Disto e daquilo, 5.
Bichos
Têm chovido críticas em resposta ao boato de que o Ministério da Agricultura estava a rever o número máximo de cães por apartamento. Concordo que não há justificação óbvia para o limite ser dois em vez de três, um ou quatro e que isto não devia ser uma prioridade. Mas a ministra parece pensar o mesmo (1) e, se querem criticar o governo, certamente haverá medidas mais merecedoras de indignação. Seja como for, parece-me que a maioria das críticas assenta na ignorância de que já há pelo menos uma década que esta lei está em vigor (2) e na ideia de que o objectivo é o Estado fiscalizar quantos animais as pessoas têm. Tanto quanto percebo, não anda por aí polícia a contar bóbis. O propósito desta lei é dar recursos legais a quem viva paredes meias com um maluco que tenha uma data de animais em más condições, que sejam um perigo para a saúde ou que não deixem ninguém dormir.
Suspenso
O CDS-PP suspendeu por cinco meses o deputado Rui Barreto por ter votado contra o OE de 2013 (3). Agora, o Rui Barreto só permanece na Assembleia da República porque ainda é membro do CDS-PP/Madeira, caso contrário ficaria também suspenso do cargo de deputado. Compreendo que a disciplina de voto e o poder de suspender deputados facilite os acordos entre partidos na AR. Mas não compreendo que essa conveniência se sobreponha aos princípios fundamentais da democracia representativa. O Rui Barreto foi eleito por madeirenses que votaram nele e é essas pessoas que ele tem de representar. Os deputados são, acima de tudo, representantes dos eleitores e não dos partidos. Por isso, qualquer mecanismo que um partido possa usar para coagir os votos dos representantes dos eleitores é um atentado à democracia e devia ser considerado um crime pelo menos tão grave como o de coagir os votos dos eleitores. O resultado prático desta usurpação é evidente. Os partidos do poleiro são compostos por um cerne de deputados permanentes protegidos pela carne para canhão que vai e vem conforme o sucesso eleitoral. A disciplina de voto concede a esse grupo central o poder de dirigir todos os votos do partido ao mesmo tempo que, pela manipulação das listas de candidatos e os círculos onde concorrem, se protegem do eventual desagrado dos seus próprios eleitores. A representatividade é a que se vê.
Petição
Hugo Ernano, militar da GNR, foi condenado a nove anos de prisão por ter morto uma criança quando desatou aos tiros a uma carrinha em fuga. Segundo o acórdão, os juízes foram unânimes na condenação do acto como «inadequado e desajustado» mas o arguido afirmou que «se fosse hoje voltaria a agir da mesma forma». Aparentemente, este militar da GNR ainda acha que o procedimento mais adequado no caso do furto de fios de cobre é disparar contra a carrinha em fuga para a “imobilizar”, provavelmente no fundo de algum barranco, mas sem intenção de magoar ninguém. Não sei se será de ver muitos filmes ou se será mesmo por a GNR ser demasiado militarizada para ser uma polícia adequada, mas é preocupante que não lhe tenha ocorrido que seria melhor anotar a matrícula, seguir a carrinha e depois prender os meliantes sem criar situações de perigo. Mais preocupante ainda é haver pelo menos 65 mil pessoas que julgam que é assim que as forças de segurança se devem comportar (4): primeiro dar tiros porque sim, mesmo que não seja necessário para eliminar algum perigo iminente para a vida do agente ou de terceiros, e só depois ir ver se há inocentes no caminho ou se um crime como o de roubar fio de cobre justifica execução sumária. Sim, é verdade que o criminoso foi irresponsável por ter levado o filho para uma coisa destas. Mas nem o filho merecia ser morto pelo crime do pai nem roubar fios de cobre, mesmo com uma criança ao pé, é tão grave como matar um miúdo de 13 anos desatando aos tiros sem necessidade.
Direitos
A 1ª Comissão Permanente dos Direitos Liberdades e Garantias decidiu não garantir a liberdade de contornar limitações tecnológicas quando estas impedem o cidadão de exercer os seus direitos legais de acesso e reprodução de obras culturais. Apesar dos Projectos de Lei 406/XII e 423/XII terem sido aprovados na generalidade, foram agora chumbados por esta comissão «por não terem receptividade do Governo» (5). Continuamos assim na situação curiosa de pagar taxas pelo direito à cópia privada sem podermos copiar legalmente porque o editor publica as obras com restrições digitais. Mesmo que estejam em domínio público, como é o caso dos “Clássicos Porto Editora” onde até o Camões leva DRM (6), não vá um dia o governo estender a duração dos monopólios, retroactivamente, para além dos quinhentos anos. Já faltou mais.
1- TVI 24 - Ministra deixa cair limitação de cães e gatos por apartamento
2- PGDL, DL n.º 314/2003, de 17 de Dezembro , artigo 3º
3- Público, Deputado do CDS-PP suspenso cinco meses por ter votado contra OE2013
4- Público, Mais de 65 mil pessoas pedem absolvição de GNR condenado por matar jovem em perseguição
5- ANSOL, 1ª Comissão Reduz Direitos, Liberdades e Garantias dos cidadãos
6- Paula Simões, Bertrand/Porto Editora ataca Domínio Público #publicdomain #drm #fail