sábado, abril 27, 2013

Adenda.

O post anterior, sobre a convergência dos contratos de trabalho entre o sector público e o privado, suscitou algumas objecções. Segundo o NG, é errado afirmar que os salários no sector público sejam determinados por decisão política porque «Os salários no sector público vêm da disponibilidade de dinheiro para os pagar.»(1) O erro aqui é imaginar que a quantidade de dinheiro é fixa pela realidade, como se fosse ouro. Em última análise, quanto dinheiro está disponível ao Estado, quanto dinheiro existe nesse Estado e o que é que conta como dinheiro nesse Estado são tudo decisões políticas. É verdade que a expansão monetária tem consequências na economia, mas os líderes políticos têm sempre uma escolha.

O Pedro F perguntou o que aconteceria se o mercado fosse invadido por médicos, tornando a oferta deste serviço muito maior do que a procura, e se isso não determinaria o salário dos médicos na função pública. Não. O preço médio da venda do trabalho de um médico no mercado iria diminuir, mas a opção do Estado de baixar os salários levando à substituição dos melhores médicos no sector público por médicos mais baratos, ou a opção de manter os salários para atrair os médicos melhores seria política. Nenhuma “força de mercado”, por si só, obrigaria a escolher uma em detrimento da outra. O Estado não está obrigado a dar lucro.

Tanto o Pedro F como o LL obstaram à minha afirmação de que não devemos facilitar o despedimento de funcionários públicos porque não se deve dar a funcionários públicos o poder de despedir. A objecção deles foi que dificultar o despedimento reduz o incentivo ao trabalho competente e dificulta a substituição de funcionários incompetentes que nunca deviam ter sido contratados. Não discordo destes problemas enquanto factores pontuais, mas o que importa é o efeito global e, nisso, estes acabam por ser factores menores. Quer no sector público quer no sector privado, o problema da contratação inadequada é combatido principalmente nos processos de selecção e com períodos experimentais. Se há contratação excessiva de incompetentes é por aí que se tem de começar. Tanto que a causa principal de despedimento no sector privado não é a descoberta súbita de que afinal o empregado é incompetente mas sim a redução na rentabilidade económica de comercializar o trabalho daquele empregado devido a variações no mercado. Como no sector público o factor determinante deve ser garantir que toda a população tem acesso a certos serviços e não garantir rendimentos aos accionistas, há menos razão para despedir no sector público do que no sector privado. Além disso, no sector privado os chefes têm incentivos financeiros para despedir subordinados incompetentes, como bónus por desempenho, comparticipação nos lucros e até acções da empresa, que dependem do sucesso da empresa, e o sucesso é facilmente medido pela rentabilidade económica. No serviço público não é assim. Não se pode avaliar o sucesso de serviços como escolas ou hospitais públicos pelo lucro, apesar de alguns tentarem, nem se consegue alinhar a ganância individual com o desempenho colectivo. Por isso, o poder de despedir na função pública terá menos utilidade mesmo quando bem usado, será mais prejudicial quando abusado e será muito mais usado ao serviço de interesses individuais e em prejuízo da organização. É claro que podemos apontar contra-exemplos aqui e ali, mas o que interessa não é colher cerejas. O relevante é que, em média, há diferenças significativas entre aquilo que motiva o dono de uma pequena empresa e o que motiva o chefe de repartição.

À parte destes aspectos de funcionamento e conflito de interesses, e independente deles, há também a questão da legitimidade para despedir. No sector privado há empregados e patrões. Há uma assimetria óbvia entre a pessoa que compra o trabalho dos outros e aqueles que lhe vendem o seu trabalho. Logo à partida, tem o direito de decidir se compra ou não compra, mesmo que esse direito seja limitado por contratos e legislação. Em contraste, no sector público não há patrões nem dono. São todos empregados e os administradores no topo da hierarquia são eleitos democraticamente. Ou, pelo menos, deviam ser. Sem um dono com a legitimidade para mandar em tudo, no sector público o poder de despedir é algo extraordinário e que exige um mandato específico dos eleitores. Se extrapolarmos para toda a função pública a pouca vergonha que se vê com os cargos de confiança política, é fácil perceber que não é do nosso interesse dar a funcionários públicos o mesmo poder sobre a administração do Estado que os empresários têm sobre as suas empresas.

