Forma e informação.
Julgo que a minha falta de sucesso em explicar porque é que o copyright no domínio digital é fundamentalmente diferente do que se fazia no analógico vem de ter insistido na parte mais trivial, que é a arbitrariedade da codificação digital, em vez de focar a mais importante: por que raio é que isso faz diferença. Vou tentar corrigir esse erro, começando com um excerto de um soneto de Camões e uma reinterpretação minha.
Alegres campos, verdes arvoredos, Claras e frescas águas de cristal, Que em vós os debuxais ao natural, Discorrendo da altura dos rochedos; | Prados férteis, arborizados, e um curso de água límpida escorrendo num declive acentuado rochoso. |
Ao contrário do que acontece na ciência, na arte não importa apenas a informação que se transmite mas também, e principalmente, a forma como é transmitida. Muitas vezes, a melhor arte consiste em transmitir ideias banais de forma assombrosa e a melhor ciência em fazer o contrário, e o copyright sempre fez esta distinção. A nossa legislação, por exemplo, protege «as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas» mas exclui explicitamente «As ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas»(1) enquanto tal.
Isto é assim porque o direito exclusivo de reproduzir certa forma de descrever a paisagem exige apenas restringir imitações dessa forma de descrever a paisagem. Mas o direito exclusivo de descrever a paisagem de qualquer forma implicaria proibir tudo o que pudesse ser interpretado como descrição da paisagem e isso é censura, fundamentalmente diferente de restringir a cópia. Por exemplo, em 2000 o juiz declarou ilegal a distribuição do programa DeCSS, por contornar a protecção de cópia dos DVD (2). Em resposta, começaram a inventar formas diferentes de divulgar o algoritmo. Em vídeos, canções, poemas e até num número primo (3). Isto porque, ao contrário da obra de arte, a especificação de um algoritmo não depende da forma. Passa-se o mesmo com as receitas. O livro de receitas, com capa, prefácio e fotografias, está coberto pelo copyright. Mas as receitas em si, sendo meros processos, estão excluídas porque não interessa a forma como são descritas. Basta que se perceba como confeccionar o prato.
Ye cheerful meadows and ye woodlands green, And ye, ye crystal waters, fresh and clear, Whereon like nature painted these appear, Who take your source the lofty rocks between; | 416C65677265732063616D706F732C20 766572646573206172766F7265646F73 2C20436C617261732065206672657363 617320E1677561732064652063726973 74616C2C2051756520656D2076F37320 6F7320646562757861697320616F206E 61747572616C2C20446973636F7272656E646F20646120616C7475726120646F 7320726F636865646F733B |
Acima mostro uma tradução do poema (4) e uma conversão dos códigos ASCII do original em hexadecimal. A tradução tenta preservar a forma do poema, mesmo alterando alguns detalhes. A conversão em hexadecimal não preserva forma nenhuma. Em teoria, alguém que saiba ler hexadecimal e tenha memorizado a tabela ASCII talvez consiga ler ali o texto original, mas não é isso que importa. O que importa é que, tendo um computador que faz esta conversão, pode-se distribuir apenas a informação que especifica aquela sequência de valores sem depender da forma do poema. Pode ser uma receita, um programa ou até um número primo. Saiu-se assim do domínio das obras expressas de uma forma concreta para o domínio dos processos e das ideias em abstracto e para restringir isto já não basta proibir a cópia. É preciso censura.
Focando esta diferença entre forma e informação talvez já consiga resolver as duas objecções mais comuns a este argumento. A primeira é a de que o copyright já tinha sido estendido aos registos analógicos e a aplicação aos ficheiros digitais é uma mera continuação desse processo. No entanto, apesar da alteração ter sido imensa – o copyright original cobria apenas a tipografia – foi meramente quantitativa. A proibição continuava presa à forma. Por exemplo, a gravação de alguém a declamar o poema estava coberta pelo copyright do poema mas a descrição numérica do campo magnético da fita dessa cassete não estava porque não teria a mesma forma, apesar de especificar a mesma informação. A extensão do copyright ao domínio digital foi qualitativamente diferente porque a forma deixou de fazer diferença.
A segunda objecção é a de que o ficheiro pode ser só bits mas o que a malta quer é ver o filme. É verdade, mas é irrelevante. Quem copia a receita também quer fazer o bolo como se tivesse comprado o livro de receitas e quem copia instruções para desenhar o Mickey também quer desenhar o Mickey. Só que, fora do domínio digital, isso é legítimo porque o copyright cobre apenas aquelas formas de exprimir a informação e não a informação em si. É só no domínio digital que essa distinção é abolida, criando algo fundamentalmente diferente.
Para terminar, queria deixar claro que isto não é um argumento a favor do copyright original. Continuo a considerar ilegítimo que proíbam as pessoas todas de copiar só para proteger os lucros de alguns. Mas essa posição parece ser polémica. O propósito deste argumento é mostrar que o copyright digital vai muito além daquilo que o copyright alguma vez foi porque tem de proibir a informação em si e não apenas a imitação de certas formas de a exprimir. Isso é censura, e não devia ser polémico defender que censurar os outros não é uma forma legítima de ganhar dinheiro.
1- Código do direito de autor e dos direitos conexos, artigo 1º.
2- Wikipedia, DeCSS
3- Wikipedia, Illegal Prime
4- J.J. Aubertin, Seventy Sonnets of Camoens etc
Tenho de admitir que a tua argumentação é rebuscada, e precisei de ler o texto 3x para perceber o que é que estás a dizer :) Assumindo que as pessoas com inteligência abaixo da média como eu tenham tanta dificuldade em entender a tua distinção subtil, não me admiro, pois, que tenhas tanta dificuldade em exprimir-te :)
ResponderEliminarPronto, e depois da falácia do ataque ad hominem, tenho então de te dar alguma razão quando dizes, no fundo, que «átomos são diferentes de bits» e que as leis do direito de autor — nomeadamente, o direito que o autor tem de controlar a forma pela qual as suas obras são distribuídas — terem sido desenvolvidas para átomos (que têm forma) e estejam a ser aplicadas a bits (que não têm forma).
Assim, se percebo o teu argumento, afirmas que uma forma feita de átomos — por exemplo, um boneco do Rato Mickey — não incorpora a informação sobre a ideia, o conceito criado pelo Walt Disney. É meramente um suporte físico — logo, protegido pelo direito de autor — mas a ideia original não é «transmitida» (pois a ideia não é protegida pelo direito de autor).
Quando passamos para o meio digital, então realmente é como dizes: a transmissão de informação é a ideia em si. Restringir essa transmissão de informação viola o próprio princípio dos direitos de autor, que supostamente não se aplicam à ideia em si, mas apenas à sua concretização. Então neste caso (transmissão digital de ideias — que são a própria ideia) os direitos de autor estão a violar-se a si próprios, ao que chamas de «censura».
Se é esta a tua argumentação, tenho efectivamente de concordar com o raciocínio de base, pelo menos a um nível superficial.
No entanto, isto não é «100% fool-proof». Mas temos de entrar para o domínio da filosofia, das teorias da economia contemporâneas, da teoria da informação, e até resvalar um pouco nas ciências cognitivas para aprofundar um pouco mais a questão.
Em primeiro lugar, não é assim tão fácil argumentar que «átomos não codificam informação». Para além das questões do tratamento da informação a nível da mecânica quântica, sobre as quais não posso argumentar porque não tenho conhecimentos, diria que átomos que compõem salpicos de tinta em cima de papel codificam, de facto, informação, e, nesse caso, um livro impresso é a ideia, e não meramente a sua concretização. Usando este argumento poderias então ir mais longe e argumentar: é impossível transmitir ideias sem qualquer forma de concretização. Sejam átomos ou bits, alguma coisa é necessária para transmitir ideias (vou deixar de parte as alegações de telepatia :) ). Logo, das duas uma:
- ou não pode haver ideias sem concretização, ou concretização sem ideias, e então o direito de autor (nomeadamente a do direito a controlar a forma como as ideias são distribuídas) aplica-se a tudo — transmissão de ideias de forma analógica, digital, ou outra qualquer que venha a ser desenvolvida no futuro; e, nesse caso, as leis de direito de autor que de certa forma tendem a implicar que as ideias não estão protegidas são uma fraude e auto-contraditórias (os juristas não são necessariamente bons filósofos); ou seja, esta dicotomia ideia/concretização não existe, são uma e a mesma coisa, e a transmissão de informação é a ideia em si;
- ou uma «mensagem digital», por mais codificada e incompreensível que seja para um ser humano, continua a ter «forma», se bem que não seja uma forma atómica, mas meramente uma sequência de signos. Forma, neste caso, assume um papel mais abstracto, e não implica «átomos». Implica, sim, uma sequência de símbolos, uma cadeia de signos, que tenha associado um método que permita, a quem transmite e a recebe, reconhecer a ideia original. Aqui já teria de ler muito mais Chomsky para poder elaborar este argumento :) No entanto, esta tem sido a argumentação preferida dos cientistas na área da economia contemporânea (c.f. referência no final).
A substancial diferença entre a «forma atómica» e a «forma digital» estaria no facto da primeira não ser «perfeita» (cinquenta mil bonecos do Rato Mickey terão subtis diferenças entre si) ao passo de que a segunda será sempre idêntica e indistinguível da original (cinquenta mil JPEGs do Rato Mickey serão iguaizinhos entre si e perfeitamente idênticos ao JPEG original). Nesse caso, argumentar que o direito do autor a controlar a forma como a sua obra é distribuída deve ser limitada apenas em base no critério de «perfeição de cópia» é um absurdo.
ResponderEliminarPenso que estás a chutar a questão para a discussão filosófica, abandonando a questão legal. E aqui vou fazer uma malandrice: que é a de afirmar que o processo de transmissão requer emissor, mensagem e receptor (pronto, não sou eu quem afirma isto, é o Shannon...). Argumentaste, penso eu que bem, que a mensagem (digital) inclui a ideia (emissor) e que são indistinguíveis. Eu argumento que a legislação incide essencialmente no receptor. Se para o receptor a mensagem tem significado — ou seja, se ao recebê-la, este identifica a ideia original (adquiriu conhecimento a partir da informação) — então o direito de autor aplica-se. Neste cenário, é irrelevante se a «mensagem» é um livro ou uma sequência arbitrária de bits transmitidos pelo vácuo do espaço. O que é relevante é se o receptor consegue identificar ou não a mensagem (adquirir conhecimento), e, através dela, a ideia original do autor. E é aqui que incide a protecção dos direitos que o autor tem sobre a transmissão das suas obras.
O teu argumento é que, dadas duas sequências aleatórias de bits, uma não codifica nada, e a outra é um JPEG do Rato Mickey, então, do ponto de vista de ambas, a informação que transmitem é a mesma, e «dar importância» a uma delas (a do Rato Mickey) é «censura» — porque bits são bits. Contra isso argumento que estás a confundir «dados» com «informação»: embora seja verdade que ambas sejam sequências de bits, do ponto de vista puramente da teoria de informação, um JPEG terá menos entropia porque representa informação que não é aleatória. Como tal, tem a capacidade de afectar positivamente o conhecimento do receptor, e, ao fazê-lo, isto significa que a mensagem, em si, tem valor (ver referências). Não é a mensagem em si que contém intrinsecamente a informação; é o receptor que determina: «isto é lixo, isto é o Rato Mickey». Ao fazê-lo, não está a ligar à sequência de bits. Está, isso sim, a ligar à ideia do Rato Mickey, que ele reconhece como tal, porque tem uma forma de, a partir de «meros bits», reconstruir a ideia original, adquirindo assim conhecimento novo. Ora isso é perfeitamente coincidente com muitas outras formas atómicas de transmitir ideias originais.
Ou seja, o que distingue um caso do outro é que informação requer uma correlação entre emissor, mensagem, e receptor, na qual existe um valor associado à mensagem. Este valor é abstracto (mas é uma variável económica); não é intrínseco à mensagem por si; existe, isto sim, porque há uma articulação entre as três partes. Caso contrário, estamos apenas a falar de dados — isso sim é que são sequências aleatórias de bits cujo «valor» é nulo para todos os emissores e receptores.
No entanto, a protecção dos direitos de autor parte do pressuposto que há uma intenção de emitir uma ideia, há uma mensagem (sob um suporte qualquer — mesmo que seja luz numa fibra óptica!), e há um receptor que consegue descodificar a mensagem e recriar a ideia original na sua mente. A mensagem, pois, é informação e não apenas dados. A sua recepção produz conhecimento novo que é adquirido pelo receptor. Logo, do ponto de vista da teoria económica, tem valor, tanto para o emissor como para o receptor. (Do ponto de vista da teoria da informação, poderíamos dizer que tem «energia» — no sentido de ser inversamente proporcional à entropia de Shannon — e que esta energia, por sua vez, produz conhecimento no receptor. O «valor» é uma quantificação da energia — coisa que os economistas modernos gostam muito de fazer.)
