domingo, dezembro 22, 2013

Treta da semana (passada): isso é meu.

O Amazon Instant Video é um serviço da Amazon que permite ao utilizador ver os vídeos que comprou sem precisar de os guardar no seu computador. Geralmente. A semana passada, a pedido da Disney, a Amazon retirou deste serviço o filme “Prep & Landing”, que a Disney quer transmitir em exclusivo no seu canal durante a época natalícia. O filme não só deixou de estar disponível para compra como também deixou de estar acessível a quem já o tinha comprado. A Amazon alega ter sido um erro (1), apesar de ter dito a alguns clientes que era uma prerrogativa da Disney retirar o acesso ao filme mesmo depois de comprado (2) e apesar deste tipo de medidas já ter precedentes. Ironicamente, com o livro “1984” (3). Seja como for, o facto é que o vendedor pode facilmente “desvender” o produto sem consentimento do comprador.

Este problema não se limita aos ficheiros que o cliente confie aos servidores da empresa. Qualquer ficheiro com DRM, mesmo guardado num aparelho do comprador, pode ter a sua utilização condicionada pelo vendedor. A cópia, a instalação em novo hardware ou até o simples acesso podem carecer de uma ligação aos servidores da empresa para obter autorização, pelo que o vendedor pode inutilizar o produto comprado a qualquer momento (4). Nem sequer é um problema apenas de ficheiros e programas. Os próprios aparelhos, maioritariamente consolas de jogos e telemóveis mas cada vez mais tipos de equipamento, podem vir com limitações impostas pelo vendedor. Alegadamente, isto é para defender direitos de propriedade, mas só defende a “propriedade intelectual” de quem vende à custa dos direitos de quem compra.

A minha posição é a de que a noção de propriedade intelectual é absurda. É a ideia de que se pode vender peças de xadrez mas ficar dono das jogadas ou vender calculadoras e reter direitos de propriedade sobre contas e números. Os direitos de propriedade regulam o uso de objectos materiais em concreto e não de informação, categorias ou conceitos abstractos. Mas mesmo quem discorda desta rejeição cabal do conceito geralmente concorda ser ilegítimo que os direitos de “propriedade intelectual” do vendedor violem os direitos de propriedade do comprador. Devo esclarecer que esta violação não vem do DRM em si. Um fabricante podia tentar vender torradeiras que só funcionassem a certas horas do dia na esperança de convencer cada cliente a levar uma para o pequeno-almoço e outra para a ceia. Isso não violaria quaisquer direitos de propriedade. Mas parece-me consensual que uma lei proibindo o cliente de modificar a torradeira que comprou para contornar essa restrição violaria os direitos de propriedade do comprador. O problema fundamental é essa proibição, que retira direitos ao dono da coisa para favorecer os interesses económicos de quem já a vendeu. Como acontece com as consolas, por exemplo. É ilegal modificar uma consola de jogos para permitir usar DVD copiados, mesmo sendo a cópia privada um direito consagrado na lei, pelo qual pagamos taxa em nos DVD graváveis, e mesmo sendo legítimo fazer cópias de segurança do software que compramos.

Até aqui, penso que mesmo os leitores que normalmente discordam de mim nestas coisas do copyright estarão de acordo. Se compro algo, seja filme, livro, torradeira ou consola de jogos, não são os direitos de “propriedade intelectual” de quem mo vendeu que legitimam tirarem-me o acesso ao que é meu ou impedirem-me de desaparafusar, cortar, colar ou soldar como entender. Mesmo que isto não pareça evidente em todos os casos, neste exemplo da Amazon deve ser. Seria (ou foi?) abusivo negar a alguém o acesso ao filme que comprou só porque a Disney quer mais gente a ver os anúncios no seu canal de TV. O lucro do vendedor não justifica violar os direitos de propriedade do comprador. Dito assim, é quase uma verdade de La Palice.

Falta apenas aceitar as implicações deste princípio para rejeitar, como eu, qualquer restrição legal à cópia e distribuição não comercial de obras publicadas. Por um lado, porque a única justificação para estas restrições é proteger os lucros de quem vende essas obras. E, por outro lado, porque proibir alguém de copiar um ficheiro, de o descarregar ou de o partilhar com outras pessoas restringe o que essa pessoa pode fazer com o seu computador, violando os seus direitos de propriedade sobre aquilo que comprou. Neste aspecto, não há diferença fundamental entre limitar os dias em que uma pessoa pode ver o filme que comprou e limitar os ficheiros que uma pessoa pode copiar com o computador que comprou.

