sexta-feira, outubro 05, 2012

Treta da semana (passada): life coaching.

Segundo a página no site da Akademia do Ser, o life coaching «tem como princípio a exploração dos recursos inerentes ao individuo, tendo em vista o reequilíbrio da vida, o atingir de objetivos, melhorar a comunicação e a definição de um caminho nas várias áreas da vida»(1). Parecem-me bons princípios. Menos clara, e mais duvidosa, é a afirmação de que «Utilizando conceitos da psicologia, filosofia, espiritualidade, entre outros, o LifeCoaching, permite um trabalho a nível individual, sendo facilitador da mudança e potencializador do desempenho.» Para tentar perceber como se potencializa o desempenho com estes conceitos, e o que é o life coaching na prática, fui dar uma olhada nos vários treinadores de vida que a Akademia do Ser recomenda. A sua formação e especialização é bastante diversificada. O Pedro Sciaccaluga (2) é engenheiro civil e certificado pela European Coaching Association (3). A Lígia Neves (4) tem experiência em marketing, um curso de PNL e uma formação em Eneagrama (5). Parece ser também a mais careira, cobrando até 65€ por cada treino de vida, se bem que em treinos de hora e meia. O Pedro leva 60€ por uma hora, por isso, para quem estiver destreinado da vida, a Lígia sai mais em conta. A Susana Vieira é a mais económica, só 25€ por consulta, mas não sei qual a duração dos seus treinos (6). Além de ter «muito gosto e profundo respeito pelo ser humano», o que é inegavelmente bom, é certificada pela ECIT e pela CCF e também dá consultas de florais de Bach (estas 35€, mas com os florais incluídos).

Se bem que esta amostra de treinadores já me tenha permitido formar uma opinião acerca do life coaching, foi na página da Maria Melo, uma das fundadoras do site, que encontrei o indicador mais claro. Segundo esta, a eficácia do treino de vida foi empiricamente comprovada: «Em 1979 foi realizado um estudo com os alunos de Harvard e apenas 3% dos finalistas tinha definido e escrito objectivos, 13% tinha definido objectivos mas não os tinha escrito e 84% não tinham qualquer objectivo definido. 10 Anos mais tarde os mesmos estudantes foram entrevistados, o grupo dos 13 % que tinha definido mas não tinhas escrito os objectivos ganhava o dobro do grupo dos 84% que não tinham qualquer objectivo definido. O grupo dos 3% que tinham definido e registado os objectivos ganhava em média 10 vezes mais do que os outros.»(7) Estes resultados são uma demonstração clara e objectiva de que as técnicas do life coaching funcionam. Só é pena serem fictícios.

O estudo mencionado, sem qualquer referência bibliográfica, é treta (8). Por vezes referem que foi feito em 1953, outras em 1979, umas vezes em Yale outras em Harvard, mas sempre sem qualquer correspondência com a realidade. O que há é um estudo de 2007, da Dominican University of California, que tentou testar a eficácia de três métodos base do tal coaching, incluindo esse de escrever os objectivos. Pediram a alguns voluntários para escrever os seus objectivos para as quatro semanas seguintes, a outros que só pensassem nos objectivos e, findo esse período, pediram para cada um classificar o sucesso que tinha tido a atingir esses objectivos. O resultado foi que quem tinha escrito relatava um maior sucesso, em média, do que quem só tinha pensado. A diferença foi modesta e totalmente subjectiva, ao contrário do que seria se tivessem um salário dez vezes maior. Além disso, o estudo não permite distinguir várias explicações alternativas. Por exemplo, se quem escrevia atingia mais objectivos do que quem só pensava nos seus ou se apenas arriscava menos, por ter de escrever, eliminando da lista os objectivos menos realistas (9).

Subjectivamente, tanto os testemunhos positivos na página da Maria Melo como os testemunhos negativos (10) indicam que o contacto íntimo com o “treinador” pode ter um grande impacto no cliente. Afinal, ter alguém que oiça e dê algumas palavras de apoio, mesmo que pago à hora, pode ser muito importante para algumas pessoas. Se esse impacto é, em última análise, positivo ou negativo penso que será sobretudo uma questão de sorte. Parece-me que é como escolher alguém que não se conhece de lado nenhum e tratá-lo logo como um amigo de confiança. Mesmo pagando, é arriscado. Objectivamente, suspeito que os resultados serão tão fiáveis como os do tal estudo de Harvard.

Mais fundamental do que isto, parece-me haver algo errado, e até contraditório, em contratar-se um treinador para «desenvolver o seu potencial máximo como pessoa». Errado porque desenvolver o potencial como pessoa não é como desenvolver o potencial na patinagem, matemática ou mecânica de pesados. Nestas áreas há medidas claras de desempenho que o perito pode usar para avaliar e orientar. Não é claro que critérios o life coach pode usar para saber se o cliente está a ficar mais pessoa ou menos pessoa durante o treino. E é contraditório porque ser pessoa é ser-se a si próprio. Não quero pôr em causa as competências da Maria Melo em coaching, PNL, Filosofia de Vida ou lá o que seja, se bem que recomendava um pouco mais de cuidado com as referências bibliográficas. Mas não me parece que seja a pessoa mais indicada para me dizer como eu melhor posso ser eu. Julgo até que descobrir isso por si próprio é a parte mais importante de ser pessoa.