PS: também a propósito da diferença entre público e privado: «Os gestores Carlos Santos Ferreira (antigo CEO do banco), Vítor Fernandes e António Ramalho (atual presidente da Estradas de Portugal), que saíram do BCP em fevereiro de 2012, receberam uma indemnização de 3,4 milhões de euros, equivalente ao que receberiam se ficassem até ao final do seu mandato.» (CM)

1- Comentários em Treta da semana (passada): a convergência.

12 comentários:

  1. Nas questões de estado social as posições costumam extremar-se: dum lado os defensores dum estado social tal qual é custe o que custar e do outro os que são frontalmente contra qualquer estado social.

    Qualquer uma das posições é disparatada.

    As grandes conquistas do século XX são as reformas, assistência na doença, a redistribuição de riqueza a protecção das minorias, etc.

    Não me parece que genuinamente alguém defenda que se volte aos tempos do liberalismo do século XIX ou que nos voltemos para a economia planificada à la URSS.

    No fundo a função pública é o estado social. É um sector da sociedade que fornece serviços que não tem como fim o lucro mas a satisfação de necessidades da população : educação, saúde, redistribuição da riqueza, protecção e segurança, iluminação pública, protecção do meio ambiente, etc e etc.

    Temos é de fazer bem as contas e saber qual o tamanho (em dinheiro) que pode ter este sistema.

    As contas nem são difíceis de fazer.

    Basta calcular as receitas do estado e o valor disponível será qualquer coisa abaixo disso. O que for acima será divida a pagar no futuro e portanto baixará o dinheiro futuramente disponível para o estado social.

    No fundo os piores inimigos do estado social são os que querem manter este estado a todo o custo.

    No fundo um país não é muito diferente duma família. As famílias tem um rendimento e obviamente necessidades ilimitadas.

    Se a família gerir o orçamento baseado no principio de realidade :

    O rendimento total anual é 100, logo podemos gastar x em educação, y em casa, z em comida, 10 em carros, 10 em roupa, 10 em férias e por aí fora e a soma das despesas estiver algo abaixo dos 100 está tudo bem.

    Se começam o orçamento por :

    Gastos em saúde e educação não se discutem, carros só super seguros que nestas coisas não se pode cortar, viagens aéreas só em primeira por causa do síndrome de classe turística, comida só biológica, etc e tal vão ter um problema.

    Durante um certo período de tempo parece que o céu é o limite mas ao fim de algum tempo se gastarem algo acima dos rendimentos (e nem precisa de ser muito) vão chegar ao fim dos cartões de crédito e vão ter despertar para a realidade.


    Claro que num país é muito mais complicado porque para aí 50% do rendimento vai para lobbys que dominam a economia e que se penduram nos dinheiros públicos.

    É uma situação com a qual temos de viver. A nomeação dos políticos que podem vir a ocupar cargos de relevo passa pela autorização prévia destes lobbys. Sem este apoio e dinheiro ninguém chega ao poder.

    A discussão fica logo inquinada porque quando se quer cortar tem de se ter em conta qual o lobby que domina o sector, quais os seus interesses e quanto estes estão dispostos a ceder e como.

    Isto é como uma família em que todos os membros recebem uma comissão nas despesas. Quando querem fazer cortes o pai não quer diminuir no talho porque recebe 50 % por cada quilo de carne, o filho tem comissão no combustível e carros e é por isso que escolhe os mais caros e que mais consomem e mãe como recebe um rappel da electricidade e gás se atingir determinado consumo tem sempre tudo ligado no máximo para receber a comissão.

    Uma nota final:

    No congresso do PS o lieder foi eleito por 99%. O mesmo costuma acontecer nos outros partidos.

    É fantástico nem o Américo Thomaz reunia tal consenso. Maiorias sólidas como estas só mesmo noa Koreia do norte e o tio Stalin.

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  2. "É verdade que a expansão monetária tem consequências na economia, mas os líderes políticos têm sempre uma escolha. "

    Qual é a escolha? Diminuir o valor real dos salários através de inflação ou através de corte directo?
    Que raio de escolha é essa?
    NG = Nuno Gaspar (alteraste algures as regras de publicação de comentários, Ludwig)

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  3. Sousa,

    A ideia da dívida pública como um análogo da dívida doméstica é um erro, mas isso dá para muito mais do que um comentário. A ver se lá chego antes do Verão...

