quinta-feira, outubro 27, 2011

Venham mais vinte...

No mês passado a União Europeia decidiu aumentar de cinquenta para setenta anos o monopólio concedido a gravações musicais. O que é uma asneira. Serve apenas para beneficiar empresas discográficas, que detêm os direitos de reprodução de gravações antigas, e uns poucos artistas já ricos e famosos. E isto à custa dos artistas novos, porque o dinheiro que o público gastar em obras com mais de meio século já não irá para artistas que ainda fazem algo de novo (1). Além disso, quando produtores e artistas gravaram essas músicas foi-lhes concedido cinquenta anos de monopólio, depois dos quais a gravação se tornaria domínio público. Foi esse o contrato celebrado. Estender estes monopólios sem qualquer contrapartida para a sociedade é uma aldrabice (2).

Mas, neste caso, não estou muito desanimado com a vitória das editoras. Como diria Pirro, mais umas vitórias assim e lixam-se de vez. Considere-se, por exemplo, as cândidas palavras da Associação Fonográfica Portuguesa e da Passmúsica, que cobra “direitos conexos” em festas e bailaricos: «a Extensão dos Direitos Conexos é uma grande conquista para a indústria musical portuguesa, que corria o risco de ver cair no domínio público as prestações de grandes nomes da sua música, como Amália Rodrigues ou Carlos do Carmo.»(3) Ou seja, o “risco” de gravações da Amália, ou do Carlos do Carmo, com mais de cinquenta anos, passarem a fazer parte da nossa cultura como fazem os sonetos de Camões ou as peças de Gil Vicente. É um risco, mas só para quem nos quer cobrar pelo acesso à nossa cultura.

Em 1841, na Câmara dos Comuns do parlamento britânico, o barão Thomas Macaulay argumentou assim contra a proposta de estender o monopólio concedido ao autor até sessenta anos após a sua morte: «se esta medida for aprovada, e se dela advir apenas um décimo do mal que se estima que gere […] surgirá em breve um remédio, se bem que reprovável. […] De momento, o detentor destes direitos tem o público do seu lado. Os que violam o direito de cópia são vistos como canalhas que tiram sustento a quem o merece. […] Aprovem esta lei e esse sentimento acabará. […] Todo o engenho será empregue para fugir a esta lei; e toda a nação conspirará para o fazer.» (4)

Já não estamos em 1841 e, agora, estas palavras são ainda mais relevantes. No tempo de Macaulay era difícil copiar livros e, sem o apoio da indústria, nenhum autor conseguia chegar ao seu público. O sistema de monopólios sobre a cópia surgiu dessa limitação tecnológica. Mas agora o autor pode vender o seu trabalho directamente a quem o aprecia, em vez de receber as migalhas do distribuidor, e estes monopólios já não são necessários. E agora qualquer pessoa pode copiar facilmente qualquer obra digitalizada, pelo que estes monopólios dependem inteiramente da sensação, já meramente ilusória, de que são justos. Dar, de borla, mais vinte anos de poder às editoras para proibir cópias de músicas da Amália é um bom passo para o fim definitivo deste sistema abusivo e anacrónico.

Quanto mais os distribuidores nos impingem leis injustas e disparatadas, mais atenção chamam para o problema fundamental do copyright. Estas leis são feitas por eles e para eles. Não é do nosso interesse que nos proíbam de partilhar ou copiar. Não foi por escolha democrática que o alegado incentivo à criatividade nos veio custar liberdade de expressão, acesso à cultura e até a nossa privacidade, e em benefício quase exclusivo de intermediários. Muita gente já fez o que Macaulay previa e decidiu que não tem obrigação moral de respeitar estas leis, escritas às escondidas por encomenda das editoras. Mais do que isso, a consciência crescente destas leis está a dar ímpeto à oposição política, aumentando a popularidade dos partidos pirata e levando outros partidos a adoptar as mesmas ideias (5). Chamam-lhe uma grande conquista, mas duvido que cheguem a aproveitar os vinte anos extra de monopólio.

1- The Register, EU recording copyright extension 'will cost €1bn'
2- The Telegraph, Will copyright extensions ever end?
3- Passmúsica, Extensão dos Direitos Conexos, e também na AFP
4- Torrent Freak, Piracy and Copyright Challenges in 1841 Mirror Those of Today
5- Falkvinge & Co. on Infopolicy, Huge Victory As EU Party Group Adopts Pirate Perspective On Copyright Monopoly

81 comentários:

  1. O barão Thomas Macaulay tinha toda a razão.

    Mais do que todos os teus argumentos contra este tipo de monopólios, foi a convicção profunda de que as actuais leis que regulam os direitos de autor não são traçadas sob princípios democráticos com o objectivo de servir o bem comum, mas sim sob a mais abjecta perversão da democracia para servir as editoras - convicção essa que foi sendo cimentada por muitas notícias que tens partilhado, mas também por outros meios - que alterou radicalmente a minha percepção desta questão e o meu alinhamento.

    Hoje quero ver estas leis desrespeitadas, e abolidas, com tudo o que de negativo isso possa ter para as indústrias associadas. Perverterem o processo democrático para ganhar uns cobres e perseguirem as pessoas, com absurdidades sem justificação nem réstia de vergonha é algo que o benefício económico e cultural que poderia advir de um monopólio LIMITADO sobre a criação (que não tem nada a ver com o que actualmente existe) não justifica. E quando falamos na invasão da privacidade quase sem limites, numa luta sem tréguas para acabar com os (poucos) que ainda existem, as coisas ficam mais claras.

    Se não tivesse existido este abuso e esta perversão, eu estaria do lado da lei, legitimada pelos representantes do povo. Assim, sendo as leis que regulam a cópia baseadas em processos pouco transparentes e fundamentalmente desonestos, quero é que desapareçam.

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  2. João Vasco,

    É sempre bom ter várias linhas de inferência a levar à mesma conclusão :)

    Mas esses aspectos -- a diferença fundamental entre o digital e o analógico, o problema da censura nos monopólios do primeiro e a violação da democracia -- estão interligados. Acaba por ser tudo parte do mesmo.

    Se queres conceder um monopólio sobre a cópia de discos de vinil tens uma forma objectiva de decidir o que se pode ou não fazer, e essa regulamentação afecta tão pouco a vida da maioria das pessoas que é aceitável implementá-la por mero processo administrativo.

    Mas se queres conceder um monopólio sobre a informação necessária para recriar um ficheiro o problema é fundamentalmente diferente. Os bits em si não bastam. Tens de controlar o que as pessoas fazem com eles, o que tencionam fazer com os dados que trocam entre si, etc. Tens de bisbilhotar nas suas comunicações e no que fazem em privado. E tens de censurar informação. Isso é muito mais abrangente, não pode ser legitimado por uma mera decisão administrativa -- nem sequer pelo simples voto de maioria, visto que viola direitos fundamentais que a democracia deve respeitar -- e por isso acaba por ser implementado de forma ilegítima, abusando do sistema.

    É como a diferença entre regular a reprodução tipográfica de um poema em reprografias e casas de fotocópias e regular a partilha, entre privados, de qualquer descrição que permita recriar o poema. A última vai criar problemas de preversão da democracia, certamente, mas isso é consequência da diferença fundamental entre regular a cópia comercial de objectos concretos e a troca privada de informação em abstracto.

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  3. Concordo que o problema é mais abrangente, mas não nesse sentido.

    É mais abrangente porque isso tem ocorrido não apenas com as obras mas com outras formas de usufruto das mesmas (direitos conexos), não apenas com os direitos de autor, mas também com as patentes, não apenas sobre invenções mas sobre o ADN, e não apenas sobre estes assuntos relacionados com a propriedade intelectual, mas com muitos outros em que a democracia é pervertida para que a lei seja desenhada pela indústria que se propõe regular para seu próprio benefício.

    Simplesmente na propriedade intelectual o caso tem sido quase uma «caricatura» de todos estes problemas porque não tem existido qualquer tipo de pudor.

    E neste, ao contrário de outros casos, nem podemos falar de um eleitorado desatento. Muitos têm estado atentos ao fenómeno de abuso no campo da propriedade intelectual em particular, mas o legislador tem sido completamente alheio à vontade expressa do eleitorado, levando ao desacreditar do processo democrático. O artifício de usar compromissos internacionais para contornar o processo legislativo democrático mostra bem a ousadia daqueles que querem comprar os político em nome destas indústrias, e como as coisas chegaram longe de mais.

    Este desacreditar do processo democrático é algo que realmente não podemos aceitar que aconteça.

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  4. "E isto à custa dos artistas novos, porque o dinheiro que o público gastar em obras com mais de meio século já não irá para artistas que ainda fazem algo de novo (1)."

    Isto parece-me uma conclusão a la "cada obra copiada é menos uma venda"

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  5. João Vasco,

    «É mais abrangente porque isso tem ocorrido não apenas com as obras mas com outras formas de usufruto»

    Também, mas não só. Pensa no problema do poema. Regular a cópia do poema em casas de fotocópias é simples e pode ser feito por via administrativa sem atropelar a democracia. Mas restringir a transmissão de qualquer representação digital do poema é algo fundamentalmente diferente. Implica, entre infinitas outras coisas, proibir emails como “cria um ficheiro .zip de 568 bytes tudo a 0, muda para 1 os bits 1, 3, 4, 6, 9, 10, 15 … e descomprime com a password XPTO”. Restringir a partilha de ficheiros implica censura, que é contrária à democracia em si. Eu proponho que o problema mais fundamental é esta diferença entre a cópia de um bem material e a disseminação de informação.

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  6. Wyrm,

    «Isto parece-me uma conclusão a la "cada obra copiada é menos uma venda"»

    Pelo contrário. É difícil prever o que as pessoas fariam se isto ou aquilo, mas podemos assumir uma de duas simplificações. Uma é que as pessoas querem acesso à mesma quantidade de entretenimento, pelo que se descarregam o filme da net já não gastam dinheiro num DVD, cinema ou concerto. A outra é que as pessoas gastam uma parte do seu orçamento em entretenimento, e aquilo que entretém de borla, como jogar cartas, passear no jardim ou descarregar da net, não reduz o dinheiro que gastam em filmes, música, etc.

    A “cópia=venda” assume o primeiro modelo, em que o dinheiro estica o que for preciso e só conta a quantidade de cópias a que se acede. Não me parece nada realista. O segundo modelo não estará 100% certo, mas parece-me mais próximo da realidade. Se assim for, a borla não reduz o total investido, mesmo que reduza a venda daquelas cópias em particular.

    Se assumirmos este modelo como mais razoável, enquanto o CD dos Beatles for 20€ e se vender, vai haver uma fatia menor para o tipo que se estreou agora com o seu novo disco. Se o CD dos Beatles baixar para 2€, vai sobrar 18€ que será gasto noutras coisas, entre as quais o CD do tipo novo.

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  8. Ludwig,

    Já discutimos esse tema até à exaustão.
    Se conheceres a forma como o direito funciona perceberás que muitas vezes existe subjectividade a rodos. Os actos são julgados não apenas por si, mas também tendo em conta as presumíveis intenções dos autores, a interpretação das leis muitas vezes não é inequívoca, dando lugar a uma certa arbitrariedade na qual se confia no bom senso do(s) juiz(es), e por aí fora. Se acreditas que cada vez que saímos do domínio do inequívoco estamos inevitavelmente a trair a democracia, então qualquer sistema funcional é uma impossibilidade.

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  9. João Vasco,

    O problema não é o inequívoco ou a subjectividade por si. É evidente que entre o homicídio premeditado e por negligência há uma fronteira com algo de equívoco e subjectivo, como em tudo o resto na lei.

    O problema é que, neste caso, a passagem da regulação de algo objectivo e com poucos equívocos, como a fotocópia do poema, para a regulação de algo abstracto e subjectivo, como "tudo o que pode levar alguém a saber como é o poema", leva-nos de uma regulação que pode ser aceitável para uma censura inaceitável em democracia.

    Penso que a razão pela qual temos discutido muito este tema (até à exaustão não diria, pelo menos no meu caso, porque quem corre por gosto... :) é que tu estás a focar apenas o aspecto da subjectividade e equívocos isolado do contexto que o torna, neste caso, problemático.

    Eis a minha proposta, de outra forma: nenhuma democracia pode justificar a censura como medida de incentivo comercial, e só pela censura é que é possível impedir as pessoas de contornar qualquer monopólio sobre a distribuição de sequências de bytes.

    Se discordas, explica-me ou como a censura se justifica neste caso ou como podes impedir a partilha de sequências de bytes sem censura.

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  10. Ludwig,

    Portanto a tua interpretação do problema é que se caminha para uma situação em que a lei se está nas tintas para o dolo?

    Se assim for, acho que o João Vasco tem de aceitar a gravidade dessas intenções.

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  11. Francisco,

    Não é bem isso. É que a lei atinge um tal grau de arbitrariedade e uma tal abrangência de proibições que deixa de ser legítima.

    Neste momento, podemos considerar que alguém que tem os planos de um centro comercial, conta aos amigos que lá vai pôr uma bomba e constrói a bomba merece ser preso por tentar cometer um acto terrorista. Mas exigimos algo de concreto e bem definido para o prender. Comprar os explosivos, por exemplo.

    Agora supõe que se decide tornar ilegal a troca de informação que possa permitir a alguém construir uma bomba. O problema não é que o outro caso seja completamente objectivo. O problema é que agora passámos à censura de uma data de coisas, muito mais abrangente do que o que podia ser legítimo. Não me parece que em democracia se possa justificar proibir a consulta de livros, a conversa sobre explosivos, ilustrações de temporizadores, etc, só para impedir que as pessoas aprendam a fazer bombas.

    É este o problema que vejo com a extensão dos monopólios do copyright ao suporte digital. Passas de algo concreto e bem delimitado para uma censura demasiado abrangente e arbitrária (aquela sequência de bytes, qualquer sequência de bytes que se estime ser usada para calcular aquela, qualquer página da net que tenha links para qualquer dessas sequências, qualquer fórum de discussão com links para essas páginas de links, etc, etc).

    O meu ponto é que este problema é uma consequência inevitável das características do suporte digital. Nesse meio não se pode conceder monopólios sem censura, e a censura não é aceitável nem sequer para impedir que as pessoas façam bombas, quanto mais para impedir que oiçam música.

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  12. Ludwig:

    Ainda bem que dás o exemplo da bomba. Começas logo por sugerir-me uma situação em que suponho que todos concordamos que a censura pode ser legítima: para condenar o apelo à violência.

    Por exemplo, se alguém (o Rui) no seu site tem um texto que apela a que os outros ponham uma bomba num centro comercial, aceitamos a censura dessa mensagem, e a prisão de quem a transmite. É uma limitação à liberdade de expressão.

    Assumindo-se esta censura como legítima, então tens um conjunto, em teoria infinitamente abrangente, na prática bem mais restrito, de mensagens que são censuradas.

    Imagina que no seu (do Alfredo) site estava um conjunto de 0s e 1s, e um .gif onde se podiam ler as letras mp3.
    Alguém que criasse um ficheiro mp3 com aqueles 0s e 1s ouviria uma voz sintetizada a apelar a que uma bomba fosse colocada no centro comercial.
    A tua teoria é que estes 0s e 1s podem ser infinitas coisas, entre as quais uma descrição de um apelo violento. Certamente não vamos impedir os jornalistas de descrever as razões pelas quais o Rui foi aprisionado, e por essa ordem de ideias não vamos prender o Alfredo apenas porque ele pôs um conjunto de 0s e 1s que tanto podiam ser uma pintura abstracta como uma descrição das frequências usadas para apelar à colocação de uma bomba naquele centro comercial.
    Mas isto é um absurdo.

    Se consideras que é legítimo prender o Rui, então não é ilegítimo prender o Alfredo - ele quis transmitir precisamente a mesma mensagem, quis usar um artifício para contornar a lei.

