Não é tanto o que faz, mas o que é.
Há dias defendi que a religião, enquanto categoria genérica, não deve ser avaliada por aspectos circunstanciais como atentados bombistas ou actos de caridade. Isso serve para avaliar religiões específicas, em contextos sociais e culturais específicos, mas não para avaliar a religião em geral. Como isto motivou críticas de ambos os lados, quer do João Vasco quer do Alfredo Dinis, penso que merece mais umas linhas.
O Alfredo Dinis escreveu-me que «Dificilmente encontrarás alguma religião que não tenha como ponto fundamental a qualidade da relação com os outros» (1) e o João Vasco que «a religião influencia as acções das pessoas. [...N]a medida em que as influenciar, isso é relevante para aferir se a religião é perniciosa ou benéfica. Tentar compreender a influência da religião "na prática" é o mais importante para responder a essa questão.»(2) O defeito destas objecções é que ambas se afastam do conceito genérico de religião e se aplicam apenas a casos particulares. Não é impossível encontrar religiões que não tenham «como ponto fundamental a qualidade da relação com os outros.» O budismo, por exemplo, visa libertar-nos do ciclo ilusório de sofrimento e reencarnação perdendo o apego às coisas, às pessoas e ao próprio eu. Só pelo desapego total se chega ao nirvana. A relação com os outros, tal como a crença no Espírito Santo ou na reencarnação, ou a interpretação literal do antigo testamento, podem ser fundamentais numa religião em particular mas não servem para distinguir entre o que é religião e o que não é religião. Também a influência de cada religião, na prática, envolve muito mais factores do que aquilo que define a categoria de religião. Factores económicos, sociais, culturais e assim por diante. Portanto, ainda que os aspectos que o Alfredo Dinis e o João Vasco apontam sejam relevantes para avaliar certas religiões em certos contextos específicos, não servem para decidir se a religião em si é coisa boa ou má. Ou seja, dirão que é boa por ser caridade ou má por rebentar bombas mas ficam sem dizer se, tudo o resto sendo constante, fica melhor ou pior por ser religião.
O que proponho é que, mesmo sem especificar os dogmas em detalhe e sem saber se uma certa religião vai dar em atentados ou caridade, podemos ainda assim formar um juízo de valor acerca da religião em si avaliando as características essenciais para que seja religião. Primeiro, a crença em algo sobrenatural, que distingue religião de ideologia política ou outros sistemas filosóficos. Em segundo lugar, a confiança numa suposta autoridade cuja fiabilidade não pode ser verificada. Essa fé é essencial para haver coesão de crenças que não podem ser validadas de forma independente. Finalmente, a atribuição de um valor moral a essas crenças, necessária para promover uma superstição corriqueira ao estatuto de religião. Se a crença é assumida como meramente opcional, desprovida de qualquer mérito ou virtude, não será uma religião.
São estas características que me levam a dizer que a religião é má, independentemente de outros efeitos que possa ter. A correlação com o terrorismo indica que certas religiões, em certas condições sociais, culturais e económicas, contribuem para que certas pessoas façam coisas más. Mas isso é nesses casos. Avaliar a religião, em geral, pelo terrorismo é como avaliar o etanol pelo perigo de conduzir bêbado. O problema é conduzir bêbado e não a molécula em si. Além disso, o terrorismo é mau por ser terrorismo, seja religioso ou não, e não é por medo de me suicidar com uma bomba que rejeito a religião. Por outro lado, as coisas boas que atribuem à religião não precisam de religião. Com vacinas, democracia, justiça, educação, segurança social e afins, a sociedade moderna ajuda muito mais gente, e muito melhor, do que todas as religiões conseguiram ajudar durante milénios. Não é preciso acreditar no sobrenatural ou nos padres para fazer o bem. Como a relação entre a religião e o comportamento de cada um é tão sensível a tantos outros factores temos de separar estas duas questões. Uma é o valor de uma religião específica num certo contexto social e cultural. Por exemplo, o fundamentalismo islâmico no médio oriente ou o catolicismo medieval. A outra é decidir se, sendo tudo o resto constante, a religião em si é uma coisa boa, má ou neutra. Numa sociedade secularizada como a nossa parece-me que esta questão pode ser tão ou mais importante do que a primeira.
Neste sentido, eu considero que a religião é uma coisa má porque é má ideia acreditar em coisas para as quais não há evidências, aceitar como autoridade fontes cuja fiabilidade não pode ser confirmada e julgar que há virtude em acreditar por fé. O Alfredo acusou-me de preferir «acentuar o aspecto dogmático, mas as diversas religiões têm dogmas diferentes». É precisamente isso que digo. Eu não considero a religião, enquanto categoria, uma coisa má por ter este ou aquele dogma específico. Considero-a má pela forma como desencanta os dogmas, quaisquer que sejam. Também é falsa a acusação de que «Não poderás nunca reconhecer que alguma religião tem algo de inerentemente positivo». Eu reconheço que, por exemplo, “não matarás” é uma prescrição muito positiva. Mas o que defendo é que, para essas coisas, não é preciso religião nenhuma. É o velho problema que já vem de Platão: se reconhecemos que uma religião tem aspectos positivos, então é porque conseguimos reconhecê-los como positivos sem precisar da religião, independentemente desta. Caso contrário o raciocínio seria circular. O problema da religião é que não há nada de positivo na religião que precise da religião para ser positivo e a forma religiosa de lá chegar é em si negativa. Quanto ao João Vasco, a nossa divergência parece dever-se principalmente à aplicação do consequencialismo. O consequencialismo é uma boa forma de avaliar regras morais, mas não serve para avaliar tudo. Só que isso tem de ficar para outro post. Para este adianto apenas que, aqui em Portugal e neste momento, penso que o principal defeito da religião está nos seus princípios fundamentais e não na possibilidade dos religiosos desatarem a matar gente ou coisa assim.
* Há quem acrescente coisas como rituais e tradições, mas isso não é importante para esta discussão nem me parece essencial.
1- Comentário em Os equívocos fazem mal.
2- Comentário em A incongruência faz mal.
«Para este adianto apenas que, aqui em Portugal e neste momento, penso que o principal defeito da religião está nos seus princípios fundamentais e não na possibilidade dos religiosos desatarem a matar gente ou coisa assim. »
ResponderEliminarCertamente não está na na "possibilidade dos religiosos desatarem a matar gente ou coisa assim."
Mas isso não adianta nada para nossa discussão que, como dizes, está por fazer.
Em bom alemão escreve-se:Para a nossa discussão
EliminarSalvoseja: Para a vossa...por amor de Zeus...a teua a teus não a meus
não está na na? nana mouskouri? nana bébé (só leva um acento no assento)
em simplex:THE ENEMY AMONG US - THE B-LOG MAGISTER DE VELHARIas...
o b-log esse clube de sueca jogado sem cartas e com as mãos fora da mesa
que treta meu quem foi o gaijo quinventou o b-log
adevia ser crucificado
até numa parede cagente né exigente
ou diz-se easy gente?
"Primeiro, a crença em algo sobrenatural, que distingue religião de ideologia política ou outros sistemas filosóficos. Em segundo lugar, a confiança numa suposta autoridade cuja fiabilidade não pode ser verificada. Essa fé é essencial para haver coesão de crenças que não podem ser validadas de forma independente. Finalmente, a atribuição de um valor moral a essas crenças, necessária para promover uma superstição corriqueira ao estatuto de religião"
ResponderEliminarIsto não define religião. Crença em algo sobrenatural é demasiado vago. Autoridade infalível pode não existir e continuarmos em religião. Valor moral estás tu a atribuir às tuas crenças ao dizer que a religião é má, Ludwig. Treta completa.
a relegio tem defecto?
ResponderEliminarde facto?
só por estar cheia de garotos né...
a fé de Krip All is i mensa em suaves mensalidades
por falar "escrever# in mensa Cê já fez a mensa aos putos?
mensa agora que o QI vai descer abissalmente com a krippalização
«Primeiro, a crença em algo sobrenatural ... »
ResponderEliminarSr. Ludwig Krippahl :
Não se podia ser mais vago. Vejamos, concretamente, um aspecto do Deus teísta : uma entidade independente do domínio U "universo" (ou "multiversos")que é a razão suficiente da existência de U.
(É este o significado filosófico preciso da noção teológica de "Criação".)
Presumo que negará a existência de tal entidade. Pois bem, supunhamos que essa existência é necessariamente impossível. Ainda assim, seria concebível, adento daquele domínio, alguma entidade (singular ou colectiva) de um mundo possível, causalmente produzir um outro mundo possível a que chamamos "o nosso actual" (ou pelo menos alguns entes pertencentes a este mundo). Neste caso, tal entidade poderia ser pensada "sobrenatural" relativamente ao nosso mundo actual, mas não relativamente ao domínio U. Isto é, não seria sobrenatural da mesma maneira (própria) em que o Deus teíta é (enquanto "Criador"). E se, além de ser causalmente eficaz, fosse comunicativa podia revelar-se de tal modo que desse origem no nosso mundo actual, entre os humanos, a alguma "religião". Pode o Sr. Ludwig Krippahl ser um naturalista tão epistemicamente omnisciente de modo a garantir que tal também não é o caso ?
De resto, como sabe, podemos ter religiões ateológicas ( o budismo primitivo ou o animismo seriam exemplos), tanto quanto podemos ter entidades "divinas" não religiosas ( o Logos heraclitino, a "Substância" espinosiana, o "Espírito Absoluto, hegeliano", por exemplos). De maneira que, se os conceitos de "Deus" e "religião não são (como de facto) logicamente e existencialmente equivalentes, poderíamos concluir que o sr. Krippahl deve estar obviamente preocupado com a "religião", que é inegável, mas não com "Deus", que, por hipótese, necessariamente não existiria ? Não, porque, como se viu, o sr. Krippahl (nem presumivelmente alguém humano) não pode garantir a não existência das tais entidades "sobrenaturais". Pode apenas concluir-se que há particulares humanos epistemicamente cegos para a "evidência" de tais entidades, e outros que não são. ( Sem que issso afecte a questão da existência real, contingente ou não contingente, de tais entidades. ) Mas este resultado trivial ( a disparidade epistémica e experiencial ) não deixa de ser, em si mesmo, interessante, em especial se lido à luz duma interpretação estritamente darwiniana do evolucionismo naturalista. Infelizmente, julgo que a lição de tal leitura será muito desfavorável à posição do sr. Kripphal... (Mas isto é outra conversa.)
Para já, seria interessante vermos se este sr. é capaz de encontrar algum argumento válido, sólido e convincente para a não existência de ao menos um daqueles dois tipos de entidades sobrenaturais. Quanto a mim, peço-lhe apenas confiança no princípio de razão suficiente (isto é,elementarmente, na razão humana), para lhe dar um argumento válido e sólido para o contrário (e também para a razão, ou razões, por que tal argumento NÃO pode ser estritamente convincente).
"Vejamos, concretamente, um aspecto do Deus teísta : uma entidade independente do domínio U "universo" (ou "multiversos")que é a razão suficiente da existência de U."
EliminarPorque é que a razão da existência do Universo é a existência de uma entidade independente do domínio U? Isto é alguma variação do Argumento Cosmológico Kalam?
excelente comentário o do sr Duarte Meira
Eliminaro nome diz-me alguma coisa
o sr. Duarte Meira não foi por acaso há muitos anos assistente do Prof. Martim de Albuquerque (em história das instituições, salvo erro)?
se foi, envio-lhe daqui um grande abraço de um seu ex-aluno
Duarte Meira,
ResponderEliminar«Neste caso, tal entidade poderia ser pensada "sobrenatural" relativamente ao nosso mundo actual, mas não relativamente ao domínio U.»
A categoria de “sobrenatural” parece ser ontológica mas, na prática, é apenas uma categoria dos critérios de aceitação das crenças. Se eu disser que existem dinossauros na Amazónia, ninguém vai aceitar isto como verdade apenas porque «não pode garantir a não existência das tais entidades». Seria um disparate aceitar assim qualquer hipótese, e todos facilmente o reconhecem.
Por isso invoca-se essa categoria do “sobrenatural”, que não é nada de consistente com a forma como organizamos o que existe mas simplesmente uma desculpa. Quando se fala de algo “sobrenatural” quer-se dizer que a fasquia para aceitar a crença é mais baixa a já basta o tal «não pode garantir a não existência das tais entidades».
Isto é uma característica definidora das religiões. Cada religião tem um conjunto de alegações que, por se dizerem sobrenaturais, assumem ter um critério de aceitação mais permissivo do que equivalentes alegações aplicadas a qualquer outra entidade que se dissesse natural. Isto é, no fundo, apenas um truque de retórica. Não se deve tentar retirar daqui qualquer significado ontológico.
«se os conceitos de "Deus" e "religião não são (como de facto) logicamente e existencialmente equivalentes, poderíamos concluir que o sr. Krippahl deve estar obviamente preocupado com a "religião", que é inegável, mas não com "Deus"»
Exacto. Tal como com a astrologia, os videntes, a bruxaria e os ovnis. Acho muito mais produtivo preocuparmo-nos com essas crenças do que com as tais entidades e forças que dizem existir e que são quase certamente fictícias, mesmo que não possa «garantir a não existência das tais entidades».
«Pode apenas concluir-se que há particulares humanos epistemicamente cegos para a "evidência" de tais entidades, e outros que não são.»
Não. Posso concluir bastante mais. Se todos os que acreditam em deuses me dessem evidências da existência desses deuses em particular – independente da crença que adoptaram e que permitisse distinguir esses deuses de quaisquer outros – então poderia ser esse o caso. Mas como o que acontece é que se limitam a dizer que há evidência – ou até “evidência” entre aspas para nem sequer se perceber o que querem dizer – parece-me justificado concluir que estão é a pregar uma treta. Quem tem evidências apresenta-as. Não se limita a dizer que os outros são cegos e que não podem provar o contrário.
Qual é o deus que o Duarte propõe que existe e que evidências tem para a existência desse deus em particular?
«Para já, seria interessante vermos se este sr. é capaz de encontrar algum argumento válido, sólido e convincente para a não existência de ao menos um daqueles dois tipos de entidades sobrenaturais.»
Primeiro, o que é sobrenatural não é a entidade em si. É apenas um rótulo para uma forma pouco fiável de avaliar hipóteses. E, em segundo lugar, quando somos minimamente criteriosos na adopção de crenças acerca do que existe, não exigimos “argumento válido, sólido e convincente para a não existência”. O que exigimos é evidências de que exista e que não seja algo meramente fictício. É o critério que se aplica aos Klingons, ao Homem Aranha, a Odin e à carochinha. Aplica-se igualmente à «entidade independente do domínio U "universo" (ou "multiversos")que é a razão suficiente da existência de U».