    Nuno Gaspar,

    «Diminuir o valor real dos salários através de inflação ou através de corte directo?»

    O desemprego, a austeridade e o corte directo diminuem o valor real dos salários diminuindo o valor nominal de imediato.

    A expansão monetária tem efeitos mais complexos. Primeiro, não leva automaticamente à inflacção. Depende do crescimento económico, da liquidez e de mais uma data de coisas. Vê o exemplo recente dos EUA, com uma expansão monetária brutal e sem inflação. Além disso, a expansão monetária está a cargo principalmente dos bancos privados, cujo crédito regula a quantidade de dinheiro disponível.

    Mesmo quando há inflação, esta consiste num aumento do valor nominal de todas as transacções, incluindo a venda de trabalho. Os salários também sobem. A perda principal é para o dinheiro parado, cujo valor decresce. Em situações de crise a inflação acaba por ser um imposto mais justo do que os cortes na saúde, na educação, prestações sociais e medidas recessivas que aumentam o desemprego.

    «alteraste algures as regras de publicação de comentários»

    Não que tenha notado, mas o blogger às vezes faz coisas sozinho. O que é que está diferente?

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    1. errado, a expansão monetária leva mais tarde ou mais cedo à inflação porque os recursos são finitos

      é a lei dos mínimos...curiosamente dum economista agriculteiro germano
      um krip named Justus von Lie big?

      o b-looser faz cousas sozinho?

      bolas pornográphico meu a orthographia ahora mexe autómata isse é certus ó justus

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    2. o exemplo dos states é uma falácia

      pois existiu inflação no preço das matérias primas e muita

      basta ver os preços de 2006

      e tem sido encapotada pois os states com troll ão us marchés pá

      e produzem boa parte da comezaina mundial craro

      o aumento da massa monetária americana não produziu inflação interna

      porque não foi direcionada para o consumo de bens transacionáveis comuns

      foi para pratos chineses comprados por milhões de dólares

      ou por moedas de centenas de milhares de patacas

      ou para apartamentos de luxo em xangai e Hong-Kong por 86 milhões de pentes
      vendidos nos states ou de sapatilhas

      a importação em massa de bens de baixo custo em troca de dívida norte americana baixou a inflação artificialmente

      e isso dava para 10 livros de 400 postes cada e três edp's

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  4. "Em situações de crise a inflação acaba por ser um imposto mais justo do que os cortes na saúde, na educação, prestações sociais e medidas recessivas que aumentam o desemprego."

    Em breve, quando sairmos do Euro, saberemos.

    "O que é que está diferente?"
    Não entendi. Deixou de estar disponível a opção de assinar os comentários apenas com o nome, talvez tenha a ver com alteração na minha identificação no blogger.

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  5. Ola de novo,

    De facto o estado não é obrigado a dar lucro, mas deve utilizar da forma mais eficiente os impostos que recolhe. Manter salários elevados quando podem ser mais baixos não é a melhor utilização do dinheiro dos contribuintes.

    "Tanto que a causa principal de despedimento no sector privado não é a descoberta súbita de que afinal o empregado é incompetente mas sim a redução na rentabilidade económica de comercializar o trabalho daquele empregado devido a variações no mercado."

    Então e quando do sector público não se justifica existirem tantos trabalhadores num determinado sector? Temos o exemplo do 1º ciclo, onde o nº de alunos desde o extremo diminui em 45/48% e o numero de professores continua? Vamos esperar até que atinjam a idade da reforma para fazer a correcção?

    No último paragráfo acho que acaba por dizer que os empresários têm mais 'cuidado' a gerir as suas empresas que os funcionários públicos a gerir os interesses do estado. Volto a dizer-lhe, porque não gestão privada nas áreas onde é possivel?

