sexta-feira, julho 13, 2012

A Lusófona e o maná.

Por causa do ex-aluno Miguel Relvas, a Lusófona tem sido bastante comentada. Um dos rumores a circular pelas inter-redes é de que a Lusófona tem um protocolo com a Igreja Maná. Já falei disso em 2008 (1), quando encontrei o anúncio da «Escola Bíblica Maná» alegando que permitia aos alunos entrar «directamente para o terceiro ano universitário do Curso de Licenciatura em Ciências das Religiões». Mas já nessa altura apontei que «Esta informação parece estar desactualizada porque licenciatura agora é um primeiro ciclo de Bolonha e dura 3 anos» e que «A página na Lusófona também não menciona o acordo com a EBM». Hoje recebi um comentário do Paulo Mendes Pinto, director dessa licenciatura, a esclarecer que «não há qualquer acordo entre a [universidade] e a Igreja Maná». Para não ficar o esclarecimento enterrado num post com quatro anos, trouxe-o para este post.

Que aproveito para ligar à conversa do emprego público e privado. Numa universidade pública seria mais difícil dar um canudo por cunha. Um professor do quadro numa faculdade pública está contratualmente subordinado aos deveres desse cargo e não pode ser despedido só porque alguém quer. Por isso, é difícil pressioná-lo a fazer algo que não esteja de acordo com os seus deveres contratuais. Por exemplo, dar a um candidato equivalências pela sua experiência na direcção de um rancho folclórico. E convencer o conselho científico de uma faculdade pública a pactuar com tal coisa, nem que seja pelo silêncio, é praticamente impossível.

Em contraste, o contrato de trabalho no sector privado serve principalmente para subordinar o empregado aos interesses dos seus superiores. Há muito mais formas de o obrigar a fazer o que estes querem, mesmo que vá contra os regulamentos, deveres contratuais ou consciência profissional. É fácil ver que diferença faria se os polícias ou juízes fossem contratados pelo sector privado em vez de serem funcionários públicos.

Não quero dizer que o serviço público esteja isento de corrupção. Infelizmente, estamos muito longe disso. Mas há muita coisa que se considera corrupção no sector público e que é apenas bom negócio no privado. Uma clínica privada pode dedicar-se só a intervenções lucrativas, como a cirurgia estética. Uma escola privada pode escolher os alunos das famílias mais ricas. Uma empresa de segurança pode proteger só quem lhe paga. O mesmo empreendedorismo num hospital público, numa escola pública ou na polícia seria de condenar como corrupção. Independentemente do que possa ter acontecido na Lusófona, uma universidade privada é, sobretudo, um negócio cujo propósito é dar lucro aos accionistas*. Não quer dizer que os professores que lá trabalhem sejam menos conscientes ou queiram ser menos rigorosos do que os colegas das universidades públicas. Mas no sector privado estão sujeitos a outras pressões.

Quando se aponta que os funcionários públicos são mais difíceis de despedir é quase sempre só para dizer que têm uma vida mais fácil do que os trabalhadores do sector privado. Mas a moeda tem dois lados. É mais difícil despedir um funcionário público porque praticamente só pode ser despedido se violar o seu contrato de trabalho, enquanto o trabalhador do sector privado até pode ser despedido simplesmente por dar jeito ao patrão, ao administrador, ao senhor director ou a seja quem for que mande nele nesse momento. O outro lado desta diferença é que, no serviço público, estes chefes têm muito menos poder do que no sector privado. Muito menos poder para pressionar os subordinados a fazer o que dá jeito aos chefes. Se bem que isto reduza a tal “flexibilidade” que muitos economistas elogiam no sector privado, também protege os profissionais de pressões e interesses que os possam desviar do exercício correcto da sua profissão. E em muito daquilo que os funcionários públicos fazem, desde a defesa nacional à educação e saúde, isto é importante. Antes assim que, para facilitar os despedimentos por razões económicas, dar a quem tem cargos administrativos no Estado tanto poder para manipular os seus subordinados.

* Apesar de não ser grande fã do catolicismo, aqui tenho de reconhecer que a Universidade Católica é um caso diferente. Para bem ou para mal, apesar de ser uma instituição privada, o seu propósito é muito mais ideológico do que de económico, o que explica a sua reputação de excelência, e também a sua influência nos círculos do poder.

1- Treta da Semana: A Escola Bíblica Maná.

5 comentários:

  1. Confesso que me tinha escapado esse teu artigo de há 4 anos atrás... muito interessante!

    Quanto ao problema que referes — de a "corrupção" ser mais fácil em estabelecimentos privados do que nos públicos — há um bom método para resolver o problema: basta o Ministério da tutela ser mais rígido no controle que efectua. Se uma universidade privada não seguir rigorosamente os critérios estabelecidos, as suas licenciaturas não são aprovadas, e pronto. Em certa medida, isto esteve um pouco na origem de muitas "guerras" entre as Ordens e as universidades privadas; por exemplo, a própria Lusófona levou muito tempo a ter a sua licenciatura em arquitectura aprovada pela Ordem (e se calhar agora até verá essa aprovação revogada!). Não quero com isto dizer que as Ordens se devem "substituir" ao Estado, ou que são organizações livres de corrupção e interesses — infelizmente não são — mas são mais um exemplo de como a sociedade civil (o Estado e as organizações de profissionais) podem, de certa forma, controlar e circunscrever a corrupção no ensino privado.

    Estou a dizer "podem". Não quer dizer que efectivamente o façam ou que tenham todos os meios que seriam adequados a fazê-lo.