Finalmente, «entidade independente do domínio U "universo" (ou "multiversos")que é a razão suficiente da existência de U» não é necessariamente um deus. Para ser deus precisa também de ser pessoa. Como é que sabem que é pessoa? Que tem vontade, preferências, inteligência, planos, memória, percepção, etc? Se for uma mera flutuação quântica aleatória, por exemplo, não é deus nenhum...
Para dizer que a religião leva as pessoas a fazer coisas más, o Ludwig precisa de um padrão objectivo de bem e de mal, que se aplique a todas as pessoas e que permita avaliar as suas condutas.
ResponderEliminarMas esse padrão objectivo e universalmente válido de moralidade e de bem só pode ser deduzido logicamente da existência de um Deus bom, justo e omnipresente, de cuja natureza resultam valores morais universalmente vinculativos.
Ele não pode ser deduzido logicamente de milhões de anos de processos aleatórios.
Tudo isto cria problemas insolúveis ao Ludwig, que ele ignora sem tentar resolver.
Vejamos:
1) O Ludwig é naturalista, acreditando que o mundo físico é tudo o que existe. Sendo assim ele tem um problema, porque valores e normas morais não existem no mundo físico.
2) O Ludwig diz que a observação científica é o único critério válido de conhecimento. Ora, nunca ninguém observou valores e normas morais no campo ou em laboratório.
3) O Ludwig diz que a moral é subjectiva. Ora, se são os sujeitos que criam valores e normas, eles não estão realmente vinculados por eles, podendo cada um criar valores e normas a seu gosto, o que nega a existência de normas morais.
4) Se a moral é subjectiva, como o Ludwig diz, dificilmente se poderá justificar qualquer pretensão de conferir validade universal às suas pretensas normas.
5) O Ludwig está sempre a dizer aos outros que não devem dizer aos outros o que devem ou não devem fazer. Ou seja, ele faz exactamente o que diz que os outros não devem fazer.
6) De milhões de anos de processos aleatórios de crueldade, dor, sofrimento e morte não se deduz logicamente qualquer valor intrínseco do ser humano nem qualquer dever moral de fazer isto ou aquilo.
Conclusão: sempre que fala em valores e normas morais o Ludwig é irracional e arbitrário.
P.S.
É claro que muitos ateus têm valores! Também eles foram criados à imagem de um Deus moral e muitos vivem com dignidade e liberdade numa civilização judaico-cristã.
O problema é que os ateus não conseguem justificar logicamente esses valores a partir da visão do mundo naturalista e evolucionista a que aderem pela fé.
Como diz a Bíblia (Romanos 1, 21ª e 22), “tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças…” “…dizendo-se sábios, tornaram-se loucos”.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarComo evolucionistas e criacionistas interpretam a mesma evidência.
ResponderEliminarUm estudo recente mostra que, apesar das suas diferenças anatómicas, algumas aves têm células homólogas, (i.e., idênticas) às que se encontram no neocortex cerebral, único nos seres humanos e nos mamíferos
1) Os evolucionistas ficam surpreendidos por encontrar estruturas celulares homólogas em seres vivos anatómica e fisiologicamente muito diferentes, procurando modelos de evolução convergente que expliquem essa realidade.
2) Os criacionistas entendem essa evidência como corroborando um Criador racional comum, que, tendo criado todos os seres vivos na mesma semana para viverem no mesmo ambiente, usou para esse efeito a "mesma lógica" (homo-logos). Daí a presença de estruturas homólogas.
A mesma evidência, interpretações diferentes.
Como evolucionistas e criacionistas interpretam a mesma evidência.
ResponderEliminarNotícias recentes dão conta de evidência arqueológica de que Neandertais e demais seres humanos coexistiram e reproduziram-se entre si
1) Os evolucionistas têm vindo sucessivamente a recuar nas suas posições, visto que a evidência mostra que os Neandertais, longe de serem antepassados dos seres humanos, tocavam música, tinham medicina e nutrição, enterravam cerimonialmente os mortos, etc.
2) Os criacionistas consideram que os Neandertais eram simplesmente seres humanos, descendentes de Adão e Eva, totalmente dentro da grande variabilidade genética do género humano, por isso capazes de cruzamento reprodutivo.
A mesma evidência, interpretações diferentes.
Caro Ludwig,
ResponderEliminarQuando há algum tempo atrás disse que os teus posts sobre religião tinham um erro fundamental, referia-me ao que se vê aqui: começas pela conclusão e encontras premissas das quais essa conclusão possa sair. Este teu post é um bom exemplo disso - mais um bom exemplo. Tu defines o que é uma religião. O amor ao próximo não faz parte do núcleo das religiões, em tua opinião. Mas se não partes das premissas dos próprios religiosos, mas das tuas, podes sempre 'provar' o que quiseres. Mas não beliscas as convicções dos religiosos sobre os que é a sua religião. Espero que não me peças que adopte a tua opinião pessoal sobre o que é a religião. Podes provar à vontade tudo o que quiseres. As tuas provas ficam contigo. Só contigo.
Caro Alfredo Dinis,
ResponderEliminarÉ razoável contestar a definição do Ludwig de religião, mas parece-me excessivo usar o facto dele ter proposto uma definição com a qual discorda para alegar que ele argumenta de forma pouco séria, começando pela "conclusão".
Mais a mais, para propor uma definição alternativa quiçá mais contestável. Claro que "amor ao próximo" não faz parte da definição abstracta do que é religião. E isto creio que grande parte dos crentes religiosos podem concordar: basta reconhecerem que em certas religiões o "amor ao próximo" não faz parte do "núcleo" nem nada que se pareça.
Uma definição mais "neutra" do que é religião está na wikipedia (em inglês) e já a propus na discussão anterior: «Religion is a collection of belief systems, cultural systems, and worldviews that relate humanity to spirituality».
Alfredo,
ResponderEliminar«O amor ao próximo não faz parte do núcleo das religiões, em tua opinião. Mas se não partes das premissas dos próprios religiosos, mas das tuas, podes sempre 'provar' o que quiseres.»
O amor ao próximo faz parte do núcleo das tuas religiões. Mas eu parto das premissas de todos os religiosos, não só das tuas. Por isso, a minha definição de religião tem de incluir religiões como as dos vikings que saqueavam as ilhas britânicas, dos astecas que arrancavam os corações aos prisioneiros, dos católicos da inquisição, dos protestantes que queimavam bruxas em Salem. Se considerares tudo o que se enquadra na categoria de religião, só um sub-conjunto pequeno diz alguma coisa sobre “amor ao próximo” e, mesmo nesse sub-conjunto, o significado de “amor” e de “próximo” podem ser muito diferentes do que nós julgamos hoje.
Se quiseres propor uma definição diferente da minha, terei todo o gosto em considerá-la. Mas não pode ser apenas a definição da tua religião. Tem de ser uma definição que abarque todas as religiões, porque é de religião em geral que estou a falar e não apenas da tua em particular.
Seja como for, o meu argumento é de que a religião é má porque implica acreditar em alegações sobrenaturais sem fundamento, aceitar por fé uma autoridade cuja fiabilidade não se pode confirmar e, ainda por cima, considerar que essa maneira de formar crenças é uma virtude. Para amar o próximo não é preciso fazer isto, e qualquer religião que inclua amar o próximo pode ser melhorada mantendo esse amor ao próximo mas deitando fora o que a torna religião (a crença no sobrenatural, a fé nessas autoridades e esse o juízo de valor acerca da adopção de crenças sem fundamento). A tua religião é uma dessas. Se deitares fora todo o dogma acerca da criação do universo, da divindade de Jesus, da vida depois da morte, infalibilidade do Papa, origem divina da Bíblia e afins e ficares só com as coisas boas, como a caridade e o amor, ficarias com algo muito melhor do que essa religião. Deixaria é de ser uma religião, mas esse é precisamente o meu ponto :)
João Vasco.
ResponderEliminar«Uma definição mais "neutra" do que é religião está na wikipedia (em inglês) e já a propus na discussão anterior: «Religion is a collection of belief systems, cultural systems, and worldviews that relate humanity to spirituality».
Pode ser. Mas dá no mesmo. “Espiritualidade”, neste contexto, tem de referir a algo sobrenatural. Não pode ser meramente psicológico, a menos que queiras incluir as claques de futebol na categoria de religiões (têm sistemas de crença, visões do mundo e culturas próprias).
Se referir algo de sobrenatural, vais dar à minha definição. Primeiro, tens o problema de se ter uma “collection of beliefs” sem fundamento. Depois, precisas de uma autoridade que garanta que todos os religiosos tenham essa “collection of beliefs”, e essa autoridade tem de ser necessariamente uma falsa autoridade porque são crenças sem fundamento. Finalmente, precisas de uma “worldview” que te diga que, para essas crenças sem fundamento (ao contrário do que se passa com todas as outras crenças sem fundamento) é uma virtude aceitá-las sem exigir evidências.
Estes são os três problemas que considero inevitavelmente associados a qualquer religião em virtude de ser religião. São três coisas más que não são necessárias para nada de bom.
Ludwig,
ResponderEliminarDá a algo muito semelhante. É o mesmo, quando concordamos que o "sobrenatural" é «uma “collection of beliefs” sem fundamento», que concordamos - mas como essa concordância não está garantida a priori, existe uma pequena diferença.
A parte da autoridade fica mais tremida (ver parte seguinte), mas no geral concordo.
Quanto à "worldview" que considera uma virtude não exigir evidências para essas crenças, isso não decorre da definição, é algo que acontece a posteriori. É natural que aconteça, porque uma religião que assim não funcionasse teria mais dificuldade em expandir-se. Mas não decorre da definição.
Enfim, mas os nossos problemas não são com a definição. É que eu acredito que faz sentido considerar que esse terceiro aspecto pode ser apontado como uma consequência negativa da religião, apesar de não decorrer necessariamente da sua definição. Empiricamente verifica-se que geralmente está associado À religião. E - este é um ponto fundamental - há consequências negativas que decorrem de considerar uma virtude aceitar crenças sem exigir evidências. Principalmente no que diz respeito às dinâmicas de poder, à liberdade, mas também no que diz respeito à procura da Verdade (que tem outras consequências relevantes por si).
Portanto, podemos sim avaliar a religião por aquilo que ela é "na prática". Como tu acabaste de fazer quando disseste que a religião considera virtuoso aceitar crenças sem exigir evidências. Para veres como isso não decorre da definição, basta imaginares como a religião não desapareceria se existissem boas evidências da existência de Deuses, e como nesse caso não se consideraria virtuosa a atitude que descreves. Isso não é algo inerente à religião, mas uma adaptação das ideias religiosas a um mundo onde não existem boas evidências do sobrenatural.
E se aceitas isso, podes também aceitar uma série de outras características que a religião tem "na prática".
A religião é perniciosa? Para responder a isso temos de pensar assim: se a crença religiosa tendesse a diminuir mais rápido, o mundo ficaria pior ou melhor?
Que crença religiosa? A que existe, em toda a sua diversidade, com as suas diferenças.
Confirma-se. Para justificar a sua opinião sobre o valor que aquilo que pensa que a religião é possa ter, o Ludwig inventa uma definição de religião à medida das suas convicções. Só que essa definição é errada. Alegações acerca do sobrenatural sem fundamento, o neoateísmo faz; atribuição de autoridade aos seus gurus, maior do a que se observa em muitos grupos religiosos, também; e, hoje em dia, é difícil encontrar alguém mais convencido que a sua crença vai salvar a humanidade do que o neoateísta. Tudo balelas: a atitude religiosa pode ter consequências interessantes e consequências desinteressante para a humanidade, como a língua portuguesa, a matemática ou a arte. No neoateísmo, para já, só se encontra uma virtude: fazer aumentar a curiosidade acerca do mundo e do que nele se pode esperar a quem, divertidamente, aquele observa.
ResponderEliminarPor exemplo. Hoje à tarde, nós nuca iriamos escutar a Prof. Bello http://gtedithstein.blogspot.com.br/2012/08/jornada-edith-stein-na-unifesp.html
Eliminarse não tivessemos encontrado há algum tempo as patacoadas encorajadoras que se escrevem neste blog.
A CRIAÇÃO EM SEIS DIAS: BOA CIÊNCIA E BOA TEOLOGIA!
ResponderEliminarA criação em seis dias, com os seus elementos de racionalidade, processo e instantaneidade da vida é única explicação plausível das origens, fazendo todo o sentido do ponto de vista científico e teológico.
Do ponto de vista científico, importa ter presente que a vida depende da informação codificada no DNA (em sequências de nucleótidos), que existe em quantidade, qualidade, complexidade e densidade (esta última estimada, antes do ENCODE, em 1.88 x 10^21 bits/cm3) que transcende toda a capacidade tecnológica humana.
Depois de precisa e sincronizadamente transcrita, traduzida, lida, executada e copiada essa informação conduz à produção, sobrevivência, adaptação e reprodução de múltiplos seres vivos altamente complexos, integrados e funcionais.
Acresce que a informação codificada no DNA requer a existência de maquinismos de descodificação, o ribossoma, sendo que as instruções para construir ribossomas se encontram codificadas no DNA. Além disso, a descodificação requer energia a partir de ATP (adenosina trifosfato), construída por motores ATP-sintase, construídos a partir de instruções codificadas no DNA.
Logo, para ser viável desde o início, a vida só pode ter tido uma origem inteligente e instantânea, assim se explicando porque é que não se conhece qualquer explicação naturalista para a sua origem.
Do ponto de vista teológico, a criação em seis dias, tal como relatada em Génesis, faz todo o sentido porque só uma criação desse tipo é que poderia ser consistente com um Deus racional e omnipotente, que não deixa nada ao acaso.
Na verdade, o próprio ateu militante Richard Dawkins reconhece que seria irracional, da parte de Deus, e certamente um sinal de fraqueza, demorar milhares de milhões de anos a criar o homem.
Nas suas palavras,
“If God wanted to create life and create humans, it would be slightly odd that he should choose the extraordinarily roundabout way of waiting for 10 billion years before life got started and then waiting for another 4 billion years until you got human beings capable of worshipping and sinning and all the other things religious people are interested in.”
Ora nem mais!
E os males da ciência?
ResponderEliminarBombas atómicas, armas químicas e bactereológicas, sobre-exploração dos recursos naturais, poluição maciça da terra, do mar e do ar, chuvas ácidas, proliferação de lixo espacial na atmosfera, alterações climáticas, desastres em centrais nucleares, experimentação eugénica, etc., etc., etc.
Vamos lá a ser mais humilde e a ter mais juizinho...
P.S. A Bíblia ensina que o mal está no pecado que corrompe o coração de todos os seres humanos, religiosos ou não.
Um artigo interessante sobre o modo como os cientistas usam o cérebro das abelhas para estudar a inteligência artificial, acabando por concluir que, na sua "simplicidade", ele é mais complexo do que eles pensam...
ResponderEliminarDizem eles:
"So far, researchers have typically studied brains such as those of rats, monkeys, and humans, but actually 'simpler' organisms such as social insects have surprisingly advanced cognitive abilities."
Claro! Como poderia ser de outro modo?