1- Akademia do Ser, Coaching.
2- Akademia do Ser, Pedro Sciaccaluga
3- ECA, Potugal
4- Akademia do Ser, Lígia Neves
5- Wikipedia, http://pt.wikipedia.org/wiki/Eneagrama de Personalidade
6- Akademia do Ser, Susana Vieira.
7- Akademia do Ser, Maria Melo
8- Mike Morrisson, RapidBI, Harvard Yale Written Goals Study – fact or fiction?
9- Resumo aqui, em pdf, via (8).
10- Por exemplo, este

13 comentários:

  1. Explica lá o que entendes por «desenvolver o potencial como pessoa» para que perceba o teu argumento no último parágrafo :)

    De resto, excelente análise.

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  2. Estou aqui a pensar tornar-me perita em Science coaching, que achas? Por apenas 60€/hora explico porque é que é possível chamar teoria à teoria da evolucão sem ser uma patacoada, qual a diferenca entre astrologia e astronomia e o porquê dos cientistas teimosamente evitarem a palavra "dogma". Ou seja, o mesmo que fazes aqui, mas sem ser à borlié, seu pacóvio :)

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  3. Patrícia,

    "Explicar"? Que raio de coaching é esse? Tens é de potencializar, contextualizar, dinamizar e facilitar.

    Eu tenho de fazer isto de borla porque só sei explicar...

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  4. Miguel,

    Não sei o que eles querem dizer, mas "desenvolver o potencial como pessoa" parece-me querer dizer ser tão pessoa quanto se pode ser. E acho que aquilo que mais uma pessoa tem de mais saliente é a auto-determinação. Uma aranha é uma aranha porque nasceu aranha e pouco pode fazer acerca disso. Alguém que seja astronauta, avô carinhoso, aldrabão, divorciado, poeta e cozinheiro fez bastante por isso. Daí que me pareça que quanto mais alguém depender de coaching para ser o que é menos pessoa será.

    Mas talvez isto seja existencialistas demais? :)

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    1. "Uma aranha é uma aranha porque nasceu aranha e pouco pode fazer acerca disso."

      Exactamente! Os seres vivos reproduzem-se de acordo com o seu género, tal como a Bíblia ensina.

      Ainda assim, os engenheiros não devem subestimar o design das aranhas, podendo aprender muito com ele...

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  5. hummmmm, 4 comentarios e não vejo nem um post do perspectiva??? algo vai mal no reino de Krippahl...

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  6. O homem tem uma necessidade (talvez irracional) de compreender e dentro do possível controlar o mundo que o rodeia e só assim ele consegue sossegar os seus receios e ter alguma satisfação. Também necessita que o seu conjunto de crenças, que lhe são transmitidas pela sociedade, forme um conjunto razoavelmente coerente, para se sentir tranquilo (ou feliz). As sociedades humanas normalmente resolvem este assunto através da religião, que corresponde a uma sabedoria, que foi construída ao longo de milénios, pelos seus antepassados, e que tende a instituir um conjunto de regras e crenças harmonioso que normalmente é muito eficaz a resolver os dramas íntimos de cada um dos indivíduos. Também ocorre que, pelas mais variadas razões, de tempos a tempos, as religiões entram em crise, nestes tempos recentes surgem ilusões de que as religiões são coisas inúteis, para alguns são obscurantistas, são coisas do passado (talvez incompatíveis com a ciência), obstáculos para a evolução, são coisas fora de moda, feias, que já não se usam...
    Nestes momentos, o normal é que surjam oportunidades de negócio, onde se vende a ilusão de a felicidade pode ser concedida, a troco de um cobres e alguma crendice (é natural que um ar profissional, associado a vulgaridades new age e quiçá alguma ciência ajude ao negócio).

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  7. Tens de dar uma olhada nessa coisa da programação neurolinguistica.


    É a fonte desta coisa toda.

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  8. Bah!... Há anos que eu vejo, em tudo quanto é palestra de tipo comportamental (e de PNL também) ser feita referência a um estudo que atesta que, do que se diz, as palavras valem 7%, o tom de voz 38% e o resto fica para a linguagem corporal. Por vezes as percentagens mudam, mas o que não muda é dizer-se que "segundo estudos"; "estudos comprovam"; "foram feitos estudos"; "ficou provado que", mas nunca ninguém ser capaz de associar uma coisa a outra. Há anos que eu ando a dizer a toda a gente que se põe com isso, que o estudo não existe e que a mensagem mais não é do que uma conclusão abusiva tornada mito sobre um estudo antiquíssimo e desactualizado, que não media exactamente isto; que não foi feito com essa intenção nem permite tal conclusão; que não controlou variáveis parasitas e que não foi aferido para novas populações (este último aspecto, ainda assim, só faria sentido se de facto tivesse havido um estudo relacionado com o que diz ter havido, o que é falso). A todos quantos emendo apresento os dados (o tal estudo que deu origem à confusão e o que já se disse ao redor dele). E nem sequer as pessoas a quem mostro essa verdade se emendam, quanto mais o resto da carneirada. É uma vergonha, isso de as pessoas não quererem saber e nem sequer quererem saber se ensinam mal os outros. Eu, como formadora, fico pasma, desiludida e envergonhada. Bom texto!

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  9. Pois... Há sempre lobos em pele de cordeiros, enquanto houver fracos os espertos irão se aproveitar.

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