    Tu dizes que os direitos de autor não pretendiam censurar a mensagem - a obra - mas sim o suporte, mas isso não faz sentido.
    Se alguém decidisse usar papiro em vez de papel, parar criar um «rolo» em vez de um livro, com o mesmo texto, o suporte seria diferente, mas o objectivo de contornar o espírito da lei seria evidente.

    É evidente que o espírito de uma lei que protege os direitos de autor (e aliás era por isso que eu sempre referia o plágio no mesmo contexto, negas que tenha alguma relação mas nunca me conseguiste convencer) prendia-se com a censura da obra, com objectivos comerciais, mesmo que fosse concretizada através da regulação do suporte - a consequência concreta de regular o suporte era uma efectiva censura. Mas não era uma censura a quem discutia a obra, descrevia em traços gerais (i.e. em uma precisão tão elevada que a descrição se tornava indistinguível da obra em si), ou tudo isso que temias que acontecesse, que nunca esteve em causa. Era censura a quem reproduzia a obra - e descreve-la com 0s e 1s de forma que a reproduz é uma forma «espertalhona» de contornar a letra lei, à qual a lei depressa de adaptou - neste ponto o espírito da lei manteve-se igual, ao contrário das tuas alegações.

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  13. João Vasco,

    O teu argumento assenta num equívoco acerca do conceito de censura. Supõe que eu escrevia um post assim neste blog:

    “O João Vasco merece um ensaio de porrada. Dou 100€ a quem for a casa dele e lhe partir as pernas com um barrote”.

    Se isto fosse uma ameaça e uma incitação à comissão de um crime, concordo que seria justo haver uma dissuasão legal. Mas não concordo que isto justifique a censura. Por exemplo, não me parece que este comentário deva ser punido apenas por conter o texto exacto que seria punível nesse outro contexto.

    O que se está a fazer nestes casos não é censurar. Pune-se um acto ilocutório, é verdade, mas o que se pune é o acto em concreto – o acto de incitar à violência, ameaça, incentivar a comissão de um crime, etc – mas não se pune a transmissão da informação, em abstracto. Por isso é que este comentário não viola essa lei, nem há justificação para me punir por isto. É a diferença entre telefonar para um centro comercial a dizer que há uma bomba ou escrever acerca do que seria se alguém telefonasse para um centro comercial a dizer “Vai explodir aí uma bomba! Se não saem todos vão morrer! Viva o grupo de libertação dos cogumelos de jardim!”

    Agora considera esta diferença no contexto dos monopólios sobre a cópia. Antes da internet, punia-se actos concretos como a cópia de um disco de vinil. Mas não se censurava a informação. Por exemplo, podias tirar fotos ao microscópio do disco e enviar para outra pessoa. Essas fotos conteriam toda a informação relevante para recriar a música, mas não seriam uma cópia do disco.

    No contexto digital, manter esta distinção entre censura e condenação de um acto concreto impossibilita a concessão de monopólios. Isto porque se o que fazes é condenar a cópia de um ficheiro – i.e. a reprodução exacta daquela sequência de bits no disco – é possível transmitir a informação relevante para recriar o ficheiro noutro lado sem o copiar (i.e. sem enviar a mesma sequência de bits). Para manter o monopólio, tens de fazer o equivalente a condenar este meu comentário por conter o texto da tal incitação ao crime da bomba ou de te baterem.

    Em suma, mesmo em casos de atentados terroristas, incitação ao crime e assim, como os exemplos que tu dás, justifica-se apenas condenar certos actos concretos mas nunca condenar a transmissão das ideias ou a descrição desses actos em si, seja com que detalhe for. Ou seja, não se justifica a censura. À parte de coisas como segredos de Estado ou contractos de confidencialidade, parece-me que o copyright no meio digital é o único caso em que há um mecanismo legal de censura. Ou seja, de proibição da partilha de certa informação qualquer que seja a forma em que é apresentada, e qualquer que seja o propósito com que a apresentam.

    Quanto a isto:

    «É evidente que o espírito de uma lei que protege os direitos de autor (e aliás era por isso que eu sempre referia o plágio no mesmo contexto, negas que tenha alguma relação mas nunca me conseguiste convencer) prendia-se com a censura da obra»

    É falso. Nunca houve leis que proibissem que uma pessoa lesse o livro em voz alta a outras, tocasse uma música onde outros pudessem ouvir, ensinasse um poema a outros, etc. Quanto ao plágio, não tem nada que ver com este assunto porque não levanta qualquer impedimento à partilha da obra, desde que não haja confusão quanto à sua autoria (não é um monopólio temporário sobre a cópia e distribuição concedido apenas por força da lei).

    O espírito desta lei foi sempre no sentido de regular certos actos sem nunca censurar. Com a extensão ao meio digital esse espírito desapareceu, e hoje em dia copyright é uma forma legal de censura.

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  14. Ludwig,

    Não compreenderes que o impedimento legar de fazer uma ameaça constitui uma limitação à liberdade de expressão (aquilo a que chamamos «censura») é o perfeito exemplo daquilo a que me refiro: parece que lidas mal com os aspectos da lei que não têm uma interpretação inequívoca.

    Claro que o texto que colocaste não é ilegal, visto que se considera a intenção de o teres escrito à luz do objectivo da lei que limita a liberdade de expressão que é evitar ameaças e violência.

    Na situação contrária, podes ter alguém que nunca coloca na internet esses caracteres que colocaste, mas apenas a imagem de uns desenhos que sugerem precisamente as mesmas letras, sendo claro que o seu objectivo é apelar à colocação da bomba. Assim, o que interessa não é se aquele conjunto exacto de caracteres foi posto na internet ou não, mas se o que foi colocado tende a ir contra os objectivos da lei, de evitar ameaças e violência.


    «Nunca houve leis que proibissem que uma pessoa lesse o livro em voz alta a outras, tocasse uma música onde outros pudessem ouvir, ensinasse um poema a outros, etc.»

    Não existiam essas leis, porque era virtualmente impossível que alguém lesse um livro em voz alta de forma a que quase toda a gente do mundo pudesse ouvir, de tal forma que fosse violado o objectivo das leis que era dar um incentivo económico a quem escreve o livro pela primeira vez.

    Isto na verdade é relativamente simples: o objectivo das leis era incentivar a fruição cultural das pessoas através de limitações que existiam à liberdade de expressão.
    Não podias convidar as pessoas para tua casa e fazê-las pagar um bilhete para ouvir o disco que tinhas comprado. Podias pôr o disco até porque essa possibilidade em vez de desencorajar a compra de discos, tinha o efeito contrário.
    Podias emprestar livros, o que poderia desincentivar a compra por parte daqueles a quem era emprestado, mas incentivava a compra de outros porque se podia emprestar.
    E por aí fora, as limitações à liberdade de expressão que existiam eram as necessárias para que o objectivo da lei fosse assegurado.
    Isto numa realidade em que a realidade era que empestavas o livro a um amigo ou outro, mas não podias emprestar o livro a 1000 pessoas em paralelo. Se sem internet fosse possível emprestar o livro a milhares de pessoas, incluindo desconhecidos, em paralelo, a lei já teria sido diferente na altura, pois a permissão livre de emprestar teria sido incompatível com os objectivos da lei. Simplesmente não era o caso.

    Isto não tem nada a ver com 0s e 1s, tem a ver com as limitações necessárias para assegurar o objectivo proposto.

    Claro que da mesma forma que a ambiguidade das leis relativas à ameaça poderiam violar a nossa liberdade de expressão se não existisse qualquer forma de bom senso - será que eu ao criticar o Passos Coelho estou a incentivar à violência contra o mesmo? Não existe nenhuma fronteira definida inequivocamente entre a crítica e o apelo à violência, portanto ao aceitarmos a lei que impede ameaças deixamos que os juízes controlem tudo o que dizemos. Mas isto é um disparate. Ocasionalmente há abusos por parte dos juízes, mas isso não justifica que a lei que a lei que impede a ameaça e o apelo à violência desapareçam.

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  15. Da mesma forma, sem qualquer forma de bom senso, o objectivo proposto de incentivar a criação cultural através de um monopólio concedido durante um número limitado de anos traria toda uma série de limitações adicionais à nossa liberdade de expressão para além daquelas que correspondem aos objectivos da lei. Mas quando ocorrem este tipo de abusos - tal como no caso das ameaças podem ocorrer - o mal não está nas leis (iniciais*), está na sua interpretação abusiva.
    É evidente que a senhora que estava a cantarolar na sua loja não estava a contornar a lei; mas é evidente que quem usa o formato mp3 e considera que colocar online o ficheiro mp3 é diferente de colocar online o ficheiro .wav (usando as tuas distinções que nunca me convenceram), estava. É evidente que descreveres um filme por palavras tuas não corresponde a uma forma de contornar a lei, mas se no teu site tens audiobooks lidos por ti de livros protegidos estás a fazê-lo.

    iniciais* - Nota bem que a minha perspectiva não é a da defesa acrítica das leis que existem. Pelo contrário, como está bem expresso nos comentários acima.
    Simplesmente, num mundo em que os políticos são representantes do povo, e as editoras não estão a tentar perverter o processo democrático, como seriam as leis? Eu acredito que quem coloca no seu site um filme de tal forma que coloca em causa o negócio de ir ao cinema está a violar a vontade do povo de criar um monopólio temporário sobre o filme para encorajar a venda do mesmo, e portanto a lei deve tornar ilegal essa prática.

    Quanto à tua distinção entre «a obra em si» e «descrição» (tão exacta que é confundível com a própria) da obra parece-me totalmente disparatada. Imagino que consideres que VENDER um CD com os ficheiros .wav de música protegida deve ser ilegal. Espero que consideres que o mesmo se aplica à venda de um CD com os .mp3 dessas mesmas músicas.

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  16. João Vasco,

    «constitui uma limitação à liberdade de expressão (aquilo a que chamamos «censura»)»

    Antes de continuarmos, queria deixar claro que não é esse o sentido relevante do termo “censura”. É certo que a palavra censura pode querer dizer muitas coisas. Um ralhete, um olhar de reprovação ou até uma “pena eclesiástica que priva os fiéis dos bens espirituais”, segundo o dicionário. Mas o sentido com que eu quero usar o termo aqui é estritamente aquele que designa a proibição de transmitir certa informação acerca de certa coisa.

    Se uma lei me proíbe de andar com um megafone na rua a partir das 23:00 a pedir que votem no meu partido, ou se o proprietário de uma casa me proíbe de afixar cartazes na casa dele, ou se telefono para casa de alguém a falar do meu partido e me desligam o telefone na cara, tudo isso limita de certa forma a minha liberdade de expressão. Nada disso eu considero censura, no sentido relevante para a diferença entre o copyright que havia e o que há agora.

    Se houver uma lei que me proíbe de falar do meu partido, escrever sobre o meu partido ou por qualquer forma transmitir a seja quem for qualquer ideia acerca do meu partido, isso sim, considero censura, neste sentido.

    Posto isto:

    «Assim, o que interessa não é se aquele conjunto exacto de caracteres foi posto na internet ou não, mas se o que foi colocado tende a ir contra os objectivos da lei, de evitar ameaças e violência.»

    Certo. Não se está a proibir a disseminação daquela informação ou ideia, mas apenas alguns usos concretos dessas expressões. Tal como no caso da bomba, queremos proibir que as pessoas façam bombas mas não censurar a troca de ideias e informação acerca de bombas.

    «as limitações à liberdade de expressão que existiam eram as necessárias para que o objectivo da lei fosse assegurado.»

    Isto não diz nada porque o objectivo da lei era incentivar a criatividade e distribuição sem interferir em liberdades fundamentais, como a privacidade e a liberdade de expressão. Nota que a lei original referia-se exclusivamente à impressão. Os direitos de cópia originais eram direitos de usar prensas para imprimir certas coisas. Mais nada. Não eram direitos sobre actuações, sobre recitais, sobre cópias feitas à mão nem nada disso. E mesmo conforme isso foi mudando, e ainda hoje, se escreveres um livro a gozar com outro livro não tens de pagar nada ao autor do original ou pedir-lhe licença, nem é preciso licença para partilhares livros com os teus amigos com o intuito explícito de reduzir o número de exemplares comprados, tens direito, por lei, de fazer cópias para uso pessoal e ninguém te pode exigir o pagamento de licenças para cantares no duche.

    «Isto não tem nada a ver com 0s e 1s, tem a ver com as limitações necessárias para assegurar o objectivo proposto.»

    Se o objectivo fosse o de regular alguns actos específicos sem censurar (no sentido descrito acima) , tal como podemos regular a compra de explosivos e o fabrico de bombas sem impedir que se fale sobre o assunto ou se descreva engenhos explosivos, então com 0s e 1s não poderia ser concedido qualquer monopólio, porque é impossível impedir apenas a cópia de uma sequência sem censurar toda a transmissão de informação acerca dela. O estender o monopólio às representações numéricas – coisa que nunca tinha sido feita antes – alteraram radicalmente este objectivo, que passou a ser o de censurar (no sentido descrito acima).

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  17. João Vasco,

    «o objectivo proposto de incentivar a criação cultural através de um monopólio concedido durante um número limitado de anos traria toda uma série de limitações adicionais à nossa liberdade de expressão para além daquelas que correspondem aos objectivos da lei»

    Há duas formas muito diferentes de limitar a tua liberdade de expressão. Uma delas é dizer-te que não te podes exprimir de certa maneira em certas condições. Por exemplo, que não podes usar um megafone ao pé do hospital. Mas sem te impedir que exprimas o que queres exprimir. Por exemplo, podes escrever um texto num cartaz em vez de o gritar com o megafone.

    A outra é impedir que certa informação chegue de ti a outras pessoas seja qual for a forma como tu a queiras transmitir. É esta última que eu considero censura, porque é esta que impede a expressão da informação em si e não apenas alguma coisa em particular que se faça em conjunto com essa expressão.

    E o problema fundamental é que no meio digital não faz sentido fazer esta distinção. Como usas codificações numéricas arbitrárias, dizer que não podes partilhar aquele ficheiro não impede de dares a alguém, por meio de outros ficheiros, a informação que precisa. Isto fez com que estender o copyright às codificações numéricas tenha mudado radicalmente o tipo de proibição. Deixou de ser “não podes fazer isto desta forma” e passou a “não podes dar esta informação aos outros de forma nenhuma”.

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  18. « Uma delas é dizer-te que não te podes exprimir de certa maneira em certas condições. Por exemplo, que não podes usar um megafone ao pé do hospital. Mas sem te impedir que exprimas o que queres exprimir. Por exemplo, podes escrever um texto num cartaz em vez de o gritar com o megafone.

    A outra é impedir que certa informação chegue de ti a outras pessoas seja qual for a forma como tu a queiras transmitir. É esta última que eu considero censura, porque é esta que impede a expressão da informação em si e não apenas alguma coisa em particular que se faça em conjunto com essa expressão.»

    No que diz respeito a ameaças, o que é proibido não é uma determinada forma de transmitir a informação - é a informação relativa à ameaça quando é evidente a intenção de ameaçar.

    No que diz respeito à publicidade enganosa, o fundamental não é a forma, é o conteúdo enganador associado à intenção de burlar.

    No que diz respeito à calúnia, o fundamental não é a forma, é o conteúdo associado à intenção.

    No que diz respeito ao plágio, o fundamental não é a forma como se transmite informação errada a respeito da autoria, é essa informação errada a respeito da autoria associada a uma intenção de enganar.

    E, por fim, no que diz respeito à violação da propriedade intelectual, o fundamental não é a forma como se viola um monopólio concedido pelos cidadãos ao criador ou aos que adquiriram estes direitos por parte do criador, é a reprodução (nem que seja através de uma descrição tão exacta que é indistinguível de uma reprodução simples) da obra de forma a colocar em causa os objectivos do monopólio, associada a uma intenção clara de violar este monopólio.