    Quanto ao tema inflação: Primeiro dizer-lhe que tal como já foi escrito aqui na caixa de comentários, os EUA não têm baixa inflação. Têm sim uma maneira muito habilidosa de medir essa inflação (e o PIB!) e assim conseguem resultados mais 'bonitinhos'. Mais ninguém faz isso no mundo. Se a inflação for calculada da maneira usual, então é bem superior. Se for calculada da mesma maneira que nos anos 90, então teria sido de aproximadamente 8% em 2008 e se tivermos como referência os anos 80 então seria de 12% nesse mesmo ano. Relembro que os dados oficiais apontam para 4% nesse ano, o que já não é um valor muito baixo. Deixo um video que explica a 'formula' que eles utilizam. (http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=zPkTItOXuN0).
    Não será dificil encontrar explicações mais recentes que já incluam os efeitos das novas formas de cálculo para 2013 uma vez que foram anunciadas à umas semanas.

    Com isto não quero dizer que inflação não muito alta e temporária não possa ser um mecanismo interessante para rapidamente levar a desvalorizações internas (os salários são actualizados, mas há sempre perda do poder de compra) e ganhar tempo para fazer as reformas do estado e que estas tenham o tempo necessário para se tornarem visiveis. Mas essas alterações terão que ser feitas, pois não quererá viver eternamente com elevada inflação e num caso extremo com hiper-inflação e a redução da despesa do estado terá que acontecer.
    De qualquer forma, como iria fazer isso hoje em Portugal?

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    1. Notei vários erro de escrita no meu comentário anterior. As minhas desculpas.

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  6. Pedro F,

    «Então e quando do sector público não se justifica existirem tantos trabalhadores num determinado sector?»

    A preocupação principal de uma empresa privada é o lucro dessa empresa. Assim, se tem trabalhadores a mais despede. Não há grandes dúvidas.

    A preocupação principal do Estado é o bem comum, do país como um todo. Assim, se há professores a mais no ciclo preparatório e estão a dar aulas a 15 alunos quando podiam dar a 30, o que devemos perguntar é se é melhor para todos que metade desses professores sejam despedidos. Para isto temos de considerar muito mais factores do que apenas a eficiência do seu trabalho. Temos de considerar a justiça de despedir alguém que dedicou um par de décadas a um trabalho importante para todos e que agora vai para o desemprego porque obrigado, mas já não nos faz fata. Temos de considerar se essa pessoa será mais produtiva, para a sociedade, estando no desemprego do que dando aulas a 15 alunos, mesmo que dar aulas a 15 alunos seja ineficiente. Temos de considerar os custos de sustentar essa pessoa quando estiver desempregada, porque ao contrário das empresas, o Estado tem de sustentar quem não tem dinheiro nem emprego. E assim por diante.

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    1. Certo,Ludwig. E temos que perguntar se para manter um emprego de alguém no sector público, restrito a alguns, não sacrificamos 10 ou 20 no privado, acessível a todos.

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  7. NG (Nuno Gaspar?)

    O emprego no sector público é mais acessível a todos do que o emprego no sector privado. Isto porque no sector privado cada lugar só está acessível a quem o patrão o quiser dar, e tem a opção de o abrir a todos ou, se preferir, entregar à sobrinha, ao namorado da filha ou a um conhecido. No sector público a maior parte dos lugares está sujeita a concurso público, e se bem que haja muitas vezes marosca, sempre é mais transparente e aberta, em média do que a contratação no privado.

    Mas concordo que se um lugar no público implica que 10 ou 20 pessoas no privado sejam despedidas temos de ter isso em consideração. No entanto, não percebo de onde vem isso, a menos que também tenhas caído na patranha de que as empresas estão a despedir pessoas porque pagam muitos impostos para sustentar os funcionários públicos e não pela quebra de consumo não só da parte dos privados a quem o Estado tem cortado prestações e salários mas da parte do Estado em si, um cliente importante para boa parte da economia.

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    1. "O emprego no sector público é mais acessível a todos do que o emprego no sector privado"

      Sabes que não é assim, Ludwig. Quando e onde se experimentou acabar com o sector privado as coisas não correram nada bem. Na economia privada qualquer um pode ser patrão ou empregado. E é evidente que se o que um estado gasta fôr muito superior ao que consegue arrecadar em impostos, se endivida e tarde ou cedo o conjunto é penhorado a credores.
      Nuno Gaspar

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