores de pesquisa como o Google basta incluir no código fonte uma tag meta com os atributos name="robots" e content="noindex" (3). É trivial proteger as páginas neste sentido de impedir que sejam indexadas pelo Google. Se quem publica estes «conteúdos protegidos, sejam eles autorais, informativos ou outros» não os protege da indexação é porque não os quer proteger. O que se compreende perfeitamente porque, se os publicam, é porque querem que as pessoas os encontrem. Neste caso nem se consegue interpretar “conteúdo protegido” naquele sentido, já de si abusivo, com que o usam para designar o monopólio legal sobe a distribuição e acesso ao conteúdo.

Para o José, o problema é que motores de pesquisa como o Google fornecem um serviço gratuito que facilita o contacto entre quem quer aceder a um conteúdo e quem quer dar acesso a esse conteúdo, permitindo também a qualquer uma das partes excluir-se se quiser. Isto, para o José, só pode ser caracterizado de uma forma. «A palavra é dura, mas não há outra para definir este processo: pirataria.» Como o José explica, «a Comissão Europeia está a perder uma grande oportunidade de mostrar que defende os direitos de autor [...] em vez de defender quem deve ser defendido, “se limita a regular a solução predatória de escolhermos entre um opt-out, ou seja, não autorizarmos, ou ficar tudo como está”. Uma perspectiva nada animadora, diga-se.»

Para quem julga que os direitos de autor têm alguma coisa que ver com direitos ou autores isto pode parecer estranho. Afinal, se o fundamental fosse dar ao autor o poder de determinar quem tem acesso, e por que meios, à obra que ele criou, o sistema que temos agora seria perfeitamente adequado. No entanto, também a expressão “direitos de autor” tem um significado técnico muito peculiar. Designa especificamente o direito de cobrar. O fundamental para uma editora ou uma sociedade como a SPA não é o direito do autor publicar a sua obra, divulgá-la ou encontrar audiências, e muito menos o direito de quem é autor, ou de quem quer vir a ser autor, ter acesso às obras e à informação de que precisa para alimentar a sua criatividade. Não importa nada à SPA se cada autor tem ou não tem a possibilidade de retirar as suas páginas dos motores de pesquisa. O que importa à SPA é que a Google pague. Que pague à Springer, à Impresa, à Reuters e aos demais, e que pague o mais possível por intermédio da SPA. Quanto ao termo “pirataria”, ironicamente, designa qualquer alternativa que não inclua estes mecanismos de extorsão.

1- Público, Google: quem o favorece e porquê?. Obrigado pela referência no Google+.
2- Financial Statements, Google Inc
3- Using meta tags to block access to your site

10 comentários:

  1. Sim, isto é um clássico exemplo de «abuso de poder» e de excesso de interpretação dos direitos de autor; o Letria devia ter vergonha na cara, porque é um intelectual, e devia saber pensar :)

    A SPA nunca cobrou dinheiro aos bibliotecários na era pré-informática por estes compilarem índices dos livros que têm arquivados. Gostaria de ver o Letria a ir à Biblioteca Nacional e dizerem-lhe que não sabem se têm o livro X ou Y porque não lhes é permitido fazer uma lista dos mesmos (porque violaria o direito dos autores e a BN não teria dinheiro para pagar a esses autores os «direitos» [que não existem] de serem incluídos num índice de biblioteca).

    Nem se deve o Letria ter apercebido de que então todos os artigos científicos modernos (desde o século XVIII) teriam de ser queimados e destruídos, porque têm referências biblográficas. Ou seja, toda a ciência dos últimos 250-300 anos é «pirataria» e tem de ser eliminada.

    Finalmente, só mostra ignorância do Letria ao não compreender que a Google (e os principais motores de pesquisa) são um sistema opt-out. Ou seja, qualquer pessoa, se quiser, pode escrever à Google para não ser indexada por eles — e a Google respeita mesmo isso!

    Só posso concluir, e com o devido respeito para com o trabalho erudito do J. J. Letria, que é infelizmente ignorante relativamente às áreas de que não percebe nada, e que só presta um péssimo serviço à entidade a que preside, fazendo-a caír no ridículo, desprestigiando os autores que a representa, e, pior, fornecendo ainda mais argumentos para a abolição dos direitos de autor — ou seja, prejudicando directamente as pessoas que supostamente a SPA é suposto estar a proteger.

    Como membro da SPA há mais de duas décadas, e ainda por cima tendo trabalhado em conjunto com o Letria noutras épocas (ele felizmente não se lembra disso), não me revejo de todo neste presidente que desconhece coisas tão essenciais como o real funcionamento dos motores de pesquisa da Internet, e que usa um palavreado «populista» mas que só está a prejudicar tudo e todos que diz representar e proteger.

    Ironicamente, nunca pensei que o colapso do sistema de direitos de autor viesse «de dentro», ou seja, quando os próprios defensores do mesmo são quem está a contribuir para a sua destruição e abolição...