    Claro que o objectivo não é garantir lucros para quem vende reproduções da obra não importa o quê.
    Se os lucros serão diminuídos porque publicas uma obra a criticar a primeira, isso em nada viola o seu monopólio.

    Aquilo que é visto como ilegítimo é o «free ride» que inviabiliza o negócio.
    Explicando melhor: 100 pessoas estão dispostas a pagar 5 moedas para ver o filme, e o filme custa 90 moedas a ser produzido. Se o produtor tiver o monopólio e só puder ver o filme quem pagar o que o produtor cobra, ele pode avançar com as 90 moedas, cobrar 2 moedas a cada pessoa e fazer um lucro de 110 moedas. Cada pessoa ganhou 3 moedas (pagou 2 por aquilo que pagaria 5), para um ganho total de 300 moedas. Todos ficam a ganhar.
    Mas se o Jeremias for à sala de cinema, filmar o filme e puser na internet, de forma que mais ninguém tem de pagar as 2 moedas para ver o filme, o produtor não vai gastar as 90 moedas em primeiro lugar, o filme não é feito, e ninguém ganha nada. Nem o produtor as suas 110 moedas, nem os consumidores as suas 300.

    O objectivo da lei é evitar esta situação. E para isto tanto faz se quem espalha o filme o faz em .avi ou .mp4.

    E claro que para evitar estas situações não faz sentido limitar direito das pessoas de dizerem mal do filme, ou de o descreverem em traços gerais.
    O produtor pode perder dinheiro se fizer a aposta errada.
    O que a lei quer garantir é que ele não perde dinheiro se fizer a aposta certa, porque nesse caso ninguém faz a aposta certa, e ficam todos a perder.

    E repito algo que escrevi:

    «Quanto à tua distinção entre «a obra em si» e «descrição» (tão exacta que é confundível com a própria) da obra parece-me totalmente disparatada. Imagino que consideres que VENDER um CD com os ficheiros .wav de música protegida deve ser ilegal. Espero que consideres que o mesmo se aplica à venda de um CD com os .mp3 dessas mesmas músicas.»

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  19. João Vasco,

    «No que diz respeito a ameaças, o que é proibido não é uma determinada forma de transmitir a informação - é a informação relativa à ameaça quando é evidente a intenção de ameaçar.»

    Só quando associada ao acto de ameaçar. Se tu me dizes “Vou-te matar!”, é ameaça. Se eu digo ao polícia “O João Vasco ameaçou-me, dizendo «Vou-te matar»” eu estou a transmitir toda a informação relativa à ameaça mas a informação, por si, não é ilegal.

    Na publicidade enganosa, o que é ilegal é enganar. Não é a informação. Desde que eu não esteja a vender areia por farinha, posso empacotar areia num pacote que diz farinha, e falar disso, e contar anedotas com isso, etc.

    No caso da calúnia e do plágio, também o que conta é o acto em si, não a informação acerca do acto. Se eu disser que era perfeitamente possível eu copiar o teu texto e assinar como se fosse eu o autor, e até dar um exemplo de como ficaria o resultado, isso não será plágio mesmo que contenha toda a informação relativa ao plágio.

    Por fim, «no que diz respeito à violação da propriedade intelectual», tens duas situações diferentes. Fora do âmbito da representação digital, o que é protegido por lei são os actos de cópia em si. Por exemplo, se listares em papel os valores da intensidade do som de uma música medidos a 44KHz isso não é considerado uma cópia do disco de vinil, até porque não é um disco, é uma resma de papel com números. Uma sequência de números, fora do meio digital, está fora do que se pode considerar uma obra protegida ou uma cópia de obra protegida. Não podes reclamar copyright sobre uma sequência de números excepto no meio digital.

    No meio digital isto muda completamente e passa a haver censura. A restrição agora não é sobre certas formas concretas de representar essa informação, mas sobre qualquer representação, ou descrição de representação, etc, ad infinitum, que possa permitir recuperar essa informação. Isso é fundamentalmente diferente. Da forma como o copyright é aplicado ao meio digital não é permitido o equivalente de “Sr. Guarda, o João Vasco ameaçou-me dizendo «Vou-te matar!»” ou “considera o caso hipotético em que eu construía uma bomba e a punha num centro comercial”, etc, tudo formas legítimas de fornecer toda a informação acerca desses casos proibidos.

    «Quanto à tua distinção entre «a obra em si» e «descrição» (tão exacta que é confundível com a própria) da obra parece-me totalmente disparatada.»

    Achas disparatado distinguir entre uma ameaça e a descrição exacta de uma ameaça? Ou entre uma bomba e a descrição exacta da bomba? Ou entre uma burla e a descrição exacta da burla? Não me parece grande disparate essa distinção.

    Também acho perfeitamente razoável distinguir entre uma música e a descrição exacta da música. E, tal como nos outros casos, pode ser legítimo limitar certos actos concretos, como burlar, ameaçar, detonar bombas ou copiar discos, mas não ser legítimo proibir a descrição desses actos ou coisas.

    Quanto ao problema do free ride, é um inconveniente, não uma violação de direitos. Deve ser resolvido apenas da forma que resulte em maior conveniência sem violar quaisquer direitos. E se não puder ser resolvido assim, não se resolve, paciência. É como os free riders nas anedotas, nas demonstrações de teoremas ou nas jogadas de xadrez.

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  20. «Só quando associada ao acto de ameaçar. Se tu me dizes “Vou-te matar!”, é ameaça. Se eu digo ao polícia “O João Vasco ameaçou-me, dizendo «Vou-te matar»” eu estou a transmitir toda a informação relativa à ameaça mas a informação, por si, não é ilegal.»

    Sugiro-te que leias aquilo que eu escrevi. Fica perfeitamente claro que essa objecção não colhe.


    «Achas disparatado distinguir entre uma ameaça e a descrição exacta de uma ameaça?»

    Não. Mas uma ameaça que eu te envie sob a forma de um ficheiro .wav, ou que te envie sob a forma de um ficheiro .mp3 que descreve as frequências de uma ameaça sob a forma de um ficheiro .wav têm precisamente o mesmo valor.

    Como em todos os casos anteriores, importa a informação e importa a intenção.


    «Quanto ao problema do free ride, é um inconveniente, não uma violação de direitos.»

    Isso depende. Nota que os direitos que a lei consagra emergem (ou devem emergir) da vontade dos cidadãos e do melhor compromisso para que a vida em sociedade seja melhor para todos, conciliando da melhor forma diferentes vontades.

    Podias permitir o furto, e cada um que vigiasse os seus bens. Nada de metafísico diz que o furto deve ser punido. Mas tendo em conta que (quase) todos vivem melhor numa sociedade na qual o furto não é um direito, é em vez disso punido, e que este é um melhor compromisso entre as diferentes vontades, então estabelecemos o direito à propriedade nos moldes que conheces.

    Em última análise está em jogo uma situação semelhante. Eu tenho vantagem em furtar, mas tenho vantagem em que não me furtem.
    Mas a vantagem que tenho em furtar é menor que a desvantagem que tenho em que furtem.
    Se nenhuma lei existir para reprimir o furto, é natural que as pessoas em geral «percam» o jogo do prisioneiro. E todas, maximizando a sua vantagem individual, fiquem a perder.
    Por isso os cidadãos aceitam e querem que o estado lhes negue a liberdade de furtar, sabendo que a contrapartida dessa limitação é um ganho superior à perda.

    Consideração semelhante fizeram no caso do filme que exemplifiquei.

    O conceito em si de limitar a liberdade de pôr na internet o filme (ou a descrição tão exacta que é indistinguível do original) não é problemática.
    Só é problemática quando:

    -para ser implementada se tem de invadir a privacidade das pessoas. Isso seria análogo a proibir o empréstimo de livros e cassetes, fazendo buscas domiciliárias sem mandato para pôr em prática tal proibição

    -o processo legislativo é completamente pervertido tornando-se uma verdadeira farsa, sem qualquer pudor em «perseguir» aqueles de quem se quer fazer exemplo, queimando todas as garantias que o sistema de justiça deve assegurar no processo.

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  21. João Vasco,

    «Fica perfeitamente claro que essa objecção não colhe.»

    Não fica nada claro. Em todos os exemplos que considerámos há uma clara distinção entre o acto ilícito (ameaçar, pôr bombas, burlar, plagiar, etc) e o direito de descrever esses actos ou objectos com o detalhe que se quiser. Mesmo quando o acto é ilegal, o direito de o descrever é preservado.

    Isto inclui também o copyright fora do domínio digital. Mesmo sendo ilegal copiares um disco de vinil, é preservado o teu direito de o descrever com o detalhe que quiseres. Podes até listar as coordenadas de todos os átomos do disco. Não é prático, mas é legal fazê-lo.

    Quando chegamos ao domínio digital, a lei proíbe toda e qualquer descrição detalhada de certos ficheiros, sob que codificação seja feita, justificando isto apenas pela possibilidade de usar essa descrição para recriar esse ficheiro.

    «Como em todos os casos anteriores, importa a informação e importa a intenção.»

    Não é verdade. Não é a informação que importa, é o acto em si. Imagina que um conhecido teu me diz “Eu vou matar o João Vasco!” com a intenção de te assustar e de te fazer sentir ameaçado. Imagina que, a seguir, eu vou ter contigo e digo-te que esse teu conhecido disse “Eu vou matar o João Vasco!”. Imagina que a minha intenção é também de te fazer sentir ameaçado e assustado, exactamente como a dele. Nem a informação que te dei nem a minha intenção são ilegais. O que é ilegal aqui é o acto desse teu amigo que te ameaçou.

    Mas isto é tangencial ao problema que eu estou a apontar. A norma, em todos estes exemplos, e no copyright fora do domínio digital, é que há actos particulares que são ilícitos mas é sempre lícito falar desses actos e descrevê-los com o detalhe que se quiser.

    A excepção é a aplicação do copyright no domínio digital. Neste caso não é só o acto que é ilícito mas a descrição do acto também é. E é a isso que eu chamo censura.

    Quanto free ride, a questão não é se estamos melhor com ou sem free ride, mas se estamos melhor com um sistema coercivo para acabar com o free ride. E para responder essa questão temos de considerar o que é mais importante, se acabar com o free ride se os outros valores que temos de ceder para o fazer. É nessa questão que é relevante distinguir entre acabar com o free ride tornando ilegal actos concretos como copiar um disco de vinil ou acabar com o free ride tornando ilegal a descrição, por qualquer codificação, de uma sequência de números ou de um objecto. Essa violação da nossa liberdade de expressão, proponho, é muito pior do que haver free riders na indústria cinematográfica.

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  22. «Não é verdade. Não é a informação que importa, é o acto em si. Imagina que um conhecido teu me diz “Eu vou matar o João Vasco!” com a intenção de te assustar e de te fazer sentir ameaçado. Imagina que, a seguir, eu vou ter contigo e digo-te que esse teu conhecido disse “Eu vou matar o João Vasco!”. Imagina que a minha intenção é também de te fazer sentir ameaçado e assustado, exactamente como a dele. Nem a informação que te dei nem a minha intenção são ilegais. O que é ilegal aqui é o acto desse teu amigo que te ameaçou.»

    Que péssimo exemplo foste encontrar.
    Um exemplo que demonstra cabalmente a falsidade da tua tese.
    É evidente que se a intenção do teu relato é ameaçar isso não é nada irrelevante e pode perfeitamente tornar o teu relato ilegal.


    «Quanto free ride, a questão não é se estamos melhor com ou sem free ride, mas se estamos melhor com um sistema coercivo para acabar com o free ride.»

    De acordo.

    «E para responder essa questão temos de considerar o que é mais importante, se acabar com o free ride se os outros valores que temos de ceder para o fazer.»

    Sim.

    Daí que eu considere que o «free ride» teria de ser permitido se para o impedir fosse necessário perverter o processo democrático, ou invadir a privacidade das pessoas.


    « É nessa questão que é relevante distinguir entre acabar com o free ride tornando ilegal actos concretos como copiar um disco de vinil ou acabar com o free ride tornando ilegal a descrição, por qualquer codificação, de uma sequência de números ou de um objecto.»

    Discordo que essa distinção seja aquilo que tu pintas.
    Na verdade vou repescar um exemplo que dei que ignoraste.
    Se eu te enviar um ficheiro .wav com uma ameaça feita por uma voz sintetizada com objectivo de te ameaçar, isso é ilegal.
    Se eu te enviar um ficheiro .mp3 com igual conteúdo e objectivo, isso é igualmente ilegal, mesmo que insistas que o segundo é uma descrição do primeiro.
    Se a lei que impede as ameaças inicialmente estivesse escrita de forma a que o primeiro acto fosse ilegal, mas o segundo fosse permitido, e em consequências as pessoas começassem a contornar a lei recorrendo a esse artifício, não creio que a generalização da lei para tornar o segundo acto também ilegal alterasse algo de fundamental.
    Claro que ficaria mais difícil definir inequivocamente aquilo que era agora permitido, tendo nós de confiar no bom senso dos juízes.
    Até que ponto este alargamento da lei poderia, em teoria, limitar a liberdade de expressão?
    Com juízes completamente malucos, muito mais que a primeira. Mas nesse caso, qualquer lei seria muito mais perigosa.

    Parece-me que a tua objecção é deste tipo: se podem impedir o envio de um .mp3 da música da Shakira, qualquer dia impedem qualquer tipo de descrição da música. E a nossa liberdade de expressão fica muito mais limitada, não sendo proibida apenas a partilha destas obras, mas potencialmente qualquer tipo de discurso sobre as mesmas.
    Ora por muito que argumentes, isto não deixa de ser um disparate.

    Quando algo deste tipo acontece (como no caso da outra que não podia cantarolar, ou não poder dizer no meu livro que odeio coca cola porque é marca registada, ou qualquer cenário deste tipo) o problema está em formas de abuso que podem em teoria acontecer em relação a qualquer limitação subjectiva da liberdade de expressão (como o caso da ameaça) e onde o problema não está no espírito da lei, mas sim no seu abuso.

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  24. Não consigo concordar nem com o Ludwig, nem com o João Vasco, a 100%.

    Creio que estão ambos a usar argumentos bastante convincentes mas numa região cinzenta em que nem uns, nem outros, valem sozinhos sem dar azo a novas complicações.

    A questão da subjectividade para a qual o Ludwig várias vezes remete, é-me cara:

    Eu considero-me perfeitamente livre de, ao ouvir uma peça de piano no rádio, a transcrever para uma partitura pela minha própria mão. E considero-me igualmente livre de a converter em formato MIDI e de a partilhar com amigos, para que eles possam tocá-la nos seus pianos.

    Infelizmente, fazê-lo pode violar o copyright das editoras de partituras, que detêm por vezes monopólios da edição de algumas peças musicais. Quem encontrar a minha edição primeiro, talvez pense duas vezes em comprar as semicolcheias redondinhas da edição encadernada. Acho que proibir a actividade individual nestas condições é abusiva porque nenhum dos passos intermédios é susceptível de censura, nem há dolo na eventual (e sempre eventual) consequência. Aquilo que fiz foi traduzir o que ouvi em símbolos musicais para poder tocar em casa, com amigos.

    Por outro lado, dizer que uma fotocópia chapada da partitura da editora DoRéMi é uma descrição da música, é enganador – é também uma cópia do trabalho de outros (a descrição da duração das notas é muitas vezes alterada para facilitar a leitura: isso requer conhecimento técnico e alguma sensibilidade). Se é legítimo ou não proibir essa cópia, depende do contexto.

    E aqui o argumento do João Vasco aqui também me convence:

    Voltando à partitura, se o meu comportamento levar a uma cópia em cascata que comprometa o negócio das partituras, é porque os consumidores de edições optaram pela escolha mais barata. O autor da música e o editor fizeram um acordo para possibilitar a divulgação da música da forma que acharam conveniente para ambos, e eu estou a pô-lo em causa mesmo sem estar a querer sabotá-lo nem lucrar indevidamente no processo.