ResponderEliminarExcluem-se os edge cases daquelas pessoas que eventualmente não consigam ler livros ou ver filmes. :) Para eles a mensagem não tem qualquer valor. Mas, em contrapartida, no caso da transmissão digital, por exemplo, de uma imagem do Rato Mickey, é pouco relevante se a maioria das pessoas, olhando para os bits escritos uns atrás dos outros, não reconhece lá mensagem alguma. O que é relevante é que qualquer aplicação que compreenda o formato JPEG poderá evocar imediatamente na mente de quem vê o resultado da descodificação da sequência de bits a ideia original. Porque esses bits não são aleatórios mas codificam informação.
Penso que te andas a focar demasiado no suporte da ideia e em tentar argumentar que o suporte digital é diferente do atómico, e que, portanto, terá de haver forçosamente uma diferença entre eles. Estás a tentar demonstrar que uma sequência de bits não contém informação alguma, porque é intrinsicamente vazia de informação, quando comparada com outras sequências de bits aleatórias. Logo, não tem valor algum intrínseco. Mas isso é só verdade se te alheias de que para teres transmissão de informação, tens de ter um emissor e um receptor (seja no sentido que lhe é dado por Shannon, seja do ponto de vista da filosofia clássica). Como diriam os anglo-saxónicos, estás a andar em cima de gelo fino — a disparar a discussão para a parte filosófica, sobre «o que é uma ideia», «o que é uma mensagem», «o que é uma transmissão de ideias», «como são evocadas ideias na mente a partir de mensagens», e a concluir que nada disto está presente numa sequência de bits. E é verdade do ponto de vista de uma redução ao absurdo (seria como dizer que o cérebro não pode pensar, porque se eu tirar de lá de dentro todos os neurónios e demais componentes e os alinhar lado a lado, não vejo nenhum pensamento...). Mas não é verdade do ponto de vista mais alargado do que efectivamente é uma transmissão de conhecimento a partir de informação. Por si só, uma sequência de bits não vale nada. Mas também um rectângulo de papel com umas coisas bonitas impressas, deixada no meio da floresta da Amazónia, por si só não vale nada. Vale apenas quando está contextualizada — quando há um emissor do papel-moeda e quem o valoriza enquanto receptor, dando significado à mensagem.
Em vez disso tudo, prefiro mais o teu argumento final: «Continuo a considerar ilegítimo que proíbam as pessoas todas de copiar só para proteger os lucros de alguns.» Essa é uma posição ético-jurídica, e que é ou não defensável, mas sê-lo-á ao nível ético-jurídico, mas que tem pouca relevância para as questões da transmissão de ideias ou conhecimento.
Obviamente que se estamos apenas no plano ético-jurídico, posso apenas dizer que o teu argumento é estranhamente semelhante a: «Continuo a considerar ilegítimo que proíbam as pessoas todas de roubar só para proteger os lucros de alguns.» (Por exemplo: devia ser moralmente permitido aos pobres roubarem nos supermercados, porque a sua sobrevivência individual é mais importante, do ponto de vista social, que o lucro do dono do supermercado — isto é uma posição ideologicamente defensável, mesmo que tenha a dificuldade de explicar porque é que os pobres teriam mais direitos que os outros, e o que é que efectivamente é um «pobre»). A questão aqui é que andas há anos a tentar desesperadamente provar que «duplicar uma sequência de bits não é roubo, porque não há vitima nem dolo». Mas estás errado do ponto de vista jurídico: a partir do momento em que tires benefício pessoal dessa sequência de bits — tens usufruto dessa sequência de bits que te trás satisfação pessoal, por exemplo — significa que dás valor a essa sequência de bits (e não a outra qualquer). Se há valor nessa sequência, e se originalmente a não tinhas, mas que a obténs apenas duplicando a partir de quem a tenha criado, então existe dolo — há um usufruto de algo que tem valor e pelo qual não remuneraste o criador — e uma vítima.
ResponderEliminarArgumentares que «informação não tem qualquer valor» ser-te-á muito difícil :)
O único caso em que podes argumentar que isto não é verdade é se essa duplicação ocorreu sem teu conhecimento e sem a tua vontade. É por isso que eu, em contrapartida, mantenho-me profundamente contra as absurdas leis que procuram criminalizar quem, por engano, clica num link e descarrega uma imagem ou um MP3/AAC sem saber o que está a fazer, e depois tem a polícia a arrombar-lhe a porta a dizer que tem «conteúdos pirateados dentro do seu computador». Isso, para mim, é completamente absurdo — não houve não só nenhuma intenção de copiar o que quer que fosse, como, pior que isso, a pessoa que fez isso é vítima (foi enganada a descarregar uma coisa sem saber o que era!), e nesse caso não existe nenhuma justificação legal, nem sequer ética, por condená-la só por ser vítima contra sua própria vontade! As leis da criminalização individual de quem tem «conteúdo pirateado» nos seus computadores, sem o saber ou querer, são absurdas. Sou fortemente a favor da despenalização.
Mas sei muito bem porque é que existem. É que o caso do Pirate Bay mostrou que, do ponto de vista legal, o Pirate Bay não está a cometer nenhum crime. Eles não têm nenhum conteúdo ilegal para descarregar. Não estão sequer a incitar ninguém a piratear conteúdo. A única coisa que fazem é dizer aonde é que estão cópias de certas coisas — nos computadores de outras pessoas, não nos do Pirate Bay — e isso seria mais ou menos a mesma coisa que dizer que elaborar uma lista de livros de uma biblioteca (ou livros nas casas das pessoas) é infringir alguma lei, porque as pessoas, sabendo onde estão os livros, agora poderiam ir imediatamente a correr com uma fotocopiadora para esses sítios e fotocopiar ilegalmente os livros :) O facto de ser muito mais fácil de copiar coisas digitais do que andar com uma fotocopiadora às costas
é irrelevante :) Além disso, o Pirate Bay nem sequer está a dizer para as pessoas não pagarem os direitos de autor daquilo que copiam. E de certeza que não estão a incentivar ninguém a cometer crimes; as pessoas descarregam o que quiserem de onde quiserem por sua livre vontade, não por coacção. Por isso, criou um vazio legal, mas que na realidade lixou muita gente ao mais alto nível da indústria do entretenimento, que, em virtude disso, forçaram os legisladores a inventarem leis completamente absurdas.
Seja como for, sempre preferi o argumento muito mais forte de que «as leis de direito de autor só fazem sentido quando o custo de produção e distribuição da concretização das ideias do mesmo é significativamente elevado e ao alcance de poucos». Este continua a ser para mim o argumento mais difícil de contornar, e é por isso que ando à procura de métodos de retribuição remuneratória dos autores numa época em que efectivamente este pressuposto deixou de ser verdadeiro.
ResponderEliminar[1] Para uma distinção entre dados, informação, e transmissão de conhecimento, há triliões de artigos, mas segue aqui um como referência: Boisot, M., & Canals, A. (2004). Data, information and knowledge: have we got it right? Journal of Evolutionary Economics, 14(1), 43–67. doi:10.1007/s00191-003-0181-9 — há uma versão preliminar disto em http://www.uoc.edu/in3/dt/20388/20388.pdf
Podia citar muitos mais, mas Boisot & Canals parecem estabelecer as bases para a moderna compreensão das diferenças entre dados, informação e conhecimento, de uma perspectiva económica, assentes na teoria da informação e na física das comunicações. Ressalvo a ideia inteligente deles de pegar na medida de entropia de uma mensagem, definida por Shannon. Uma sequência completamente aleatória — dados com zero informação — tem entropia máxima. Por analogia com a física, uma sequência com bastante informação terá menor entropia — mais maior energia. Ora a economia (moderna) lida justamente com associação de valores em torno de energia transmitida. Assim, uma mensagem com mais informação terá mais valor. Este valor é um valor económico, não meramente abstracto ou filosófico. E de onde vem este valor? Da capacidade da informação contida na mensagem afectar o conhecimento do receptor. Assim, uma mensagem com mais valor afectará positivamente esse conhecimento. Boisot & Canals estabelecem então que é a relação entre produtor de conteúdos (digitais) e consumidor que definem se uma mensagem é meramente uma relação aleatória de símbolos, ou se é informação com valor. Se for informação com valor é porque há agentes económicos que lhe deram esse valor, porque adquiriram conhecimento novo que não tinham sem essa informação. Há um produtor que dispendeu energia (neste caso, energia do ponto de vista económico) para criar uma mensagem cujo conteúdo vai afectar positivamente o conhecimento do consumidor. Assim, a transmissão desta mensagem é, efectivamente, uma transacção económica — tem valor para ambas as partes. Se tem valor, então qualquer mecanismo para lhe «retirar» o valor, ou «beneficiar» terceiros sem os remunerar pelo valor da mensagem recebida, é legalmente um «roubo». Repara que Boisot & Canals não afirmam que a sequência de bits tem valor intrínseco. Na realidade, refutam essa ideia. Dizem que tem valor porque a sua transmissão afecta o receptor em termos da sua aquisição de conhecimento. E é isso que procurei explicar.
A argumentação de Boisot & Canals de que «informação é sempre física» (que fazem citando imensas fontes) não a percebi, pelo que nem sequer fui por esse caminho, mas fica ao teu critério examinares o que tem sido publicado e de refutares à vontade. Do meu ponto de vista, não tenho conhecimentos suficientes para isso, posso apenas dizer que «informação tem valor quando aumenta o conhecimento», e se tem valor (económico), há quem tenha o direito (ético e legal) de ser remunerado por isso.
É baseado no pensamento deles (bem, e de muitos mais como eles — este artigo tem uma década :P e tem sido fonte e inspiração de muitos outros) que fiz as minhas afirmações. Podes refutar-me à vontade e continuares a insistir que uma sequência de bits aleatória «não vale nada» — pouco me afecta, pois nem sequer sou economista, nem jurista, nem sequer activista de direitos humanos (nem sequer activista dessa espécie sub-humana que desprezas, os autores). Mas vais ter de refutar uma década de pensamento económico e da forma como se relaciona com a teoria da informação se quiseres ter credibilidade nas tuas afirmações. Bom trabalho :-)
Miguel,
ResponderEliminarPenso que começaste a tua série de comentários na direcção errada. Eu não estou a falar da diferença entre átomos e bits. Estou a falar da diferença entre uma forma de representar algo e todas as formas de transmitir essa informação, seja por bits seja por átomos, seja por prosa, verso ou música.
Um desenho do rato Mickey é uma forma de representar esse boneco e a Disney tem copyright sobre isso. Mas há muitas formas de transmitir informação acerca do Mickey que permita especificar completamente o boneco. Podes descrevê-lo textualmente, descrever a descrição (quantos “a”, “b”, etc e onde os pôr), podes dar instruções de com o desenhar e assim por diante, e a Disney não tem copyright sobre isso. Não por um ser bits e outro átomos (não tem nada que ver com isso, pode ser tudo escrito no papel com um lápis azul, se quiseres) mas porque o copyright dá direitos exclusivos sobre uma expressão concreta do conceito mas não sobre o conceito em si. E a razão para isso é a diferença entre proibir imitações e censurar ideias.
Outro exemplo é o do poema. Mais uma vez, não tem que ver com bits e átomos. Um poema descreve a paisagem daquela forma em particular e o copyright regula imitações dessa forma mas não regula a informação necessária nem para descrever essa paisagem nem para descrever a descrição, ou a sequência de caracteres do poema ou qualquer outra coisa que não tenha que ver com uma forma de expressão em concreto.
A diferença entre o analógico e o digital surge a seguir. Em teoria, podias aplicar o mesmo principio ao digital. Por exemplo, o artista cria um mp3 para especificar aquela sequência de sons e agora tem copyright sobre essa forma de exprimir a sequência de sons. Mas, tal como aconteceria no analógico, não teria direitos exclusivos sobre todas as formas de especificar essa sequência de sons nem sobre as formas de especificar como obter o mp3 dele, tal como a Disney não tem copyright sobre todas as formas de descrever o rato Mickey nem sobre as formas de especificar como obter um desenho do rato Mickey. O problema do domínio digital é que isso equivale a dizer que não há copyright, porque no domínio digital codificar algo de outra forma é ainda mais fácil do que desenhar o rato Mickey.
Penso que os teus comentários, ao tentar focar a diferença entre átomos e bits, não são relevantes para a minha posição. Por exemplo, «A substancial diferença entre a «forma atómica» e a «forma digital» estaria no facto da primeira não ser «perfeita» » Pode ser ao contrário. Ao digitalizar perdes informação, e a representação digital acaba por ser menos perfeita do que a analógica. Mas isto é irrelevante para a diferença entre censura e direito de cópia.