Para os criacionistas não existe nada de surpreendente na extrema complexidade e miniaturização do cérebro das abelhas, que constitui evidência clara de um Deus omnisciente(abarcando quantidades extremas de informação), e omnipotente (com capacidade para a sua codificação, programação e miniaturização).
Do mesmo modo, não é também de admirar a existência de homologias entre o cérebro das abelhas e o dos seres humanos a despeito das radicais diferenças anatómicas e fisiológicas entre eles.
Afinal, eles têm um único Criador racional, que usa frequentemente a mesma lógica (homo-logos)na criação dos diferentes seres vivos.
Infelizmente, um dos males da ciência tem sido a poluição que contribui para o desaparecimento gradual das abelhas...
religião ou outro sistema de colectivização mental como o jão basquisme ou o kripalhisme resultam de con pulsões entre indivíduos que se juntam para que algo lhes sobreviva...dá tanto em pirâmides como em atheismos e parvoismos
ResponderEliminarsão perspectivas...
Há tretas que me (egomaniaco ...a mim e não a noz a noz e não a eles avelãs incomodam. É aqui que Ego dez a bafo de onça.
Não é tanto o que faz (pressupõe um conjunto de memes como actuante ou seja actor....que produz acções e reacções noutros actores e materiais), mas o que é....pois aqui já é mai dificíl
pressupõe uma existência cogito ergo sumo de laranja
existo ergo sou...é é
Há dias defendi (o ego defendeu atacando) que a religião, enquanto categoria genérica....as outras categorias são? específicas? de marca? , não deve ser avaliada por aspectos circunstanciais como atentados bombistas ou actos de caridade....ou castração dos fiéis ou suicídio colectivo
pois isso também dá em atheus
O Alfredo Dinis escreveu-me vá lá ao menos não lhe disse que
Isso serve para avaliar religiões específicas, em contextos sociais e culturais específicos, mas não para avaliar a religião em geral....que decorre fora de contextos sociais e culturaes e já agora etnicos que algumas religiões são exclusivas da gens não há convertides mas adiante
Religion product contain both God substance (commonly referred to as active particle ingredient or God APIS) and social context.
The resultant biological, chemical and physical properties of the religion are directly affected by the social and temporal media chosen, their concentration and interactions with the cultural media, are not exclusive of general religions?
Religions are sub-divided into various functional classifications, depending on the role that they are intended to play in the resultant cultural and social krippahlian society?
Well in addition, individual religion or specific religion can have very very very different grades, types and sources depending on those different cultural und social functional roles....
The enemy among us ...the krippahhl...von deus tsch land
Ludwig,
ResponderEliminar«Seja como for, o meu argumento é de que a religião é má porque implica acreditar em alegações sobrenaturais sem fundamento»
O que afirmas é válido para a tua religião, como já tenho referido, mas falso para a religião católica. Na verdade, a religião católica, como sabes, fundamenta-se em mais do que alegações sobrenaturais e, quanto a estas, dizes que não têm fundamento por quê?
«aceitar por fé uma autoridade cuja fiabilidade não se pode confirmar»
Discordo. Não é por fé que se aceita a autoridade religiosa de uma religião que não se assume como outra coisa. A tua religião, que se assume como ciência (mas é ciência por haver)funciona assim. E, quanto à fiabilidade se poder confirmar, a questão não é poder-se confirmar, a questão é confirmar-se e, quanto a isto, se não se confirma, não se confirma e pronto. Aborrece-te que assim seja? Estás como aquele "inteligente" e "sapiente" Borges que trata por ignorantes e incapazes todos os (empresários portugueses) que pensam diferente dele?
«considerar que essa maneira de formar crenças é uma virtude.»
Formar crenças? Virtude de formar crenças? Essa maneira? Importas-te de explicar como se eu fosse um daqueles empresários que não pensa como o Borges?
«A tua religião é uma dessas. Se deitares fora todo o dogma acerca da criação do universo, da divindade de Jesus, da vida depois da morte, infalibilidade do Papa, origem divina da Bíblia e afins e ficares só com as coisas boas, como a caridade e o amor, ficarias com algo muito melhor do que essa religião. Deixaria é de ser uma religião, mas esse é precisamente o meu ponto :)»
É a isto que eu chamo "pensamento crítico à maneira". Nem é preciso mais nada. Ficamos com o melhor (o melhor, hã?) e deitamos fora o pior. Nem que isso seja a árvore e o fruto. Quem brilha assim, nem precisa de sombra.
Sr. Ludwig Kripphal:
ResponderEliminarCom sua licença, permita-me uma palavra inicial endereçada ao comentador Faroleiro, que citou aqui o Professor Martim de Albuquerque. Tenho grande admiração pela personalide cívica e pelo trabalho intelectual do doutíssimo Professor; mas nunca tive a honra de o conhecer pessoalmente e de o assistir em qualquer trabalho universitário. A única ligação é que o meu nome de família aparece em um dos brasões da sala de Sintra , e o Professor Albuquerque escreveu um ensaio sobre as pinturas dessa sala.
Agora nós, sr. Ludwig.
«O que exigimos é evidências de que existe, e não é algo meramente fictício.» Precisamente. E aqui me tem ao dispor para lhe apresentar tais “evidências”, já que, da sua parte não apresentou nenhuma em sentido contrário, como era de esperar: não conheço nemhum argumento de impossibilidadae para a (não) existência de Deus, embora conheça vários relativamente a certos atributos teístas do ser divino. Aspei uma vez mais o termo “evidências”, porque ele tem um significado cartesiano (e neo-cartesiano, na “fenomonologia”); e tem outro na linguagem ocorrente hoje em muitos falantes portugueses, mais influenciados pelo anglónimo “evidence”. Não pretendo para o meu argumento uma certeza cartesiana, isenta de qualquer dúvida razoável. Como terá reparado, falei-lhe de um segundo argumento, que poderei também apresentar-lhe, mostrando que qualquer argumento dedutivo cartesiano ( a fortiori um não dedutivo), a favor da existência de Deus, não pode ser NUNCA condição suficiente para acreditar, por maior que seja a sua força lógica e epistemológica: isto é, como disse, nunca pode ser inteiramente convincente.
Não pretendo mais do que isto : mostrar, no velho sentido em que já Heraclito e Parménides falavam de “semata”, sinais indicativos de um sentido favorável a uma certa conclusão racional; portanto, no sentido anglófono das “evidences” como sinais-testemunhos mais ou menos fortemente abonatórios para a conversão de uma hipótese em um facto (e.g. o facto jurídico da inocência ou culpabilidade de um réu.)
Para tal, preciso que me conceda aqui algum tempo, espaço e paciência. Mas o assunto vale a pena, não lhe parece?
E preciso de mais, antes do mais. – O argumento apela ao princípio de razão suficiente, num sentido a definir; e, sobretudo, apela à clarificação da diferença entre razão suficiente e causalidade eficiente. Estabelecido isto, e com base na definição apresentada de “entidade sobrenatural” (no sentido próprio, já referido supra ), utilizarei uma argumento a priori muito simples para deduzir a existência actual da entidade definida; que tal entidade é numericamente uma ,e é única; e que é apropriadamente nomeável com o nome “Deus”.
Diz o sr. Ludwig que « para ser deus precisa também de ser pessoa». Sim , no caso do teísmo hebraico-cristão e muçulmano. Infelizmente, neste ponto, confesso não dispor de um argumento com a mesma simpliciadde e a mesma força lógica; e, sobretudo, restrito apenas aos princípios e meios da razão natural. (E menos ainda no caso do Teísmo cristão, que tem a espantosa singularidade de falar em Três Pessoas. Inconcebível?... Lembra-me sempre que tivemos entre nós por cá uma extraordinária Pessoa criadora, que era capaz de ser várias pessoas – três hetrónimas principais -, sem patologias associadas de dissociação ou fragmentação da personalidade...) Todavia, procedamos com calma, cada coisa na sua vez.
Falei-lhe ainda de um terceiro argumento. Podia chamar-lhe argumento darwinista a favor da crença na existência de uma dimensão sagrada ou divina, lato senso. É um argumento empírico, a posteriori, que procede por inferência indutiva previsiva. Não tem por isso a mesma força lógica dos outros, mas julgo que terá algum interesse para um naturalista evolucionista, como o sr. Ludwig deve ser. Aqui o terá neste mesmo sítio, como aperitivo, na próxima 6ª ou sábado à noite. Quanto aos outros, e ao mais, fico ao seu dispor e aguardando as disposições que quiser comunicar-me.
Caro Ludwig,
ResponderEliminarSe uma religião não encaixa na tua definição, seja ela a minha ou a de outro, é evidente que a tua argumentação cai por terra. Porque pretendes justificar a afirmação de que ‘a religião’, ‘todas as religiões sem excepção’ são más. Se excluis o Cristianismo, cai por terra a universalidade da tua afirmação. Terás que afirmar apenas que ‘algumas religiões são más’. E terias que justificar porque são más as que consideras más. Para isso terias que partir da definição dada de si mesma por cada uma das religiões, e não por aquilo que decides ser o núcleo de cada ou de todas as religiões.
Qualquer pessoa pode salvar outra em risco de morrer afogada numa praia, por exemplo, mas isso não significa que não existam nadadores-salvadores profissionais que se caracterizam justamente pela capacidade de salvar vidas de pessoas em risco nas praias. O facto de qualquer pessoa poder praticar a caridade não implica que esta prática não seja específica dos Cristãos.
Quanto ao Cristianismo, um crente pode acreditar em tudo o que referes como dogmas específicos, ter sérias dúvidas em relação a alguns ou a todos, acreditar em algumas coisas e em outras não. Todos sabem porém que perante Deus o que conta para avaliar a genuinidade da sua crença não é a quantidade de elementos em que acreditam ou a forma mais ou menos firme com que acreditam, mas o modo como vivem. Não adiantaria nada a alguém acreditar em todos os dogmas Cristãos que referes e em outros tantos que não referes, se não vivesse na prática o amor ao próximo, não poderia ser considerado um 'bom crente', muito menos um 'crente exemplar'. Como diz a Carta de. Paulo aos Coríntios: “Ainda que eu fale a língua dos anjos e dos homens, se não tiver caridade, sou como o bronze que ressoa ou como o címbalo que tine. Ainda que eu tenha o dom da profecia e conheça todos os mistérios e toda a ciência, ainda que possua a fé em plenitude, a ponto de transportar montanhas, se não tiver caridade, nada sou.” (1 Cor 13)
Saudações.
O Ludwig diz que não encontra nenhuma evidência de que Deus existe, embora não diga que tipo de evidência precisaria.
ResponderEliminarProvavelmente só acreditaria em Deus se Ele tivesse uma aplicação para o seu smartphone...
Por minha parte, entendo que a existência de códigos e de informação codificada é evidência, por excelência, da presença de inteligência.
A evidência observável mostra que a vida depende de códigos e informação genética e epigética codificada, em quantidade, qualidade, densidade e miniaturização que transcende toda a capacidade científica e tecnológica humana
Em meu entender, isso é evidência mais do que suficiente da existência de um Criador super-inteligente...
Se a isso acrescentarmos a fidedignidade amplamente comprovada da Bíblia, temos evidência mais do que suficiente.
A ciência desenvolveu-se no Ocidente judaico-cristão, fortemente influenciada por valores de verdade e integridade.
ResponderEliminarQue o digam as grandes Universidades como Oxford, Cambridge, Bolonha, Salamanca, Coimbra, Harvard, Princeton ou Yale, edificadas sobre esses valores cristãos.
À medida em que as Universidades se afastam desses valores a fraude académica e científica nas universidades tende a aumentar exponencialmente...
Os valores morais não se observam no campo nem se criam em laboratório. Eles integram um mundo espiritual e moral, de natureza imaterial, cuja existência e objectividade só a Bíblia consegue realmente explicar.
«Os valores morais não se observam no campo nem se criam em laboratório. Eles integram um mundo espiritual e moral, de natureza imaterial, cuja existência e objectividade só a Bíblia consegue realmente explicar.» Importa-se de detalhar? Fora da Bíblia não há valores morais?
EliminarEstimado Nan
EliminarA Bíblia, que afirma que Deus é amor, e diz que nós fomos criados à Sua imagem, explica porque é que nós temos capacidade de amar e (quando nos afastamos de Deus) temos capacidade de odiar...
Um ateu sente amor, porque também ele foi criado por Deus.
Mas o ateu não é capaz de explicar, com base em premissas ateístas, porque é que temos um dever moral de amar o próximo se somos o resultado de milhões de anos de crueldade predatória, dor, sofrimento e morte.
Pelo contrário, a Bíblia explica porque é que temos o dever moral de amar. Eis as razões.
1) Deus é amor.
2) Fomos criados à sua imagem para sermos conformes com Ele
3) O nosso próximo também foi criado à imagem de Deus, tendo dignidade intrínseca.
Alfredo Dinis,
ResponderEliminarQuero alertá-lo para a imprudência de fundamentar o amor na bíblia. Muitos de nós conhecem o amor para além da bíblia e há coisas que não batem certo...
bom se não batem certo
Eliminarpõe a bíblia em baixo e talvez acertes mais na pontaria
sOs valores morais não se observam no campo nem se criam em laboratório...comé queu tenho bugs morais nos browsers no windows e restantes
ResponderEliminarsuponho que seijam de geração ex-pontânea (o ponto é grego né?
já que 80% dos comments bão pró bingo do grande krippal jãbaskiste
O argumento do salva-vidas, alegado pelo comentador Alfredo Dinis ( 00:10 )tem implicações importantes. Eis duas:
ResponderEliminar- Não há nenhum meio empírico ou não empírico de discernir num comportamento dado (salvar uma vida, p.e.), se tal foi feito por dever profissional, interesse egoísta, filantropia, cristã caridade ou outro motivo intencional qualquer.
Pode ser necessário, para algum efeito moralmente relevante (avaliação do mérito e satisfação da justiça, p. e.) discernir –com infalível verdade – qual foi o motivo do agente. Mas, se não é humanamente possível esse discernimento, talvez seja divinamente possível. Logo, a existência de Deus é possível. Mas, se é apenas possível, não satisfaz necessariamente à avaliação do mérito e à justiça. Logo, se há satisfação do mérito e da justiça, a existência de Deus não pode ser apenas possível, mas (moralmente) necessária.
(Não contava, sr. Ludwig Kripphal, apresentar-lhe mais este argumento, na linha kantiana de que a imortalidade da alma e a existência de Deus são postulados RACIONAIS para a RAZÃO prática.)
Outra, que parece ter passado dasapercebida ao comentador Bruce (13:20):
- Cristãmente, se Deus é amor (1 João 4, 8), a Caridade divina pode ter peculiares relações – ou nenhuma – com o que os humanos chamamos “amor”.
Não entendo o seu argumento.
EliminarEstá a dizer que a única maneira de saber se a acção de determinado indivíduo é moralmente louvável ou reprovável é esperando que a entidade que o seu argumento trouxe para a existência diga se louva ou reprova.