    Mas o eventual efeito avalanche, que não controlo, não depende da minha acção pontual. Porque devo ser eu mais culpado do que todos os outros milhares de pessoas que fizeram o mesmo?

    O argumento do João Vasco é convincente a respeito de filmes, onde a indústria requer empréstimos avolumados para lucros tardios, mas creio que esse argumento perde a força quando se fala de música gravada em estúdio nos tempos que correm.

    Portanto, creio que o que devia estar a acontecer era uma mudança nos modelos de negócio e não a violação dos direitos das pessoas seguirem uma série de passos arbitrários, legais e protegidos pela lei, porque podem ou não resultar em danos grandes ou pequenos.

    Nalguns casos, creio que é possível e legítimo impedir a cópia pessoal: filmar dentro dos cinemas ou nos concertos. Chateia-me, sobretudo porque se o fizesse não iria mostrar aquilo a ninguém na Internet, e porque me parece que o negócio paralelo das filmagens pirata tremidas e com cabeças à frente não se compara a Hollywood, mas as regras da sala de cinema não sou eu que as faço.

    Mas a falta de sensibilidade do juiz hipotético a que se refere o João Vasco é possível quando a lei não permite senão um veredicto.

    Outro dia comprei um netbook barato com Windows 7 Starter. Assim que cheguei a casa instalei Ubuntu. Mas daqui a uns tempos talvez não seja possível, tudo para que o pessoal que faz sistemas operativos pagos não fique sem trabalho.

    A subjectividade do tipo "o ar é de todos" não me convence lá muito... Mas o mundo onde alguns nos querem pôr a viver é insuportável. Cantar em casa e enviar MP3 para os amigos é o tipo de coisa que nunca devia ser proibida. Se isso tira o negócio aos outros, chapéu.

    Desculpem lá o testamento...

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  25. Wyrm e Ludwig,

    Não é só através da compra de CDs q os artistas recentes e no activo perdem dinheiro com esta extensão de 20 anos. Será sobretudo através da distribuição das taxas respectivas a uma série de direitos. Taxas como as cobradas aos estabelecimentos comerciais, e da cópia privada nos CDs e DVDs graváveis, são fixas e independentes do que é tocado nos estabelecimentos ou copiado em casa. O valor arrecadado e distribuído é igual com ou sem extensão de 20 anos nos direitos das gravações. A diferença é que sem esta extensão uma maior parte desse dinheiro iria para os artistas jovens e no activo, em vez dos Beatles, Cliff Richards, Amália, Carlos do Carmo, etc. Alguns como a Amália e dois membros dos Beatles até já morreram e em nada serão beneficiados por isto. Mas há quem lucre, como é bem evidenciado pelos senhores q ficaram todos contentes. A maioria dos outros estão reformados e devem/deveriam estar a receber pensões, em vez de depender de direitos sobre gravações feitas há mais de 50 anos!

    Há também as taxas de difusão radiofónica, mas aí creio q já há controlo do que é efectivamente difundido, pelo q as taxas serão variáveis.

    Além de tudo isto, está calculado que isto vai custar mil milhões de euros a nós consumidores durante os próximos 20 anos, a maioria dos quais vão direitinhos para as editoras. É uma grande oferta (mais uma) para as editoras, em nome dos pobrezinhos dos artistas.

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  27. Francisco Burnay,

    «Mas o mundo onde alguns nos querem pôr a viver é insuportável. Cantar em casa e enviar MP3 para os amigos é o tipo de coisa que nunca devia ser proibida. Se isso tira o negócio aos outros, chapéu.»

    Precisamente. Não poderia estar mais de acordo. Farto-me de dizer que não é legitimo vigiar e limitar comportamentos da esfera privada das pessoas com o mero intuito de proteger interesses comerciais de alguns. Caso contrário seria legitimo proibir também que se fizesse pizzas em casa para beneficiar as pizzarias. Ou o cozinhar seja o q for em casa, para beneficiar os restaurantes em geral. Ou lavar a roupa para incentivar a abertura de lavandarias.

    Até poderia ser um grande incentivo à economia e ao emprego. Mas não é legitimo. Ponto final. Nem sequer é uma questão da dificuldade de impor estas medidas. Seria um atentado ao direito fundamental e constitucional à privacidade.

    Se na cultura/entretenimento também há modelos de negócio que são colocados em causa por comportamentos de natureza privada, pois "chapéu" como dizes e muito bem. Além da privacidade aplica-se ainda os direitos fundamentais do acesso à cultura e liberdade de informação. Nem sequer é "a produção cultural" q está em causa. Há vários modelos de negócio que ainda funcionam muito bem, e novos a surgir.

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  28. Francisco e João Vasco,

    Eu penso que a complexidade do tema nos está a levar a incluir vários passos no mesmo comentário, o que torna o problema menos claro. Vou por isso começar pela distinção entre proibir um acto e a proibir a descrição, que é fundamental para o resto do meu argumento e convém concordarmos nisto antes de avançar.

    O João Vasco escreveu:

    «É evidente que se a intenção do teu relato é ameaçar isso não é nada irrelevante e pode perfeitamente tornar o teu relato ilegal.»

    A intenção de ameaçar não é ilegal. Desde que eu não ameace ninguém, posso ter as intenções que quiser. A descrição da ameaça não é ilegal. Desde que não ameace ninguém, podemos descrever ameaças como quisermos. O que é ilegal é o acto de ameaçar. Ou seja, a conjunção de intenções, informação e contexto que leva, propositadamente, a fazer alguém sentir-se ameaçado. Só isso é ilegal, e essa conjunção de factores é algo muito mais restrito do que qualquer dos factores isoladamente.

    É certo que, ao proibir a ameaça, estamos a proibir a ameaça quer seja por meio de um taco de baseball, um mp3 ou uma carta com letras recortadas do jornal. Não é o meio que interessa. Mas também não é a informação em si que interessa. É o acto concreto de ameaçar. Esta é a diferença importante.

    Uma forma alternativa de proibir as ameaças seria, em vez de proibir o acto de ameaçar, proibir a transmissão de informação acerca de qualquer coisa ameaçadora. Neste caso, seria também proibido ameaçar porque não é possível ameaçar alguém sem descrever algo ameaçador. Mas isto proibia muito mais coisas. Proibia a discussão acerca de ameaças concretas, o relato de ameaças, o debate acerca de ameaças hipotéticas, etc. Isto seria aquilo a que chamo censura: a proibição de descrever algo seja em que contexto e que forma for.

    E o que defendo é que esta proibição não seria legítima. Se, por alguma razão estranha, a única forma que tínhamos de reprimir as ameaças seria proibindo toda e qualquer descrição de actos ameaçadores, então eu defendo que uma sociedade democrática teria de aprender a viver com as ameaças, porque a alternativa obrigava a ceder um valor muito maior, que é a liberdade de descrever essas coisas.

    O que acontece no meio digital é essa situação estranha. Nos computadores, é tudo descrições numéricas e álgebra. Nós podemos distinguir o acto de copiar – criar um ficheiro igual ao outro – mas isso é trivial de distribuir entre várias pessoas. Um pode pôr numa página uma descrição de um processo, por exemplo (“primeiro pega no 23, põe a seguir o 12, ...”) e outro usar essa descrição para criar uma cópia do ficheiro. Não podemos punir o segundo sem violar a sua privacidade, e não podemos punir o primeiro sem violar a sua liberdade de expressão ao proibir todas as descrições que possam ser usadas para este fim. Notem bem a diferença. Usando o exemplo da ameaça, isto seria o equivalente de proibir todos os relatos que possam ser usados para ameaçar alguém em vez de punir apenas a ameaça em si.

    É esta diferença fundamental entre o meio analógico, onde é praticável criar monopólios proibindo certos actos específicos, e o meio digital, onde só se pode proteger monopólios pela censura, que faz com que não seja justificável, em democracia, estender o sistema de monopólios ao meio digital. Isto independentemente de ser conveniente para certas actividades como a de fazer filmes por centenas de milhões de dólares.

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  29. Ludwig,

    Parece-me que concordo em certa medida com isso que disseste no último comentário. Mas creio que, se bem entendi esse argumento, era possível descrever o problema de outra forma para expor melhor as incongruências. Vou então fazê-lo por intermédio da melhor analogia que encontrei, para que me possam dizer se de facto os compreendi.

    Um censor é obrigado a omitir dos jornais opiniões favoráveis ao comunismo. Assim, lê o alinhamento antes da impressão e risca tudo o que pensar que cai nessa categoria. Na prática, como a forma de incorrer num acto passível de censura não é estanque nem muito claro, o censor não tem alternativa senão omitir não apenas os comentários favoráveis ao comunismo como também toda e qualquer menção ao comunismo, ainda que tangencial: pode considerar que não há nenhuma forma de criticar o comunismo sem assumir que há alguém que lhe dá valor, interpretando isso como uma valoração favorável. Desta forma, nem os nacionalistas podem criticar o comunismo, uma vez que é impossível censurar as opiniões favoráveis ao comunismo de forma eficiente sem também eliminar muitas outras opiniões.

    Nesta situação, o editor é confrontado por um jornalista da sua redacção que se queixa de que a imprensa não é livre. O editor prontamente replica que isso não é verdade: a única coisa que é proibida é qualquer menção favorável ao comunismo, sendo que em todos os outros aspectos a imprensa é perfeitamente livre. Conclui ainda que, estando o leitor a queixar-se desse problema, só pode estar a referir-se ao comunismo e como tal entrega-o à polícia política. O jornalista foge para um país liberal.

    O censor entretanto relata todo o processo às suas autoridades, utilizando para isso os mesmo canais que ele próprio usa para censurar o jornal onde trabalha. Eis senão quando descobre que a polícia política está à procura dele, por ter enviado textos fazendo referências potencialmente favoráveis ao comunismo a outros censores.

    Posto isto, vou tentar escrever as vossas opiniões, segundo as compreendi.

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  32. Quanto aos conceitos de contexto, intenção e informação, na analogia que fiz:

    A informação partilhada entre o jornalista e o editor e entre o censor e as suas autoridades é, em muitas partes, a mesma. Disso não há dúvidas: o censor copiou tudo e enviou a conversa textualmente, com alguns comentários seus.

    Quanto à intenção e contexto é que o Napoleon torce o rabo.

    Parece-me que tu concordas com o jornalista em absoluto – se não é possível fazer algumas descrições limitadas a um único quadrante político, então a imprensa, como um todo, não é livre. Eu concordo com isso e parece-me que o João Vasco também.

    Também me parece que todos concordamos que, na prática, é impossível para o censor ser absolutamente rigoroso, o que implica que vai censurar, por tabela, algumas opiniões não necessariamente desfavoráveis ao comunismo. Essa é a dificuldade do contexto.

    Não me parece que o João Vasco concorde com o editor do jornal (nem com a prática da censura que, obviamente, é apenas um exemplo) – para fazer o seu trabalho, o censor só tem de averiguar quais as reais intenções dos autores fazendo uso do seu bom senso. Creio que todos concordamos em como isso é muito difícil. A sátira é um bom exemplo disso. Não há uma forma perfeitamente eficiente de o fazer.

    Não obstante, acho que é unânime entre nós os três que o processo de detenção do censor é ridículo – obviamente que ele não tinha a intenção de fazer nenhum comentário favorável ao comunismo mas apenas a relatar o sucedido. O seu processo de detenção é um equívoco que se resolve facilmente.

    Parece-me que estás a estender a dificuldade de censurar eficientemente uma redacção à dificuldade de censurar o censor, quando na realidade não é difícil averiguar a intenção deste último. Nisso concordo com o João Vasco, e não reconheço lá muito o teu argumento.

    Agora, se acho que é perfeitamente possível ver isso acontecer num país que viva sob a censura, acho. Acho que é muito possível e creio que o João Vasco também acha. Não me passa pela cabeça que um regime dessa natureza não tenha os censores debaixo de olho permanentemente.

    Parece-me que estas são as vossas opiniões e que o equívoco está no salto entre a censura do jornalista e a censura do censor – a última não é necessária em abstracto mas praticamente obrigatória na realidade.

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  33. Francisco,

    A tua analogia da censura das opiniões favoráveis ao comunismo é boa, mas falha num ponto importante. Assume que há um critério pelo qual se possa determinar se alguém está a elogiar o comunismo, e que aquilo que se quer impedir é acto de elogiar. No caso do copyright, o que querem impedir é que alguém obtenha sequências que permitam calcular o ficheiro de uma música, filme, etc. Para que a analogia funcione melhor, tens de assumir que o objectivo do censor é evitar que alguém obtenha algo que elogie o comunismo. Isso complica as coisas.

    Imagina que alguém escrevia num blog um texto intitulado “vinte afirmações falsas acerca do comunismo”, listando depois “1- o comunismo é o melhor sistema de governo”, “2- o comunismo é justo”, etc. Ou escrevia um texto com “ O comunismo é horrível, não é o melhor sistema de governo. O comunismo é horrível, não é justo”, etc, de forma a que bastava retirar todas as ocorrências de “O comunismo é horrível, não” para obter um elogio ao comunismo. Ou que o Ministério da Propaganda publicava um pdf com uma crítica devastadora ao comunismo, e alguém publicava um executável que apagava algumas palavras desse pdf e o tornava num elogio ao comunismo. E assim por diante.

    Tu mencionas o problema de o censor censurar demais por equívoco, porque o objectivo é censurar quem tenciona elogiar o comunismo mas por vezes censura as críticas. Mas o problema do copyright digital não é tanto a censura por equívoco, mas a enorme abrangência da censura necessária a impedir que alguém receba gratuitamente a informação que precisa para recriar certos ficheiros.

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  34. Mais 20? Se já estes custam a alimentar os krippahlóides sem adenóides

    28% é o peso do estado na China 53% no Reino Unido o governo não pode expandir-se mais

    A era dos grandes governos sovietizadores da economia chegou ao fim

    não entender os paradoxos históricos que se criaram numa demografia moribunda é estúpido
    é raciocínio de manga de alpaca

    e o copyright num mundo dominado pela ÁSia é efémero

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  35. Ludwig,

    O que interessa no que toca à informação não é o que é transmitido ao certo mas a sua correlação com o que se pretende comunicar. E dessa forma não há como fugir ao problema: encriptar, comprimir ou traduzir uma mensagem não elimina a informação estritamente necessária para a reconstrução da mensagem original. Seja o processo pré-definido ou pós-definido, o contexto conserva-se dentro dos limites da cognição humana, com todas as suas subjectividades. Nos limites da cognição humana, que está nas extremidades dos processos, não há dúvidas: seja sob a máscara de AM/FM, MP3, WAV ou FLAC — ou é a mesma música, ou não é.

    No fundo, a indústria musical ambiciona controlar tudo o que acontece entre o estúdio e o ouvido do apreciador. E por muitas voltas que se dê, não há nenhum processo que permita ouvir em casa o que foi gravado num estúdio que não dependa do que aconteceu no estúdio e do que vai acontecer no ouvido do apreciador. Ora, com a chegada da era digital, o universo de processos equivalentes é ilimitado. E a indústria quer, tolamente, controlar esses processos todos.

    Confundiram-se riscos no vinil e campos magnéticos na fita com a cópia em abstracto, porque no texto da lei tanto fazia para o espírito da lei. Hoje em dia já não é assim tão claro... O texto da lei das cópias viola o espírito da lei original e de muitas outras.

    Chegou-se a um ponto em que as pessoas já usam métodos legítimos e redutíveis a processos legais para aceder a essas "cópias". É o fim da linha. Portanto se o problema é a abrangência, estou de acordo. Começamos a pagar um preço demasiado elevado pela manutenção de um modelo cada vez mais parasitário. Mas creio que não há como recusar que, para todos os efeitos, está-se a querer transmitir, por via da cópia ou não, algo objectivo no sentido cognitivo.