    Do ponto de vista ideológico, nem sequer sou a favor da abolição do sector privado, só porque tem mais corrupção :) Pelo contrário, defendo um Estado minimalista, mas que empregue toda a administração pública na fiscalização rigorosa do sector privado. Este é um modelo social-democrata utópico (mas lá porque seja utópico, não quer dizer que seja uma fantasia!): em vez de optar por uma solução em que o Estado presta todos os serviços possíveis e imaginários, competindo e concorrendo com o sector privado, delega todas as suas funções no sector privado — via concessões e concursos públicos para obter as melhores ofertas — mas exerce um controle e fiscalização mais apertados e rigorosos. O nosso sistema é misto e falível: nem as entidades sob a alçada do Estado funcionam bem, nem o sector privado é fiscalizado de forma competente. Ou seja, temos o pior de ambos os lados... :(

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  2. Miguel,

    «basta o Ministério da tutela ser mais rígido no controle que efectua.»

    Não. Por exemplo, como é que o Ministério da tutela garante que um 18 a Pensamento Contemporâneo foi merecido e não cunha? Não há maneira de o fazer sem a colaboração do professor que avalia o aluno. É por isso que a melhor forma de o conseguir é tendo professores que estejam protegidos de pressões de um superior hierárquico. Se um aluno, para obter o grau, tem de ser avaliado por vários professores, esta maior independência funciona como uma forma de peer review e reduz a possibilidade de aldrabices. Em contraste, se está tudo dependente de um superior que os pode despedir lá se vai a isenção. Basta que o aluno seja amigo do superior. O Ministério da tutela não pode controlar isso a menos que vá o ministro da tutela encarregar-se de todos os exames pessoalmente. E aí o resultado ainda é pior...

    «Do ponto de vista ideológico, nem sequer sou a favor da abolição do sector privado, só porque tem mais corrupção :)»

    Nem eu, e não digo que tenha mais corrupção. O problema é que aquilo que é corrupção numas coisas não precisa de o ser noutras. Por exemplo, se eu tenho uma empresa, decido alocar fundos para projectos piloto independentes e financio um projecto teu por seres meu primo isto não é corrupção. É a minha empresa, faço o que quero. Mas se estou a gerir fundos públicos e te dou o dinheiro a ti por seres meu primo, isso é muito grave.

    O meu ponto não é que se acabe com o sector privado, mas que se reconheça que o sector privado é adequado para certas coisas mas, para outras, tem de se funcionar de maneira diferente. No caso de projectos com dinheiro público, por exemplo, não pode haver ninguém no topo com poder para decidir tudo e, por isso, tem de se proteger os vários funcionários envolvidos de pressões que possam vir dos seus superiores hierárquicos.

    «Pelo contrário, defendo um Estado minimalista, mas que empregue toda a administração pública na fiscalização rigorosa do sector privado.»

    Isso é do pior que se pode fazer. Um Estado minimalista com poder de fiscalização rigorosa quer dizer um conjunto pequeno de funcionários públicos com o poder de exigir luvas de uma data de agentes económicos privados. Isso dá asneira.

    O que eu acho melhor é ter um Estado com o tamanho que for preciso (10% dos trabalhadores portugueses são do Estado, não me parece excessivo) de forma a diluir esses poderes entre os pares, e dar-lhes condições de trabalho tais que estejam protegidos de pressões indevidas. Desta forma cada mação podre terá as suas acções limitadas pelos colegas, e será mais difícil haver corrupção. E separa-se as tarefas. No sector público fica aquilo em que é preciso fazer o trabalho pelo trabalho em si -- segurança, justiça, educação, etc, e no privado aquilo que pode ficar subordinado ao lucro, como fábricas de automóveis, supermercados, agências de viagem, e assim por diante.

    «O nosso sistema é misto e falível: nem as entidades sob a alçada do Estado funcionam bem, nem o sector privado é fiscalizado de forma competente.»

    Não defendo as entidades do Estado por funcionarem bem, mas sim por funcionarem melhor do que as alternativas. O nosso sistema judicial pode ser uma bosta, mas se o privatizássemos era bem pior. Mais eficiente, mas na direcção errada. E não me parece que o Estado possa fiscalizar o sector privado de forma competente. A solução mais eficaz será sempre decidir se uma actividade fica melhor no sector privado, e aí terá fiscalização mínima, apenas para garantir segurança e sustentabilidade, ou se fica melhor no sector público para reduzir conflitos de interesse. E o Estado ter o tamanho que for preciso. Não é o tamanho do Estado, em si, que importa (mas isso será para outro post).

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  3. Há diferenças claras entre formados em universidades públicas e privadas. Não apenas observáveis nas competências técnicas adquiridas como em aspectos comportamentais, linguagem utilizada e até na indumentária. Repito: uma das maiores desgraças da política portuguesa contemporânea, partidos, parlamento, governo, blogosfera de suporte, é ter sido ocupada por licenciados em universidades de vão de escada.

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  4. portugal não tem dimensão para poder ter universidades privadas com critérios de exigência e ao mesmo tempo ter dinheiro para pagar funcionários.
    é apenas isto , o resto são consequências deste panorama.

    e com a diminuição de alunos o quadro que era mau piorará ainda mais.

    ninguém aprece querer assumir que dada a dimensão do país e o pequeno mercado existente existem muitas áreas onde o estado tem de estar presente.

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  5. É fácil ver o que aconteceria se os juízes não fossem privados e o capital não tivesse apoio judicial perpétuo...um juiz presidente de qualquer cousa privada até phodia sugerir que se taxasse o capital que se evade com a ajuda do tribunal sem tribuno?

    se a poliça fosse privada...ah isse era perigoso segurança privada com armas dava nisto num faroeste
    porte de arma só pra gente do gueto claro....

    Portugal

    463
    USA

    391
    Brasilien

    257
    Tyskland

    83
    Rusland

    46
    Polen

    31
    Holland

    26
    Japan

    25
    Luxembourg

    18
    Sydkorea

    13

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