Diz-me que eu não tenho como saber se o comportamento de alguém que vende a própria filha ou lhe atira pedras até que morra é bom ou mau até que essa mesma entidade diga se é bom ou mau. Que me diz o seu deus argumentado para a existência sobre o comportamento de alguém que vende a própria filha ou que lhe atira pedras até que morra?
Bruce, não entendi o seu alerta. Eu defendi o amor com base na Bíblia?
ResponderEliminarDuarte Meira
ResponderEliminarDiz bem. O ser humano pode não ter meios para discernir os comportamentos, mas Deus tem. A Bíblia diz que Deus conhece a totalidade do interior do coração do Homem.
Deus é amor. Ele criou-nos para o amor. Ele criou-nos de forma racional e amorosa, sem derramamento de uma só gota de sangue na semana da criação. Daí a incompatibilidade da criação com a suposta (e nunca vista!) evolução.
Deus pretende que todos os seres humanos sejam concebidos no amor e pelo amor de um homem e de uma mulher. Deus quer que as crianças sejam amadas pelos seus pais.
Ele ensina que marido e mulher se devem amar e respeitar, que os pais devem amar os filhos e que os filhos devem amar os pais.
Ele ensina que cada um de nós deve amar o próximo como a si mesmo e amar a Deus com todo o coração, inteligência e forças.
O amor de Deus pretende ser um exemplo para os seres humanos.
Por exemplo, a Bíblia ensina que os maridos devem amar as suas mulheres como Cristo amou a Igreja e deu a vida por ela.
Naturalmente que existe uma diferença fundamental entre o Amor de Deus e o amor que de que seres humanos decaídos e pecaminosos são capazes...
Uma notícia interessante sobre o modo como os evolucionistas, com a sua tentativa desenfreada de encontrar, a todo o custo, fósseis de antepassados evolutivos do ser humano vão ao ponto de qualificar um peixe como sendo um suposto primata e insistir no erro durante mais de 120 anos...
ResponderEliminarUm fóssil de molusco parece revelar que, contrariamente ao que se dizia, os moluscos sem concha evoluíram a partir dos moluscos com concha...
ResponderEliminarEmbora não concordem com as premissas uniformitaristas e evolucionistas usadas na datação do fóssil, os criacionistas notam que se trata aí de "evolução" dentro do mesmo género, do complexo para o mais simples, através de perda de informação, estruturas e funções...
Para os criacionistas isso confirma que os seres vivos se reproduzem de acordo com o seu género, mas que se vão degradando e corrompendo, como a Bíblia ensina...
Uma notícia interessante sobre o modo como dois buracos negros no tempo e lugar errados obrigam os cientistas a repensar o que pensavam que sabiam sobre o surgimento dos enxames de galáxias...
ResponderEliminar«Bruce, não entendi o seu alerta. Eu defendi o amor com base na Bíblia?»
ResponderEliminarAlfredo Dinis,
Eu diria que sim. É verdade que no seu comentário fala em caridade e é sobre caridade a sua citação da Bíblia mas eu, neste meu cândido optimismo de Leibniz, entendo que a caridade é uma forma de amor ao próximo. Falamos, portanto, de amor. Caso contrário teria que pensar que a caridade cristã não era mais do que um exercício imbecil e narcisista, válido apenas por ser redentor dos pecados individuais. Uma espécie de negócio com Deus. Não é esta caridade que o Alfredo DInis entrende como determinante no cristianismo, mas a primeira. Repito: amor ao próximo.
Gostaria apenas de deixar uma nota de esclarecimento, já que por vezes se colocam no mesmo saco maçãs e laranjas, mas depois como este artigo, na sua base, procura argumentar em torno das características «universais» de todas as religiões, essas contradições estragam o argumento :)
ResponderEliminarConcretamente é importante primeiro ter uma noção do que significam, na argumentação, cada uma das palavras empregues. Por exemplo, para o Ludwig, «espiritualidade» tem de ser definido como «[...] algo sobrenatural. Não pode ser meramente psicológico». A Wikipedia apresenta três definições alternativas, porque diferentes grupos empregam a mesma expressão de forma diferente. Por exemplo, o «meu» grupo (se é que tenho algum...) emprega a palavra «espiritual» no sentido de «análise empírica do funcionamento da mente», mente essa que nada tem de «sobrenatural» (excepto, claro, para quem siga uma filosofia dualista que afirme que a mente é sobrenatural, mas essa é outra conversa).
O segundo ponto tem a ver com níveis diferentes de expressões. Uma coisa são aquilo a que os anglo-saxónicos chamam lies-to-children: afirmações que não estão estritamente correctas e que não correspondem à essência de determinado tipo de sistema de pensamento, mas que ajudam, a quem não esteja familiarizado com a complexidade do sistema, a ter uma ideia geral do que se está a falar. Um exemplo típico: «A Lua gira em torno da Terra». Claro que do ponto de vista da física newtoniana sabemos que o que acontece é que a Lua e a Terra giram em torno de um centro de gravidade comum, que por acaso até está localizado dentro do volume do planeta Terra, pelo que a simplificação é suficiente para explicar à maioria das pessoas como funciona o sistema galilaico. Mas depois argumentar que «um cientista afirmou que a Lua gira em torno da Terra mas é PARVO porque não é isso que a ciência afirma!» é estar a discutir coisas a níveis diferentes, e, logo, chegar a conclusões diferentes. Outro exemplo típico de lies-to-children é a forma como se apresenta a composição do átomo nos liceus — há sucessivas explicações, cada vez mais complexas e bizarras, que ajudam os miúdos a compreender de forma sucessivamente melhor como é que as coisas se passam. Mas evidentemente que na primeira vez em que o modelo do átomo lhes é apresentado não se pode logo atirar-lhes com um curso completo de mecânica quântica para explicar como é que realmente tudo funciona!
As lies-to-children têm bastante utilidade do ponto de vista pedagógico e prático, mesmo no dia a dia. Por exemplo, podemos calcular fases da Lua e mesmo eclipses sem saber exactamente onde está o centro de gravidade do sistema Lua-Terra. Podemos aprender os rudimentos da química orgânica e inorgânica e fazer algumas experiências químicas úteis (ou divertidas!) sem precisarmos de saber com exactidão quais as equações que governam o modelo da mecânica quântica para o átomo. No entanto, fazer depois ataques à coerência de um modelo baseado em lies-to-children como se fosse isso que seja realmente defendido pelos proponentes do seu modelo é um strawman argument.
Refiro isto porque a afirmação que o Ludwig fez àcerca da essência do budismo (apenas um exemplo) é uma típica lie-to-children. Não é nada disso que o budismo afirma (se é que afirma qualquer coisa); mas é uma explicação extremamente simplista que serve, numa primeira abordagem, para gente não familiarizada com o pensamento budista ter alguma noção muito grosseira do que se pretende. A implicação que o Ludwig dá ao apresentar essa lie-to-children é que para os budistas aparentemente existe uma coisa chamada «samsara» e outra «nirvana», e aparentemente esta última é uma espécie de «paraíso sobrenatural», e aparentemente o objectivo das pessoas é, de alguma forma, tornarem-se em vegetais indiferentes a tudo o que as rodeia, e assim, de alguma forma, «atingirem» um estado sobrenatural qualquer de apatia, e que isto se faz, de alguma forma, «com muita fé» num paspalho qualquer que se calhar nunca existiu e que escreveu um livro «sagrado» qualquer.
ResponderEliminarNa realidade, a frase que o Ludwig emprega é o nível mais baixo (de centenas de níveis; embora commumente se agrupem em nove principais) de lies-to-children que podem ser usados para auxiliar algumas pessoas a se familiarizarem com alguns conceitos; mas, como todas as lies-to-children, não passa de uma não-verdade (ou mentira ligeira). Aliás, há um nível ainda mais baixo que é puramente devocional (porque há quem nem sequer tenha capacidade para mais!) e que é discutível sequer se pode ainda ser classificado de «budismo», embora haja quem ache que mal não faz, se o objectivo for levar uma pessoa a, pelo menos, adoptar uma postura ética correcta.
Misturar níveis de explicação com o objectivo de um «reducionismo» universal das características de «religiões» para as poder eliminar a todas com um argumento único cria falácias argumentativas :) No entanto, pode-se, isso sim, discutir a visão de certas religiões e compará-las entre si baseadas na visão que propõem, e nos métodos para atingir essa visão, e ver em que medida é que o método funciona para atingir a visão proposta — e, já agora, ver se as pessoas que dizem professar determinada religião estão, de facto, a seguir esses métodos e a concretizar, ou não, essa visão.
A maioria das religiões (não todas!), regra geral, admite que as pessoas têm diferentes capacidades de compreensão e apreensão. Sendo assim, uma solução one-size-fits-all não proporciona uma forma de todos os praticantes dessa religião conseguirem concretizar essa visão. Por isso é comum que proponham, em vez disso, métodos diferentes adequados à compreensão de cada um. Um exemplo estúpido mas que ilustra isto muito bem: a «crença» no Pai Natal, que dá brinquedos aos meninos que se portam bem, visa ter um efeito pedagógico: portas-te bem, recebes uma recompensa. O objectivo não é que o miúdo passe o resto da vida a acreditar no Pai Natal. É que aprenda a portar-se bem. Quando o fizer, ensina-se que a recompensa está no próprio acto de se portar bem — e então podem-se descartar os brinquedos, e o próprio Pai Natal.
A esmagadora maioria das visões teístas emprega uma estratégia semelhante. Reconhece que a maioria das pessoas, sem um incentivo ou motivação, porta-se mal. Então propõe uma espécie de upgrade do Pai Natal, e em vez de «brinquedos», propõe coisas mais abstractas mas potencialmente mais interessantes: imortalidade, por exemplo. Mas no fundo o objectivo social é fazer com que a pessoa se sinta motivada a portar-se bem. O que muda são os incentivos e a sua justificação.
Em sistemas filosóficos não-teístas, abdica-se do Pai Natal e fica-se pelos incentivos abstractos. Mas para muitas pessoas isto não é facilmente compreensível. Daí se proporem muitas explicações alternativas, mais ou menos intelectuais, para procurar motivar as pessoas a se portarem bem. Por exemplo, criam-se conceitos como «o bem comum da sociedade», e desenvolve-se uma filosofia que explique porque é que é melhor viver numa sociedade assim, e quais os benefícios que tiramos por modificarmos o nosso comportamento.
No entanto, aqui o ponto essencial é mesmo analisar a proposta que é feita por determinada religião (teísta ou não-teísta), ou sistema filosófico ou ideologia; qual a visão que tem; quais os métodos que emprega para realizar essa visão; e se realmente funciona ou não. Esta é a abordagem habitual para fazer comparações entre religiões e sistemas filosóficos com propósitos semelhantes aos das religiões :)
EliminarDepois, é claro, é mais que legítimo analisar igualmente em que medida é que os auto-proclamados seguidores desses métodos o aplicam na prática ou não :) Penso que o problema aqui é essencialmente esse: por imensas razões (que vale a pena analisar!) muitas vezes o problema não está nem na religião/sistema filosófico/ideologia, na sua proposta de visão, ou nos métodos que propõe, mas sim, pura e simplesmente, porque aqueles que dizem os seguir na realidade não os aplicam na prática.
Dando um exemplo típico fora do campo da religião: todos se queixam do governo que temos (seja este qual for!), mas depois quando vão às urnas, votam num governo idêntico. Implicita-se que o problema está na democracia que «não funciona». Mas o problema não está na democracia em si, está no facto das pessoas não saberem tirar proveito dos mecanismos que ela proporciona, seja por preguiça, seja por ignorância, seja por medo. Mas se compararmos sistemas políticos, podemos pelo menos dizer que a visão da democracia — uma sociedade mais igualitária em que qualquer pessoa, desde que seja eleita, pode governar — é mais justa que a alternativa (autocracias, oligarquias...) e que os métodos que esta proporciona — o direito ao voto, universal e secreto — de facto permitem realizar esta visão. O que «não funciona» é a forma como as pessoas tiram partido das facilidades que a democracia lhes proporciona. Mas isso não é «defeito» da democracia, nem é legítimo dizer que a democracia «não presta» só porque as pessoas não tiram partido dela.
Se quisermos aplicar o mesmo raciocínio às religiões e sistemas filosóficos, então temos de fazer o mesmo. O que propõem como visão? Qual o método para lá chegar? O método funciona? As pessoas realmente praticam esse método e chegam ao resultado que lhes é proposto? Se sim, então não se pode dizer que seja «perniciosa». Pode-se, isso sim, questionar ainda se a visão é correcta ou não. Por exemplo, uma religião que proponha exterminar uma grande parte da humanidade e que indique os métodos como o fazer não tem uma visão correcta (do ponto de vista da humanidade como um todo, embora o possa ter de um ponto de vista dos aderentes dessa religião!). Isto não é muito diferente da análise de determinada ideologia política que proponha, por exemplo, a abolição da democracia, mas que cative os votos dos eleitores para concretizar essa mesma visão. Essa é a razão pela qual alguns países proibem que partidos que queiram acabar com a democracia se candidatem a eleições gerais (ex. em Portugal não podem haver partidos fascistas; na Alemanha, não podem haver partidos nacional-socialistas; nos EUA, não podem haver partidos comunistas): é porque consideram que a sua visão está desadequada a uma sociedade que seja melhor no seu todo (ou seja, em que os seus habitantes vivam de uma forma melhor).
EliminarO que acho que ocorre frequentemente nestas discussões — não é só aqui, é em muito lado — é o excesso da utilização de strawmen arguments usando propostas descontextualizadas de lies-to-children que são simplificações das afirmações feitas por certos sistemas de pensamento, usando-os como se fossem efectivamente as visões e métodos realmente propostos por estes, e desconstruindo (facilmente!) as suas argumentações. Isto claro que vale para os dois lados. Pasmo-me com imensas afirmações feitas por gente que ataca a ciência e o método científico usando o mesmo tipo de lies-to-children, embora supostamente todos nós tenhamos passado pelo mesmo sistema de ensino e tenhamos aprendido os rudimentos do que é o método científico. Mas aparentemente o «desaprendemos» quando vimos discutir para a 'net!
EliminarO campo oposto é mais complicado, claro. Há dezenas de milhares de religiões e sistemas de pensamento, e cada qual tem o seu modelo. Sem o conhecer profundamente é difícil de saber como criticá-lo; as críticas serão feitas a «chavões» e/ou concepções sobre o que o crítico pensa que seja a proposta desse sistema de pensamento (logo, caindo num strawman argument com muita facilidade): está-se a demolir aquilo que se pensa ser a posição da outra parte, quando na realidade não se conhece suficientemente bem essa posição para a poder realmente criticar.