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  36. Francisco,

    Há aqui dois pontos que te estão a falhar. Se bem que possas dizer, definindo bem as circunstâncias, que certa mensagem está a ser usada por certas pessoas para transmitir informação acerca de certas coisas, não é esse exactamente o problema que precisas resolver para implementar um sistema de monopólios sobre essa informação.

    Para isso precisas de duas coisas mais. Uma delas é distinguir entre aquelas mensagens que correspondem a um monopólio e as que correspondem a outro. Por exemplo, se eu tenho copyright sobre uma novela e tu sobre uma música, é preciso distinguir quais as sequências de bytes que são copyright teu e quais são copyright meu. E aí tens o primeiro problema. É que é perfeitamente possível eu transmitir a alguém a informação necessária para recriar o ficheiro com a tua música apenas enviando pedaços da minha novela, o que levanta o problema de quem tem mais direito: tu de proibir que recriem a tua música, ou eu de enviar a minha novela?

    A outra coisa que precisas é de determinar quem tem a culpa de forma a poder coagir essas pessoas. O que recebe a informação e a combina para recriar o ficheiro alvo tem culpa de criar uma cópia protegida pela lei. Mas esse é difícil de coagir porque era preciso espiar os computadores de toda a gente. Por outro lado, culpar quem envia a informação é problemático porque o que é enviado, por si, não é cópia de nada protegido. Apenas serve para permitir que o outro copie. E isto faz pouco sentido porque também não prendemos quem empresta um livro a um amigo para ele tirar fotocópias. Qual é exactamente o crime, ou a imoralidade, cometida por quem partilha descrições encriptadas de partes de ficheiros, insuficientes para recriar o tal ficheiro alvo?

    Tu podes definir critérios para determinar quando um conjunto de pessoas está a agir de uma forma que resulte em que algumas obtenham cópias de um certo ficheiro. Exige a capacidade de espiar os PC de todos, mas pode ser definido de forma concreta. Mas no meio digital é impossível definires quais as mensagens que correspondem a quais monopólios, e é possível fazerem isto sem que nenhum deles faça algo que seria condenável se feito fora do meio digital (emprestar, citar, mostrar, descrever, etc).

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  37. Ludwig,

    Quanto ao primeiro problema, parece que quem vai arrancar cabelo à custa disso são os que dizem ter direitos sobre a cópia. Quando ao segundo:

    «O que recebe a informação e a combina para recriar o ficheiro alvo tem culpa de criar uma cópia protegida pela lei. Mas esse é difícil de coagir porque era preciso espiar os computadores de toda a gente.»

    Certo.

    «Por outro lado, culpar quem envia a informação é problemático porque o que é enviado, por si, não é cópia de nada protegido. Apenas serve para permitir que o outro copie.»

    OK. Acho que aqui há uma subtileza mas que não é um problema.

    Não é uma cópia mas pode considerar-se virtualmente uma. É como eu criar um ficheiro MP3 num leitor com encoder, e oferecer o leitor a alguém. Na verdade, só ofereci o leitor a uma pessoa e sou livre de o fazer, mas lá dentro está tudo o que é preciso para essa pessoa ouvir uma música. O ficheiro sozinho não é nada, mas nada não soa a coisa nenhuma e o leitor gera um som. E esse não é um som qualquer nem pode ser, porque a chave de decifração está determinada à partida na configuração do leitor. Não tenho poder de escolha sobre isso. Eu sou, objectivamente, cúmplice no processo. Se me perguntarem se o leitor tem alguma música lá dentro, não seria honesto dizer que não, apesar de saber que, em rigor, não tem...

    Mas esse não é o grande problema. O problema é que a sociedade faz uso de equipamento de suporte digital, que nos permite fazer tudo isso legalmente. Agora a indústria quer tapar o sol com a peneira. Como não pode na prática impedir-nos legalmente de fazer coisas legais, quer torná-las ilegais, ou então tenta impedir-nos por métodos ilegais ou no mínimo tangentes ao bullying.

    «E isto faz pouco sentido porque também não prendemos quem empresta um livro a um amigo para ele tirar fotocópias.»

    Concordo. Fiquei sem perceber bem quais são os dois pontos que me falharam. Não mencionei esses dois aspectos nos meus últimos comentários, e simplesmente referi que a coerência entre original, processo de cópia e cópia tem de estar sempre presente, e mesmo que um observador exterior (um regulador) nunca possa aperceber-se disso objectivamente, isso não significa que essa coerência não seja sinónimo de "estamos a recorrer a um processo elaborado para efectiva e objectivamente copiar aquele ficheiro protegido". Quem copia é culpado, quem ajuda é cúmplice.

    Todos os assassinos de César são cúmplices no crime, mesmo que não seja possível dizer quais as exactas punhaladas que provocaram a morte e quais os responsáveis. Escudarem-se nessa subjectividade não os torna inocentes. Mas condená-los à morte sem dados objectivos é um crime que pode exceder aquele que eles cometeram.

    A subjectividade na transmissão de informação e a não exequibilidade de punir os objectivamente culpados senão por meios que em muito ultrapassam a fronteira da legitimidade são as razões pelas quais acho que, daqui para a frente, os sistemas que se está a implementar para conservar os monopólios são criminosos.

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  38. Francisco,

    «Fiquei sem perceber bem quais são os dois pontos que me falharam. »

    Primeiro:

    «que quem vai arrancar cabelo à custa disso são os que dizem ter direitos sobre a cópia »

    Não. Somos todos. Supõe que eu escrevo um poema, tu compras o pdf no meu site, e comparas, bit a bit, com os primeiros dígitos de pi ou um pdf das obras de Camões. Esses ficheiros com a comparação são minha propriedade intelectual ou podes distribuí-los como quiseres? E o ficheiro que resulta da comparação desse com pi? E da comparação desse terceiro com pi? etc...

    O limite para o meu monopólio não é algo que afecta apenas os outros detentores de monopólios. É um problema que afecta todos.

    Segundo:

    «Não é uma cópia mas pode considerar-se virtualmente uma. »

    Uma cópia é um objecto semelhante ao original, por algum critério razoável de semelhança (conta a mesma história, tem o mesmo aspecto, tem as mesmas bandas de magnetização). O critério para considerar algo “virtualmente uma cópia”, no meio digital, acaba por ser “tudo aquilo que permite a alguém fazer uma cópia”. Fora do meio digital, isto equivale, por exemplo, a considerar que eu emprestar-te um livro para o fotocopiares é o mesmo que eu fazer uma cópia do livro, quando, obviamente, quem fez a cópia foste tu.

    Tu mencionas que «a coerência entre original, processo de cópia e cópia tem de estar sempre presente». Isso é verdade para a cópia. Tu pegas no livro, vais à fotocopiadora e tiras fotocópias. Está lá a coerência entre original, processo e cópia. Logo, tu és culpado por copiar o livro.

    Mas agora supõe que eu te empresto o livro e dou-te planos e material para montares uma fotocopiadora. Nos meus actos não há coerência entre original, processo e cópia. Tu é que vais pegar no livro, montar a fotocopiadora e tirar as fotocópias.

    Ou supõe que eu te dou um conjunto de instruções como “pega na lista telefónica de Lisboa, 2011, e de lá vai buscar os seguintes caracteres, contando com os espaços: o 25º, o 13º, ...” Nisto que te estou a dizer não há coerência entre original, processo e cópia, porque fiquei-me pela descrição do processo. Tu é que produzirás a cópia se seguires o processo.

    O outro problema fundamental que me parece estar a escapar é que, no domínio digital, não se consegue proteger um monopólio sobre a cópia punindo quem faz a cópia. Temos de punir quem quer que explique como se pode fazer uma cópia, ou quem explique como obter as instruções para fazer a cópia, ou como obter essas instruções, etc. Ou seja, temos de punir a expressão de um enorme conjunto de ideias em vez de apenas a cópia da representação material da obra. E isto é contrário ao copyright.

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  39. Ludwig,

    Desculpa mas isso é um rodriguinho retórico. Se uma pessoa compra um cd dos Beatles por 20€ é porque quis comprar o cd dos Beatles por 20€. Se quiser comprar o cd do tipo novo, que o compre.

    Repara que a minha objecção não é à tua ideia inicial, mas apenas a este pequeno ponto que acho falaccioso e de facto ao mesmo nível que as alegações da industria de copias de audio/visual.

    Tu colocas duas situações e dás-lhes uma plausibilidade arbitrária. Ambas têm a mesma falta de plausibilidade. Na primeira é impossivel aferir se toda a gente que puxou a ultima pastelada da lady gágá compraria o album. Mas na segunda o que estás a dizer é que alguém que compre o cd de beatles por 20€ compraria mais discos/livros com orçamento disponivel.

    A tua base de sustentação para esta afirmação é:

    "mas parece-me mais próximo da realidade" e "Se assumirmos este modelo como mais razoável" o que me parece pouco para afirmar que

    "E isto à custa dos artistas novos, porque o dinheiro que o público gastar em obras com mais de meio século já não irá para artistas que ainda fazem algo de novo (1)."

    Parece-me mais provavel que as pessoas comprarão/puxarão aquilo que lhes apetecer de acordo com o que conhecerem. E o que não falta são novos musicos que colocam as suas obras de borla na net e que mesmo assim ninguém os conhece.

    Repara que eu não estou aqui a defender o copyright, para esse peditório eu já dei bastante, mas contesto a tua agumentação nesse ponto. E era escusado porque o texto está bom, não precisavas dessa pequena falácia.

    Mas já agora clarifico a minha posição. Eu sou a favor do reconhecimento da propriedade intelectual porque considero que cada obra, ainda que derivativa, é propriedade de quem a criou. E isso vale para uma estátua ou para um poema.

    A mesma alegação "a venda de musica/filmes tem de evoluir com a tecnologia" pode ser aplicada ao "a noção de roubo tem de evoluir com a tecnologia". É que parece-me um pouco hipócrita alegar que o primeiro tem de evoluir com o tempo mas o segundo tem de ficar preso no tempo em que não havia bytes.

    E isto vale, para mim, para toda a produção intelectual seja uma nova equação, um disco ou um livro.

    No entanto eu não sou um defensor acérrimo do copyright porque considero que a retribuição pelo usufruto deve ser um imperativo moral e não legislativo devido aos vastos problemas que a repressão da cópia colocaria ao nivel da privacidade individual e à disseminação de ideias.

    Assim se o combate ao copyright é com vista a uma disseminação mais livre de ideias e remoção de impedimentos ao processo criativo eu estou de acordo. Mas se o combate visa apenas ter filmes e livros à borla então já torço o nariz. Infelizmente ou felizmente, valorizo muito mais a privacidade individual e o direito à comunicação livre que o copyright logo, mesmo com reservas, subscrevo mais ou menos o que dizes nos teus posts.

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  40. Wyrm,

    «Se uma pessoa compra um cd dos Beatles por 20€ é porque quis comprar o cd dos Beatles por 20€. Se quiser comprar o cd do tipo novo, que o compre.»

    Isso é verdade para aquelas pessoas que podem comprar tudo o que querem sem olhar ao dinheiro que gastam. Para a maioria, a situação é diferente. Basicamente, o volume total do mercado do entretenimento depende da economia, do dinheiro que as pessoas têm depois das despesas mais essenciais, mas à parte disso é um valor constante, praticamente independente dos preços de cada pedaço de entretenimento.

    As editoras têm alguma razão. É idiota achar que alguém que descarrega mil álbuns deu vinte mil euros de prejuízo à editora. Mas é verdade que conforme o preço da cópia vai caindo o pessoal vai gastando mais noutras coisas, como concertos. O que é bom, o fim deste triste período em que o factor dominante na arte foi a venda da cópia.

    Mas este mecanismo é verdade em geral. Quanto maior for o volume do mercado em gravações com mais de 50 anos, menor será nas gravações com menos que isso.

    O modelo alternativo, que não há competição entre estas vendas, é ridículo. Implica que podes aumentar arbitrariamente o volume total de vendas simplesmente aumentando os preços. Não pode ser verdade. Se toda toda a literatura em domínio público passar a ser “protegida”, e esses livros aumentarem de preço, não é verdade que as pessoas passam a gastar mais em livros. O que acontece é que vão gastar mais dinheiro neste tipo de livros e menos nos outros. E vice versa.

    «Eu sou a favor do reconhecimento da propriedade intelectual porque considero que cada obra, ainda que derivativa, é propriedade de quem a criou. E isso vale para uma estátua ou para um poema.»

    Uma estátua é um objecto físico. Ser proprietário de uma estátua é propriedade, simplesmente. Mas um poema é uma ideia. No fundo, é um padrão de actividade neuronal. A ideia de que tu podes ser proprietário da actividade do meu cérebro, ou de descrições dessas ideias que tenho no meu cérebro, ou de formas de transmitir essas ideias e sensações a outros, é ridícula (e repugnante).

    «a noção de roubo tem de evoluir com a tecnologia»

    Não. A noção de roubo é a mesma. Roubo, vandalismo, privacidade, etc. O que temos de ver é o que é que na tecnologia se enquadra nestas noções. Por exemplo, porem um vírus no teu computador para apagar todos os documentos enquadra-se em vandalismo, mesmo que nada de físico tenha sido destruído. Se te roubam o telemóvel com todos os teus contactos, o valor do furto pode ser maior do que o valor comercial do telemóvel. E podem estar a violar a tua privacidade recolhendo e cruzando dados mesmo que estes estejam disponíveis para todos. As noções são as mesmas de sempre. O que precisamos é de reconhecer como se aplicam hoje em dia.

    Mas a noção de roubo tem como ponto fundamental o roubado ficar privado de um bem que era seu por direito moral, do qual que não era legitimo privá-lo. E isso não é o que acontece com a violação do monopólio sobre a cópia. Quando tu copias um CD, a única coisa que o detentor do copyright perde é, no máximo, uma venda. Mas não há nenhum direito moral que lhe garanta a venda, nem tens tu à partida qualquer obrigação de comprar.

    Este é um ponto importante nesta coisa da “propriedade intelectual”. O contrário da outra, este sistema legal não protege nenhum direito. Quando violas este monopólio, não privas o seu detentor de nada que não seja o teu direito privá-lo.

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  41. «Esses ficheiros com a comparação são minha propriedade intelectual ou podes distribuí-los como quiseres?»

    Aceito que há um problema para mim se a lei me impuser restrições a práticas que não consigo aceitar como ilegais. Mas se não houver imposições, o que as comadres fazem é com elas.

    «Mas agora supõe que eu te empresto o livro e dou-te planos e material para montares uma fotocopiadora. Nos meus actos não há coerência entre original, processo e cópia. Tu é que vais pegar no livro, montar a fotocopiadora e tirar as fotocópias.»

    Mas isso não é lá muito análogo a criar um MP3. Isso seria eu emprestar-te um CD e dar-te os planos para montares um encoder.

    «Ou supõe que eu te dou um conjunto de instruções como “pega na lista telefónica de Lisboa, 2011, e de lá vai buscar os seguintes caracteres, contando com os espaços: o 25º, o 13º, ...” Nisto que te estou a dizer não há coerência entre original, processo e cópia, porque fiquei-me pela descrição do processo. Tu é que produzirás a cópia se seguires o processo.»

    Aqui há um problema puramente semântico.

    Uma receita de um bolo não é um bolo, da mesma forma que uma partitura não é som. Mas uma partitura é uma "música", e o som que se cria ao obedecer em rigor à partitura é a mesma "música", da mesma forma que com a receita de um bolo de chocolate não se pode fazer ensopado de borrego.

    Em abstracto, uma mensagem não transporta significado, e só a sua interpretação nos permite aceder-lhe. Isso é verdade para qualquer mensagem. Mas qualquer descrição da mensagem vai ter de poder ser traduzida por forma a levar à mesma intepretação. Por isso, é perfeitamente aceitável confundir a mensagem com o processo de obter aquela e só aquela mensagem.

