domingo, abril 21, 2013

Treta da semana (passada): a convergência.

O nosso primeiro ministro quer «a aplicação de uma tabela salarial única, a convergência da legislação laboral e dos sistemas de pensões do sector público e privado»(1). A desculpa é a de que «o acórdão do Tribunal Constitucional põe grande ênfase na equidade», fingindo não perceber que a Constituição obriga o Estado a usar a força coerciva da lei de forma equitativa mas não o obriga a garantir que os contratos e remunerações são todos iguais. Mas o problema não é só com a desculpa.

Nalguns casos é óbvio o problema de tentar aproximar salários do público e do privado. Juízes, polícias, militares e fiscais das finanças, por exemplo, não têm homólogos no sector privado. Mas se pudessem exercer legalmente a sua autoridade a soldo de interesses privados ganhariam quase tanto como alguns políticos e ex-políticos. A convergência entre público e privado, nestes casos, seria desastrosa. Nos restantes casos o problema é menos óbvio mas igualmente grave. O salário no sector privado é determinado por quanto o empregador consegue vender esse trabalho e a fracção desse preço que o trabalhador consegue para si. Se os clientes gastam mais em operações plásticas os donos das clínicas têm mais lucro e os cirurgiões plásticos conseguir negociar um aumento no salário. Mas num hospital público isto não faz sentido porque o objectivo não é lucrar com o trabalho dos cirurgiões mas sim garantir cuidados de saúde mesmo a quem não os pode pagar. É certo que o salário no sector privado influencia as escolhas dos profissionais. O médico pode preferir ajeitar as mamas às dondocas em vez de tratar doenças sérias por uma fracção do ordenado. Mas isto é apenas um dos factores que afectam a qualidade do resultado para um certo investimento, a par com a educação, a burocracia, honestidade ou falta dela e muitos outros. Em última análise, quanto o Estado paga aos médicos pelo seu trabalho é uma decisão política. Não é uma mera função de oferta e procura. Por isso, se o Estado baixa os salários dos médicos é apenas porque decide investir menos no serviço público de saúde. Isto não tem nada que ver com o sucesso comercial dos implantes de silicone.

Uma consequência importante desta diferença é que os salários no sector público são muito mais justos. Uma universidade pública pode ter milhares de empregados, com muitos cargos diferentes e níveis de formação que vão desde o mínimo obrigatório até ao mais elevado do país. Mas enquanto os administradores de empresas privadas podem ganhar cem vezes mais do que o salário médio da empresa (2), o salário líquido do reitor é cerca de dez vezes o salário dos funcionários menos remunerados e o dobro do salário médio da universidade. Se alguma convergência é desejável será no sentido contrário ao que o Passos Coelho sugere.

Outra diferença que apontam como um defeito do sector público é a dificuldade em despedir funcionários públicos. Mas esta vantagem para os funcionários públicos é também uma vantagem para todos. Para todos os donos da empresa, por assim dizer. Numa empresa privada, o poder último de decidir quem fica ou sai pertence ao dono. Como o dono será um dos prejudicados se a empresa afundar não só tem um incentivo para não contratar o primo ou o amigo da filha em vez de um funcionário mais competente como também, por ser dono, a decisão será legitimamente dele e dos restantes accionistas. No Estado é diferente. Por um lado porque os burocratas em cargos administrativos que exerceriam o poder de despedir não teriam qualquer incentivo para preferir competência em vez de amizade ou conluio, e subordinados competentes ou demasiado honestos são sempre uma ameaça para chefes incompetentes ou corruptos. Por outro lado, ao contrário do que acontece na fábrica de detergentes ou na firma de contabilidade, isto no Estado prejudicaria toda a gente, tanto no sector privado como no público. A estabilidade do contrato na função pública não serve apenas para proteger o funcionário. Isso é até um efeito secundário. O seu papel principal é limitar o poder dos burocratas.

Esta ideia da convergência entre o público e o privado é mais um disparate perigoso da direita que, com a desculpa da austeridade, vai submetendo cada vez mais o bem público aos interesses de quem manda no sector privado. No sector privado a procura do lucro garante que quem tem dinheiro terá sempre onde o gastar para obter o que quer, o que é bom para essas pessoas e não é coisa que se consiga com planeamento central e burocracia. Por outro lado, o sector público garante que mesmo quem não tem dinheiro não fica privado do mínimo a que tem direito numa sociedade justa, e isso não se pode fazer com mecanismos de mercado ou pela maximização do lucro. Não pode haver convergência entre os dois porque enquanto os salários no sector privado vêm da venda do trabalho a quem pagar mais por ele, os salários no sector público vêm da decisão política de garantir certos recursos e serviços mesmo a quem não os pode pagar. São duas soluções opostas para dois problemas fundamentalmente diferentes e que não faz sentido misturar.

1- Sol, Passos quer aproximar salários do público e do privado
2- Expresso, Deco "chumba" empresas por salários astronómicos de administradores.