Refiro apenas que historicamente a Grécia e a Índia foram palco de tantos sistemas de pensamento porque justamente encorajavam fortemente o debate entre escolas e sistemas — mas em que ambas as partes conheciam muito bem os argumentos e propostas dos seus adversários. Na Índia havia mesmo a tradição que quem perdesse o debate era «obrigado» a converter-se ao sistema filosófico do «vencedor» — o que fez com que muitos sistemas de pensamento nunca chegassem aos dias de hoje, excepto como exemplos históricos de ideias que não tinham coerência suficiente para resistir ao «embate» de um debate.
EliminarDepois, no Ocidente, a progressiva cristianização acabou com os debates. Ou, por outras palavras: podia-se debater, desde que se assumissem alguns dogmas (ex. «Deus existe»); caso contrário, era-se condenado à fogueira. Na Índia, a invasão islâmica acabou com o debate, matando o expulsando os que ousavam debater o que quer que fosse. No nosso caso tivémos mais sorte: com a progressiva laicização do debate, e o estabelecimento do método científico como o melhor sistema (o que produzia melhores resultados na aquisição de conhecimentos e capacidade de reprodução e previsão), recuperou-se um pouco a tradição do debate clássico, embora ainda «contaminado» com a ideia de que há por aí uns «dogmas» que são difíceis de contornar. Mesmo assim, a Ciência teve enormes sucessos nos grandes debates dos últimos 150 anos — como a Teoria da Evolução, a Relatividade, a Mecânica Quântica, a Tectónica de Placas. Todos estes (e mais alguns) combatiam ferozmente alguns «dogmas científicos» e foram terrivelmente mal aceites quando foram propostos. No entanto, foi graças à persistência e habilidade de argumentação dos seus defensores que acabaram por «derrotar» proponentes de sistemas alternativos, e a ciência enriqueceu-se graças a isso. Mas para o poder fazer correctamente, era preciso conhecer mesmo muito bem a argumentação dos adversários para a poder refutar, de forma que ambas as partes pudessem concordar com a conclusão do debate.
Outro problema que é comum nos debates que assisto no Ocidente é a dificuldade de compreensão por parte dos debatentes que existem algumas regras de base para o mesmo. O «erro» mais comum é a alusão, dos debatentes, a fontes de autoridade que apenas uma das partes reconhece como válida. Sendo assim, o debate é oco, vazio: não interessa argumentar apelando a fontes de autoridade que não são mutuamente reconhecidas como válidas, pois nunca se chegará a lado nenhum.
EliminarPenso que isto resulta, infelizmente, de uma herança histórica no Ocidente em que havia apenas uma fonte de autoridade reconhecida universalmente (neste caso, a Bíblia). A esmagadora maioria dos cristãos — não vou dizer que sejam todos! — não tem uma formação adequada que lhes permita argumentar sem recorrerem à única fonte de autoridade que legitimiza inequívocamente a sua posição. Mas o lado da ciência cai muito mais facilmente no mesmo erro do que gosta de admitir :) (São maus hábitos históricos de recorrer a fontes de autoridade para debater!) Ora os Gregos Clássicos e os filósofos da Índia não tinham essa limitação, e por isso os seus debates eram mais satisfatórios. Sabiam perfeitamente que quando iam debater com os seus adversários, não podiam recorrer às respectivas fontes de autoridade. Assim tinham de debater com outras técnicas (por exemplo, usando a lógica, ou o método de levar o raciocínio às últimas consequências, ou ainda apresentar exemplos ilustrativos da sua argumentação que fossem considerados válidos por ambas as partes). Isto fez com que muitos sistemas de pensamento não perdurassem até aos nossos dias porque, fora do recurso às fontes de autoridade, pouco mais ficava para debater.
Ora nós temos a sorte de termos a perspectiva histórica para nos auxiliar :) e não cometer os mesmos erros do debate «entre surdos» onde ambas as partes recusam aceitar as respectivas fontes de autoridade; em vez disso, é ao apresentar a argumentação de uma forma que não seja preciso nem citar nenhuma fonte, nem construir uma imagem falaciosa da argumentação dos oponentes (evitar os strawmen arguments), que se poderá — eventualmente — chegar a alguma conclusão.
Sei que isto não é muito fácil, porque obriga a muito mais raciocínio lógico e por exemplos do que o apelo facilitista a «coisas que os outros disseram». Por exemplo, já reparei que o perspectiva é prodigioso a fazer afirmações baseadas em links para artigos sem qualquer credibilidade mas que apresenta como fontes autoritárias, e tenho a impressão que ainda não compreendeu que essas «fontes» não são aceites para debate, porque não há acordo mútuo de ambas as partes quanto à sua aceitabilidade. Logo, quando ele afirma que «já provou tudo e mais alguma coisa e que esmagou os seus adversários» não provou absolutamente nada, excepto a sua incapacidade em compreender que citar fontes que não são aceites por ambos os participantes no debate não serve de nada :)
Mesmo as minhas citações da Wikipedia não são universalmente aceites, porque a Wikipedia é conhecida por ser tendenciosa e falaciosa. Mas pelo menos tende a ser menos tendenciosa que outras fontes. Assim sendo, gosto de a citar quando me parece que propõe uma definição mais susceptível de ser aceite por ambas as partes. Por exemplo, gosto muito da citação que o João Vasco faz da definição de religião exposta na Wikipedia, porque é muito menos tendenciosa e mais neutra do que a que o Ludwig propõe. Mesmo assim aceito que haja quem não concorde sequer com essa definição. Então nesse caso é preciso encontrar outra definição com que ambas as partes possam concordar para poder haver debate. Volto ao meu exemplo inicial: discordo da definição de «espiritualidade» que o Ludwig sugere para dar força aos seus argumentos, mas posso aceitar o que ele entende por «espiritualidade» para usar a mesma definição para outros argumentos. Por exemplo, uma consequência de usar a definição do Ludwig (assumindo que fosse universalmente aceita) é que ele teria de riscar o budismo na lista que enumera no artigo, porque não há nada de «sobrenatural» no budismo (nem sequer nas lies-to-children propagadas commumente). No entanto, se usar a «minha» definição — espiritualidade no sentido de treino mental ou de mudança de padrões de pensamento, que depois influenciam a adopção de determinada conduta ética — já pode voltar lá a colocar o budismo na lista se quiser, mas vai ter de incluir muitas mais filosofias, ideologias, e até clubes de futebol, que vão enfraquecer o seu argumento de que «todas as religiões são perniciosas». Estas definições, quando não há base de autoridade comum para ambas as partes, são fundamentais.
EliminarO comentador Sonas (4/10/ – 12:43) tem o sonoro mal regulado e não ouviu o que eu disse (13/10 – 19:42) :
ResponderEliminar(1) Comportamentos observáveis não são motivos inobserváveis.
(2) Se há alguma necessidade de discernir – com infalível verdade - sobre motivos intencionais, tal parece ser humanamente impossível.
Se o comentador Sonas é capaz de satisfazer à necessidade em (2), então o sr. Krippahl pode dar rebate de ter encontrado na sua caixa de comentários um... deus!
Quanto ao mais aduzido pelo comentador, eu não nego que os comportamentos que exemplifica são, prima facie, objectivamente maus, socialmente perigosos e penalizáveis em sede judicial – até independentemente dos motivos ou de circunstâncias atenuantes alegáveis. Tal como não pus em dúvida que salvar a vida de alguém que se afoga (era o exemplo do sr. Alfredo Dinis) é objectivamente bom, seja isso feito por um humano ou por um robô. Mas o meu assunto não era a ética social dos comportamentos, mas sim axiologia e consciência moral.
O comentador Perspectiva ( 4/10 - 9:03 ) sugeriu aqui uma que merece a reavaliação aprofundada de o que em Teologia se chamou “Queda”. O mundo darwiniano – este nosso mundo em que aparecemos como aparentes no tempo – pode não ser o mundo tal qual Deus (fora do tempo) sempre o quis e quer. (A “incompatibilidade da criação com a suposta e nunca vista evolução”).
ResponderEliminarNão se compreende, pois, muito bem, a insistência do comentador Perspectiva em procurar e trazer aqui notícias de um mundo que devia interessar menos o comentador. Mas, se quer insistir, permita-me recomendar-lhe então uma reavaliação aprofundada da teoria de Darwin, começando pelo próprio. Esta teoria, em si mesma, enquanto teoria apenas científica, não propõe nem carece de “evolução” nenhuma. (Na 1ª edição da Origem o termo aparece uma vez: é a ultima palavra da obra, numa frase de curiosa e paradoxal retórica estética, que o austero naturalista se permitiu uma ou outra vez.) Mais ainda: não carece mesmo de nenhuma acção causal de uma entidade chamada “tempo”. (Cf. cap. IV ) Por isso mesmo, como se vê no diagrama inserto por Darwin neste cap., admite mesmo a existência de espécies que permanecem idênticas ou com mínimas variações ao longo de grandes períodos de tempo. Portanto, sem nenhuma “evolução”.
A teoria é tão parcimoniosa nos princípios como poderosa na explicação dos efeitos: precisa apenas que, de geração para geração, pelo concurso de causas internas ou exteriores aos organismos, surjam pequenas modificações (mutações); algumas destas variantes, por mais bem sucedida reprodução e adaptação meio, podem ser preservadas e, depois de mais ou menos tempo, podem vir a variar significativamente da espécie original, observada num momento anterior do tempo (de tal maneira que podem parecer depois uma “nova” espécie). À preservação de umas e extinção de outras chama-se “selecção natural”. E é tudo.
Caro Sr. Ludwig Krippahl:
ResponderEliminarAqui tem o argumento aperitivo prometido, para temperar com alguma seriedade q. b. tantos textos engraçados que tem publicado aqui no blogue.
Todo o argumento respeita e assenta nestes pressupostos:
(a) Na teoria de Darwin desenvolvida, temos hoje a melhor teoria científica para explicar a origem, modificações e especiações do género de entidades que chamamos “seres vivos”.
(b) As ciências da História, como a Arqueologia, ou sociais, como a Antropologia cultural ou a Demografia, dão-nos informações relevantes e fiáveis sobre a evolução dos grupos humanos, população e respectivos padrões de cultura.
(c) A Psicologia evolucionista ( antes chamada “Sociobiologia”), como as “neurociências”, são tentativas teóricas com interesse relevante para o cruzamento dos domínios (a) e (b).
(d) Com origem em (a) e (b), considerando também contributos de (c), temos documentada informação relevante para a justificação das proposições seguintes:
(1ª PARTE)
1. Desde pelo menos o ramo neanderthal do sapiens temos no género homo um tipo de experiências, individuais ou colectivas, classificáveis como experiências religiosas mundanas de uma suposta dimensão ultramundana, referível como do “sagrado” ou “divina”.
2. Não se conhece nenhuma sociedade do sapiens actual, antiga ou moderna, sem alguma forma de experiência do sagrado.
3. A universalidade da experiência religiosa e os respectivos “memes” (Dawkins) produzidos e reproduzidos nos diferentes padrões de cultura, - ou é favorável, ou é neutra, ou é desfavorável relativamente aos preocessos de selecção natural dos grupos humanos no seu “nicho ecológico”, e respectiva adaptação e sobrevivência.
4. Mas, obviamente, não tem sido desfavorável: o sapiens sobrevive e multiplicou-se.
5. Se fosse neutra, seria causalmente irrelevante.
6. Mas não é causalmente irrelevante. [ Logo, não é neutra, por modus tollens. É a evidência histórica, que tanto escandaliza e indigna algumas pessoas, como o sr. Ludwig: os humanos vivem, lutam, matam e morrem por causa da religião, com uma facilidade e magnitude tais que seria difícil negligenciar os seus efeitos na selecção natural. Cf., por outro lado, o imperativo expresso no “crescei e multiplicai-vos”, trivialmente interpretado.]
7. Logo, é ( tem sido) favorável. [Por 4 , 5, 6 e eliminação da disjunção em 3.]
(2ª PARTE)
ResponderEliminarPressupostos:
(e) O processo de “globalização”, apressado desde o séc. XV, é o processo da gradual mundialização da cultura europeia e é um processo de “laicização” naturalista e concomitante evanescimento social da experiência religiosa, com a gradual progressão e consolidação cultural do agnosticismo e ateísmo.
(f) O processo de acúmulo de variações adaptativas e especiação, a que chamamos processo evolutivo, continua.
(g) Há “converging technologies” disponíveis e com crescente poder causal suficiente para provocarem efeitos significativos em (f).
8. Se as experiências religiosas têm sido causalmente favoráveis à sobrevivência do sapiens, o seu desaparecimento tem custos adaptativos importantes. (Vd. taxas de reposição demográfica nas sociedades europeias mais “desenvolvidas”.)
9. A eventual extinção da linha evolutiva do sapiens não implica a não emergência de um novo ramo. (Cujos primeiros e toscos exemplares já aí temos entre nós representados pelos “ciborgues”.)
10. Extinto o sapiens actual, desaparecidas as experiências religiosas que lhe eram típicas, a nova espécie emergente e descendente dele pode ter alguma forma de consciência de si (“natural” ou “artificial”).
11.Se tiver consciência de si, pode ter consciência de que foi produzida por entidades que se chamavam “homo”.
12. Se, subitamente, essa experiência for a da admiração, louvor e invocação aos que a produziram, então temos recuperada uma experiência equivalente à experiência religiosa. (Com a diferença de que adoram uma entidade com o nome “Homo”, em vez de uma com o nome “Deus”... O “subitamente” é um acontecimento trivial, ao menos na consciência humana; se se quiser, pode-se pensar em fenómenos imprevisíveis de decoerência, colapso da função onda ou singularidades quânticas.)
Corolários:
13. A experiência religiosa não está necessariamente ligada a processos de selecção e adaptação, “natural” ou “artificial”. (Já aparentemente em todas as espécies não humanas actuais.)
14. Os humanos são cooperadores da Criação no seu desenvolvimento espacio-temporal. (E entre estes humanos podemos contar com o trabalho do sr. Ludwig Krippahl, perito em inteligência e vida “artificial”...)
15. Entre as religiões actuais, as que falam no humano como “à imagem e semelhança de Deus” (ou falarem depois em “à imagem e semelhança do Homo”) são provavelmente mais verdadeiras.
(3ª PARTE. ÚLTIMA)
ResponderEliminar16. Ou herdada pela biologia ou induzida pela tecnologia, ou espontaneamente sobreveniente à física do nosso mundo ou de outros mundos possíveis, se a experiência religiosa transcende o sapiens nos sucessores futuros, também é possível que lhe seja transcendente nos antecessores passados.
17. Os antecessores que, por qualquer modo “natural” ou “artificial”, são a causa eficiente da experiência religiosa no sapiens, - ou existem como entidades espacio-temporais (quaisquer que sejam) ou existem como entidades independentes do universo espacio-temporal.
18. Se são espacio-temporais, encontram-se exactamente na mesma posição que nós em relação a eles, relativamente a essa experiência.