    É como confundir uma aplicação bijectiva, que opera sobre um dado conjunto, com o contradomínio. Se escrever y = f(x), falar de "f aplicada a x" é o mesmo que falar de "y" (se existir a inversa de f). E todos os MP3 fazem corresponder, para todos efeitos na medida da cognição humana, uma mensagem a uma só sensação auditiva. Logo, são cópias para todos os efeitos.

    Portanto o que estou a dizer é que qualquer mensagem é identicamente semelhante a qualquer descrição da mensagem que conserve a sua informação. Rigorosamente, podemos apontar subtilezas interessantes do ponto de vista semiótico mas nada esclarecedoras. Não espero alguma vez testemunhar este diálogo:

    - O que pensa ele sobre isso?
    - Como assim?
    - O que é que ele te disse?
    - Ah! Não sei dizer-te. Mas posso descrever-te quais foram os sons exactos que ele produziu fazendo uso das suas cordas vocais por forma a estimular o meu ouvido e assim produzir no meu córtex uma sensação cognitiva similar à dele!

    Chama-se a isto "splitting hairs"...

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  42. "Mas este mecanismo é verdade em geral. Quanto maior for o volume do mercado em gravações com mais de 50 anos, menor será nas gravações com menos que isso."

    De acordo. Mas se é isso que vende então significa que o publico quer isso. Desagrada-me que muitos e talentosos artistas não tenham projecção que pelo menos dê para estes viverem do seu trabalho mas se o pessoal prefere dar 25€ pela enésimo album de covers dos abba, então siga. Não podes pretender impingir por decreto a musica que gostas e dizeres que defendes o mercado livre. :)

    "Mas a noção de roubo(...)"

    Correcto. Roubo é uma noção e as noções alteram-se. Antigamente se matasses alguém que te ameaçasse não ias preso. Hoje em dia vais. A noção de assassinato evoluiu com os tempos. Antigamente pedófilia não incluia miudas de 12 anos. Hoje em dia já inclui crianças, julgo eu, até aos 14 anos. Acho que é um bocado hipócrita pretender que a noção de comercialização evolua para o sec. XXI mas mantendo a noção de roubo no sec. XVIII.

    Para lá de monopólios eu quero que quem resolve investir numa produção caríssima de um DVD da Britney Spears então possa ter o retorno do seu investimento ou não mas que isso dependa apenas da qualidade da obra. Se agradar a muitos, vende muito, se não agradar, não vende. Não creio ser correcto é alguém dar-se ao trabalho de ir ao Pirate Bay, puxar o DVD, ver o DVD, gostar do que vê mas depois quando lhe dizem que se gostou devia ter pago pelo produto desata a falar da liberdade de expressão, do conhecimento humano, do teorema de pitágoras e por fim que ele não pediu nada a niguém como se o tivessem obrigado a ver o DVD.

    Isso, por muitas voltas que dês, é parasitar o trabalho dos outros. E sim, se o astro-fisico ou o fisico de particulas ou o matemático quisesse registar a sua formula ou o método que desenvolveu e receber royalties por isso penso que poderá fazê-lo. Mas isso é comprar mineiros com agricultores: ambos cavam a terra mas as actividade são profundamente diferentes.

    "Mas não há nenhum direito moral que lhe garanta a venda, nem tens tu à partida qualquer obrigação de comprar."

    Claro que não tens obrigação. Mas também não tens o direito de usufruir do trabalho dos outros sem os compensar. Repito, ninguém foi a tua casa meter os ficheiros no pc e obrigou-te a ouvi-los/vê-los.

    Em todo o caso a minha objecção é ao argumento que utilizaste e não à premissa do post. A abolição do copyright defende-se facilmente recorrendo a argumentos crediveis como a impossibilidade de vigiar o seu incumprimento sem que isso signifique uma perda brutal de privacidade. O facto de muita gente honesta não se importar de puxar um ficheiro devia também dar uma pista que o modelo deve evoluir e que o valor adicionado pelos distribuidores de rodelas é minimo. O crowd funding pode e deve ser impulsionado e para quem não se importa, product placement mais agressivo pode ajudar enormemente ao financiamento de obras (mesmo que filmes assim não passem de longos filmes comerciais).

    O que me discordo na tua argumentação é, por exemplo, reclamares que os conceitos que te convêm têm de evoluir mas os que não convêm que fiquem lá no sec. XVII onde eles pertencem.

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  43. Francisco,

    «- O que é que ele te disse?
    - Ah! Não sei dizer-te. Mas posso descrever-te quais foram os sons exactos que ele produziu fazendo uso das suas cordas vocais por forma a estimular o meu ouvido e assim produzir no meu córtex uma sensação cognitiva similar à dele!

    Chama-se a isto "splitting hairs"...»


    Porque assumes que o objectivo é censurar a informação. Considera assim:

    - Dá-me fotocópias desse livro para eu o ler sem o comprar.
    - Isso é ilícito. Mas posso emprestar-te o livro, assim podes lê-lo sem o comprar, e até podes tirar tu as fotocópias, porque a lei proíbe a distribuição de cópias sem autorização mas permite a cópia para uso pessoal.

    Isto, proponho, já não vai parecer “splitting hairs” porque o propósito da lei não é impedir a todo o custo que a outra pessoa leia o livro sem pagar mas simplesmente conceder uma vantagem comercial por meio de um monopólio específico e subordinado ao respeito pelos direitos de acesso, expressão e partilha das pessoas.

    Este é o problema de estender esta legislação ao domínio digital sem perceber que no domínio digital não é viável conceder monopólios desta maneira. Ou se censura tudo, cometendo o ilícito de pôr os interesses comerciais de alguns à frente dos direitos fundamentais de todos, ou então não dá para garantir monopólios.

    E um problema de explicar isto é que muita gente assume, implicitamente, que o copyright e a censura devem ser a mesma coisa...

    «Uma receita de um bolo não é um bolo, da mesma forma que uma partitura não é som. Mas uma partitura é uma "música"»

    Essas aspas estragam tudo. Uma música é um conjunto de sequências de sons que são semelhantes entre si. Uma partitura é uma forma de representar esse conjunto, aproximadamente. Uma “música” não faço ideia do que seja :)

    Mas a lei da cópia não visa impedir que se descreva a música. Por exemplo, a lei que temos exclui processos, pelo que “desenha cinco linhas horizontais paralelas, uma bola preta entre a de baixo e a seguinte, depois uma linha vertical do lado direito da bola para cima ...” não pode ser violação da lei, como aplicada fora do domínio digital. Mas o ficheiro de uma imagem vectorial da partitura é precisamente a descrição deste processo...

    «Em abstracto, uma mensagem não transporta significado,»

    O que só é problema quando dependes do significado, em abstracto, para a concessão do monopólio. Nesse caso é que tens a censura.

    Imagina que a lei definia que dois números são parecidos se a diferença entre eles for menor que aproximadamente um quinto de um deles. Não era uma boa definição, é vaga e deixa margem para interpretação no tribunal. Mas se te concederem o monopólio sobre o 20 eu posso ter dúvidas acerca do 15 mas não acerca do 100. Certamente que nenhum tribunal vai considerar o 100 parecido com o teu 20.

    Agora imagina que a lei define que dois números são parecidos se forem usados para significar a mesma coisa, e concede-te o monopólio sobre o 20 como significando Júpiter, e todos os números que sejam usados para significar Júpiter. O que proponho é que o efeito desta lei, e a sua aplicação, seriam fundamentalmente diferentes da outra. É esta a diferença entre o copyright analógico e o digital.

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  44. Wyrm,

    «Mas se é isso que vende então significa que o publico quer isso.»

    Certo. No entanto, o facto do público querer não justifica, por si, conceder monopólios para impedir que o público de obtenha essas coisas mais baratas. Se o objectivo do monopólio é incentivar a inovação, estender estes monopólios de 50 para 70 anos é um tiro no pé porque vai reduzir o dinheiro dado a quem inova e aumentar o dinheiro dado a quem já não inova. É esse o meu ponto.

    «Para lá de monopólios eu quero que quem resolve investir numa produção caríssima de um DVD da Britney Spears então possa ter o retorno do seu investimento ou não mas que isso dependa apenas da qualidade da obra.»

    Que queiras isso, por mim tudo bem. Mas quereres isso, por si só, não justifica impor restrições a todos para que seja realmente assim. A única coisa que justificaria essa imposição de restrições a toda a gente é se, colectivamente ou cada um individualmente, tivéssemos uma obrigação ética de garantir que o investimento numa obra tem sempre retorno em função da qualidade desta. Mas não vejo que haja essa obrigação, pelo que não vejo que se justifique impor restrições para o garantir.

    O que podes argumentar é que, colectivamente, temos a obrigação de incentivar a criatividade artística porque isso é uma parte importante da nossa cultura e sociedade. Tal como temos a obrigação, colectivamente, de garantir segurança, infraestruturas como água e transportes, etc. Nisso estou de acordo. Mas isso é feito por meio de impostos, escolas de arte, bolsas de estudo para jovens artistas, etc. A concessão de monopólios que afectem a nossa vida pessoal é uma parceria público-privada do pior que há, que não só nos custa dinheiro como direitos também.

    «Mas também não tens o direito de usufruir do trabalho dos outros sem os compensar.»

    Não tens o direito de ler um livro emprestado? Ou de comprar livros em segunda mão? Ou de escrever páginas em html sem pagar a quem inventou essa linguagem? Essa afirmação é ridícula, e se a levasses a sério tinhas de rejeitar toda a cultura e todo o fundamento da nossa civilização. Quase tudo o que tu fazes na tua vida depende de usufruíres do trabalho de outros sem pagar nada por isso. E não percebo porque continuas a insistir em algo tão obviamente falso.

    «Em todo o caso a minha objecção é ao argumento que utilizaste e não à premissa do post.»

    Essa parte do meu argumento é assim: estender de 50 anos para 70 o copyright sobre gravações vai aumentar o dinheiro que o mercado dedica a artistas com mais de 50 anos de carreira e reduzir o dinheiro alocado a artistas com menos de 50 anos de carreira, comparado ao que aconteceria se deixassem cair em domínio público as gravações com mais de 50 anos. Como isto é contrário ao alegado propósito do copyright, que é incentivar a criatividade, esta extensão é asneira. Qual é o problema com este argumento?

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  45. Ludwig,

    Desculpa o desabafo, mas quando te dá para te fazeres de desentendido, pareces uma versão sofisticada do Mats.

    Olha por exemplo este comentário:

    «Se o objectivo do monopólio é incentivar a inovação, estender estes monopólios de 50 para 70 anos é um tiro no pé porque vai reduzir o dinheiro dado a quem inova e aumentar o dinheiro dado a quem já não inova. É esse o meu ponto.»

    Desvias a conversa para um assunto que não está em discussão. Das três pessoas com quem estás a discutir, nenhuma delas se manifestou favorável a um aumento de 50 para 70 anos, e tu estás a dizer que é isso que está em discussão.

    Nestas circunstâncias - que felizmente não são comuns, é só quando te dá para aí - parece que não consegues centrar-te nos argumentos que te estão a apresentar, e desvias sempre para outros pontos.


    Outro exemplo está aqui:

    «Porque assumes que o objectivo é censurar a informação. Considera assim:

    - Dá-me fotocópias desse livro para eu o ler sem o comprar.
    - Isso é ilícito. Mas posso emprestar-te o livro, assim podes lê-lo sem o comprar, e até podes tirar tu as fotocópias, porque a lei proíbe a distribuição de cópias sem autorização mas permite a cópia para uso pessoal.»

    Inúmeras leis podem ser violadas através da composição de actos legais.

    Por exemplo, é legal dares uma dádiva a alguém. E é legal que alguém te dê uma dádiva. Ora aqui tens uma maneira «legal» de fugir ao IVA.
    «Não senhor Juiz, esta senhora ofereceu-me uma massagem. Eu fiquei tão comovido com a generosidade que depositei 50e na sua conta. Ninguém fugiu ao fisco.»

    Como é evidente, a lei não é cega às intenções das pessoas, e não corresponde a um algoritmo tão inequívoco que a figura do juiz é perfeitamente dispensável.
    Nas sociedades com um certo grau de sofisticação as leis são tais que podem sempre ser pervertidas se os juízes quisessem lixar a vida às pessoas.

    Basicamente o que quero dizer é isto, explicar uma ideia relativamente simples é impossível quando a outra pessoa se faz desentendida e tem alguma criatividade para desviar a conversa. Já experimentaste esta sensação várias vezes quando explicas inúmeras coisas.

    Mas fazes-te desentendido quanto à existência de um problema moral no facto das pessoas piratearem um filme na internet.
    Se admites que o comportamento é imoral, mas que reprimi-lo através da lei pode ser pior, então estás de acordo com o Wyrm (há alturas em que pelas respostas que lhe dás não pareces ter compreendido que esta é a posição dele).
    Se não admites que o comportamento é imoral, vale a pena discutir isso em particular sem te desviares para a questão dos males da repressão, e sem cometeres a falácia de tomar o todo pela parte:

    -acho imoral mentir aos filhos sobre a Fada dos dentes
    -AHHH!! Então achas imoral a livre expressão de ideias!

    -Acho imoral que lhe escrevas uma mensagem a dizer «Vai à merda».
    -Mas como tais caracteres, consoante as regras de interpretação estabelecidas, podem ter qualquer significado que se poderia em abstracto querer dar, achas imoral que eu lhe diga o que quer que seja!

    Bah!

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  46. O problema disto:

    "aumentar o dinheiro que o mercado dedica a artistas com mais de 50 anos de carreira e reduzir o dinheiro alocado a artistas com menos de 50 anos de carreira, comparado ao que aconteceria se deixassem cair em domínio público as gravações com mais de 50 anos"

    é que é treta. Não tens nenhuma base para o afirmar. É exactamente o mesmo que afirmar que cada download é uma venda perdida.


    "Essa afirmação é ridícula, e se a levasses a sério tinhas de rejeitar toda a cultura e todo o fundamento da nossa civilização. Quase tudo o que tu fazes na tua vida depende de usufruíres do trabalho de outros sem pagar nada por isso. E não percebo porque continuas a insistir em algo tão obviamente falso."

    Ludwig, se vives a tua vida a preto e branco o problema é teu. Eu não. Emprestar um livro ou um disco a familiares/amigos tem pouco a ver com distribuir uma cópia "etérea" por alguns milhares de pessoas. Eu comparo isso, o emprestimo, a ires a uma loja folhear um livro ou pedir para ouvir um disco antes de o comprares. Não percebo porque insistes em equiparar algo que obviamente não se pode comparar.


    "A única coisa que justificaria essa imposição de restrições a toda a gente é se, colectivamente ou cada um individualmente, tivéssemos uma obrigação ética de garantir que o investimento numa obra tem sempre retorno em função da qualidade desta."

    Sim, eu considero que essa obrigação ética existe. E disseste tudo, é uma questão ética. É por isso que sou contra leis que vizem policiar violações de copyright (por razões que já enumerei neste e noutros comentários) mas sou a favor que haja uma compensação voluntária a quem investiu e a quem criou a obra que estás a ver/ouvir. Parece que nunca percebeste o meu argumento porque insistes em dizer que eu defendo restrições. Não o defendo. Mas defendo a moralidade de pelo menos comprar uma caneca ou fazer uma doação ao artista ou empresa que proporcionou algo que te dá prazer usufruir.

    E já que gostas de exemplos palermas como o sushi ou os bolos, cá vai outro. Uma stripper cobra bilhetes para se despir dentro de uma tenda, se um esperto consegue abrir uma parte e permite que a vejam nua de fora o que tu estás a dizer é que mesmo que ;á fiques a ver o espectaculo á borla como não pediste nada não tens nenhuma obrigação moral de compensar a rapariga. Tá mal.

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  47. João Vasco,

    Uns jogam à bola e gostam de fazer fintas. O Ludwig gosta de ganhar discussões e nunca em circunstancia alguma vai "compreender" a tua posição se isso não lhe permitir a defesa da sua.