«Penso que estás a chutar a questão para a discussão filosófica, abandonando a questão legal.»
Claro que sim. O que eu estou a discutir, no fundo, é o fundamento ético e moral da lei, lei que considero errada. Abordar a questão de uma perspectiva legal só faz sentido se assumires que a lei está certa. Por exemplo, não podes abordar a questão dos direitos da mulher na Arábia Saudita de uma perspectiva legal porque, legalmente, a mulher lá não tem direitos.
«O teu argumento é que, dadas duas sequências aleatórias de bits, uma não codifica nada, e a outra é um JPEG do Rato Mickey, então, do ponto de vista de ambas, a informação que transmitem é a mesma»
Não... isso não é o meu argumento. O meu argumento é que o copyright que tu possas ter sobre uma certa forma de exprimir algo não deve dar-te o direito exclusivo sobre todas as formas de exprimir a mesma coisa porque aí não era um direito de cópia (exprimir o mesmo da mesma forma) mas um direito de censura (exprimir o mesmo de qualquer forma). Isto não tem que ver com bits. O problema dos bits é que, nos bits, não há forma prática de preservar esta distinção.
Ah ok. Assim já é outra conversa!
EliminarPortanto a essência do teu argumento agora é: no meio atómico, há uma diferença entre um desenho e um manual de instruções sobre como fazer esse mesmo desenho. O primeiro está a ser protegido (é uma concretização de uma ideia), o segundo não (porque não é concretização de ideia nenhuma). Isto é consistente com o direito do autor ter protecção sobre as concretizações das suas ideias. Já lá vamos...
No meio digital, isto não é assim: se codificar uma música em MP3, e alguém re-codificar para AAC, e se isto for proibido fazer, então, segundo a tua opinião, há aqui censura: pois a re-codificação não é o original, e há milhões de formas diferentes de re-codificar o original, e está-se a «censurar» esses milhões de formas. Assim, o direito de propriedade do autor, quanto muito, só poderia recair sobre a codificação original. Não poderia incidir sobre qualquer re-codificação (ou mesmo uma cópia simples à qual se acrescentaria um bit, por exemplo). Ao implicitar que a lei se alarga a estes casos, está a ser violado o princípio estabelecido para as concretizações no mundo atómico, e a lei está a ser «abusada». Há, pois, segundo a tua opinião, censura e não mera protecção: o autor tecnicamente não deveria ter direito sobre outras representações do original que fossem codificadas de outra forma.
Penso que aqui o problema é assumir que as formas são realmente diferentes apesar de conterem a mesma informação.
Vamos a alguns exemplos do mundo atómico. Se eu olhar para um desenho do Rato Mickey, e o copiar manualmente, mas invertê-lo em espelho, estou a criar uma obra de arte original ou a fazer uma cópia? No copyright anglo-saxónico, não há dúvidas: é uma cópia. A orientação, cores usadas, traço, etc. são irrelevantes. O que interessa é: alguém que veja esse desenho, reconhece o Rato Mickey? Se sim, estou a fazer uma cópia. Se não, estou a ser original — porque ninguém pode realmente ter o copyright sobre «um rato orelhudo que anda aos pulos a dizer disparates». Assim, o Jerry do Tom & Jerry não viola o copyright da Disney, porque não deixa de ser um rato aos pulos a fazer disparates, mas é imediatamente reconhecível que não se trata do Rato Mickey.
EliminarNão é pois apenas a forma precisa que é importante no direito de autor. É o que o suporte evoca na mente das pessoas. Senão, poderia alegar que uma fotocópia não é o original — tem átomos diferentes! — e não estou a fazer nenhuma «cópia», porque no mundo atómico é impossível fazer cópias perfeitas.
No direito de autor continental acaba por acontecer o mesmo, mas por razões diferentes. Quem pegue num desenho do Rato Mickey e o inverta, mude as cores, etc. — mas em que se continua a perceber que é o Rato Mickey — está a fazer uma obra de arte derivativa (não é a mesma obra de arte, é apenas inspirada nela). Esta, por si só, está protegida também. No entanto, o autor desta obra de arte derivativa tem de pedir autorização primeiro! Se não o fizer, pode ainda usar a obra de arte original para fins de paródia (mas a Disney terá advogados para tentar discutir se é mesmo uma paródia ou não), mas estará, de qualquer das formas, seriamente limitado ao que pode fazer com a obra ou não. Penso que o direito anglo-saxónico contempla a arte derivativa de outra maneira, mas não sou um perito e por isso não sei.
Este é um caso que me parece ser relativamente simples de compreender. Há inúmeras formas de desenhar «um rato orelhudo aos saltos a armar-se em parvo». Se o resultado for reconhecível como o Rato Mickey, estamos a falar de uma violação dos direitos de autor — mesmo que a Disney nunca tenha feito um desenho igual ao nosso (porque há infinitas possibilidades de desenhar um rato orelhudo aos saltos que se pareça com o Rato Mickey, tal como há infinitas possibilidades de que não se pareça com o mesmo). Esta distinção é subtil e requer discussões com advogados, para em tribunal decidir se houve ou não intenção de copiar o Rato Mickey ou não (um selvagem na Amazónia que nunca tenha ouvido falar do Rato Mickey pode, por acaso, desenhar uma coisa parecida que vem da cabeça dele, mas que nós achemos que se parece muito com o Rato Mickey. Cabe aos tribunais decidir se houve ou não violação de copyright. Caso bicudo! Felizmente nunca aconteceu)
Vamos complicar mais as coisas. A Disney lança um desenho animado com o Rato Mickey. Eu vou ao cinema, tomo notas, e publico um livro que conta a mesma história, com as mesmas personagens, mas claro que o livro é uma «forma» diferente e nada tem a ver com a película em celulóide projectada num écrã. Não há dúvidas algumas que estou a violar o copyright da Disney — se a história e as personagens forem reconhecíveis como sendo o Rato Mickey aos pulos, e não outra coisa qualquer. Se realmente usar um enredo parecido, mudar algumas personagens, e ninguém, ao ler a história, imediatamente a associar ao desenho animado da Disney, então não estou a violar nada, porque as ideias não são objecto de copyright.
No entanto, não posso fazer um livro com o enredo do filme da Disney e as personagens da Disney se qualquer pessoa a ler perceber que são, de facto, histórias da Disney e as suas personagens. Ou seja: há, de facto, uma protecção implícita da forma como é transmitida a obra do autor. Há, efectivamente, uma protecção subtil de todas as concretizações de uma ideia — quando esta é mesmo muito claramente definida. Do teu ponto de vista, então, seria impossível proteger qualquer concretização de uma ideia, porque na realidade é impossível dizer, fisicamente, que uma coisa é uma cópia exacta de outra. O direito de autor contorna isto assumindo justamente que o que interessa é o que o suporte evoca na mente das pessoas.
EliminarIsto aconteceu historicamente por duas razões. Uma é que rapidamente surgiram várias formas de concretização das ideias dos autores. Um exemplo clássico: sou um autor que tem direitos sobre uma obra publicada num jornal, em seriado. Agora aparece uma empresa que recorta os jornais, cola tudo no mesmo volume, vai a uma tipografia, e imprime uns livros e vende-os. Essa empresa está a violar os direitos de autor? A forma «livro» é diferente da forma «jornal» (basta pensar no código deontológico a que estão obrigados os jornalistas, apesar da liberdade de expressão; e na liberdade que existe ao publicar um livro. São realmente coisas diferentes). Vamos dizer que sim, pois são as mesmas palavras pela mesma ordem. Então e se pegar nas obras publicadas em jornal, as traduzir, mudar completamente o layout, e imprimir um livro — ainda é a mesma obra? A resposta é «sim» porque a concretização não interessa: o que interessa é que, dado um receptor bilingue, este consegue imediatamente compreender que a tradução se refere precisamente à mesma obra, mesmo que as palavras sejam diferentes, etc.
Também me parece que discordas que o autor tenha direitos sobre a qualquer forma de concretização das suas ideias (mesmo que em suportes claramente diferentes), mas que apenas as tenha sobre as concretizações que efectivamente conseguir fazer. Mas é claro que o problema se coloca com coisas como a criação de um filme a partir de um livro: a ideia é a mesma, o enredo é o mesmo, as personagens são as mesmas, as pessoas que vêm o filme imediatamente reconhecem de que livro se trata — mas o autor literário não sabe realizar filmes, pelo que ficaria à mercê de quem soubesse concretizar a sua obra de outras formas. Para evitar que isto aconteça é que a lei é mais extensiva do que eventualmente gostarias que fosse.
Agora claro que posso escrever um livro sobre o mesmo tema, com personagens diferentes, e um enredo que — dado o tema ser o mesmo — será parecido mas não igual. Isso é uma obra nova. Posso, igualmente, pedir autorização para usar as mesmas personagens e escrever uma história completamente diferente — isso é uma obra de arte derivativa, e, dado que tenho autorização para usar as personagens, o direito de autor dessa nova obra passa agora a ser meu.
EliminarQuando passamos para o meio digital, aplica-se o mesmo princípio. Não interessa muito bem qual é a codificação que uso. Qualquer que esta seja, desde que evoque precisamente a ideia original, e que o receptor saiba perfeitamente que se trata dessa ideia original, então estou a violar o direito de autor. Um exemplo: pego num MP3 de uma música da Beyoncé, mas faço-lhe um arranjo, mudo os instrumentos, ponho aquilo noutro tom, diminuo o ritmo, canto com a minha voz, e distribuo como AAC. Estou a violar o direito de autor ou não? Sim, se for imediatamente reconhecível por quem ouvir que «isto é uma música da Beyoncé». Mas se pegar apenas no tema e fizer uma fuga em órgão e lhe der um ar barroco, de forma a que a audiência diga «já ouvi isto em qualquer lado mas não sei onde», então estou a fazer uma obra de arte nova, porque a sequência de notas musicais de que se compõe o tema não pode ser alvo de direitos de autor.
Podia dar muitos mais exemplos assim, mas o ponto essencial aqui tem a ver com a percepção subjectiva do receptor. E é por isto que estes casos não são «preto no branco» mas sim discutíveis em tribunal: por se tratar justamente de uma percepção subjectiva.
Também é por isso que eu sou contra DRMs e quejandos, mas por outra razão diferente: porque sou a favor de que as coisas subjectivas devem ser controladas por meios sociais e não meios técnicos (ou seja, através de ética e legislação que a implemente; não através de computadores e software que são impessoais e não lidam com a subjectividade). O respeito pelos direitos de autor deve ser fruto de educação, não uma imposição mecânica. Mas isto é uma questão completamente diferente e não é relevante para a discussão.
O que é importante é que é, de facto, arbitrário e subjectivo o ponto em que se determina «isto é uma ideia imediatamente reconhecível como a obra de um autor» e o ponto em que isto deixa de ser verdade. Um «rato orelhudo aos pulos» é uma ideia. Pode ser o Rato Mickey, pode ser o Jerry, ou milhentas outras coisas. A Disney — que tenho a certeza que adoraria fazê-lo! — não consegue obter direitos de autor sobre «um rato orelhudo aos pulos». Agora se alguém desenhar (ou implementar de outra forma qualquer) um rato orelhudo aos pulos em que alguém imediatamente diga «ah! é o Rato Mickey!» (mesmo que não se pareça com este, e use um suporte que a Disney nunca usou — tipo hologramas ou fita perfurada :) ), então está-se na presença de direitos de autor.
Miguel,
ResponderEliminar«Obviamente que se estamos apenas no plano ético-jurídico, posso apenas dizer que o teu argumento é estranhamente semelhante a: «Continuo a considerar ilegítimo que proíbam as pessoas todas de roubar só para proteger os lucros de alguns.» »
Se a única consequência do roubo fosse diminuir os lucros, então não era uma posição estranha. Considera a forma genérica:
“É ilegítimo proibir toda a gente de fazer X se o único efeito de X é diminuir o lucro de um grupo de negociantes”
Penso que é uma afirmação bastante sensata e consensual.
A grande diferença entre o roubo e o tal X é que o roubo não tem como efeito apenas diminuir o lucro. Quando se rouba algo o primeiro efeito é que a vítima fica sem essa coisa, e é por isso que se proíbe o roubo. A questão do lucro é irrelevante.
A questão do valor também não tem nada que ver com a minha posição. Mas também não tem nada que ver com o copyright. A teoria da relatividade tem muito mais valor do que qualquer canção do Quim Barreiros mas não tem copyright.
Se queres criticar a minha posição começa por considerar aquilo que eu defendo. Neste caso, defendo que proibir qualquer forma de exprimir algo é censura e vai muito além da proibição de copiar certas formas de exprimir algo. É isso que abordo no post. Não tem nada que ver, à partida, com átomos nem bits nem valores. Simplesmente com a diferença entre restringir a cópia e censurar informação. E podes encontrar muitos exemplos dessa distinção fora do meio digital.