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  2. Miguel,

    «o Letria devia ter vergonha na cara, porque é um intelectual, e devia saber pensar :)»

    É o problema de usar o dinheiro como incentivo. Para alguém fazer algo excelente, o dinheiro pode ser necessário para criar as condições mas o incentivo principal virá da motivação do autor e o factor principal será as suas capacidades. Mas se o dinheiro incentivar alguém a ser uma besta muito facilmente qualquer um se tornará numa besta.

    «Finalmente, só mostra ignorância do Letria ao não compreender que a Google (e os principais motores de pesquisa) são um sistema opt-out. »

    Ele sabe disso. Até o menciona explicitamente. Mas isso não interessa porque se alguém faz opt-out fica sem visitantes.

    «Ironicamente, nunca pensei que o colapso do sistema de direitos de autor viesse «de dentro», ou seja, quando os próprios defensores do mesmo são quem está a contribuir para a sua destruição e abolição...»

    Isso é inevitável quando tens um sistema injusto e irracional. Quanto mais o tentam defender mais demonstram os seus podres.

    Neste caso, a colaboração entre o motor de pesquisa e o autor é tão evidente que até tu vês que é absurdo defender direitos do último proibir ou cobrar o serviço do primeiro. O que falta é pereceber que esta colaboração ocorre a todos os níveis, com toda a audiência do autor. Se um escritor investe dez mil horas de trabalho a escrever um livro e um milhão de pessoas investe dez horas de trabalho cada um a lê-lo, 99.9% do esforço necessário para que essa história ficasse na mente de tantas pessoas foi feito pela audiência e não pelo autor. É claro que sem o autor não havia história, mas sem audiência também não serviria de muito ter escrito o livro.

    Quando percebemos esta natureza colaborativa da criatividade – autoria é, sobretudo, comunicação, e a comunicação exige a colaboração de pelo menos duas partes – percebemos como é infundado o alegado direito do autor proibir o acesso ou a distribuição de obras publicadas. O direito do autor deve ser o direito de decidir se cria ou não e se publica ou não, porque todos têm o direito de decidir sobre o seu trabalho e o direito à sua privacidade. O resto são tretas deste género, motivadas mais pela ganância do que pela ética ou até pelo bom senso.

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  3. A ignorância tem dessas coisas. Fala-se do que não se sabe, cai-se no ridículo e posteriormente indaga-se porque raio ninguém lhe liga peva. Bastaria aos Letrias deste mundo ler um bocadinho e actualizar-se e perceberiam que a sua demanda está, no mínimo, desajustada à realidade.
    Acontece que, especialmente com o advento da Internet, qualquer pessoa atenta percebe a diferença entre reivindicação de direitos (e quais) e extorsão.
    Através da teimosia e ignorância, os proponentes do costume, que chamam pirata a tudo, sem explicarem ou saberem bem porquê, colam-se à última situação. Acredito que daqui a uns 15-20 anos, esta questão terá morrido e os contemporâneos pensarão algo do género: "Como raio o pessoal era tão cepo que não percebia isto?" Lá chegaremos.

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  4. Pessoalmente, a minha indignação é o «aproveitamento» dos direitos de autor para aplicar extorsão à Google. É isso que me indigna. Porque obviamente que atacar a atitude do Letria/SPA é legítima (porque o que defendem neste caso é absurdo), mas o ataque aos direitos de autor acaba por ser implícito, quando não o devia ser: paga o justo pelo pecador.

    No fundo, isto não é diferente do Bush dizer: «Ataco o Afeganistão porque Deus me disse para o fazer», fazendo depois com que ateus condenem a religião, que leva idiotas como o Bush a proferir coisas destas.

    Claro que não posso contra-argumentar contra o que o Ludwig disse: se os defensores dos direitos de autor (como o Letria) só dizem barbaridades que nada têm a ver com o direito de autor, mas meramente com os interesses pessoais (económicos), então não é legítimo condenar os direitos de autor, como um todo, se os seus defensores nem sequer sabem o que é que estão a defender? De notar que o mesmo argumento se aplica contra os religiosos, contra os monárquicos, contra uma série de coisas que, infelizmente, tiveram «defensores» que não compreendem nada do que estão a falar, mas, em público, dizem barbaridades que fazem com que os seus opositores, usando ataques ad hominem (justificadíssimos!), derrubem também os ideias que dizem defender (mas que não o fazem).

    É contra isso que me indigno: de que a defesa dos direitos de autor esteja na mão de pessoas que nem sabem o que isso é. Mais uma vez: é de «dentro» que se criam as sementes da própria destruição. Quanto mais barbaridades como esta forem veiculadas em público, mais o público se vai erguer contra a abolição do sistema. E não poderei de lhes dar razão: se a existência dos direitos de autor faz com que surjam barbaridades destas, então é melhor cortar o mal pela raíz.