1- The Guardian, Amazon accidentally removes Disney Christmas special from owners' accounts
2 - BoingBoing, Amazon takes away access to purchased Christmas movie during Christmas
3 - The Guardian, Amazon Kindle users surprised by 'Big Brother' move
4- Na página da Wikipedia sobre DRM há uma lista com vários exemplos dos problemas que isto traz aos compradores: DRM, Obsolescence

6 comentários:

  1. é uma civilização de piratas e de corsários filha

    e os corsários estão perdendo

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  2. Parece-me que vai ser necessário dar uns bons passos para diante, no que toca à defesa do consumidor em matérias de direito de propriedade, mesmo no quadro atual da legislação vigente e, tanto quanto necessário, produzindo novas regras. É abusivo e nenhuma lei o deverá permitir, por exemplo, que eu compre e pague um computador, com determinados sistemas operativos e determinado software, ou seja, que eu pague uma máquina para funcionar de determinada forma, sem qualquer cláusula de limitação de tempo de uso e que o vendedor não me assegure, ou não assuma à partida um tempo mínimo de funcionamento. O que sucede, normalmente, é o comprador ser confrontado com uma obsolescência inesperada (mas que faz parte da estratégia do produtor), que atira para o lixo, por inoperacionalidade/incompatibilidade/conflitualidade, etc.,não apenas o software, mas também o hardware. E estas coisas também ocorrem com os automóveis...
    Por parte dos governos parece-me que não haverá nenhuma iniciativa para tentar minorar as desvantagens da sujeição do consumidor, uma vez que os governos são normalmente agentes dos grandes interesses económicos dos produtores. Mas as associações de consumidores deviam e podiam fazer algo mais do que serem máquinas recoletoras de quotas e de queixas. Uma coisa fundamental e simples, em matéria de direitos do consumidor, seria, por exemplo, estabelecer claramente o que é que o consumidor está a adquirir, quando compra, por exemplo, um computador X+Y+Z com o Windows 8 e o Office 2013...O que é isso, em termos de usabilidade. Ou, no ano seguinte, nada disso vai servir para nada?

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  3. Respostas
    1. olha meu gamaram 1 milhão a um emigrante em Gondomar metade era em ouro

      por falar nisso está a descer compra mais que aqui a maralha do norte e os servo-croatas e romenos já alimparam uns 200 quilos neste fim de ano

      deve ir prái ou prós belgas...

      bit coin's nã roubaram nenhumas devem estar à espera que subam

      a máfia da prostituição romena perdeu 5% dos operacionais esta semana

      está a ser um infeliz 2014 e inda nem começou

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  4. Sobre este assunto:

    http://youtu.be/rfZv_lPwBFI

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  5. João Vasco,

    É um vídeo engraçado mas não tem nada que ver com o problema.

    É verdade, e trivial, que se as pessoas gostam de uma empresa que faz jogos convém comprarem jogos dessa empresa senão arriscam-se a que fecham. Tal como é verdade, e trivial, que se as pessoas gostam de um restaurante convém que lá vão comer de vez em quando senão arriscam-se a que o restaurante feche. Se todos fizerem como eu, que faço sushi em casa por ser mais barato, deixa de haver restaurantes japoneses por cá e é pena.

    Mas o problema não é esse. O problema é haver leis que visam coagir as pessoas a fazer estas coisas. Mesmo que fosse o caso de estarem todos os restaurantes japoneses em risco de falir não se justificava proibir as pessoas de fazer sushi em casa. E mesmo que todas as empresas de jogos estivessem prestes a falir não se justificaria proibir as pessoas de copiar jogos.

    Todos podem legitimamente opinar acerca da moralidade de copiar jogos, de comprar produtos estrangeiros, de cozinhar em casa em vez de incentivar o sector da restauração, de estudar por fotocópias dos livros, de emprestar o iPode sem obrigar o amigo a pagar as licenças todas para ouvir aquelas músicas e assim por diante. Mas os valores que estas acções põem em risco – o lucro de alguns na sua actividade comercial – estão suficientemente abaixo dos valores postos em causa pela concessão de monopólios ou outras formas de coacção legal – os valores da liberdade pessoal – para se poder concluir com confiança que quaisquer medidas coercivas desse tipo são eticamente ilegítimas.

    Esse é o meu ponto. Eu não sou contra o DRM, nem contra a venda de bits, nem contra o comércio de discos de plástico com músicas ou o que mais quiserem. Sou apenas contra as leis que violam direitos pessoais e de propriedade da maioria para beneficiar uns modelos de negócio.

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