Se aceitares que deve haver essa distinção, o passo seguinte é propores como se pode fazê-la no domínio digital. Nomeadamente, como se pode dar a alguém um monopólio eficaz sobre a cópia de uma forma de codificar ou exprimir algo sem lhe dar o tal monopólio sobre todas as formas de o codificar ou exprimir que configuraria censura nesse domínio.
O ESPANTO DO LUDWIG PERANTE SEQUÊNCIAS POLISSÉMICAS DOS CÓDIGOS DO DNA
ResponderEliminarO Ludwig procurou apresentar o facto de a sequência de nucleótidos CUG poder ter dois significados, dependendo do contexto, como prova de que o DNA não é um código.
Mas falha, mais uma vez.
Em vez disso, ele sublinha alguns importantes pontos para o criacionismo.
Desde logo, ele reconhece que sequências de símbolos, no DNA, têm uma função representativa de algo que os transcende, transmitindo instruções precisas para a produção de aminoácidos, proteínas, células, tecidos, órgãos, seres vivos integrados e funcionais.
Essa função representativa é a essência de um código, de uma linguagem.
Além disso, ele sublinha o carácter polissémico dos símbolos, o que é típico de muitos códigos.
Nas linguagens humanas, a mesma palavra pode assumir vários significados, dependendo do contexto. Mas o facto de assumir um ou outro significado em nada refuta o facto de se tratar de informação codificada.
No DNA sabe-se que genes idênticos podem assumir significados diferentes, dependendo do contexto regulatório. Por exemplo, o aminoácido leucina pode ser codificado por seis sequências genómicas diferentes: TTA, TTG, CTT, CTC, CTA e CTG.
Um terceiro aspecto, é sublinhado pelo físico alemão Werner Gitt, usando o mesmo exemplo do Ludwig.
No seu artigo “Design by Information”, publicado numa obra colectiva em 2006, Werner Gitt, na nota de rodapé 8, afirma que o código contido no DNA facilmente se percebe ter uma natureza convencional (no sentido de queo significado não é uma propriedade dos açucares e fosfatos que constituem a matéria do DNA).
Por outras palavras, diz Werner Gitt, não existe nenhuma razão físico-química pela qual a biomaquinaria do DNA atribui à sequência CUG, por exemplo, o significado “leucina”, Com efeito nalgumas espécies a mesma sequência é traduzida por “serina”.
Para Werner Gitt isso só demonstra a natureza imaterial e convencional do código, no sentido de que se trata de uma realidade independente das propriedades físicas e químicas da matéria.
Como na generalidade dos códigos, não existe qualquer relação física necessária entre a sequência de símbolos e as ideias ou instruções que eles codificam.
Ora, no DNA sabe-se que existem códigos paralelos, por vezes de leitura bidireccional, em que os nucleótidos, os aminoácidos e os próprios genes podem assumir diferentes funções, consoante o contexto.
Isso só acrescente complexidade ao genoma, muito para além do que a teoria da evolução aleatória consegue explicar.
Como se vê, não existe nada de novo no argumento do Ludwig e muito menos nada que ponha em causa o que os criacionistas afirmam.
Pelo contrário.
O argumento corrobora inteiramente o que os criacionistas dizem.
Continua a existir código e informação codificada no genoma,
De resto, isso é reconhecido por todos, menos pelo Ludwig, que continua numa inglória tentativa de negação do óbvio:
1) Informação codificada tem sempre origem inteligente
2) O DNA tem informação codificada
3) O DNA teve origem (super-)inteligente
O LUDWIG E A INFORMAÇÃO
ResponderEliminarO Ludwig diz:
"Chamar-lhe informação é apenas um truque criacionista para baralhar a conversa."
Truque criacionista?
Talvez o ateu Richard Dawkins possa explicar esta matéria ao seu acólito menos letrado.
Para sublinhar como a vida depende de informação codificada, Richard Dawkins, no seu último livro, “The Greatest Show On Earth; Evidence of Evolution”, New York, Free Press, 2009, p. 405, diz claramente que:
“a diferença entre vida e não vida não é uma questão de substância, mas de informação. Os seres vivos contêm quantidades prodigiosas de informação. A maior parte dessa informação está digitalmente codificada no DNA, e existe ainda uma quantidade substancial codificada de outros modos”.
Ou seja, para Dawkins, tal como para os criacionistas, a vida depende de informação codificada no genoma.
O Ludwig ainda acha que isso da informação é um truque criacionista?
Vou tentar resumir ao máximo aquilo que entendo ser o argumento do Ludwig:
ResponderEliminarSe alguém detinha direitos de autor, cópia e distribuição de um qualquer CD, então era o CD, sua bonecada e o padrão sigma-delta incluso que estava protegido e que só ele é que podia comercializar para seu benefício.
A partir do momento em que fulano pega no CD, legalmente adquirido, e começa a fazer MP3, passava-se para lá do que a lei prescrevia e esse ficheiro estava livre de direitos. Fulano podia passá-lo a beltrano que ninguém tinha nada com isso.
O problema é que, no mundo do senso comum, o MP3 é a mesma coisa que está no CD, porque o que as pessoas têm é orelhas e ouvidos e não CODECs. Então, o legislador vai de tentar inscrever isso mesmo na lei, porque é o que faria sentido. Mesmo do ponto de vista da assinatura de informação, uma máquina conseguiria dizer que o MP3 foi gerado a partir da faixa áudio. Para todos os efeitos é a mesma informação que lá está e dizer que a correlação entre um e outro é arbitrária é um argumento que não me convence nada.
O problema é que – e nesse ponto concordo com o Ludwig – o legislador fez borrada ao dizer que todas as representações da mesma obra estão protegidas. Porque, ao querer cumprir-se a lei efectivamente, e como deve ser, não se poderá aplicá-la sem incorrer em algo indistinguível da censura.
"Todas as representações" permite, até, deter direitos sobre os padrões de pressão no ar. Pois se eu posso copiá-los e codificá-los novamente! "Todas as representações", em termos de teor de informação, permite até o seguinte:
Eu pego num MP3, adiciono-lhe um nível de ruído disparatado. Codifico o ruído. Distribuo o MP3 com o ruído, e o ruído em separado. Estou a infringir o copyright, porque subtrair uma coisa à outra está-me a devolver o ficheiro original. E a única coisa que dei a alguém foi barulho.
Se a lei me disser que eu não posso subtrair uma coisa a outra por forma a obter uma obra de arte protegida, então a lei está, de facto, a proibir-me de subtrair. E isso é treta.
Ludwig, é isto?
Se é isto, há um ponto em que tenho de deixar de concordar: a partir do momento em que a correlação entre o ficheiro final e o original é notória (e aqui não tenho de me preocupar muito com que medida de correlação estou a falar, porque estamos no domínio do senso comum novamente), incorre-se novamente no problema original. Por meios tão rebuscados quanto eu queira, o que fiz foi dar exactamente aquela música àquela pessoa. E não há volta a dar aqui.
É como dizer: eu tenho o direito a comprar metal, tenho o direito a moldá-lo de acordo com as minhas intenções, mas a partir do momento em que uso a faca artesanal para esfaquear alguém pouco importa de que metal é feito e como é que lá cheguei – o homicídio continua a ser proibido.
Portanto, achando-me eu em posse de um MP3 derivado de uma obra protegida, importa saber: como é que o obtive? Trouxe dano ao autor ou distribuidor? Esse dano é da minha directa responsabilidade? Sim, não, talvez...
Era importante separar as três questões que têm, até aqui, andado entrelaçadas este tempo todo, e discuti-las separadamente tanto quanto possível:
1) É legítimo controlar os meios e processos em abstracto?
2) Se alguns prevaricadores estão a afectar a produção artística, isso deve-se apenas à sua actuação individual ou a um certo carácter antiquado que a indústria quer manter?
3) É legítimo punir os prevaricadores por isso?
non non ó filha da raiz de todos os malis ....o código é tudo e o direito duma pseudo-autoria nada
Eliminarde resto as canções do Elvis ou do Mick white jackson num eram deles
já a dos ABBA e dos bee gees
o que habilita alguém a ter um copy que não paga quase rien en impostos mas é protegida legalmente
é uma questão social-----o que habilita alguém, a ganhar 2000 milhões com os vícios de imagem social sexual de outros e lúdica no caso da mania de jogo online
e se o fizer com, o vício de dowloads ou com o de marijuana é preso
Item de arra
CPU
Normal
Memória
Normal
Número de handlesde Escrita no Disco
25 MB (total deste processo).é possível emperrar pouco a pouco um computa e ganhar dinheiro com isso
tal como cortar os pneus dos carros da vizinhança e rebocá-los no dia a seguir
um destes é crime o outro nem por isse
etilqs_qizzoukuolgb2fd
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____________________________
Thumbprint do Ficheiro - SHA:
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Thumbprint do Ficheiro - MD5:
3b0ba44d5691e00088b956394fde64b6
porque não é também legal roubar ou subornar ou fazer chantagem online....
tudo depende do codex masonicus perdon legal sua cria de pisani
E mais uma:
ResponderEliminar4) Na inexistência de uma forma alternativa de sustentar a produção cultural, é legítimo impôr restrições arbitrárias ao seu acesso? Ou seja, os fins justificam os meios?
Talvez um dia cheguemos à conclusão que viver da produção cultural se tornou impossível sem uma forte censura.
ResponderEliminarNessa altura, direi: paciência. Prefiro viver livre num mundo com alguma cultura do que num mundo onde a minha liberdade está fortemente condicionada só para que alguns consigam viver do trabalho que, de entre muitos, escolheram.
Este é esse dia.
EliminarO que não compreendes é que, ao impedir certas formas de transmissão de cultura serem remuneradas, em relativamente pouco tempo desaparecerão (os artistas morrem). A não ser que a sociedade os preserve. Daí a minha luta pelo Rendimento Básico Incondicional.
Caso contrário, daqui por uma ou duas gerações haverão formas de arte que pura e simplesmente deixarão de existir.
Francisco,
ResponderEliminarAcho que a tua descrição da minha posição está correcta, mas penso, pela tua objecção, que te escapou um ponto fundamental:
«Por meios tão rebuscados quanto eu queira, o que fiz foi dar exactamente aquela música àquela pessoa. E não há volta a dar aqui.»
Nunca há volta a dar a isso a menos que recorras à censura. Considera, por exemplo, as pautas de música. Pela legislação já em vigor há décadas, é proibido copiar pautas de música sem autorização dos autores. É até uma das poucas excepções à liberdade de cópia privada. Podes fotocopiar livros e poemas, podes gravar cassetes e isso tudo se for para uso pessoal, mas não podes legalmente fotocopiar pautas.
No entanto, é trivial descrever a mesma informação que está na pauta noutra forma. Por exemplo “toca um dó durante dois tempos, depois um sol e um si simultâneos durante um tempo e meio...”. Se uma pessoa quiser dar a outra a informação necessária para tocar a música não há volta a dar sem censura. Isto sempre foi verdade, e sempre se optou por não censurar. Concede-se monopólios legais sobre as pautas mas não sobre descrições da música, conversas telefónicas ou o que raio for.
O recurso a essa característica inescapável do monopólio sobre a cópia – que cobre a imitação mas não a informação em si – para justificar a censura no domínio digital é algo radicalmente diferente do que havia antes no copyright. Sempre foi assim, mas nunca serviu de desculpa para a censura até agora.
«É como dizer: eu tenho o direito a comprar metal, tenho o direito a moldá-lo de acordo com as minhas intenções, mas a partir do momento em que uso a faca artesanal para esfaquear alguém pouco importa de que metal é feito e como é que lá cheguei – o homicídio continua a ser proibido.»
É uma má analogia porque o homicídio é proibido porque não queremos os efeitos do homicídio, que é alguém morrer. Como o furto e afins. Mas a proibição de tu copiares um CD não visa impedir que tu oiças a música nem sequer se deve a não querermos que haja cópias do CD (excepto se for uma violação de privacidade; nesse caso a analogia está correcta). Visa simplesmente sustentar um modelo de negócio pelo qual o autor ganha dinheiro vendendo o monopólio a uma empresa e essa ganha dinheiro vendendo as cópias.
Se tu queres condenar alguém a prisão porque, ao fazer X, a sua intenção era obter o resultado Y, isso só faz sentido se o resultado Y for algo que justifique prisão. Homicídio ou violação de privacidade sim. Ouvir música não...
«Portanto, achando-me eu em posse de um MP3 derivado de uma obra protegida, importa saber: como é que o obtive? Trouxe dano ao autor ou distribuidor? Esse dano é da minha directa responsabilidade? Sim, não, talvez...»