    São posições como estas que tornarão cada vez mais difícil (senão impossível) uma defesa pública, lógica e racional, dos direitos de autor. E que desincentivam aqueles que ainda estão dispostos a defender os poucos direitos de uma minoria cada vez com menos direitos. No meu caso, que não sou uma figura pública, que argumento terei eu para defender uma abordagem racional aos direitos de autor, quando o Excelso Presidente da SPA afirma publicamemnte disparates completos? Por uma mera questão racional, tenho de me afastar dessa posição pública. Mas ao fazê-lo enfraqueço ainda mais a defesa dos direitos de autor.

    Coitados dos autores. Não mereciam Letrias e SPAs. Penso que foi-lhes dada a machadada final.

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  5. Miguel,

    «se os defensores dos direitos de autor (como o Letria) só dizem barbaridades que nada têm a ver com o direito de autor, mas meramente com os interesses pessoais (económicos), então não é legítimo condenar os direitos de autor, como um todo, se os seus defensores nem sequer sabem o que é que estão a defender?»

    Eu penso que isso não seria legítimo. O facto de uns, ou mesmo todos, dizerem barbaridades não nos isenta de ter de lidar com as ideias em si, independentemente destas distorções que fazem.

    Mas há aqui um problema diferente. É realmente uma barbaridade que sejam impostas restrições de acesso, distribuição, indexação, etc, de material voluntariamente publicado apenas por interesse económico. Essa parte dos direitos de autor deve ser abolida porque, Letrias ou não, é uma barbaridade. Não faz sentido que uma pessoa, para fazer melhor negócio a vender algo, tenha o poder legal de restringir os direitos de propriedade, expressão e acesso à informação de milhões de outras pessoas.

    Por isso, pela parte que me toca, eu sou 100% a favor daqueles direitos de autor que toda a gente reconhece como sendo perpétuos e inalienáveis. O direito de decidir se publica ou não, o direito de ser reconhecido como autor, o direito de repudiar representações menos fieis da obra e de não ser associado a essas, e assim por diante. Por outro lado, rejeito categoricamente qualquer ingerência na vida pessoal de monopólios concedidos para fins comerciais. O direito de proibir a partilha depois da obra publicada, por exemplo, ou a cobrança de taxas pelo uso de papel, CD ou pela indexação em motores de pesquisa.

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    1. pá filho tens carradas de razão excepto num ponto....o letria paga mais impostos em percentagem do que o google paga sobre os lucros miliardários

      tem 4 mil milhões de custos operacionais bolas atão 23% de TSU em cima adevia pagar prá tua reforma futura mil milhões né....

      é como os sites de leilões on line a quem pagam impostos se a sede fiscal for no luxemburg e as vendas forem em Portucalé? pués

      é por isse que bais ter uma arreforma de apenas 500 triliões de réis
      e um café vai custare 600

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  6. DRONE WORLD DROWNING IN DRONE WAR'S - THE CIRCUM-MEDITERRANEAN WAR'S GOING WILD IS A DROWNING OR A NEAR DROWNING EVENT PARA A CRIMEIA TANTO FAZ...IT'S REVOLTING? NO IS ONLY THE BIBLE BELT BY WALT DISNEY DO NOSSO FORD....WE CAN AFFORD FORD YES WE CANis majoris von gamma

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  7. Semi-people,

    Concordo que é necessário que os ricos paguem impostos. Mas isso é um problema diferente do copyright ou dos direitos do autor.

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    1. i prefiro demi-people because i'am baixinho chumbei nas SS por 10 centímetros e era na parte de cima

      no....não é um problema diferente

      são tudo impostos os direitos do author são impostos que o author lança sobre a sociedade

      e desses direitos que extorque a um café ou a um bar paga impostos ao estado sobre os rendimentos que aufere da extorsão

      do mesmo modo que andar a ler krippalhis paga corveia à EDP que paga em princípio impostos à sociedade donde retira lucros

      ao permitir-se que qualquer author se arrogue o direito de cobrar sem pagar impostos

      ou de os direitos de author não servirem o author mas outros no esquema corporativo que é a SPA não contribuindo para uma repartição injusta do capital como hoy temos

      fugir a pagar impostos por intermédio de um author esse é o probrema

      valor acrescentado ,,,,,,que pague o salarium dos profes da Inova ihhhh

      O Problema deveria ser quais os limites do direito de author

      contribuição voluntária? um tipo só ouve o rádio amália

      outro no tasco só toca hard rock

      devem pagar o mesmo à SPa ?

      num outro tasco só se vê futebol e o gordo,,,,,porque deveriam pagar à SPA se o televesore num apanha música que de resto a que dá é mais folk lore
      e se bem me lembro ranchos folclóricos não recebem guito da SPA

      logo porque se arroga a SPA de lançar um imposto extra sobre os rádios e televisões de cafés e restaurantes e barbeiros e similares?

      isso é que uma base legal para contestar impostos inconstitucionais

      ou se calhare até são con's mi num s'alembra da constituição toda

      se até a rtp lança impostos

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  8. Isto de ignorância não tem nada. De originalidade também não tem nada. É apenas um papagaio descarado a repetir uma ladainha que já deu alguns frutos, por exemplo, em França a ver se chove algum sem se mexer. Cara de pau e chico espertice tuga sem vergonha.

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