12 comentários:

  1. "os salários no sector público vêm da decisão política de garantir certos recursos e serviços mesmo a quem não os pode pagar"

    Estás enganado,Ludwig. Os salários no sector público vêm da disponibilidade de dinheiro para os pagar.

    Mas não são só as condições de trabalho e emprego no sector público que se devem aproximar das condições no privado. Como diz Taleb, todas aquelas funções em entidades do sector privado grandes demais para falir, nomeadamente bancos, a quem os dinheiros públicos são chamados a resgatar quando as coisas correm mal, também não poderiam auferir em situação alguma salários superiores aos da função pública.

    ResponderEliminar
  2. Ola,
    Vou pegar em 2 pontos que não são o essencial da sua argumentação mas que me parecem importantes.

    1) Quanto ao pagamento aos médicos não ser uma consequência da oferta e procura, como seria se o mercado fosse envadido por médicos? Isto podia ocorrer por aumento das vagas nas faculdades já existentes ou abertura de novas. Afinal de contas ouvimos diversas vezes que temos falta de médicos, embora a respectiva ordem se preocupe cada vez mais com um possivel desemprego no sector. Com descidas de preços no sector privado (onde paga de 50€ a 60€ por uma consulta de 10' com um médico que só está a usar o seu tempo e conhecimento e nenhum instrumento de trabalho por mais barato ou caro que seja), o sector público continuaria a pagar os mesmos salários?

    2) Devo dizer que não sei se compreendi tudo o que queria dizer quando se centra na (im)possibilidade de se despedir funcionários públicos.
    O que entendi foi que essa impossibilidade serve para que não se possa despedir pessoas competentes para colocar no seu lugar o primo/amigo de alguém.
    Primeiro devo dizer que isso também impossibilita que se despeça alguém incompetente para colocar no seu lugar uma pessoa mais apta. Depois podemos dar o exemplo dos professores. Vamos já assumir que a competência é medida em anos de serviço. Assim nos concursos de professores quem entra são estes mais 'competentes'. Mas anualmente não temos apenas o concurso nacional de professores, temos também as ofertas de escola, onde os directores dessa escola são livres de escolher outras 'competências' que podem ter efeito eliminativo. Há assim várias possibilidades de consguir dar emprego a um amigo/conhecido.


    E já agora, se quer reduzir o poder dos burocratas porque não financiar, por exemplo, o ensino através de vouchers onde as escolas são de gestão privada e funcionam em concorrência e não ficávamos todos sujeitos ao monopólio estatal?

    ResponderEliminar
  3. Bons dias,

    Parece-me que o Ludwig tem uma prespéctiva muito idílica em relação ao trabalho no funcionalismo público e à impossibilidade de haver despedimentos.

    Por exemplo, quando diz que o facto de os funcionario públicos não poderem ser depedidos é bom porque os burocratas curruptos tenderiam a despedir os competentes/honestos e a contratar os amigos/familiares esquece-se de referir que esses mesmos burocratas mesmo não despedindo os actuais funcionários, muitas vezes contratam os amigos e o burocrata que se segue, seja honesto ou corrupto, vai ter de "levar" com os amigos dos outros.

    Não é preciso despedir um funcionário publico incomodo para o neutralizar, basta encostá-lo. E se o funcionário era realmente competente, se fosse despedido, o privado teria todo o gosto em contratá-lo, gente competente é sempre necessária.

    Outra questão é o facto de por não poderem ser despedidos, assim que muitos funcionários publicos chegam a um nivel remuneratório aceitável, pura e simplesmente deixam de trabalhar - ou melhor, fazem os minimos para que não possa ser levantado um processo contra eles, cumprem o hórario. Desde professores que vão ler revistas para as aulas a técnicos de informática que todas as tardes fazem sessões de cinema/series nos departamentos de sistemas de informação, eu já presenciei um pouco de tudo. E o que é que os respectivos directores fazem quando veem isto? contratam empresas externas, porque não podem "tocar nos meninos".



    Mas eu sinto-me muito mais seguro por ver o poder dos burocratas limitado desta maneira :)

    ResponderEliminar
  4. Uma notícia recente mostra como os cientistas estão a tentar imitar o design da fotossíntese para desenvolver novas tecnologias de energia solar, mostrando que a boa ciência é a que faz "reverse engineering" do design inteligente e eficiente do Criador.

    Design inteligente e eficiente:

    "...quantum superpositions may play a role in the near perfect quantum efficiency of photosynthetic light harvesting, even at physiological temperatures."

    "...improved efficiency in transferring energy from absorbed sunlight to the parts of the cell that convert"

    Imitação do design por parte dos cientistas:

    "...[t]his particular manifestation of quantum mechanics can be engineered into human-made compounds"

    ResponderEliminar
  5. Um estudo recente mostra que novos estudos genéticos estão a baralhar a suposta árvore evolutiva dos peixes...

    Para os criacionistas, essa confusão resulta da tentativa de interpretar as semelhanças genéticas como evidência de um antepassado comum e não de um Criador comum...