No copyright tradicional não era assim. Estares na posse de tudo o que precisas para desenhar o rato Mickey, mesmo que por isso não vás comprar o desenho do rato Mickey, não é por si só uma violação do copyright. Dependia da forma como essa informação te tinha sido dada. Se por intermédio de um boneco do rato Mickey, então violava o copyright. Se por intermédio de uma série de equações descrevendo as figuras geométricas que compõem o desenho do Mickey, então não porque isso não estava sujeito a copyright.
Francisco,
ResponderEliminarQuanto às perguntas:
«1) É legítimo controlar os meios e processos em abstracto?»
Sim, para alguns fins (e.g. Defesa da privacidade). Não para sustentar negócios.
«2) Se alguns prevaricadores estão a afectar a produção artística, isso deve-se apenas à sua actuação individual ou a um certo carácter antiquado que a indústria quer manter?»
Não sei, mas acho irrelevante. Se a escravatura tornava o algodão mais barato ou não não é uma questão pertinente para saber se devemos ter escravos.
«3) É legítimo punir os prevaricadores por isso?»
Por afectar a produção artística? Então tínhamos de pôr na cadeia toda a gente que vê a casa dos segredos em vez de incentivar artistas. Acho que não querer comprar uma coisa não é prevaricar, e se o negócio vai ao charco porque ninguém compra, paciência.
«4) Na inexistência de uma forma alternativa de sustentar a produção cultural, é legítimo impôr restrições arbitrárias ao seu acesso? Ou seja, os fins justificam os meios?»
São sempre os fins que justificam os meios. Mas os fins aqui não é manter um negócio de alegada produção cultural. É incentivar a produção cultural. Se isso não é viável fazer-se pelo mercado, então tem de se fazer com investimento público. Como se faz em física de partículas, exploração espacial, saúde pública, ensino universal, campanhas de vacinação e o resto. Se não se justifica impôr restrições deste género sequer para garantir que todas as crianças são vacinadas, certamente não se justifica para garantir que o Quim Barreiros recebe 50 cêntimos por cópia dos seus CD.
É uma má analogia porque o homicídio é proibido porque não queremos os efeitos do homicídio, que é alguém morrer. Como o furto e afins.
ResponderEliminarSeja. O ponto que queria fazer com essa analogia não é se é ou não legítimo punir alguém. É se a lei o permite fazer ou não. Se permite ou não.
É que se permite, podemos debater se isso é legítimo ou não. Antes disso, devemos perguntar-nos se permite. Estou em crer que és da opinião que permite.
Ainda considero haver uma diferença de grau entre partilhar vídeos da Disney e fazer um vídeo no YouTube a explicar como se desenha o rato Mickey para fãs dessa personagem.
Estaremos em apuros no dia em que um juiz fizer vista grossa à diferença fundamental, pelo menos nos países onde vigora o princípio da precedência.
O acórdão do "Dowling vs.United States", de 1985, diz, por exemplo:
«Copies of copyrighted works cannot be regarded as stolen property for the purposes of a prosecution under a statute criminalizing the interstate transportation of such property.»
O que significa que os juízes não são propriamente idiotas e o bom senso ainda vigora. É verdade que as condenações só foram revertidas pelo Supremo, mas a verdade é que foram.
O grande problema, a meu ver, é a tentativa de "água mole em pedra dura" da indústria. Eles têm o dinheiro para isso, e vão pagar até terem precedências suficientes.
Mas também acho que, no limite em que famílias tenham de hipotecar a casa para pagar as multas da tranferência de um par de MP3 de um artista qualquer, a sociedade civil não vai ficar indiferente, para não falar dos próprios artistas.
Casos diferentes são os do Kim Dotcom, onde há mais detalhes em causa.
Ludwig,
ResponderEliminarRespondeste à pergunta 2) o seguinte:
Não sei, mas acho irrelevante. Se a escravatura tornava o algodão mais barato ou não não é uma questão pertinente para saber se devemos ter escravos.
Mas não é isso que está em causa. Se achaste a minha analogia má, então esta é péssima. Pensa antes numa borla nos transportes públicos, por exemplo num autocarro com um terço dos ocupantes, onde o borlista entra com outras pessoas e sai com outras pessoas (para não obrigar o autocarro a parar de propósito) e onde o seu peso é dispiciendo.
O borlista está a prejudicar os transportes públicos? Não. É a acção conjunta dos borlistas que prejudica, e creio que é indefensável argumentar que não prejudica. Como é que se combate uma acção conjunta?
A lei permite aos fiscais multar esse passageiro? Permite.
Será justo multá-lo? Aqui é que a porca torce o rabo.
São duas questões separadas e era isso que queria frisar. Dizer que há um modelo de transportes públicos alternativos onde cada um anda o que quer sem pagar porque já pagou impostos ou qualquer coisa nestes moldes e onde o problema não se coloca não responde à questão. Levanta uma outra questão, certamente relevante, mas que não resolve o problema de muitas pessoas usarem os transportes públicos, tal como existem, sem os pagarem.
Francisco,
ResponderEliminar«O ponto que queria fazer com essa analogia não é se é ou não legítimo punir alguém. É se a lei o permite fazer ou não. Se permite ou não.»
Não sei se estou a perceber isto. A lei não permite que mates alguém e é justo que a lei proíba isso. Como tal, parece-me legítimo que a lei também te proíba de fazer algo com a justificação de que isso só tem como objectivo matar alguém, mesmo que esse algo não seja em si a morte de alguém. Por exemplo, por bombas no carro. A tentativa de homicídio também deve ser punida.
Mas no caso do copyright a lei não te proíbe de ouvir música, nem é justo que proíba tal coisa. A lei não te proíbe de ouvir música sem pagares, nem é justo que proíba, e a lei não te obriga a pagar aos músicos, nem é justo que te obrigue. Nestas circunstâncias, não faz sentido nem é justo que a lei te proíba de copiar um mp3 porque o fazes com o objectivo de ouvir música sem pagar aos músicos.
Basicamente, se é legítimo e legal eu pedir um CD emprestado para ouvir música sem pagar, não pode ser ilegítimo, nem se justifica que seja ilegal, eu copiar um mp3 se a única justificação é a de que o vou usar para ouvir música sem pagar.
Isto não é um caso raro nesta legislação. Por exemplo, quando compras um DVD gravável pagas uma taxa pelo direito, inscrito na lei, de fazer cópias de DVD para uso privado. No entanto, é ilegal que contornes o DRM para o fazer, portanto estás proibido de fazer as cópias que a lei te permite fazer e pelas quais pagas a taxa.
Podes dizer que a lei é assim e pronto, mas o meu ponto é que é uma lei errada.
Bem, mas parece que quanto ao 4) estamos de acordo.
ResponderEliminarÉ de uma completa sacanice argumentar que os transportes públicos têm de ser taxados individualmente porque, apesar de existirem pelo direito dos cidadãos de se deslocarem, em cao contrário as empresas privadas de transportes não lucrariam tanto...
Francisco,
ResponderEliminarO caso da escravatura chama atenção para um ponto importante: a diferença grande entre os valores de cada lado da questão. O preço do algodão pode ser conveniente para alguns, mas a liberdade do indivíduo vale muito mais, tornando o outro factor irrelevante.
No exemplo dos transportes públicos não tens este problema. De um lado temos o facto de que o borlista, individualmente, não está a prejudicar ninguém. Mas do outro temos o facto de que, em conjunto, os borlistas prejudicam e nenhum deles tem, a priori, o direito de andar de autocarro. Portanto, a decisão de impedir ou permitir que viagem à borla tem apenas de considerar factores que são aproximadamente equivalentes.
Diferente seria se, por exemplo, a empresa constatasse que havia muita gente racista e que muitas pessoas só pagariam bilhete se pretos e brancos viajassem em partes separadas do autocarro. Podíamos também perguntar se seria legítimo obrigar o apartheid no autocarro para o negócio ser atraente a esse público maioritário. Só que, nesse caso, os factores a favor seriam imediatamente afogados pela violação grosseira de um direito fundamental de não ser discriminado pela raça, pelo que independentemente do que aconteceria à economia dessa empresa, não podiam fazer isso e pronto.
O caso do copyright não é como o teu exemplo do autocarro. Ao proibirem-te de usar o teu computador para copiar o teu CD de música para o teu CD gravável, ou proibirem-te de enviar certas mensagens aos teus amigos, estão a infringir direitos muito mais importantes do que um alegado direito ao lucro que nem sequer é um direito de verdade. Essa situação é muito mais parecida com as assimetrias da escravatura ou do apartheid nos autocarros do que com a situação mais simétrica dos teus borlistas.
Este ponto é importante porque, enquanto que no caso dos borlistas temos de olhar para os detalhes para ver qual a situação é melhor, no caso da escravatura ou da discriminação racial não é preciso isso. Sejam quais forem os detalhes, a resposta é a mesma. O caso do copyright como o temos agora é assim também. Dê ou não dê para fazer filmes caros, seja ou não preciso subsidiar a música ou o cinema, tudo isso é tão irrelevante como o preço do algodão quando discutimos a escravatura.
Ludwig,
ResponderEliminarAo proibirem-te de usar o teu computador para copiar o teu CD de música para o teu CD gravável, ou proibirem-te de enviar certas mensagens aos teus amigos, estão a infringir direitos muito mais importantes do que um alegado direito ao lucro que nem sequer é um direito de verdade.
Quanto a proibirem as pessoas de usar o computador para isto e aquilo, é nitidamente impossível porque, ainda que factível, é facilmente ultrapassável. A via analógica permiti-lo-á para sempre.
Quanto a proibir-se certas mensagens, depende. Se para se conhecer o conteúdo da mensagem foi preciso vasculhá-la, isso é e deve permanecer ilegal. Mesmo que se crie uma autoridade dedicada a isso, não há como violar a privacidade das pessoas e direitos fundamentais.
Mas se se provar, para lá de qualquer dúvida razoável, que o ficheiro transmitido à vista de todos estava protegido por copyright, então não é irrazoável aplicar a lei do copyright a esse caso.
Se um gestor de uma rede sabe que sob a sua alçada estão a passar ficheiros MP3, e sabe que ao facilitar a sua transmissão está a auxiliar a infracção do copyright, então, concorde-se ou não com ela, esse gestor terá de ser confrontado com a lei.
Eu duvido que punir uma pessoar por transmitir um MP3 se torne uma tendência preocupante. Mas o mesmo talvez não se aplique a serviços P2P que abertamente publicitem a facilidade em "sacar" MP3, vídeos e o diabo a quatro.
Se a lei disser que ele tem de procurar saber e averiguar onde está a passar o quê e quando, e de onde para onde, então temos um problema bem grave.
Creio que os nossos pontos de concordância estão bastante clarificados.
O meu ponto de discordância prendia-se somente com a questão particular do exemplo de se codificar um ficheiro protegido de uma forma rebuscada na tentativa de contornar uma actividade ilegal.
Se ela deve ser considerada ilegal, é uma coisa. Mas a ser, não há como usar truques de manipulação de informação para o esconder. E ainda, nesse caso, ilegalizar os processos é a forma errada de combater a prática.
Francisco,
ResponderEliminar«Mas se se provar, para lá de qualquer dúvida razoável, que o ficheiro transmitido à vista de todos estava protegido por copyright, então não é irrazoável aplicar a lei do copyright a esse caso.»
Depende.
Eu considero que o direito de me exprimir como eu quiser é mais importante do que qualquer consideração económica acerca do negócio de vender cópias de algo. Portanto, se essa tal cópia for feita num contexto de exploração comercial aceito que possa ser legítimo regulá-la, mas não me parece que possa ser razoável aplicar essa regulação no âmbito pessoal. No entanto, admito que nem todos partilhem desta opinião e haja quem ache que o autor que voluntariamente publicou uma obra tem mais direito de proibir que outros a reproduzam do que cada um tem o direito de cantar, desenhar, esculpir, escrever ou falar como entender. Portanto, se te estás a referir apenas à regulação da cópia, entendida como aquele conjunto restrito de coisas que representam o mesmo da mesma forma que o autor escolheu representar, ainda aceito que a nossa divergência seja razoável.
Mas quando lidamos com ficheiros, se regulares a cópia como se regula fora do domínio digital, onde fotocopiar a pauta é proibido mas descrever todas a notas é permitido, ou copiar o Mickey é proibido mas especificar em detalhe todas as partes do desenho é permitido, deixa de haver regulação. Portanto, no caso dos ficheiros tens de ir muito mais longe. Em vez de proibir que se represente a mesma coisa da mesma forma, tem de se proibir que se represente a coisa, ponto, qualquer que seja a forma.