19. Logo, devem ser independentes do universo espacio-temporal. [ Eliminação da regressão infinita pelo princípio de razão suficiente. ]
20. Mas nós referimos com o nome “Deus” uma entidade independente do universo espacio-temporal, e que é a causa formal da existência e razão suficiente do sentido da experiência do sagrado e religiosa.
21. Logo, como entidade singular ou colectiva, Deus existe. [Se se recusa 19, segue a conclusão alternativa : Ou Deus existe, ou a experiência religiosa fica insuficientemente explicada. ]
***
Não lhe preciso dizer, meu caro sr. Ludwig, que, logicamente, o argumento é fraquito e pouco faz para robustecer as consabidas fragilidades da indução empírica. Esforcei-me, sim, por manter a plausibilidade, mesmo quando foi preciso entrar na futurologia. E foi preciso porque eu queria conceder-lhe, a si, o mais que podia: - até a extinção da espécie humana e das experiências religiosas nela ocorrentes. Conceda-me ao menos que o argumento não ficou indigno da grandeza do assunto. E, se me conceder mais – o princípio de razão suficiente -, aqui lhe oferecerei um dedutivo, bem mais forte, que até lhe concederá um mundo que tem em si mesmo as causas da sua própria existência (como reivindica, entre outros, o eminente filósofo ateísta Graham Oppy). Nem lhe peço muito, quando falo neste princípio de razão suficiente: afinal, animais racionais que somos, estamos sempre a apelar para ele quando perguntamos “porquê”. Mas tem que se analisar o que está em questão e o que se quer com a pergunta. A meu ver, os ateus e agnósticos, ou não analisaram bem, ou impõem restrições puramente arbitrárias, ou são pouco exigentes, sob capa de “humildade” ou “austeridade” epistemológica. Em qualquer dos casos, não dignificam a razão humana.
O sr. Ludwig queria “evidências”, eu prometi-lhe “sinais”. Sinais são avisos. Aos transeuntes que somos todos, os do nosso trânsito, mesmo quando permitem uma interpretação unívoca, não impedem a violação do que reclamam nem seguirmos em sentidos opostos e direcções contrárias. Por algum tempo, aqui fico ao seu dispor e aguardando as disposições que quiser comunicar-me. Mas, desde já, sr. Ludwig Krippahl, desejo-lhe boa viagem e bom destino.
Os argumentos criacionistas não mudam: sempre a mesma treta dos códigos e da informação que já foi refutada. São moléculas a reagir com moléculas! (É o que acontece quando um geólogo resolve escrever um livro sobre DNA).
ResponderEliminarDuarte Meira,
ResponderEliminarEsse argumento é uma baralhada desgraçada, mas tenho de lhe pedir alguma paciência porque vou precisar de um post ou dois para desembrulhar essa confusão.
Miguel,
ResponderEliminarEu perdi-me um bocado nos teus comentários todos, mas o que eu queria apontar é que o budismo tem, pelo menos, uma crença sobrenatural: a da reencarnação. É sobrenatural porque é das tais que é proposta como aceitável mesmo sem haver evidências objectivas que a suportem, ao contrário das "naturais", que nesses casos são rejeitadas.
Isto é um "nível baixo"? O teu budismo acredita, em vez da reencarnação, que nós somos seres biológicos com uma duração de algumas décadas, findas as quais toda a nossa consciência, subjectividade, personalidade, memórias, etc, desaparece conforme o cérebro se decompõe?
Se o teu budismo só aceita como proposições factuais verdadeiras aquelas que têm fundamento objectivo e rejeita coisas como esta da reencarnação, vida depois da morte, a mente a sobreviver ao fim do corpo, etc, então concordo que não é uma religião de acordo com a minha definição. Será mais uma filosofia de vida.
Mas acho que não é esse o caso. Podes tentar esclarecer em poucas páginas? ;)
O Ludwig adopta uma filosofia naturalista.
ResponderEliminarSó que ela não explica como é que a natureza, que sabemos ter tido um princípio e estar a perder energía reutilizável, podia ter surgido do nada por acaso.
A menos que o Ludwig consiga carregar o telemóvel gratuitamente com energia surgida do nada por acaso...
PROBLEMAS COM A TEORIA DE FLUTUAÇÃO QUÂNTICA DO LUDWIG
ResponderEliminarO Ludwig tem fé na origem de todo o Universo a partir de uma “espuma instável”de energia e partículas potenciais. No entanto, esta “teoria” (do calibre da teoria de que ”chuva cria códigos”) tem demasiados problemas para ser levada a sério.
1) Na impossibilidade de demonstrar a origem do Universo a partir do nada, o nada é redefinido para passar a significar alguma coisa, nomeadamente uma “espuma instável”.
2) Mas o nada verdadeiro é mesmo nada: ausência de tempo, espaço, matéria, energia, campos, partículas actuais ou potenciais, etc.
3) É impossível testar a origem do Universo por esse modo em laboratório ou no terreno porque o laboratório, o terreno, a energia e as partículas já são parte do Universo existente, cuja origem verdadeiramente não se explica.
4) Tendo em conta a lei da conservação da energia, toda a energia do Universo teria já que estar presente no início, porque a energia não se cria do nada, o que mostra que a teoria não explica a origem do Universo.
5) Uma flutuação quântica nunca produz algo a partir do nada sem causa, limitando-se apenas a converter energia em massa e massa em energia, sem violar a lei da conservação da energia.
6) Uma flutuação quântica supõe a existência de energia com potencial matéria/anti-matéria, devendo conter a energia equivalente às cerca de 200 mil milhões de galáxias conhecidas no Universo, cada uma contendo cerca de 100 mil milhões de estrelas. Como e de onde surgiu essa energia toda?
7) Tendo em conta a lei da entropia, essa espuma instável deveria ter mais ordem do que a existente actualmente, não se compreendendo como poderia ir da desordem para a ordem em todo o Universo.
8) Os campos energéticos e as partículas subatómicas (actuais e potenciais) já existem no Universo em que existimos, e mesmo o suposto vácuo primordial tem que ser circunscrito aí.
9) Nas experiências de colisão de partículas, as partículas de matéria e anti-matéria tendem a surgir em quantidades iguais, aniquilando-se umas às outras, revertendo para energia, pelo que a origem do Universo por esse processo seria fisicamente impossível.
10) A duração dos eventos quânticos é inversamente proporcional à massa do objecto, o que torna inviável a ocorrência de um evento cosmológico quântico dessa magnitude.
11) A duração de um evento quântico da dimensão do Universo seria de 10^-103 segundos. Ou seja, ninguém iria ter tempo para reparar!
12) Acresce que as partículas virtuais de hoje aparecem dentro de um vácuo de espaço existentes no Universo que conhecemos. No nada primordial não existia espaço nem vácuo.
13) Para o Universo expandir, a partir de uma singularidade nascida de uma hipotética “espuma instável” e conseguir manter-se estável durante os supostos 13,5 mil milhões de anos da sua existência, seria necessário garantir um equilíbrio entre as diferentes forças (v.g. gravidade/expansão) com uma sintonia precisa estimada, pelo astrofísico Alan Guth, em 1 em 10^55.
Assim sendo, continuam a ser válidas as palavras do astrófísico da NASA, Sten Odenwald, no seu livro The Astronomy Café, 365 Questions and Answers from “Ask the Astronomer”, Scientific American, Library, 1998, 120, quando confessa:
“I was happy to announce that astronomers have not the slightest evidence for the supposed quantum production of the universe out of a primordial nothingness”.
Ou seja, os criacionistas já têm uma fé, num Deus vivo, pessoal, racional, moral, eterno, infinito, omnisciente, omnipotente e omnipresente.
O Ludwig quer que os criacionistas deixem a sua fé, corroborada pela revelação através da Bíblia, do povo de Israel e de Jesus Cristo, realidades historicamente incontornáveis, e adoptem em vez dela a fé do Ludwig numa fantasiosa e hipotética “espuma instável” da qual, milagrosamente, todas as coisas teriam resultado.
E depois ainda diz que dessa “espuma instável” resulta um dever de racionalidade!
Duarte Meira, bravo :) O argumento, ao contrário do que o Ludwig afirma, tem algumas características bastante engraçadas, e merece outro comentário mais extenso ;)
ResponderEliminarQuanto à afirmação de que o budismo tem como crença a «reencarnação», isso é fruto de duas coisas: a) más traduções; b) lies-to-children. O ponto b) é mais fácil de explicar: no contexto cultural da Índia, em que todas as religiões da altura acreditavam na existência de uma alma «imortal», eterna, permanente, e imutável, que transmigrava de vida em vida, e que usavam isso como a base da conduta ética, era difícil para os primeiros professores budistas proporem alternativas. Assim, a primeira coisa que fizeram foi provar logicamente a inexistência de qualquer coisa, seja esta «coisa» o que quer que fosse, que pudesse ter as características de ser imortal, eterna e permanente. Ao fazê-lo logicamente que impossibilitam a «crença» numa «reencarnação» (no sentido ocidental e hindu do termo): não há «nada» que possa reencarnar, e, como tal, não faz sentido que se fale em «reencarnação» no budismo.
No entanto, o que se observa no universo (e acontece o mesmo na nossa própria mente) é que tudo tem causas e efeitos; não existem efeitos sem causas ou causas sem efeitos (e os exemplos que são observados de aparentes causas sem efeitos, ou vice-versa, partem do pressuposto de um referencial de tempo absoluto para os observadores; mas os referenciais temporais não são absolutos, como sabemos pelo menos desde Einstein). Para nascer um ser humano novo, há uma série de causas: é preciso os pais terem sexo, por exemplo; é preciso que a gravidez da mãe chegue ao fim em boas condições, e assim por diante. Por sua vez o DNA dos pais influencia o DNA dos filhos; a educação que recebem é causa para a forma como pensam, etc. O que na filosofia budista é dito é que mesmo as coisas mais subtis que ocorrem na mente das pessoas teve algures uma causa, mesmo que a pessoa não tenha a capacidade de reconhecer essa causa. Isto por sua vez não é uma forma de «determinismo» ou «fatalismo»: é justamente porque temos a capacidade de cometer acções com um certo grau de liberdade que podemos criar as causas para que surjam efeitos. Por exemplo, uma criança não se torna boa aluna «por magia». Torna-se boa aluna porque estuda; essa é a causa principal. Depois há algumas outras causas circunstanciais ou contributivas que a criança pode nem sequer se aperceber: o seu DNA que lhe permite o cérebro desenvolver-se mais num ou noutro sentido, a educação que recebeu dos pais, o ambiente social em que vive, o tipo de ensino que recebe (promovendo-a a estudar mais ou menos), os professores que teve, etc. Vendo assim as coisas, as causas são inumeráveis ou incontáveis. Tal como existe a famosa afirmação de que a ciência seria capaz de explicar exactamente o estado do Universo se conhecesse precisamente o estado inicial, no budismo há afirmações semelhantes: não nos conseguimos aperceber de todas as causas porque são infindáveis.
Ou seja: em vez de um modelo de «reencarnação» existe um modelo em que uma pessoa não nasce «por acaso» mas sim por uma consequência de causas, muitas das quais são desconhecidas, outras que são mais óbvias (ex. ter um pai e uma mãe). É assim que é explicado que as causas de um nascimento, em vez de serem «obra do acaso», ou «obra divina», são meramente efeitos de inúmeras causas. Essa «colecção» de causas que têm como efeito o surgimento de uma nova vida é frequentemente comparada, por analogia, a uma sucessão de velas acesas, acendendo-se a seguinte quando a primeira se apaga, usando um pau aceso na vela anterior e, com a chama, acender a vela seguinte. A causa da vela nova se acender é o pau, o agente que mexe o pau de um lado para o outro, a característica combustível do próprio pau, o oxigénio que permite o fogo, e assim por diante. A chama na vela nova obviamente que não é «a mesma» que a da vela anterior, mesmo que brilhe de forma «semelhante». Mas obviamente que não é a mesma. No entanto, sem haver uma vela anterior que acendesse o pau, não haveria vela seguinte que pudesse ser acesa. Diz-se então que essa vela anterior é também uma (de muitas!) causas para a vela seguinte poder, de facto, ser acesa. Por outras palavras: sem pais não haveriam filhos; sem gestação na gravidez não nasce um novo filho; mas claramente o filho não «é» o pai ou a mãe, mas está interligado por causas a estes.
ResponderEliminarEsta é uma a forma, mais filosófica (e mesmo assim não inteiramente correcta!) de explicar a forma como as vidas estão inter-relacionadas por causas e efeitos. Pode-se dizer que tudo isto é óbvio :) (mas as coisas no budismo têm tendência a ser óbvias...) e que não tem nada a ver com o que vulgarmente se chama de «reencarnação». É verdade. Não tem nada a ver.
No entanto, para quem não tenha capacidade intelectual para argumentação filosófica, a forma mais simples de explicar isto é de dizer que as nossas acções têm consequências (de onde se deriva uma conduta ética), entre as quais, algumas das nossas acções causam, directa ou indirectamente, o nascimento de novas vidas (ex. sendo pais, ou sendo ginecologistas ou parteiras que ajudam os bebés a nascer...). É mais desta forma que se fala em «renascimentos» de acordo com causas que provocam nascimentos futuros. De uma forma mais simplista pode-se achar isto indistinguível de doutrinas hindus (ou outras) sobre a «reencarnação» — daí os primeiros tradutores ocidentais mais populares (os teosofistas do século XIX) usarem erroneamente a palavra «reencarnação», quando os budistas tinham, na altura, passado mais de vinte e quatro séculos a provar logicamente que não havia nada que pudesse «reencarnar», mas apenas que existem causas e condições para que surja uma nova vida, que não têm, de todo, a ver com a existência de uma «alma» ou qualquer outra coisa que seja postulada que possa ser «transmitida» de uma vida a outra — excepto justamente uma relação causal.
Mesmo assim devo dizer que esta explicação é extremamente incompleta :) Apenas a refiro para procurar explicar que, no caso do budismo, é muito importante compreender-se o nível das afirmações que são feitas, já que cada nível é pensado para um certo tipo de pessoa com determinadas capacidades. É justamente por isso que é necessário ter um professor qualificado que saiba explicar os princípios de acordo com a capacidade do aluno — tal como um bom professor de matemática saberá explicar aritmética a um miúdo na escola primária mas cálculo diferencial a um estudante universitário. Confundir os níveis de explicação não ajuda em nada ao aluno.
ResponderEliminarDepois há que ter em conta a precisão da linguagem, que faz toda a diferença. Por exemplo, na frase «libertar-nos do ciclo ilusório de sofrimento» pode, a uma primeira leitura, parecer querer entender ou que o sofrimento é ilusório e que por isso os budistas são uma espécie de hipócritas indiferentes porque se riem na cara das pessoas por elas estarem a sofrer, ou que, por sua vez, o ciclo de sofrimento é que é ilusório, e como tal, o sofrimento não deve ser levado a sério. Isto é, por exemplo, um argumento muitas vezes levantado: se tudo é ilusão, então o que é que os budistas andam a fazer?