    Claro que a discussão torna-se estéril quando o Ludwig começa o "splitting hairs" mas pronto... Pelo menos sendo assim consegue dar coças ao Mats e ao Jairo e sem esta persistência seria impossivel discutir com religiosos.

    Não é defeito, é feitio. E se o homem fosse perfeito então até começava a ter aqui fieis. Seria deliciosamente irónico. :)

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  48. João Vasco,

    «Das três pessoas com quem estás a discutir, nenhuma delas se manifestou favorável a um aumento de 50 para 70 anos, e tu estás a dizer que é isso que está em discussão.»

    No meu comentário ao Wyrm estava a falar sobre o que ele iniciou no seu comentário de 28/10/11 10:07, e que continuamos a discutir agora. É verdade que não tem nada que ver com o que estou a discutir contigo e com o Francisco, mas não posso evitar essas discussões paralelas porque é assim que funciona a caixa de comentários...

    Wyrm,

    Se concordas que o volume total do mercado se mantém aproximadamente constante, e concordas que a extensão do monopólio vai dar mais desse dinheiro aos artistas mais antigos, então devias ser capaz de inferir que vai sobrar menos dinheiro para os artistas novos do que sobraria se deixassem cair em domínio público os mais antigos.

    «Emprestar um livro ou um disco a familiares/amigos tem pouco a ver com distribuir uma cópia "etérea"»

    Sim. Mas tem tudo que ver com usufruir do trabalho de outros sem pagar, que é isso que tu dizes ser imoral e ser essa imoralidade que justifica proibir que se distribua a cópia etérea.

    Se aceitas que seja um direito de qualquer um de nós usufruir de material publicado (livros, músicas, filmes, etc) sem pagar -- ou seja, se é legítimo fazermos isso -- então não podes propor, ao mesmo tempo, que se justifica obrigar-nos a pagar por ser ilegítimo usufruir de material publicado sem pagar.

    É essa a contradição que eu quero que percebas. Por isso, volto a insistir: eu tenho ou não tenho o direito de ler um livro sem pagar nada por isso? Se tenho, então não podes justificar proibir a cópia alegando que eu não tenho esse direito.

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  49. João Vasco,

    «Inúmeras leis podem ser violadas através da composição de actos legais.»

    Sim, mas não era isso que eu estava a discutir com o Francisco. O meu ponto com esse exemplo é que aquilo que parece ser “splitting hairs” quando assumimos que o objectivo é impedir a divulgação da informação – e nesse caso dizer o que o outro disse ou descrever os sons que fez dá no mesmo – não é “splitting hairs” quando o objectivo é simplesmente conceder o monopólio sobre a cópia de um tipo de coisa sem censurar a informação acerca dessa coisa.

    A questão aqui não é que a lei tenha de ser interpretada pelo juiz. Nem o problema de, no caso geral, a lei ter de tomar em conta as intenções de cada pessoa. Isso acontece no homicídio, etc. Tudo bem.

    O meu ponto é que no caso particular do copyright há uma inversão do espírito da lei quando passas do analógico para o digital. No analógico tens um sistema legal que diz explicitamente não cobrir ideias nem processos, que não impede as pessoas de partilhar obras (emprestando) ou fazer cópias (há provisão para a cópia privada) nem de descrever os suportes como entenderem. Por exemplo, nunca serias processado pro violação de copyright por publicar fotografias detalhadas dos teus discos de vinil, e isto apesar da fotografia conter toda a informação necessária para reproduzir os discos. Isto porque o monopólio era sobre a reprodução dos discos e não sobre a informação em si.

    No meio digital isto foi tudo invertido. Em vez do monopólio comercial cobrir apenas actos específicos respeitando a liberdade de expressão e a privacidade da correspondência, está-se a subordinar estes direitos mais fundamentais para impedir as pessoas de partilhar informação acerca das coisas. Vocês insistem em argumentar que partilhar essa informação permite depois criar cópias dos filmes. É evidente que sim. Mas a questão é se o propósito de dificultar a cópia justifica censurar a informação. No copyright tradicional, como aplicado ao meio analógico, a decisão foi sempre claramente que não. Copyright não justifica censura, e havia sempre formas legais de partilhar a informação. Mas no copyright aplicado ao meio digital isto está a funcionar ao contrário, e o objectivo parece ser que seja ilegal a partilha da informação em si.

    «Mas fazes-te desentendido quanto à existência de um problema moral no facto das pessoas piratearem um filme na internet.»

    Não. Já falámos disso várias vezes, e a questão é muito simples. O problema moral do free riding no usufruto dos filmes é muito menor do que o problema moral de proibir as pessoas de partilhar ficheiros de filmes que já foram disponibilizados a público. Sendo assim, deixar que as pessoas partilhem não é o problema moral; é a solução, porque é a opção menos imoral.

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  50. «Uma stripper cobra bilhetes para se despir dentro de uma tenda, se um esperto consegue abrir uma parte e permite que a vejam nua de fora o que tu estás a dizer é que mesmo que ;á fiques a ver o espectaculo á borla como não pediste nada não tens nenhuma obrigação moral de compensar a rapariga. Tá mal.»

    Se o esperto danifica a tenda isso é vandalizar a propriedade de outros. Mas se a tenda tem um buraco para um local público, não vejo justificação para criar legislação que puna esse esperto só para evitar o problema do free riding no striptease em tendas na via pública.

    É essa a questão que estou a discutir. Não nego que haja um problema de free riding. Não nego que haja leis em que o juiz tem de decidir a intenção e assim. Não nego que a partilha de informação permita recriar ficheiros. O que estou a dizer é que enquanto que o copyright sobre meios analógicos podia ser eficaz restringindo apenas alguns actos de cópia sem censurar a informação, no meio digital, para haver copyright, é preciso sacrificar direitos muito mais importantes e, por isso, a melhor solução para o problema moral do free riding digital é permitir o free riding, visto que impedi-lo é moralmente pior. Ao contrário do que acontece no domínio digital, e é preciso reconhecer essa diferença fundamental entre os dois.

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  51. "No meu comentário ao Wyrm estava a falar sobre o que ele iniciou no seu comentário de 28/10/11 10:07, e que continuamos a discutir agora."

    Mas reparaste que sou contra o aumento e apenas contestei alguma da argumentação não reparaste? É que parece que não reparaste nisso.

    "Se concordas que o volume total do mercado se mantém aproximadamente constante, e concordas que a extensão do monopólio vai dar mais desse dinheiro aos artistas mais antigos, então devias ser capaz de inferir que vai sobrar menos dinheiro para os artistas novos do que sobraria se deixassem cair em domínio público os mais antigos"

    Mas eu não concordei com nada disso. Apenas digo que pelo cheiro não vais lá. Essa do crowding out é usada em tanta falácia que custa ver-te utilizar esse argumento.


    "Sim. Mas tem tudo que ver com usufruir do trabalho de outros sem pagar, que é isso que tu dizes ser imoral e ser essa imoralidade que justifica proibir que se distribua a cópia etérea."

    Outra vez? Mostra lá onde eu quero proibir o que quer que seja? Eu também não te vou proibir de cuspires para o chão, mas acho nojento que o faças.

    "que se justifica obrigar-nos a pagar por ser ilegítimo usufruir de material publicado sem pagar"

    Outra vez o obrigar? Mas porque bates nessa tecla? Para me levares a defender a proibição e teres mais argumentos contra? Eu não defendo qualquer proibição porque seria mais destrutivo essa proibição que a livre cópia. Mas a livre cópia implica que muita gente usufrua de obras que custaram algo a produzir e cujos criadores/financiadores não irão colher os frutos. O argumento do "eu não pedi nada" apenas resulta se fores exposto à obra sem teres voto na matéria, o que não é o caso.

    Por isso nem percebo qual é o problema. Lês um livro, adoras esse livro tanto que até o relês. Qual é o problema de comprares uma cópia ou, se não quiseres comprar o livro, uma peça de merchandising ou uma doação? É moral e ético compensar terceiros pelo usufruto do seu trabalho seja esse trabalho um par de sapatos ou uma musica.

    Na minha ideia serias absolutamente livre de puxares tudo e mais um par de botas sem dares uma unica moeda ao criador/financiador. Mas isso também mostraria que não tens grande respeito pela obra da qual usufruiste.

    E por favor, antes de me responderes repete comigo:

    O Wyrm não defende qualquer proibição!
    O Wyrm não defende qualquer proibição!
    O Wyrm não defende qualquer proibição!
    O Wyrm não defende qualquer proibição!
    O Wyrm não defende qualquer proibição!
    O Wyrm não defende qualquer proibição!

    :)

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  52. "O que estou a dizer é que enquanto que o copyright sobre meios analógicos podia ser eficaz restringindo apenas alguns actos de cópia sem censurar a informação, no meio digital, para haver copyright, é preciso sacrificar direitos muito mais importantes e, por isso, a melhor solução para o problema moral do free riding digital é permitir o free riding, visto que impedi-lo é moralmente pior. Ao contrário do que acontece no domínio digital, e é preciso reconhecer essa diferença fundamental entre os dois. "

    O Wyrm não defende qualquer proibição!
    O Wyrm não defende qualquer proibição!
    O Wyrm não defende qualquer proibição!
    O Wyrm não defende qualquer proibição!
    O Wyrm não defende qualquer proibição!

    :D

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  53. O que o Wyrm defende é que a "legislação" contra a partilha de ficheiros deve estar ao nivel da "legislação" contra a emissão de gases intestinais em ascensores fechados.

    Ou a "legislação" contra a violência que ocorre na abertura da mesa de marisco nos casamentos.

    Ou a "legislação" contra a utilização de transportes publicos depois de duas semanas sem qualquer ablução.

    Em qualquer uma destas seria contra-producente criar leis contra os actos mas pelo menos quando dás um peido num elevador só estás a aproveitar-te do teu "trabalho" :)

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  54. Resumindo, para os três.

    Wyrm,

    1. Se as músicas antigas passarem para domínio público e puderem ser distribuidas gratuitamente, isto não vai diminuir significativamente o volume total do mercado. As pessoas apenas vão gastar dinheiro noutras coisas. Entre essas outras coisas estão as músicas dos artistas mais recentes. Portanto, estender este monopólio resulta em menos dinheiro para os artistas novos do que haveria se o monopólio não fosse estendido.
    2. É falso que seja imoral usufruir de algo que outro fez sem lhe pagar. Portanto não podes invocar essa alegada imoralidade para justificar proibições à cópia. Qualquer justificação terá de se basear noutra coisa que seja verdadeira, e não nesta treta.


    João Vasco e Francisco,

    O copyright foi criado com a intenção de subsidiar a distribuição e incentivar a criatividade mas sempre subordinado aos direitos individuais de privacidade, opinião, acesso e expressão. Vemos isso no direito à cópia pessoal, o direito de emprestar, o direito de revenda (first sale), o direito de crítica, de citação, de sátira, etc. Isto foi conseguido concedendo monopólios apenas sobre certas actividades, como fotocopiar em lojas ou copiar discos, sem exigir que se tapasse todos os buracos mesmo à custa das liberdades individuais. Isto porque no meio analógico há coisas que são mais práticas que outras e é possível conceder vantagens comerciais sem proibir tudo.

    No meio digital isto não é possível. Se respeitarmos o direito individual de partilhar informação – coisa que o copyright analógico nunca proibiu; por exemplo podias telefonar para alguém e ler poesia pelo telefone, ou emprestar livros pelo correio – então não se pode ter monopólios no domínio digital. E se impusermos estas restrições no domínio digital, temos de relegar para segundo plano estes direitos muito mais fundamentais do que direito de fazer negócio.

    Quanto ao problema de free riding, é muito menor do que o problema de censurar as comunicações, pelo que a solução de estender o copyright ao domínio digital não é aceitável.

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  55. "Se as músicas antigas passarem para domínio público e puderem ser distribuidas gratuitamente, isto não vai diminuir significativamente o volume total do mercado. As pessoas apenas vão gastar dinheiro noutras coisas. Entre essas outras coisas estão as músicas dos artistas mais recentes. Portanto, estender este monopólio resulta em menos dinheiro para os artistas novos do que haveria se o monopólio não fosse estendido."

    Opinião. Ou tens factos para apresentar? Crowding out não existe ou também acreditas que com investimento público não vai haver investimento privado?


    "É falso que seja imoral usufruir de algo que outro fez sem lhe pagar."

    É falso porquê? A menos que tenhas sido involuntáriamente exposto à obra, tens toda a obrigação moral de compensar o criador por algo que activamente procuraste. Se fazes um esforço para aceder a uma obra que alguém se deu ao trabalho de criar é porque essa obra representa algo para ti. Se gostares e usufruires então é moral que compenses esse criador.

    "Portanto não podes invocar essa alegada imoralidade para justificar proibições à cópia. Qualquer justificação terá de se basear noutra coisa que seja verdadeira, e não nesta treta."

    Aqui acho que já estás a fazer de propósito. :) Podes, novamente, indicar-me onde eu defendo qualquer legislação ou proibição? Estás a trollar-me não estás? :D

    Por favor repete mesmo comigo:

    O Wyrm não defende qualquer proibição!
    O Wyrm não defende qualquer proibição!
    O Wyrm não defende qualquer proibição!
    O Wyrm não defende qualquer proibição!
    O Wyrm não defende qualquer proibição!

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  56. Wyrm,

    Acho que o que o Ludwig quer dizer com "tu não podes" é que "não se pode". "Tu não podes fugir aos impostos" não quer dizer que queiras fugir aos impostos...

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  57. Eu releio os meus posts e depois leio as tuas respostas e fico a pensar que

    1) ou não me levas a sério na minha argumentação,

    2) estás a tentar "picar-me"

    3) não leste os meus comentários.

    E olha, nem a proposito encontrei isto:

    5 Logical Fallacies That Make You Wrong More Than You Think

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  58. Não, o Ludwig está a dizer que eu defendo a proibição quando isso é mentira. Nem sei porque ele insiste em responder-me como se fosse essa a posição que defendo.

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  59. Wyrm,

    «Não, o Ludwig está a dizer que eu defendo a proibição»

    Não é isso que estou a dizer. Acerca da tua posição, eu estou a dizer que:

    a) Se concedemos monopólios sobre gravações antigas, isso vai tirar dinheiro, pela concorrência no mercado, aos monopólios sobre gravações recentes, assumindo que os compradores não têm fundos infinitos (isto é diferente de oferecer coisas de borla, que deixa os compradores com o mesmo dinheiro para gastar noutras coisas)

    b) Não é imoral usufruir do trabalho dos outros sem pagar (e.g. de posts em blogs, livros emprestados, etc) pelo que não não é um argumento sólido aquele que invoca essa imoralidade como justificação para não se copiar, não se partilhar ficheiros, etc.

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  60. Wyrm,

    «tens toda a obrigação moral de compensar o criador por algo que activamente procuraste»

    Quanto é que me deves por ler os meus posts?

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  61. "Não é isso que estou a dizer. Acerca da tua posição, eu estou a dizer que:"

    Foi isso que disseste em todos as tuas respostas. Esta foi a primeira em que não inferiste que eu defendo proibições legais e afins

    "e.g. de posts em blogs, livros emprestados, etc"

    Maus exemplos. Estamos a falar de cópias de filmes, albuns, colocação de pdf's de livros na net, download desses mesmos livros. Os exemplos que dás são escolhidos a dedo para provares o absurdo da minha posição.

    Dá antes o exemplo de um fulano que faz o download de uma obra que custou imenso a produzir, tipo uma produção de uma peça de Shakespeare. Shakespeare está no dominio publico, pelo que a informação está preservada e pode ser disseminada. A peça em questão foi uma super produção carissima. É imoral usufruir do investimento de terceiros sem os compensar. Se alegas ter direito à obra de Shakespear podes sacar todos os pdf's da net pois já entraram há muito no public domain.