Isso infringe direitos fundamentais de liberdade de expressão e acesso à informação que o copyright normal não infringiria. Nota que se o copyright normal impedisse que as pessoas pudessem transmitir qualquer descrição detalhada da música sob que forma fosse teria de ser algo mais digno da Coreia do Norte do que de um país civilizado. Esse tipo de monopólio sobre a informação é, a meu ver, tão inaceitável que se discordares de mim nisto já nem sequer vou considerar que será uma divergência razoável :)
«O meu ponto de discordância prendia-se somente com a questão particular do exemplo de se codificar um ficheiro protegido de uma forma rebuscada na tentativa de contornar uma actividade ilegal.»
A expressão “contornar” presume que é algo ilícito. Mas nota que se é ilegal fotocopiares o livro de receitas mas legal copiar só a receita, não se trata de contornar, nesse sentido. Se é ilegal copiar o Mickey mas é legal descrever o desenho, ou se é ilegal fotocopiar a pauta mas legal descrever as notas, não é “contornar” para se safar com algo ilícito. É legal porque o que seria ilícito seria proibir essas coisas.
Se aplicasses o mesmo princípio – i.e. o mesmo copyright – ao domínio digital, então não seria legal copiar o ficheiro exactamente mas seria legal descrever o ficheiro de alguma outra forma, mesmo que o objectivo fosse o de permitir que terceiros o copiassem, e isto seria como descrever o desenho do Mickey ou as notas da música. Não seria “contornar”. Seria um exercício legítimo de liberdade de expressão que a lei não tem legitimidade para impedir só porque não dá jeito ao negócio deste ou daquele.
O LUDWIG E A INFORMAÇÃO COMO "TRUQUE CRIACIONISTA"
ResponderEliminarEm desespero de causa e autismo intelectual, o Ludwig diz:
"Chamar-lhe informação é apenas um truque criacionista para baralhar a conversa."
Truque criacionista?
O ateu evolucionista Richard Dawkins encarrega-se se refutar o Ludwig, quando afirma:
“DNA carries information in a very computer-like way, and we can measure the genome's capacity in bits too, if we wish. DNA doesn't use a binary code, but a quaternary one. Whereas the unit of information in the computer is a 1 or a 0, the unit in DNA can be T, A, C or G.”
Ou seja, longe de ser um truque criacionista, a verdade é que a vida depende de códigos e informação codificada, genética e epigenética, extremamente complexa.
Alguém que pretende ser especialista em biologia, pensamento crítico e direito de autor, devia compreender que a informação e o código são sempre grandezas imateriais que não se confundem com os elementos físicos e simbólicos (v.g. papel, tinta, letras, açucares, nucleótidos) usados para o armazenamento e transmissão de informação.
Ou seja, existe efectivamente informação codificada no DNA. Daí que possamos reafirmar:
1) Toda a informação codificada tem origem inteligente, não se conhecendo excepções
2) A vida depende da informação codificada no DNA, que existe em quantidade, qualidade, complexidade e densidade que transcende toda a capacidade humana e que, depois de precisa e sincronizadamente transcrita, traduzida, lida, executada e copiada conduz à produção, sobrevivência, adaptação e reprodução de múltiplos seres vivos complexos, integrados e funcionais.
3) Logo, a vida só pode ter tido uma origem inteligente, não se conhecendo qualquer explicação naturalista para a sua origem.
A CIÊNCIA O UNIVERSO À ESCALA DE DEUS
ResponderEliminar“Os céus declaram a glória de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mãos.” (Salmo 19:1).
O Universo foi criado por Deus, à Sua escala e para Sua glória, refutando o Big Bang.
Os quasarese os asteroides desmentem o Big Bang.
Os dados da descoberta do Bosão Higgs vieram confundir os modelos de inflação do Universo.
Uma galáxia anã pôs em causa os modelos dominantes de formação de galáxias,
O Big Bang é desmentido pela presença de galáxias maduras onde não se esperaria que estivessem, em muitos casos precisamente alinhadas e por corpos celestes atípicos.
O Big Bang não explica a distribuição de poeira e gás nas nebulosas, a ordem na posição dos sistemas planetários, a origeme posição dos planetas ou dos neutrinos cósmicos e a composição química da Terra.
Não explica a gravidade e as supostas matéria negra e energia negra.
Um planeta cor magenta pôs em causa os modelos dominantes de formação de planetas, o que é problemático, dada a quantidade de planetas que se supõe existir.
Também a origem do sistema solar permanece relapsa a modelos naturalistas.
O Big Bang não explica o nosso Universo! Este é explicado pela criação inteligente e sobrenatural.
Estudos recentes mostram que o cérebro humano, a internet e a cosmologia obedecem às mesmas leis, corroborando a existência de Deus criador, racional, omnisciente, omnipotente e comunicativo.
Se a origem do Universo, das estrelas, das galáxias ou dos planetas pudesse ser explicada com base nos postulados do naturalismo ateu, os céus e o firmamento nada declarariam sobre a omnipotência de Deus, dando-nos quando muito a ilusão da sua existência.
Como as explicações naturalistas não funcionam, o design, o detalhe e as interligações macro e micro visíveis no Cosmos, no corpo humano, na fauna, na flora, no genoma, nas moléculas, nos átomos e nas partículas subatómicas declaram a Sua omnisciência.
A escala do Universo, visível nos milhares de milhões de galáxias e em triliões de estrelas, declara a Sua omnipotência.
A aplicação universal das leis naturais e da matemática e da lógica declara a Sua omnipresença.
Ludwig,
ResponderEliminarDepende.
Pois, por isso disse que não era irrazoável, em vez de ter dito que era inquestionavelmente justo e a coisa certa a fazer.
A expressão “contornar” presume que é algo ilícito.
Sim, mas o contorno pode ser legal. Como a fuga aos impostos por meio de sedes em paraísos fiscais. A questão é até onde queremos perseguir aquilo que consideramos ser criminoso ou desonesto. Se é que o consideramos de todo.
A partir do momento em que aquilo que estamos a fazer não pode ser considerado ilegal sob pena de alguns direitos mais elevados caírem por terra, então o alcance da lei termina. E nesse aspecto, considero que a partilha de ficheiros digitais está bem para lá desse ponto. Para não falar de taxar taxistas por terem o rádio ligado e implicar com os taberneiros porque têm televisão.
Mas mantenho o que disse a respeito do sentido da lei: se eu gerar um ficheiro de ruído com uma função geradora pseudo-aleatória de domínio público, misturar esse ficheiro com uma obra protegida em formato digital, divulgar o ficheiros ruidoso e, mais tarde e por outro canal, a seed que permite subtrair uma coisa à outra, não é defensável dizer que eu não partilhei uma obra protegida.
E não é preciso ir tão longe: se eu passar um MP3 a 192 kb/s por um DAC, e depois novamente por um ADC a 128 kb/s com um vou obter um novo MP3 que será digitalmente diferente do original. Mas ninguém me convence que, a ser proibido divulgar o primeiro, se possa divulgar o segundo. Isso não faz sentido nenhum, tanto do ponto de vista técnico como pragmático.
Já não me lembro exactamente onde é que formulaste um argumento deste tipo, mas esse não vence, na minha opinião.
Seja como for, isto é uma questão separada da de saber se o ficheiro merece estar tão protegido que eu não o possa partilhar digitalmente, e poder impor DRM, obstáculos de hardware, ilegalizar CODECs, etc.
Eu acho que não se deve proibir a divulgação de ambos porque isso é fundamentalmente estúpido. E esta é a melhor súmula da minha posição quanto a isto. É estúpido, no verdadeiro sentido da palavra. Essencialmente absurdo. As discográficas podem ir à procura de piratas nas Caraíbas.
Francisco,
ResponderEliminar«se eu gerar um ficheiro de ruído com uma função geradora pseudo-aleatória de domínio público, misturar esse ficheiro com uma obra protegida em formato digital, divulgar o ficheiros ruidoso e, mais tarde e por outro canal, a seed que permite subtrair uma coisa à outra, não é defensável dizer que eu não partilhei uma obra protegida.»
Este é que é, a meu ver, o ponto principal e que me parece ainda não consegui explicar.
Vamos recuar 30 anos e esquecer o digital. Tens uma pauta à frente e estás ao telefone com um amigo a ditar “uma colcheia na primeira linha, duas semicolcheias na terceira linha” etc. De acordo com a legislação então em vigor, a criação musical exteriorizada na forma daquela pauta (a obra, no código) está protegida por direitos de cópia e é ilícito fotocopiá-la, por exemplo. Se tu a fotocopiasses e a enviasses por correio ao teu amigo tinhas partilhado uma obra protegida.
No entanto, a obra não é a música em si nem a informação que a descreve em abstracto. É um conjunto de materializações dessa criação artística do qual se exclui muitas coisas que podem ser usadas para transmitir a mesma informação. Entre as quais, um conjunto de instruções para o procedimento de escrever a pauta ditadas por telefone.
Portanto, se bem que tu estivesses a dar as instruções necessárias para que o teu amigo ficasse a saber tudo o que era relevante acerca da pauta, tu não estavas a partilhar a obra protegida porque o que partilhavas não era obra protegida. Era uma outra exteriorização da mesma criação artística, mas não era uma que fosse protegida.
E isto não era um acidente ou mero esquecimento do legislador que, distraído, não se lembrou de incluir “e conversas por telefone” nos monopólios concedidos. Era de propósito para haver uma distinção clara entre a gestão da cópia e a censura.
Avança agora os 30 anos e voltamos ao digital. Se mantivermos esta distinção, a meu ver fundamental, então para cada forma protegida de exprimir certa criação artística no meio digital haverá outras que exprimem a mesma criação artística mas que não são obras protegidas. Porque são equações matemáticas, conversas, descrições de processos, sequências de medições, etc. Nesse caso, ao codificares a informação necessária para recriar a obra de uma dessas maneiras, não estás a partilhar a obra protegida. Estás a partilhar uma descrição da mesma criação, mas de uma forma que não tem restrições legais.
O problema é que, no domínio digital, simplesmente se abandonou essa distinção entre restrição de cópia e censura, de modo a que, nesse domínio apenas, tudo o que possas partilhar que permita especificar a tal criação artística acaba por ser obra protegida simplesmente porque permite especificar a criação artística. E esse é que é o problema.
Não é bem assim. Se eu ditar notas musicais em voz alta e alguém tomar anotações e ir vender o CD sem a minha autorização, está a violar o meu direito de autor :)
EliminarO ar é um suporte físico válido para a concretização de uma obra. Sério! Não estou a inventar!
Estranhamente, quanto mais se continua esta discussão, mais eu acho que o meio digital não é assim tão diferente do atómico/material... mas confesso que só agora é que me apercebi disto. Ou seja, o argumento de que «o digital é diferente» cada vez me parece ter menos força. O que acontece é que, graças a certas características do meio digital, estamos a descobrir imensos problemas novos filosóficos, mas que se aplicam ao meio físico também... só que nunca se tinha pensado muito nisso.
«Já não me lembro exactamente onde é que formulaste um argumento deste tipo, mas esse não vence, na minha opinião.»
ResponderEliminarO meu argumento não é o de que já não conta simplesmente porque é diferente. Se fotocopiares a pauta num papel de outra cor contínua a ser uma cópia. O meu argumento é que há uma diferença entre, por exemplo, exprimir a música na forma de pauta e exprimir verbalmente uma descrição da pauta. A pauta é uma exteriorização da música que o autor concebeu no seu cérebro, e a descrição verbal é uma exteriorização da imagem e compreensão da pauta que essa pessoa concebeu no seu cérebro. Isso são coisas fundamentalmente diferentes, tal como os teus sapatos e uma descrição dos teus sapatos são fundamentalmente diferentes. Descrever os teus sapatos em detalhe não é entregar à pessoa nem os teus sapatos nem uma cópia dos teus sapatos.
Essa distinção sempre foi parte da legislação do copyright e sempre esteve lá explicitamente o tipo de coisas que, desse por onde desse, não estariam cobertas. Por exemplo, as instruções para desenhar o Rato Mickey.
O problema no digital não vem de se poder fazer um mp3 ligeiramente diferente. Vem de se poder fazer um documento de texto descrevendo o mp3 e depois calcular daí o mp3 com um click do rato. É por isso que no domínio digital os monopólios têm de ser protegidos com censura em vez de restringindo a cópia de certas formas de exprimir a criação do artista.
Bem, por acaso, a Disney tem internamente manuais de desenho do Rato Mickey, e obviamente que esses manuais estão protegidíssimos (embora creia que seja mais por «marca registada»...) por isso este exemplo que tem vindo a ser utilizado não é dos melhores.
EliminarE agora com as impressoras 3d estas questões vão ser muito alargadas.