Na realidade o que deve ser dito é que tudo é como uma ilusão, no sentido em que as coisas existem por causas e efeitos, mas não têm realidade intrínseca. O exemplo clássico é o do arco-íris. Todos sabemos que não «existem» arcos-íris, excepto na dependência de uma série de causas e condições: é preciso o ar estar húmido, o sol bater nas gotículas de água de certa forma precisa, o observador estar em determinada posição, etc. Quando todas estas causas e condições estão presentes, «surge» um arco-íris. Mas não podemos dizer que este não «exista»: afinal de contas, qualquer pessoa que o veja pode confirmar que está, de facto, lá «qualquer coisa». No entanto, «sabemos» que essa «qualquer coisa» existe apenas porque há algumas condições muito específicas que fazem o arco-íris surgir, e basta uma dessas condições não estar presente (por exemplo, o sol pôr-se) que o arco-íris desaparece. É a isto que chamamos ilusão óptica e não passa pela cabeça de ninguém considerar que o arco-íris seja mais ou menos do que uma ilusão óptica. Quando se fala no budismo que tudo é como uma ilusão — incluindo aquilo a que chamamos sofrimento — é nesse sentido que se está a falar. Por exemplo, um dor de dentes surge na dependência de causas: um dente cariado, por exemplo; um nervo que transmite a sensação ao cérebro; um cérebro consciente. Se estivermos anestesiados, o dente não dói. Se arrancarmos o dente, deixa de doer. O sofrimento da dor de dentes, pois, não tem existência intrínseca: surge devido a causas e condições. Se removermos uma das causas (tratando da cárie, ou tomando anestesiantes) a dor deixa de surgir. Logo, não podemos dizer que a dor tenha existência intrínseca, porque esta só surge na dependência de causas e condições.
Se quisermos ir a um nível mais profundo, o mesmo podemos dizer de todos os fenómenos do universo, embora normalmente achamos que não é assim. Achamos, por exemplo, que uma cadeira tem existência intrínseca, mas não tem. Se não tivesse havido um carpinteiro para a fazer, não havia cadeira. Se o carpinteiro não tivesse cortado uma árvore e não tivesse ferramentas para construir a cadeira, esta não surgia. Se nunca tivéssemos aprendido o que era uma cadeira e/ou como se senta nela, nem sequer lhe chamávamos «cadeira»: foi preciso que os nossos pais nos dissessem: «isto é uma cadeira, e serve para nos sentarmos assim em cima dela». Se não a tivéssemos comprado numa loja e colocado a cadeira naquele local, não teríamos ali cadeira nenhuma. No entanto, gostamos de pensar que as cadeiras surgem sem quaisquer causas e que «estão ali» intrinsecamente — apesar de na realidade podermos listar uma infinidade de causas sem as quais não estaria ali presente uma cadeira. O que o budismo faz é ensinar-nos senso comum: a cadeira está ali, sim, mas não «existe por si mesma», mas devido a um conjunto de causas e circunstâncias que lá a colocaram.
ResponderEliminarÉ mais difícil aplicar isto a fenómenos mentais. O caso da dor de dentes é óbvio, mesmo que muita gente acredite, de facto, que a dor de dentes tenha uma existência intrínseca separada do dente, do sistema nervoso, do cérebro, etc. Felizmente não é assim: se fosse, não poderíamos fazer nada para acabar com a dor de dentes! Se a dor de dentes fosse eterna, imutável, sempre presente, e existindo por si só, não poderíamos tomar analgésicos, e tratar de um dente cariado não nos serviria rigorosamente de nada. Mas a verdade é que não é assim que as coisas surgem :) Da mesma forma, uma pessoa que se sinta deprimida, sente-se assim por um grande número de causas e condições — a principal das quais é, lamentavelmente, o facto de acreditar que a depressão existe independentemente da sua pessoa, que tem existência própria. Mais uma vez: felizmente não é assim que as coisas se passam na realidade, senão os psiquiatras não podiam receitar anti-depressivos e os psicólogos não podiam ajudar a pessoa a lidar com a depressão. Fazem-no essencialmente removendo algumas das causas — neurológicas, físicas, mentais — da depressão, e esta não tem como que desaparecer, pois existe na dependência das suas causas. É isto que significa a expressão «como uma ilusão». Não quer dizer que a depressão seja uma ilusão! Quer dizer que, tal como a ilusão de uma miragem, arco-íris, etc. surge na dependência de várias causas, também a depressão (mas também a euforia!) surgem na dependência de um grande número de causas — não são nem «eternas», nem imutáveis, nem surgem «magicamente do nada, por acaso». O treino que os budistas têm, e a que commumente se chama «libertação» (uma palavra muito gasta) é apenas reconhecer quais são as causas que produzem determinados efeitos, como a depressão e a euforia, e, ao reconhecê-las — tal como um dentista ao identificar uma cárie num dente como causa da dor de dentes — podem lidar com elas.
Mas chega desta conversa, porque eu não sou professor :) Vou, em vez disso, espreitar para a argumentação do Duarte Meira. Não está ao nível do Spinoza mas não deixa de ser divertida, como disse :)
ResponderEliminarA primeira parte do argumento é engenhosa porque procura estabelecer a propensão para a «religiosidade» como o resultado de um processo de selecção natural: se fosse verdade que a «religiosidade» produzisse sociedades mais instáveis e menos funcionais, estas já teriam desaparecido.
Penso que o que o Ludwig vai dizer é que a selecção natural não trabalha sobre memes mas meramente sobre organismos vivos. Na realidade, a aplicação da selecção natural sobre ideias, ideologias, filosofias, etc. foi o que conduziu ao «darwinismo social», em que determinado país, raça ou nação se auto-justificou com o darwinismo para declarar a sua «superioridade» sobre os restantes. Isto, a meu ver, é o problema de aplicar teorias fora de contexto. Por outras palavras: o argumento é engraçado, e por si só não é completamente «errado», mas está a ser — a meu ver — erradamente aplicado a um contexto em que não se aplica. Não temos evidências que apontem para que a selecção natural aja sobre ideias, ideologias, etc. da mesma forma que sobre organismos vivos. Pelo contrário, há alguma evidência para rejeitar essa aplicação, porque algumas das sociedades que a aplicaram (pois justamente a «ideia» de que o darwinismo se aplicava à sociologia, antropologia, etc. — é igualmente uma «ideia»!) foram pouco funcionais, racistas, etc. e acabaram por ser destruídas (ex. nacional-socialismo alemão). Ou seja: a evidência aponta para que as sociedades que usem darwinismo social para justificarem a sua ética tendem a desaparecer. Sendo assim, parece-me ser um argumento que refuta o darwinismo social. Logo, por correlação, a «religiosidade» não pode estar sujeita a um processo de selecção natural, pelo menos nos mesmos moldes em que normalmente se aplica a teoria da evolução das espécies.
Assim sendo, parece-me que o corolário 13. A experiência religiosa não está necessariamente ligada a processos de selecção e adaptação, “natural” ou “artificial”. (Já aparentemente em todas as espécies não humanas actuais.) é aquele em que se faz uma afirmação mais correcta. Não vejo, no entanto, de onde surge o corolário 14, a não ser que por «criação» se entenda «tudo o que se observa» (= universo), e nesse caso o corolário é trivial: é evidente que os seres humanos «criam» e «constróiem» coisas (e ideias!) e como tal são «participantes» no universo, mas não há nada de místico e transcendental nisto.
ResponderEliminarTambém o corolário 15 é um pouco forçado e estranho. Pois introduz dois conceitos não explicados: um deles é o de «mais verdadeiro», o outro de «à imagem de Deus», sem apresentar a explicação do significado dos dois conceitos. Eu poderia afirmar, da mesma forma, que uma cadeira é «mais verdadeira» do que um poste de telefone, porque as cadeiras (normalmente) são feitas à imagem do Homem (uma cadeira em que não nos possamos sentar nela porque não tem as proporções adequadas é pouco útil, excepto enquanto objecto artístico). Parece-me, pois, que o corolário 15 não é corolário nenhum, a não ser que sejam explicados os contextos destes dois conceitos introduzidos.
Vamos então analisar os corolários finais (a meu ver os mais interessantes):
ResponderEliminar18. Se são espacio-temporais, encontram-se exactamente na mesma posição que nós em relação a eles, relativamente a essa experiência.
19. Logo, devem ser independentes do universo espacio-temporal. [ Eliminação da regressão infinita pelo princípio de razão suficiente. ]
20. Mas nós referimos com o nome “Deus” uma entidade independente do universo espacio-temporal, e que é a causa formal da existência e razão suficiente do sentido da experiência do sagrado e religiosa.
21. Logo, como entidade singular ou colectiva, Deus existe. [Se se recusa 19, segue a conclusão alternativa : Ou Deus existe, ou a experiência religiosa fica insuficientemente explicada. ]
O problema da independência espácio-temporal é uma tentativa de contornar as célebres teses de Gödel, que, de uma forma simples, provam matematicamente que um sistema formal não pode descrever completamente o universo em que esse sistema formal existe; são precisas «mais regras» (fora do sistema) para obter essa descrição completa, mas essas estariam «fora do universo», logo, criando o problema da regressão infinita. Gödel formulou isto por volta de 1930 e há 80 anos que se tenta encontrar uma forma ou de provar que ele estava errado (o que não se conseguiu ainda) ou que a sua tese não se aplica a tudo (mas a definição de «sistema formal» praticamente cobre tudo). A consequência para a ciência como fonte de aquisição de conhecimentos é que não é possível, através do método científico, descrever todo o universo — mas do ponto de vista da ciência isso nem sequer é um problema; basta descrever o que se conseguir, da melhor forma possível.
Já do ponto de vista de uma metafísica, isto causa alguns problemas. O corolário mais correcto aqui é o 21: segundo Gödel, também não é possível, usando um sistema formal, descrever sistemas que estejam fora do âmbito desse sistema formal. Ou seja: falar de coisas «para lá do universo», «para lá do tempo», «para lá do espaço» são meras palavras que não são argumentáveis usando um sistema formal — não vale, pois, tentar sequer fazê-lo. A sua «descrição» está, literalmente, segundo Gödel, «para lá da capacidade dos sistemas formais as poderem sistematizar e categorizar».
Isto não é uma coisa com que se «concorde» ou «discorde». Trata-se de uma demonstração matemática formal. Ou seja: até que alguém prove que Gödel se enganou na prova matemática (e, como disse, há 80 anos que se procura desesperadamente fazê-lo), não vale a pena argumentar lógica ou matematicamente, com um sistema formal, sobre tudo aquilo que está «para lá do raciocínio», pois mesmo aquilo que é descritível pelo raciocínio — com um sistema formal — é, segundo Gödel, necessariamente incompleto e/ou incoerente! Quanto mais o que está «para lá» disso.
Pode-se é, isso sim, argumentar que as teses de Gödel não se aplicam fora do âmbito dos sistemas formais matemáticos. Isso tem sido alvo de muita discussão e elaboração. O próprio Gödel, meio a sério, meio a brincar, deixou-nos no seu legado uma tentativa de demonstração da existência de um «deus» que estaria para além da capacidade descritiva do formalismo matemático — infelizmente nunca apresentou a prova em vida, pelo que não se sabe se se tratou de uma brincadeira, de um exercício, ou e algo em que ele «acreditava».
ResponderEliminarA alegação «Gödel está errado» tem como consequência a aceitação de que há possibilidade de apreender conhecimento sobre o universo sem que este conhecimento seja adqurido através de um sistema formal. Isto, obviamente, tem implicações para o propósito da ciência que considera (como hipótese) de que o método científico pode, de facto, abarcar todo o conhecimento sobre o universo. Se Gödel estiver correcto, o método científico pode apreender conhecimento sobre uma grande parte, mas não toda, que ficará «de fora», mas que também não é «estudável» por nenhum método, pelo que não faz mal. Se estiver errado, significa que existem outros métodos, que não passam por formalismos matemáticos, que permitem a aquisição de conhecimentos sobre o universo. Isto é complicado de aceitar porque temos uma excelente tradição centenária que mostra justamente o contrário!
De notar que um livro, um poema, uma frase são, igualmente, formalismos. Logo, o argumento de que «Gödel está errado por isso podemos falar de livros sagrados, revelados por Deus, que descrevem uma realidade não abarcável pelo método científico» é uma falácia. Livros, sagrados ou não, são formalismos. Conversas também são formalismos. Mesmo afirmações paradoxais como as dos mestres taoístas ou os koan da escola budista Zen são formalismos. Tudo isto está coberto por Gödel :) pelo que não é por aí que se pode ir. A única coisa que fica efectivamente de fora é toda a experiência que não é descritível por formalismos, seja qual for.
Poderemos, à primeira vista, dizer que não há conhecimento ou experiência que não possa ser expressa com um formalismo simbólico qualquer. E normalmente é essa a abordagem dos positivistas :) descartando, pois, facilmente quaisquer livros revelados ou experiências místico-mágicas que tenham sido descritas. «Eu vi a face de Deus e é uma luz brilhante» é, obviamente, uma frase que usa um formalismo, e, como tal, independentemente de ser verdadeira ou falsa, está fora do âmbito da discussão — porque é uma afirmação usando um formalismo.
ResponderEliminarNo entanto, há, no dia-a-dia, experiências que não podem ser expressas por formalismos. Pensa-se logo em experiências místico-mágicas, mas não é verdade :) O meu exemplo favorito é tentar explicar, a quem nunca tenha comido chocolate, qual é a experiência do chocolate, ou o que é o sabor do chocolate e em que medida é agradável.
Ora podemos, numa primeira abordagem, tentar usar alguns formalismos. Podemos descrever as propriedades químicas do chocolate ao nível quântico. Podemos abordar as receitas de como fazer chocolate. Podemos fazer tratados extensos sobre o que é o chocolate, quais os seus componentes, e como se combinam quimicamente para produzir uma coisa de que tanto gostamos. Podemos deduzir desses tratados pormenores como a sua textura ou o som que faz quando partimos um quadradinho.
Mas a verdade é que não podemos descrever a experiência de comer chocolate. Mesmo dizer que é «uma mistura de doce e amargo» é apenas uma analogia. Quem nunca tenha provado uma coisa simultaneamente doce e amarga não fará a menor ideia do que estamos a falar. Se dissermos, «é parecido com o café... mas não é a mesma coisa», quem nos ouça (e conheça bem o café) não saberá qual é a experiência do chocolate. Podemos até ir pela negativa: dizer que o chocolate não sabe a sabão, não sabe a carne assada, não sabe a couve cozida... procurando assim, pela exclusão de partes, chegar a uma descrição que transmita ao nosso interlocutor o que é que é a experiência do sabor do chocolate.
Ou seja, a experiência do sabor do chocolate não é passível de ser descrita por um formalismo simbólico, ou, por outras palavras, não podemos «falar» dessa experiência usando conceitos, regras, expressões, etc.