    ResponderEliminar
  6. Um estudo recente mostra que uma enzima bacteriana tem um sistema energeticamente eficiente para movimentos a longa distância no DNA...

    Como eles dizem:

    "This can be thought of as a more energy-efficient way to move along DNA"

    Os autores do estudo dizem que a enzima "evoluiu" esse sistema.

    Mas as enzimas não são engenheiras como conhecimento e intencionalidade e o processo de evolução é aleatório, cego e irracional, não estando pré-programado para nada e muito menos para a eficiência energética.

    Faz mais sentido ver aí mais uma evidência de design inteligente do Criador...





    ResponderEliminar
  7. Independentemente dos pontos de vista e opiniões há dois factos que parece não oferecer contestação:
    1-O grande acréscimo do desemprego vem do privado;
    2-O privado tem que se adaptar rapidamente à realidade das coisas, caso contrário acaba e isso significa que não pode pagar mais do aquilo que é sustentável.

    Acrescentaria uma terceira verdade que já reflecte um juízo de valor. A diferença entre a base e o topo no privado também me parece excessiva no privado. Mesmo assim diria que o ponto 2 em cima não deixa de ser uma premissa verdadeira, sendo este excesso acima de tudo uma questão subjectiva de quanto vale a boa gestão.

    ResponderEliminar
  8. Um estudo genético interessante fornece indícios muito interessantes sobre a repopulação da Terra posterior ao recente dilúvio global narrado na Bíblia, indícios esses que os cientistas compreenderiam melhor se levassem a sério a narrativa do dilúvio:

    Repopulação recente:

    "...reveals a dramatic series of events including major migrations from both Western Europe and Eurasia, and signs of an unexplained genetic turnover about 4,000 to 5,000 years ago."

    "...the dramatic population changes that have taken place in Europe"

    "We can follow over 4,000 years of prehistory, from the earliest farmers through the early Bronze Age to modern times."


    Imigração recente para a Europa a partir de Ararat e do Médio Oriente, regiões onde a Arca ficou e onde a população de concentrou depois do dilúvio:

    "...the first farmers in Central Europe resulted from a wholesale cultural and genetic input via migration, beginning in Turkey and the Near East where farming originated and arriving in Germany around 7,500 years ago"

    Compreenderiam melhor se levassem a sério o relato bíblico do dilúvio:

    "What is intriguing is that the genetic markers of this first pan-European culture, which was clearly very successful, were then suddenly replaced around 4,500 years ago, and we don't know why. Something major happened, and the hunt is now on to find out what that was."


    "...major genetic transition around 4,000 years ago"






    ResponderEliminar
  9. Um artigo interessante mostra que o núcleo da Terra é 1000 graus mais quente do que se pensava, o que reforça a convicção dos criacionistas bíblicos quando sustentam a idade recente da Terra...


    ResponderEliminar
  10. Um estudo recente mostra que o gemona do nematóide Panagrellus redivivus, é extremamente complexo, tendo quase tantos genes como o ser humano, interpretando isso como evidência de um antepassado comum, apesar de não detectarem qualquer evidência de evolução.

    Extremamente complexo:

    "Despite its small size, the worm is a complex organism able to do all of the things animals must do to survive."


    Número de genes próximo do ser humano:


    "...over 24,000 putative genes encoded in the worm's DNA -- nearly the same number as in the human genome."


    Inferência de um antepassado comum:

    "Humans and nematodes share a common ancestor that lived in the oceans more than 600 million years ago,"

    Sem evidência de evolução:

    "Many of the basic biological processes have been conserved over the millennia and are similar in Panagrellus and humans."


    Para os criacionistas é simples.

    Nematóides e seres humanos têm um Criador comum, que programou o respectivo genoma de acordo com o seu género, assim se explicando a ausência de evidência de evolução.

    As diferenças e semelhanças entre seres vivos de géneros diferentes resultam da informação genética e epigenética que especifica cada um deles.

    ResponderEliminar
  11. Os criacionistas são muitas vezes criticados por postularem a idade recente do Universo, apesar de a luz estelar demorar milhões de anos-luz a chegar à Terra.

    No entanto, os criacionistas apoiam-se em modelos cosmológicos de dilatação gravitacional do tempo , também aceites e corroborados por astrofísicos não criacionistas, ao mesmo tempo que alertam para o facto de que, entre muitos outros, a teoria do Big Bang também tem um problema com a velocidade da luz que tem procurado resolver mediante a proposta de muitos modelos de inflação, que suscitam mais perguntas do que respostas.


    Curiosamente, com base em novas evidências, verifica-se que um número crescente de cientistas sustenta que a velocidade da luz pode não ser constante.

    Tudo isto mostra que a questão da idade do Universo, ou da quantidade de tempo que existe em diferentes partes do Universo, ainda vai dar muito que falar.



    ResponderEliminar

Se quiser filtrar algum ou alguns comentadores consulte este post.