ResponderEliminarFORMA E INFORMAÇÃO GENÉTICA NO PROJETO ENCODE
ResponderEliminarUm aspecto que vale realmente a pena considerar prende-se com as descobertas propiciadas pelos projecto ENCODE que desbancou definitivamente a ideia de “junk-DNA”, tantas vezes utilizada pelos evolucionistas como “evidência” da inexistência de um designer inteligente da vida.
Diferentemente, pode concluir-se, tendo unicamente em consideração os dados observáveis, que o DNA contém não apenas informação codificadora de proteínas, mas também meta-informação, isto é, informação que regula o modo como a informação codificadora deve ser utilizada.
Na verdade, o suposto “junk-DNA” é, afinal, informação necessária para tornar útil e funcional a informação codificadora de proteínas contida nos genes.
É evidente que isto coloca sérios problemas para o neo-darwinismo, na medida em que ele requer uma sequência de eventos aleatórios para criar o conteúdo informativo do genoma e os eventos aleatórios são, por definição, independentes uns dos outros.
Porém, a meta-informação, ou informação sobre a informação, é totalmente dependente, por definição, da informação genética que lhe corresponde.
O inverso também é verdadeiro. Os genes são inúteis sem a correspondente meta-informação, na medida em que sem esta não é possível saber como utilizá-los.
Isto é especialmente crítico nas fases de desenvolvimento, em que os genes têm que ser ligados e desligados de forma sequencial e altamente precisa.
Existe, assim, uma ligação indissociável entre a informação dos genes e a meta-informação não codificante que nem as mutações aleatórias nem a selecção natural conseguem ultrapassar.
Na verdade, podemos razoavelmente concluir que antes de ser codificada num suporte miniaturizado, o DNA, todas essas informação e meta-informação já tinham que existir perfeitas e completas na mente de Deus.
Isto, tal como a informação contida numa enciclopédia tem que existir primeiro na mente dos seus autores.
Nunca processos aleatórios ao longo de milhões de anos poderiam explicar a criação de informação e meta-informação no DNA totalmente interdependente e integrada. Tal nunca foi observado nem explicado.
Tanto mais, que, para sobreviver, o DNA necessita de um complexo sistema de reparação que só existe se estiver previamente codificado em DNA.
Todos os dias nos chegam mais evidências da estrutura racional e matemática do Universo...
ResponderEliminarIsso corrobora inteiramente o ensino bíblico de que o Universo foi criado racionalmente, com uma estrutura racional, por um Deus racional que se revelou como LOGOS (Razão, Palavra)
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarEncontra-se disponível à comunidade estudantil e académica portuguesa a Enciclopédia CriaçãoWiki em língua portuguesa.
ResponderEliminarMiguel,
ResponderEliminar«o direito de propriedade do autor, quanto muito, só poderia recair sobre a codificação original»
Não é essa a minha posição. Nem se trata de mera recodificação de MP3 para AAC. Trata-se, por exemplo, de eu escrever um ficheiro de texto assim:
“O texto que este autor escreveu tem 3870 ocorrências da letra b, nas posições 3, 12, 15, 28, ...”
Isto não é uma expressão análoga da ideia que o autor teve e que exprimiu na forma daquele texto. Isto é uma descrição detalhada do texto sem imitar qualquer elemento passível de protecção por direitos de autor (personagens, enredo, cenário, etc).
«Penso que aqui o problema é assumir que as formas são realmente diferentes apesar de conterem a mesma informação.»
Isso não é o problema. Isso é a condição sem a qual o copyright se torna censura. Se assumes que tudo o que transmita aquela informação está restringido, tens censura.
«Não é pois apenas a forma precisa que é importante no direito de autor. É o que o suporte evoca na mente das pessoas.»
Sim, essa é uma boa bitola e tem sido o critério usado em muitos julgamentos. No entanto, se aplicasses isso ao domínio digital, no Windows bastaria mudar a extensão do ficheiro para já se poder partilhar sem problemas. Por exemplo, mudas o .avi para .txt e aquilo que o ficheiro vai evocar na mente das pessoas quando clickar duas vezes será completamente diferente.
Nos vários exemplos dos livros e filmes que dás estás sempre à volta do mesmo. Um filme com a mesma história do livro, um desenho parecido, etc. E isso é passível de se considerar que é a mesma forma. Tal como a tradução do poema de Camões, que tenta manter a forma fiel ao original. E nota que isto foi composto antes de haver copyright. Por impossível que pareça haver arte sem monopólios, a humanidade parece ter conseguido durante 60 mil anos...
Mas esse critério da forma implica, propositadamente, que haverá outras formas de transmitir a mesma informação sem infringir o monopólio.
«Se eu ditar notas musicais em voz alta e alguém tomar anotações e ir vender o CD sem a minha autorização, está a violar o meu direito de autor :) »
Acho que não percebeste bem o ponto principal. Vender o CD com a gravação da música que tu compuseste viola os monopólios que o copyright tem concedido desde o início do século XX. No entanto, dizer a quem quer que seja quais são as notas e os tempos da música que tu compuseste não violava copyright nenhum, e estava até explicitamente fora do âmbito dessa lei.
O ponto principal é que a lei estava deliberadamente concebida para regular certas formas de transmitir essa informação (a pauta, o CD, o disco de vinil) sem proibir a transmissão dessa informação noutras formas (e.g. Um papel escrito com “semicolcheia em dó, etc” ou um CD com a gravação de alguém a ler esse texto). Isto para evitar que o copyright fosse censura.
O problema que surge no domínio digital é que qualquer forma autorizada de transmitir a informação imediatamente tornaria o monopólio ineficaz.
«a Disney tem internamente manuais de desenho do Rato Mickey, e obviamente que esses manuais estão protegidíssimos»
Os manuais estão cobertos pelo copyright, como qualquer livro de receitas. No entanto, nem as receitas em si nem as instruções para desenhar o Mickey podem ser cobertas por copyright (nem pela marca registada, que cobre o boneco e não as instruções de como o desenhar).
Sim, claro que tens razão, o que eu digo apenas é que a transmissão digital não veio agravar o problema, veio apenas colocar à luz um problema que sempre existiu.
EliminarHá realmente o caso mais antigo, que é o das receitas, mas isso é porque a receita é sempre uma descrição incompleta do trabalho de um chef (duas pessoas com a mesma receita não fazem o mesmo bolo). Pode-se alegar que uma partitura também é uma descrição incompleta, porque dois maestros com duas orquestras terão execuções diferentes. Então porquê proteger umas e não outras? Mas também é possível invocar o argumento que certo tipo de obras é experimentado de forma diferente por pessoas diferentes em situações diferentes — porque as percepções são sempre subjectivas — então nesse caso iríamos reduzir filosoficamente a questão de «o que é uma obra original?» e chegar à conclusão que «não existe» :)
E de facto não existe intrinsecamente, mas apenas com uma combinação de factores (que envolvem pelo menos o autor, o suporte da obra, e o receptor, mas há mais). Por isso a «decisão» tem de ser sempre subjectiva: não há casos «preto-no-branco».
Por isso é que existem tribunais. É para avaliarem nestes casos se determinada situação viola ou não os princípios estabelecidos na lei. E esta avaliação é subjectiva.
Eu sou precisamente contra toda a actividade anti-pirataria automática — filtragem de conteúdos, aqueles sistemas que o YouTube tem para impedir que se faça upload de um vídeo com uma música pirateada, etc. — assim como sou a favor da despenalização da pirataria, por uma questão muito essencial: os casos «menos claros» são para serem analizados pelos tribunais. Como, aliás, eram dantes. São critérios subjectivos, e para isso é que temos tribunais, para decidir se as leis foram ou não violadas. Isto não impede nem o autor de recorrer aos tribunais quando se sente lesado, nem impede o alegado prevaricador de alegar que não houve dolo quando efectuou uma cópia sem remunerar ninguém.
O sistema «anterior» a esta paranóia a que assistimos actualmente era muito mais justo, muito mais simples, e muito menos intrusivo. Significava que os músicos recebiam milhões pelos seus CDs... e haviam milhões mais que faziam cópias à borla. Mas os músicos ganhavam dinheiro à mesma. E não conseguiam mandar prender um indivíduo que lhe tivesse «roubado» uns cêntimos, porque há limites mínimos para a justiça considerar que houve dolo. Por outro lado, quem criasse um centro de distribuição de música pirateada e ganhasse milhões com isso, podia realmente ser alvo de um processo jurídico, e provavelmente seria encerrado e forçado a pagar uma compensação.
Ou seja: antigamente, mesmo já na presença da cópia digital, existia um princípio de que a aplicabilidade da lei era através de um comportamento social. O problema começou quando as editoras, via DRM (e hoje em dia via filtragem automática na Internet e «censura activa»), acharam que era uma boa ideia impôr esse comportamento de forma automática. Com isto eu não posso concordar. Ou até poderia concordar se se aplicasse a todos os aspectos da vida quotidiana: por exemplo, forçar os automóveis todos a apenas deixar os seus condutores fazer acções que fossem legitimizadas pelo Código. Idem em milhares de outras coisas assim. Mas para essas áreas, achou-se que bastava impôr um comportamento social. Para a cópia digital, acha-se que é melhor impôr um condicionamento automático. Não concordo.
Nota: A bem da discussão, é importante aqui referir um pormenor, que tem sido usado como «argumento» frequentemente, mas que na realidade não passa de uma «metáfora». Não há liberdade de expressão absoluta; nem mesmo na Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH). Por exemplo, a liberdade de expressão não pode ser usada para diminuir a dignidade e/ou invadir a privacidade de terceiros. Isto foi transposto para as leis e constituições dos países que respeitam a DUDH, e por isso é que em Portugal existe o crime de difamação e calúnia, que são punidos por lei.
ResponderEliminarA liberdade de expressão não se aplica apenas a «palavras», claro. Mas também é constrangida sob outras formas: por exemplo, posso vestir o que quiser — mas não posso andar só de tanga na rua. No entanto, posso fazê-lo numa praia. Numa praia de nudistas até não preciso de tanga. Ou seja: mais uma vez, apesar de poder exprimir-me como quiser em teoria, na prática, há locais apropriados para o fazer, e esses locais estão regulamentados.
Da mesma forma, posso usar a minha liberdade de expressão para me manifestar contra X, publicamente, sem que seja reprimido e sem sofrer consequências. No entanto, se quiser usar um espaço público para o fazer, tenho de pedir autorização à Câmara e informar a polícia — que depois irá designar o espaço apropriado e patrulhar o lugar, para que a minha manifestação de liberdade de expressão não seja perturbada por ninguém, mas também para que não «perturbe» ninguém (nomeadamente, o direito de terceiros a exprimirem-se livremente contra a minha manifestação, se não gostarem dela).
Mesmo no meio privado a liberdade de expressão não é absoluta. Em casa, por exemplo, posso andar nu que ninguém me chateia. Mas não posso exprimir a minha liberdade pondo a música em altos berros às 4 da madrugada, pois isso invade a privacidade dos meus vizinhos. E assim por diante.
Nos Estados Unidos, os americanos gostam de passar a noção de que a liberdade de expressão á absoluta, invocando a Primeira Emenda. Mas na realidade não é absoluta. O que acontece nos Estados Unidos é que o Governo não pode restringir a liberdade de expressão, e, por consequência, os cidadãos americanos podem livremente exprimir a sua opinião perante o Governo sem sofrer repercussões de qualquer espécie. No entanto, as empresas e os espaços privados podem perfeitamente restringir a liberdade de expressão aos seus funcionários ou visitantes, e isso não é uma violação da Primeira Emenda. Também é garantido o direito a processar (no caso deles, civilmente) pessoas por nos ofenderem, caluniarem, ou difamarem. Existe ainda um caso bicudo, em que as «pessoas comuns» têm direitos e deveres diferentes das «pessoas públicas», mas já nem vou por aí.
A liberdade de expressão também não é uma coisa que possamos «exigir». Isto é outra coisa que faz muita confusão aos americanos. A maioria deles não percebe porque é que não podem «exigir» — usando os princípios da Primeira Emenda — que os jornais publiquem a sua opinião. Do ponto de vista de muitos que invocam este princípio sem compreender o seu âmbito, acham que o papel dos jornais, TV, etc. é de promover a liberdade de expressão de toda a gente. Mas não é. Um jornal é uma entidade privada. Publica apenas as opiniões que quer. Não está «obrigado» a publicar o que não quer. O que acontece, isso sim, é que ninguém é proibido de criar o seu próprio jornal, rádio, TV, etc. e veicular a sua opinião dessa forma. Quando a conversa chega a este ponto, normalmente a resposta é: «ah, pois, mas quem é que compraria um jornal publicado por mim?» Exacto. A liberdade de expressão não é uma garantia que a nossa opinião seja ouvida. Apenas garante que, se eu a quiser veicular, não posso ser impedido de o fazer — desde que não viole direitos de terceiros.