No entanto, obviamente que não podemos dizer que a experiência do sabor do chocolate não existe. Basta alguém comer um pedacito de chocolate que adquire imediatamente a experiência desse sabor. Duas pessoas que tenham comido chocolate sabem perfeitamente de que experiência estão a falar — mesmo que não a saibam colocar por palavras. Se formos mauzinhos, podemos ir mais longe e dizer: «Se a experiência do sabor a chocolate fosse capaz de ser expressa por palavras, estas não descreveriam a experiência do sabor a chocolate». Na realidade sabemos perfeitamente que assim é.
Do mesmo modo, lemos nos rótulos das garrafas de vinho coisas como «frutado, com um toque áspero no final». Mas se nunca tivermos bebido vinho, não conseguimos perceber o que quer dizer «frutado» ou em que medida o vinho, uma substância líquida, pode ser «áspera». Não faz sentido. No entanto, ao bebermos esse vinho, compreendemos as analogias, embora saibamos que não são realmente descrições, mas sim metáforas muito vagas que pouco ou nada têm a ver com a experiência de beber vinho em si, embora, certamente, possamos ter essa experiência — é real para nós (e para todos os que bebam vinho ou comam chocolate).
Mas é importante não cair no erro inverso. «Experimentei algo de maravilhoso, e como não tenho palavras para o descrever, só pode ser Deus». Se entramos no campo das «experiências não-descritíveis», como distinguimos a experiência de um deus da experiência de chocolate ou de vinho?
ResponderEliminarÉ claro que podemos dizer que no caso do chocolate ou do vinho, é fácil. Bastam duas pessoas experimentarem o mesmo chocolate que têm uma experiência semelhante. Ninguém que prove chocolate terá uma ausência de experiência: mesmo alguém que tenha removido as glândulas que detectam o sabor terá, pelo menos, uma sensação de tacto (com a língua), que, mesmo que incompleta, será semelhante à das restantes pessoas. Há, pois, sempre uma experiência, que pode ser descrita por analogia.
No caso de experiências «divinas» ou «sobrenaturais» o problema é muito maior. Primeiro, se essa experiência fosse «partilhável», então ela seria semelhante. Isso claramente não acontece: uns vêm deuses barbudos, outros vêem criaturas com muitos braços e pernas, outros vêem «luz», etc. E uns — a maioria, de facto — não têm qualquer experiência de todo. Outros têm «experiências» quando estão a dormir, quando estão bêbados, quando estão sob a influência de drogas alucionogénicas, etc. Assim, no ramo deste tipo de experiências, a questão principal é perceber — se de facto há alguma experiência — em que medida esta não é meramente auto-induzida e não replicável, sem possibilidade de ser experimentada por terceiros. Voltemos aos exemplos parvos, porque são os mais fáceis de compreender. Se quero que mais alguém tenha a experiência do chocolate, dou-lhe um pedaço de chocolate e peço para comer. A experiência é replicável e transmissível.
Mas se quiser replicar a experiência, por exemplo, de um «Deus barbudo antropomórfico, do qual nós somos feitos à sua face e semelhança», como a devo fazer? O método principal para «replicar» essa experiência é, basicamente, «rezar». Mas a verdade é que centenas de milhões de pessoas rezam todos os dias, e nenhuma tem essa experiência. Podem até admitir que estão a rezar «mal» mas isso não significa que usem outro método para obter a mesma experiência. Ou que não estão a rezar «o suficiente». Aceitam, pois, meramente por fé que essa experiência possa ser adquirida, mas que não seja para toda a gente, sendo no entanto incapazes de explicar por quê.
Isto seria a mesma coisa como esperar que uma pessoa sem provar chocolate pudesse obter a experiência do sabor de chocolate apenas lendo livros de receitas e tratados sobre chocolate. Na verdade, é impossível obter dessa forma a experiência do chocolate. Posto por outras palavras: se a experiência de chocolate está para além da aquisição de conhecimentos via formalismos — leitura de livros, raciocínio lógico, etc. — então não é com estes que se consegue obter essa experiência do sabor do chocolate. No entanto, basta comer um pedaço de chocolate para se ter a certeza de ter obtido essa experiência, e, quando a temos, não nos deixamos enganar por outra coisa qualquer que «pareça» ser chocolate de cacau (como por exemplo aquelas coisas horríveis feitas de alfarroba...). Sabemos perfeitamente o que é, e não precisamos de livros que nos digam o que fazer para obter essa experiência. Pelo contrário: os livros de nada nos servem.
Aqui o meu ponto de vista tem a ver essencialmente com a questão da aquisição de conhecimentos inequívocos sobre uma «experiência» que não pode ser descrita com formalismos simbólicos. No dia-a-dia, sabemos perfeitamente o que fazer e como fazer para obter experiências dessas — com chocolate, vinho, ou coisas mais abstractas, como a sensação de estar apaixonado, ou de nos doer alguma coisa.
ResponderEliminarQuando se fala em abarcar racionalmente aquilo que alegadamente está «para além do espaço e do tempo», e que alguns chamam de «deus», a dúvida então é: se é uma experiência tangível como comer chocolate, beber vinho, estar apaixonado, ou sentir uma dor de dentes — nenhuma das quais pode efectivamente ser descrita satisfatoriamente por um sistema formal — então como é que se obtém essa experiência? E, quando se obtém, como se tem a certeza dessa experiência? E quando se tem essa certeza, como é que esta é transmitida para que outras pessoas possam beneficiar da mesma experiência, se qualquer forma de «transmissão» por via de um sistema formal ou simbólico (palavras, descrições, imagens, analogias...) nos está vedada? Se não sabemos responder a nenhuma dessas perguntas, então porque é que achamos que a experiência de facto é tangível, e não pertence ao reino da nossa imaginação, tal como o sonho que tivémos na noite passada? Qual é o factor determinante para separar essa experiência «mística» de algo que imaginámos na nossa cabeça?
Claramente não é pela via da lógica e do raciocínio (pois se assim fosse, a «experiência transcendental» estaria sob o domínio das ciências da mente como a neurologia, a psiquiatria, etc.). Mas então qual é a via?
E não me respondam: «pela fé» ou «rezando muito» porque a verdade é que centenas de milhões têm fé e rezam muito e não têm qualquer «experiência» :)
Sr. Luís Miguel Sequeira:
ResponderEliminarVejo que não teve dificuldades em desembaralhar a “baralhada” que parece ter baralhado o sr. Ludwig. Fico feliz por isso e, sobretudo, fico-lhe muito agradecido pela atenção e comentários, merecedores de melhor resposta do que a sucinta que possa dar aqui.
À 1ª parte do argumento:
(a)Que a selecção natural actua sobre a cultura tal como sobre os genes é uma concessão minha a Dawkins e aos psicólogos evolucionistas. - Tal como os genes, herdados do meio biológico, os “memes” ou padrões de cultura, herdados do meio social, são reproduzidos de geração em geração, adaptam-se e evoluem com o tempo. A ideia em si não é implausível: não haveria nenhum fosso a separar a “natureza” da “cultura”, porque os efeitos da vida social são tão naturais como os da biologia. E isto, em princípio, nada tem que ver com a ideologia do “darwinismo social”.
À 2ª parte:
(b) O sentido do conceito de “criação” está implícito no contexto: produção (“natural” ou “artificial”) de alguma coisa que não existia antes. Os sucessores do sapiens podem surgir tanto por via da selecção natural como pela “artificial” das biotecnologias e outras referidas no pressuposto (g). Neste último caso, tal produção pode ser a parte da cooperação humana no processo total da produção divina do universo, que se desenvolve no tempo.
(c) “À imagem e semelhança de Deus” e o “crescei e multiplicai-vos” (trivialmente interpretado), são crenças típicas do teísmo hebraico-cristão. Tais crenças parecem adequadas ao argumento, mas são marginais e extrínsecas ao que o mesmo pretende mostrar.
À 3ª parte:
(d) Julgo entender como se lembrou de Godel e as referências que lhe faz, em si mesmas interessantes embora um tanto imprecisas .(Godel nunca sustentou que tudo eram “sistemas formais” lógico-matemáticos; confusão entre “formalismo” e frases da linguagem natural; incompletude não é incoerência, etc.) Agora, se considerarmos o conjunto fechado das experiências e crenças religiosas humanas, quer os sr. Luís Sequeira dizer que haveria alguma coisa nesse conjunto não completamente explicável por qualquer outro elemento desse conjunto? Por isso é que no meu argumento admiti que, prima facie, tal causa transcendente podia ser natural; mas, para evitarmos a regressão infinita ou a confusão entre transcendente e sobreveniente, a melhor explicação (pelo princípio de razão suficiente) é a de que a causa da noção de transcendência espacio-temporal é uma entidade não espacio-temporal. A alternativa é sustentar a regressão infinita (há quem a defenda); mas ,neste caso, tal noção (ou a experiência de tal entidade) permanece insuficientemente explicada.
(e) O exemplo que dá do chocolate ou do vinho tem sido usado por filósofos teístas para argumentar que a experiência do sagrado tem esse mesmo carácter básico, directo e evidente... para quem a saboreou; e assim como a referência ao chocolate ou ao vinho (enquanto entidades ontologicamente exteriores à experiência subjectiva) está bem fundamentada no funcionamento adequado das nossas sensações e percepções desses objectos, assim também a do sagrado quando se refere a um “Deus”, também exterior ao sujeito. Mas há desanalogias importantes, como o sr. Luís Sequeira bem salientou. Quanto a mim, a principal é esta (no quadro da experiência teísta): se eu provo o chocolate, tenho um conjunto de sensações e percepções cuja evidência (atenção, sr. Krippahl !) não sou LIVRE de negar. Mas, se Deus é livre e respeitador das criaturas que Ele quis livres, então dá-Se a conhecer quando Ele sabe que elas o querem conhecer. Por outras palavras: quando há uma infalível coincidência entre duas liberdades. Por isso é que tal experiência “não é para toda a gente”, como diz. Mas é falso que, como vê, sejamos “incapazes de explicar por quê”. E, se tal Deus existe, também se compreende que não há nem pode haver nenhum argumento humano, por logicamente, epistemologicamente ou retoricamente mais forte que seja, - capaz de ser de todo convincente para quem QUER viver sem Deus nenhum.
Corrigenda:
ResponderEliminarEntre outras pequenas gralhas que o leitor atento facilmente corrigirá, no final do argumento supra referi-me ao filósofo ateísta Graham Oppy, quando deveria ter dito Quentin Smith. Estava a pensar no meu outro argumento dedutivo a priori, que é do género daqueles que Oppy tem criticado.
Caro Duarte,
ResponderEliminarNão tenho muito mais a acrescentar. No caso de (a) não posso dizer que seja correcto, ou não, aplicar Darwin fora do contexto da biologia; provavelmente é tão válido (ou tão pouco válido) como aplicar Gödel fora do âmbito dos formalismos estritamente matemáticos. Por outras palavras, se eu aceitar que Gödel se pode aplicar fora do contexto dos formalismos matemáticos mais estritos, então terei que aceitar também a sua argumentação de que o mesmo se aplica a Darwin.
O ponto (b) é o que considero mais interessante, porque confesso a minha ignorância: nunca tinha visto este argumento antes. Em linhas gerais, a sua argumentação postula o seguinte: podemos imaginar um futuro em que hajam descendentes do homo sapiens, sejam eles por via evolutiva e selecção natural, sejam estes criados com recurso a biotecnologia ou cibernética. Em ambos os casos, os homo sapiens do futuro poderão relacionar-se com os do presente mostrando como foram «criados» a partir destes. Logo, podemos postular que o mesmo se passou relativamente ao passado.
Esse argumento é válido apenas se se admitir que existe uma «isocronometria» do processo, ou seja, que «seres inteligentes criam seres inteligentes» — tendo, pois, as «criações» a capacidade de reconhecer o seu «criador». Mas se olharmos meramente para a linha de descendência directa do homo sapiens, é fácil ver como a partir de um certo ponto no passado, teremos ancestrais que não têm essa capacidade de reconhecimento. Logo, não há «isocronometria» — desculpem o palavrão idiota que na realidade não existe, inventei-o apenas para descrever um processo que se presume que se mantenha igual ao longo do tempo. O que não é o caso. Ou seja: embora seja um facto assumir que a descendência futura do homo sapiens seja inteligente para reconhecer a origem no homo sapiens, o mesmo não se passa recuando no tempo.
(c) Por justamente serem marginais, e dependerem da aceitação do que é «adequado», melhor é suprimi-las: não estão lá a fazer nada excepto dar argumentação para que certos grupos positivistas se recusem a discutir o argumento :)
(d) Para resolver o problema da regressão infinita (concordo que seja o ponto essencial), há três soluções clássicas:
1) Deus.
2) Acaso (ou seja, quebra do princípio universal de causa-efeito).
3) Não há continuidade espácio-temporal; os conceitos de espaço e tempo são relativos mas não absolutos. Esta última solução é a que é usada pelos cientistas que defendem um modelo de supercordas para explicar todo o Universo, por exemplo, embora seja uma teoria actualmente não falsificável e por isso duvidosa. Já na filosofia oriental usa-se este argumento para excluir a necessidade de uma «causa primária» e, em simultâneo, não introduzir o princípio da acausalidade.
(e) Sim, não estava, de forma alguma, a ser original, mas sim a repetir argumentação conhecida. E estava apenas a dizer que existem experiências que todos temos das coisas mais naturais possíveis mas que no entanto não são passíveis de serem descritas pela linguagem.
EliminarMas tem de explicar melhor a questão do livre arbítrio na experiência :-) Eu posso perfeitamente negar a evidência das sensações e percepções das experiências que não são descritíveis. Vou buscar outro exemplo clássico. Vou-lhe perguntar se ontem sonhou alguma coisa durante a noite. Se sim, prove-me que o fez.
Se não me conseguir provar que sonhou, eu posso negar a sua percepção, mas o Duarte pode fazer o mesmo: será que sonhou mesmo? Será que pôde ter uma experiência que não é comprovável por mais ninguém? E, se a teve, como explicá-la?
Quanto a introduzir a palavra "deus" no contexto da conversa, terá que me explicar primeiro de que "deus" está a falar: quais os atributos e qualidades desse "deus". Caso contrário é meramente um conceito vazio de significado.
Posso é ser mauzinho e fazer uma aposta consigo de que, seja qual for o conjunto de atributos com que qualificar esse "deus", vai entrar em contradições e absurdos que o forçarão a concluir que não pode existir nada com os atributos que escolheu :) Muito provavelmente terá de defender então um "deus para além dos conceitos" ou "cujos conceitos não podem ser qualificados" e caímos então no mesmo problema que o chocolate: como poderemos validar a experiência de algo que não pode ser descrito, e como poderemos saber que temos, de facto, essa experiência, se nada do que for descrito é reconhecível como sendo essa experiência? :-)
e eu que andava a perder isto... :)
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