Um desses direitos é justamente o direito à dignidade humana. Por isso é que não se pode invocar a liberdade de expressão para veicular comentários racistas, xenófobos, anti-religiosos, para incitar pessoas ao ódio, à violência, ou mesmo para impedir que se ande a fazer circular fotos de pedofilia. Não há aqui contradição. O direito de me exprimir livremente termina no momento em que essa expressão afecta a dignidade e/ou a privacidade de terceiros. Mas não é só aí que termina. Estes é que são exemplos clássicos que toda a gente conhece, compreende, e respeite.
ResponderEliminarTambém é evidente que não se pode usar a liberdade de expressão para cometer crimes. Em Portugal, justamente, a difamação e a calúnia são crimes. Mas também o é o inside trading, a violação do segredo de Estado e de justiça, e muito mais coisas assim. Nestes casos a liberdade de expressão não pode ser invocada. Não é um «direito superior aos outros». A DUDH é bem clara ao afirmar que todos os direitos são igualmente fundamentais, não há «direitos mais fundamentais que os outros», e que nenhum direito pode ser usado como pretexto para suprimir um outro direito. Cabe, pois, ao legislador encontrar um ponto de equilíbrio.
É importante compreender que não existe «liberdade de expressão absoluta», mas apenas uma liberdade de expressão consensual, em que a minha liberdade de expressão não pode retirar direitos a terceiros (não apenas o direito à liberdade de expressão; qualquer direito). Um milhão de pessoas que queiram ouvir música aos berros em casa às 4 da manhã não podem invocar a liberdade da expressão apenas para chatear um único chato que lhe apetece dormir; não é sequer uma questão de «números». A liberdade de expressão — e as suas limitações — aplicam-se a todos da mesma forma, imparcialmente, e tendem até a proteger minorias contra maiorias.
Tendo isto em conta, é importante perceber nestas discussões quando se invoca «a liberdade de expressão» e a «censura» — nomeadamente, a liberdade de copiar o trabalho de terceiros sem restrições — o Ludwig está apenas a falar metaforicamente, e não juridicamente. Do ponto de vista metafórico e filosófico, invocar que «eu acho que tenho o direito a copiar o que quiser de terceiros, pois isso faz parte da minha liberdade de expressão» é certamente uma posição defensável. Tal como serão muitas outras. Nomeadamente, até sou a favor que se englobem mais e mais coisas por baixo do conceito abstracto «liberdade de expressão», porque, sendo assim, esta torna-se mais importante. Quando começou a ser usada essa designação, falava-se essencialmente da «liberdade de expressão escrita nos jornais», mas rapidamente se alargou para muitas outras formas. E ainda bem que assim foi.
A aplicação do direito de autor não é, de todo, uma «censura» à liberdade de expressão. Na realidade, a «liberdade de expressão» que me permitiria teoricamente copiar conteúdos que são autoria de terceiros sem lhes pagar nada por isso viola justamente uma série de direitos dos autores — entre os quais, o direito a serem remunerados pelo seu trabalho; a sua dignidade enquanto se identificam com as obras que produzem; a sua privacidade, enquanto têm o direito de decidir quem é que tem acesso às suas obras ou não; e assim por diante. Pode-se questionar todos estes «direitos», sem dúvidas, e é o que tem sido feito ao longo dos tempos. O que não se pode é dizer que impedir que se pirateiem conteúdos de terceiros é uma forma de censura. Pode-se usar isto alegoricamente, ou metaforicamente, ou ainda como exemplo para mostrar que se deve pensar melhor nos direitos que as pessoas devem ou não ter. Mas não é um imperativo categórico. Nem sequer é argumentável dizer que, à luz das actuais leis, «é impossível evitar a pirataria» ou «é mais importante distribuir objectos culturais sem pagar nada a ninguém do que proteger o direito à remuneração dos autores», porque «estas coisas todas são censura e devem ser eliminadas». Do ponto de vista jurídico, não são censura porque não há qualquer violação de liberdade de expressão — esta liberdade de expressão não contempla o direito a copiar as obras de terceiros sem os remunerar.
ResponderEliminarO que se pode, e eventualmente até se deve, argumentar é que se faz ou não sentido ter leis que não possam ser aplicadas; se faz sentido ter leis cuja penalização é vastamente superior ao dolo (não faz sentido prender uma pessoa por 2-5 anos por ter um ficheiro que vale uns cêntimos no seu disco; isso viola alguns princípios claros de que a pena deve ser proporcional ao crime cometido); se faz sequer sentido impôr uma forma de filtragem em todos os serviços Internet para impedir a pirataria (isso, sim, para mim é claramente uma violação do direito de privacidade; mas é também discutível porque os operadores Internet, infelizmente, não são equiparados aos correios e telefones. Se fossem, jamais poderiam praticar esta forma de «censura»). Há muito mais pequenas coisinhas assim que, realmente, violam o direito X ou o princípio Y, e que, do meu ponto de vista, resultam da paranóia das grandes editoras que pensam que, ao forçar os governos a tomar medidas, podem aumentar os seus lucros — quando estão a olhar para o problema errado. Mas tudo isto não é imediatamente relevante. O que é relevante é que não se pode invocar o princípio de que «a minha liberdade de expressão é mais importante do que o direito do autor a ser remunerado pela sua obra da forma como ele [autor] quiser» porque, pura e simplesmente, isso não é verdade do ponto de vista jurídico.
Já tinha alertado no passado para o mesmo «abuso» da palavra «monopólio» neste contexto, porque também não se aplica, do ponto de vista estritamente económico. Claro que usar as palavras «monopólio», «censura» e «violação da liberdade de expressão», dentro de um contexto em que todos os participantes sabem que são meras metáforas ou alegorias, para tornar a mensagem emocionalmente mais forte, é algo que é perfeitamente válido :) — impedir as pessoas de usarem as palavras que quiserem, isso sim, seria censura! É uma estratégia comum — a da hipérbole — para fazer afirmações ideológicas. Quantas vezes não vemos movimentos a dizerem que «é um crime contra a Humanidade deixar que se faça X ou Y?» (a expressão jurídica «crime contra a Humanidade» tem contextos muito claros e definidos). Usar hipérboles e exageros em mensagens ideológicas é frequente e comum e uma utilização perfeitamente válida da nossa liberdade de expressão.
ResponderEliminarDesde que, claro, não cometamos o erro — ou estejamos a induzir outros em erro — de afirmar que não estamos a falar com metáforas, alegorias, e hipérboles, mas a acreditar realmente que estamos a empregar as expressões de acordo com o seu sentido técnico. Bom, aí há um problema grave :) A «publicidade enganosa» também é ilegal e é outro daqueles casos em que temos a liberdade de expressão condicionada...
Nota 2: Também não quero dar a entender que sou um «perito» ou que só eu tenho o direito de definir o significado que empresto às palavras :) Pelo contrário, podemos definir o que quisermos à vontade, desde que todos saibamos de que estamos a falar.
ResponderEliminarNos debates filosóficos em que participo regularmente, logo a início, o que se faz é definir o significado das expressões que usamos dentro do contexto da discussão, até que todas as partes estejam satisfeitas com o que estas querem dizer. Depois, sim, podemos discutir livremente. Muitas vezes, a bem da conversação, vemo-nos «obrigados» a usar expressões que fazem pouco sentido do ponto de vista de outros contextos, mas fazemo-lo a bem da facilidade de expressão dentro do debate.
Só há problemas quando vamos buscar expressões fora de contexto, com significado bem preciso noutros contextos, e «aproveitamos» as mesmas para reforçar o nosso argumento. É só isto que queria apontar, mais nada. Tenho a certeza que existem mil e uma formas de argumentar que os direitos de autor devem ser abolidos sem ser preciso ir buscar expressões hiperbolizadas de outros contextos :) (eu próprio já dei uns exemplos)
Miguel,
ResponderEliminarA ver se consigo encontrar o que importa no meio do teu texto todo. Se não conseguir, a culpa é tua :)
Eu não defendo que haja direitos com valores absolutos. A minha posição filosófica, se quiseres, é que o direito que eu tenho de exigir remuneração da tua parte, quando tu não te comprometeste a pagar-me nada, é muito inferior ao direito que tu tens de usar a tua propriedade, de te exprimir, de partilhar informação e de aceder a informação. Mesmo que tu beneficies do meu trabalho. Isto porque o direito à remuneração não deriva nem do trabalho nem do usufruto mas sim de um acordo voluntário entre a parte que remunera e a que é remunerada. Mas isso deixo para um post.
Nos dois primeiros comentários desta fornada, abordaste o problema de julgar que a liberdade de expressão é o direito absolutamente mais valioso do que qualquer outro. Concordo que não é, e nunca defendi que fosse. Nisso estamos despachados.
Além do alegado direito à remuneração, que abordarei quando puder, invocaste como superiores à liberdade de expressão estes:
«a sua dignidade enquanto se identificam com as obras que produzem»
Este é independente do copyright, e está assegurado à parte. Nota que eu uso a expressão copyright porque não estou a referir-me aos direitos morais, eternos e inalienáveis, mas apenas ao direito de proibir cópias, um privilégio temporário que o autor pode vender a quem quiser.
«a sua privacidade, enquanto têm o direito de decidir quem é que tem acesso às suas obras ou não»
Concordo que a privacidade é mais importante do que a liberdade de expressão e sou a favor da censura para defender a privacidade. No entanto, a partir do momento que o autor, voluntariamente, decide pôr à venda a sua obra nas lojas, deixa de ter qualquer legitimidade para invocar que copiar aquilo que ele publicou viola o seu direito à privacidade.
«O que não se pode é dizer que impedir que se pirateiem conteúdos de terceiros é uma forma de censura.»
Este é o problema principal. Eu tenho uma posição filosófica acerca da ética de proibir a cópia de obras que o autor voluntariamente tornou públicas. Mas o meu ponto neste post é factual: o copyright no domínio digital é fundamentalmente diferente do que era antes. Não só porque a lei estava do lado dos cidadãos em geral quando declarava legal o betamax, os VCR e até os gravadores de cassetes com dois decks, mas porque o copyright em si distinguia entre coisas que podiam ser alvo de monopólio e outras que, mesmo servindo para transmitir qualquer informação que se quisesse, não podiam. Nessa altura era explicitamente legal dar a alguém toda a informação necessária para desenhar o rato Mickey desde que não se desse uma cópia do boneco. Nessa altura impedir que copiassem não era censura.
Mas agora é, porque agora o que se quer impedir é a possibilidade de transmitir essa informação. Mesmo que seja de uma forma distribuida. Mesmo que se juntem cem pessoas e cada uma der 1% da informação a cada uma das outras, isso é proibido. Objectivamente, restringir a transferência de informação é diferente de proibir a cópia. E ninguém perguntou aos eleitores se queriam fazer este upgrade aos direitos patrimoniais dos autores, que passaram agora até a poder processar as pessoas pelos emails que enviam umas às outras.
E agora algumas coisas secundárias:
ResponderEliminar«Já tinha alertado no passado para o mesmo «abuso» da palavra «monopólio» neste contexto»
Se o autor tem o poder legal exclusivo de permitir a cópia da obra o autor tem o monopólio sobre a cópia da obra. Não há abuso nenhum. É como a Carris ter o poder legal exclusivo de operar autocarros recolhendo e largando passageiros dentro de Lisboa (os outros operadores só podem transportar passageiros de ou para Lisboa, mas não entre pontos diferentes em Lisboa). Isso é um monopólio.
O abuso é chamar-lhe “direito” porque enviesa logo a discussão presumindo que esse poder legal é moralmente legítimo quando é precisamente essa legitimidade que está em causa.
«Significava que os músicos recebiam milhões pelos seus CDs.. »
Há uns tempos vi uma entrevista ao Rui Veloso em que lhe perguntaram como tinha sido afectado pela pirataria e a queda nas vendas de CD. Ele disse que nunca tinha ganho dinheiro com os CD, porque daí vinha sempre para o autor uma percentagem mínima e descontando várias despesas da discográfica. Os CD apenas serviam para atrair pessoas para os concertos, e foi aí que o artista sempre ganhou dinheiro.
«O que é relevante é que não se pode invocar o princípio de que «a minha liberdade de expressão é mais importante do que o direito do autor a ser remunerado pela sua obra da forma como ele [autor] quiser» porque, pura e simplesmente, isso não é verdade do ponto de vista jurídico.»
Isto é como dizer que na Arábia Saudita não se pode invocar que o direito à igualdade perante a lei é mais importante do que as tradições tribais porque, pura e simplesmente, lá isso não é verdade do ponto de vista jurídico. Por esse raciocínio nunca se poderia alterar leis.
O autor só tem o direito de ser remunerado por quem concordar remunerá-lo. Tudo o resto é coacção e não direito. Mas sobre isso tem de ser um post.