    Se quiseres ser mesmo absurdo podes argumentar que numa familia com 4 pessoas todas teriam de comprar uma cópia de um filme para o poder ver. É necessário um pouco de bom senso que a vida não são 0's e 1's.

    Emprestar um livro a um amigo não é o mesmo que colocar o pdf na net. Pedir um livro emprestado não é o mesmo que descarregar toda a bibliografia do autor em questão e nunca dar um tostão ao homem.

    "Quanto é que me deves por ler os meus posts? "

    Quanto é que tu pediste por leitura? Se voluntáriamente ofereces os teus conteúdos exerces a tua escolha. Mas se o teu site fosse acessivel por password com acesso pago e um amigo me tivesse fornecido a dele e eu continuasse a vir aqui, então sim, dever-te-ia qualquer coisa.

    Ou em alternativa podias ter uma página de entrada para o blog em que dizias que a entrada é livre a quem fazer uma doacção mas sem password nem nada. Aí eu também considero moral fazer a doacção se continuo a usufruir do teu trabalho.

    Tu podes dar o teu trabalho ou podes vendê-lo. E podes vender o acto de escrever ou podes vender copias do que escreveste. Se optas por dá-lo não podes reclamar pagamento.

    A imoralidade advém sobretudo do facto não respeitares o desejo do criador em relação à sua obra. Há um abuso de confiança: o criador disponibiliza a sua obra e confia que quem gosta compra. Se o criador te atira a obra para a frente dos olhos então problema dele. Mas se tu te dás ao trabalho de o procurar, puxar, ler e recomendar, então o minimo é retribuires. Porque popularidade por si só não põe pão na mesa a ninguém.

    Volto a perguntar, quando achas que vale a leitura de cada post teu? Se concordar passo a pagar-te isso e se não concordar nunca mais cá venho. Como vivo na Holanda não é dificil verificares isso. Boa?

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  62. Wyrm,

    «Estamos a falar de cópias de filmes»

    Tu defendes que é imoral copiar um filme porque é imoral usufruir de algo que outro criou sem lhe pagar. No entanto, não consideras imoral ver um filme emprestado, quando isso também é usufruir daquilo que outro criou sem pagar.

    «A imoralidade advém sobretudo do facto não respeitares o desejo do criador em relação à sua obra.»

    Então já é outra coisa. Então imoral não é usufruir sem pagar, é não respeitar o desejo do criador.

    Mas mesmo isso acho que é treta. Por exemplo, supõe que eu publico aqui um post e digo que, como criador, proíbo as pessoas de discordar ou criticar o meu post. Será imoral criticar ou discordar do meu post? Parece-me que não...

    Ou seja, não é verdade que seja imoral ir contra a vontade do autor. O autor não tem legitimidade moral para proibir que o critiquem, que façam troça da sua obra, que emprestem ou vendam os livros que ele decidiu publicar, etc.

    O que eu proponho é que o autor também não tem legitimidade moral para decidir que ficheiros é que eu posso ter no meu computador e que ficheiros posso copiar com o meu computador ou que ficheiros posso partilhar entre o meu computador e outras pessoas, com os seus computadores.

    E se o autor não tem legitimidade moral para exigir estas coisas, também não temos obrigação moral para lhe dar ouvidos quando ele o exige.

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  63. "Então já é outra coisa. Então imoral não é usufruir sem pagar, é não respeitar o desejo do criador."

    Eu disse "sobretudo." Significa que são ambas mas o sobretudo é usado no sentido em que também depende da vontade do criador. Se alguém decide doar o fruto do seu trabalho é livre de o fazer. Mas ao criar tem o direito a esperar que quem goste e usufrua o compense por isso. E quem não gosta, não. É simples e é justo.

    "Mas mesmo isso acho que é treta. Por exemplo, supõe que eu publico aqui um post e digo que, como criador, proíbo as pessoas de discordar ou criticar o meu post. Será imoral criticar ou discordar do meu post? Parece-me que não..."

    Isto é que é uma treta. Neste exemplo estás a tentar condicionar a opinião de terceiros. Claro que tu poderás alegar, como é hábito, que os bytes que formam um filme podem ser vistos como uma opinião sobre esse filme mas aí já voltamos ao splitting hairs.

    "O autor não tem legitimidade moral para proibir que o critiquem, que façam troça da sua obra, que emprestem ou vendam os livros que ele decidiu publicar, etc."

    Isto é perfeitamente falacioso Ludwig. Pretendes comparar um desejo de censura ao desejo de ser recompensado pelo teu trabalho. So falta evocar a Goodwin's Law. Como é evidente isto não é assim. É o mesmo que um Chef proibir as pessoas de dizerem que falta sal na comida com o desejo do chef de ser pago pelas receitas que confecciona.

    O problema é de facto bem mais simples e tu tentas fugir dele a todo o custo. Alguém produz algo. Esse algo não existiria se esse alguém não o tivesse criado. Logo se usufruis desse algo, se gostas dese algo, se a fruição desse algo te dá prazer e se tu sabes que isso é o ganha-pão do autor e que este não doou a sua obra então o corolário disso é que é moral que compenses o autor pelo prazer que a sua obra te proporcionou.

    Isto vale para um par de sapatos como para uma musica. E não tem nada a ver com legislação ou roubos ou copyrights. Tem a ver com decência. E tu parece que confundes o direito á informação, à livre comunicação com o direito à borla porque a esta altura do campeonato o teu debate comigo é pura e simplesmente tu a negares qualquer direito a um criador a receber algo em troca do usufruto da sua obra quando esse usufruto é voluntário e repetido.

    Um pequeno aparte. Torna-se cansativo debater contigo porque tu ao debater procuras apenas ganhar. Fazes-te desentendido, distorces o que foi dito, atribuis afirmações que o interluctor não fez e por aí em diante. Eu pergunto-te se te dá prazer debater e encontrar plataformas de entendimento ou se por outro lado dá-te mais prazer "ganhar" o debate mesmo que recorrendo ás tecnicas que enumerei?

    Se fosse eu o único a pensar isto, eu poria a hipotese do problema ser meu... Mas enfim, apesar de tudo não deixa de ser divertido.

    Ah, e então o preço pela leitura de cada post?

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  64. Ludwig,

    «Essas aspas estragam tudo. Uma música é um conjunto de sequências de sons que são semelhantes entre si. Uma partitura é uma forma de representar esse conjunto, aproximadamente. Uma “música” não faço ideia do que seja :)»

    Acho que é bastante claro porque é que usei aspas... Se eu fosse definir música de forma rigorosa ia, provavelmente, falhar. Resta-me uma forma ingénua que toda a gente entende. Com as aspas evidenciava essa ambiguidade. De resto, parece-me que essa tua definição é bastante fraca.

    A 7ª Sinfonia de Beethoven é uma música, o nome de uma música, ou o título de uma partitura de uma música? Isto é irrelevante, porque estamos a falar de ponteiros que apontam todos para a 7ª Sinfonia de Beethoven, e nunca para a Fantasia e Fuga BWV 542. Splitting hairs. Mas este era um comentário que tinha preparado antes do teu resumo e que não quis deixar de publicar. Avante...

    «Se respeitarmos o direito individual de partilhar informação – coisa que o copyright analógico nunca proibiu; por exemplo podias telefonar para alguém e ler poesia pelo telefone, ou emprestar livros pelo correio – então não se pode ter monopólios no domínio digital.»

    Os direitos de cópia deixaram de fora uma série de coisas porque isso não era visto como um problema. Não é que não se preocupassem com isso... "Ninguém vai recitar livros por telefone, ou memorizar partituras", pensaram eles. E pensaram bem, porque ninguém faz isso em grande escala. Fazer danos consideráveis a uma indústria por meio de acções individuais continua a ser combatido. Mas hoje em dia não se deve permitir esse combate nalguns casos porque é pior a emenda que o soneto.

    As perfumarias não se preocupam tanto com cópias exactas dos seus aromas porque é impraticável fazer-se isso em casa. Mas se se generalizar o uso de espectrómetros e sintetizadores químicos caseiros, chapéu. O meu direito de cheirar como quiser é superior ao direito das perfumarias de lucrarem com isso. Posso cheirar mal ou bem, a almíscar, leite azedo ou madressilva. Ninguém tem nada a ver com isso.

    A oportunidade de mercado é explorada pela indústria, e cada marca se protege da marca do lado. Os indivíduos eram a menor das preocupações da indústria. Mas tudo mudou com o facto de agora cada indivíduo poder ser ele próprio um editor em potencial. E é aí que acaba, ou devia acabar, a macacada.

    O direito de enriquecer à custa de um nicho é garantido enquanto quem opera nesse nicho puder ser controlado justamente e em pé de igualdade. Quando deixa de ser um nicho, acabou-se a papa doce. E é por isto que sou contra o monopólio digital. Continuo a acreditar que, em certa medida, é justo que um empreendedor possa criar o seu ganha-pão ao operar sobre uma pequena área da sociedade, trazendo benefício para ele e para os outros. Mas se o benefício dele custar direitos básicos aos demais, que procure outra forma de trabalhar.

    ResponderEliminar
  65. Francisco,

    Estou de acordo com quase tudo no teu último comentário, e penso que o João Vasco e o Wyrm também estarão. Mas há uma parte incorrecta, e continuo a achar que o “hair splitting” é mais um “missing the point”. Porque depende do contexto.

    Para o problema de eu dar ao João Vasco a informação necessária para ele fazer uma bomba, é “hair splitting” distinguir se eu faço uma bomba e lha mostro, se lhe dou um diagrama detalhado ou se ponho um vídeo no youtube com as instruções.

    Mas se estamos a discutir o que deve ser permitido ou proibido, e chegarmos à conclusão de que o teu direito de não fazerem bombas ao pé de ti é superior ao nosso direito de fazer bombas, mas o teu direito de que não troquem informação acerca de bombas é inferior ao nosso direito de trocar informação acerca de bombas, então não é “splitting hairs” distinguir entre o acto de fazer uma bomba, que é legítimo proibir, e o acto de partilhar descrições de bombas, que não é legítimo proibir. Quem disser que, neste contexto, a diferença entre o diagrama e a bomba é “splitting hairs” está “missing the point”.

    Foi isto que aconteceu até recentemente com o copyright. Ao contrário do que alegas, não se tratou apenas de «"Ninguém vai recitar livros por telefone, ou memorizar partituras", pensaram eles.» As editoras combateram os livros e discos em segunda mão, o VCR, os gravadores de cassetes, etc. Mas muitas vezes os legisladores não foram na conversa por estar em causa direitos mais importantes do que o negócio.

    Proibir a distribuição não licenciada de cópias de um CD, durante alguns anos, pode ser uma boa ideia para garantir que as editoras mantém o negócio de distribuir o CD pelas lojas sem tirar direitos muito importantes a ninguém. O direito de distribuir cópias de um CD não é nada de especial. Mas proibir qualquer descrição detalhada do CD que permita ao receptor criar uma cópia do CD (ou proibir que se empreste, revenda, copie em casa para uma cassete, etc) já seria um exagero, e a lei nunca foi nessas conversas. Neste contexto, não é “hair spliting” distinguir a cópia da revenda, empréstimo ou descrição.

    Penso que até aqui vocês me terão acompanhado na boa. Agora vem a parte que tem dado mais luta. O que proponho é que há uma diferença fundamental entre o analógico e o digital porque no analógico há algumas partes que podemos proibir com alguns efeitos nos tais problemas dos free riders e no subsídio à distribuição sem ter de ceder direitos importantes por causa disso. Distribuição de fotocópias e CDs copiados, por exemplo. Mas no domínio digital isso é impossível. Neste, qualquer proibição efectiva exige censura, o que limita direitos mais importantes, obriga a leis muito mais arbitrárias, vagas e subjectivas (definir o que é copiar um CD é muito mais fácil do que definir o que é dar a alguém a informação necessária para o fazer, especialmente quando temos redes de centenas de pessoas a cooperar nisso e cada uma dá apenas uma pequena parte da informação), etc.

    Este é o meu ponto, aqui em disputa. No contexto de avaliar que leis é legítimo implementar, a diferença entre o domínio analógico e o digital – entre o acto de copiar ou distribuir suportes físicos da obra e o acto de trocar informação acerca da obra – não é mero “hair splitting”. É uma diferença fundamental que justifica rejeitar de todo a extensão das restrições de cópia ao domínio digital. Se querem conceder monopólios neste domínio, façam-no sobre direitos de venda ou algo assim, mas não sobre direitos de partilha da informação.

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  66. Ludwig,

    Talk about missing the point.

    O Francisco escreve isto:

    "E é por isto que sou contra o monopólio digital."

    e tu respondes isto:

    "Se querem conceder monopólios neste domínio, façam-no sobre direitos de venda ou algo assim, mas não sobre direitos de partilha da informação."

    O "hair splitting" é, por exemplo, quando tu usas a falácia da censura para justificar a moralidade de se copiar material não doado (chamemos-lhe assim) alegando que o que estás a partilhar não é uma musica da Shakira mas sim 0's e 1's que, por acaso, até podem ser descodificados como sendo uma musica da Shakira.

    Mas de todas as maneiras penso que a unica coisa em que há discordância é na moralidade ou imoralidade de se copiar material não doado estando todos de acordo que legislação para restringir a cópia de material protegido é má ideia.

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  67. Ludwig,

    Quanto às bombas estou de acordo. Mas esse não era o ponto da discórdia.

    Uma bomba explode. Os planos da bomba não. Mas qualquer descrição dos planos da bomba é os planos da bomba. Este era o ponto da discórdia.

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  68. Wyrm,

    Eu sei que estou de acordo com o Francisco acerca dos monopólios no domínio digital. Onde parece haver desacordo, principalmente com o João Vasco (o Francisco estava no meio, a mediar a conversa) é que há uma diferença fundamental entre o analógico e o digital a este respeito: porque no digital é tudo descrições, não é aceitável que se conceda este tipo de monopólios.

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  69. Francisco,

    «Uma bomba explode. Os planos da bomba não. Mas qualquer descrição dos planos da bomba é os planos da bomba. Este era o ponto da discórdia.»

    Não era bem esse o ponto da discórdia (pelo menos um deles :)

    Era este:

    «Uma receita de um bolo não é um bolo, da mesma forma que uma partitura não é som. Mas uma partitura é uma "música"»

    Eu proponho duas coisas, a propósito da bomba. Primeiro, que dizer que os planos da bomba não explodem, mas os planos da bomba são uma "bomba" faz pouco sentido. Tal como dizer que uma partitura é uma "música". Segundo, não é verdade que qualquer descrição de uma partitura seja uma partitura. Uma partitura é algo específico. Tem uma notação própria, regras de como se escreve e interpreta. "Qualquer descrição da partitura" é uma coisa muito mais vasta, porque podemos inventar a síntaxe e semântica que quisermos para a representação que nos der na telha, desde que descreva a partitura. Da mesma forma, os planos da bomba são planos (desenhos, diagramas, etc). "Qualquer descrição dos planos da bomba" é algo muito mais vasto e arbitrário que inclui muita coisa que não será sequer planos.

    A tua acusação de que estas distinções são splitting hairs é uma petição de princípio, porque assume à partida a negação da minha tese -- de que importa distinguir entre as coisas e as descrições dessas coisas -- sem qualquer tentativa de justificar porque é que se deve assumir que a coisa e a sua descrição são o mesmo (o que não faz muito sentido, razão pela qual te viste até obrigado a usar as aspas).

    Se escreveres um conjunto de equações descrevendo todas as linhas e círculos de uma partitura e mostrares isso a um músico, tenho quase a certeza que ele te irá dizer que isso não é uma partitura. Pode descrever a partitura, mas não é uma partitura. E até duvido que ele aceite que essas equações são uma "partitura" :)

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  70. Wyrm,

    Voltando à nossa lida...

    «O "hair splitting" é, por exemplo, quando tu usas a falácia da censura para justificar a moralidade de se copiar material não doado (chamemos-lhe assim) alegando que o que estás a partilhar não é uma musica da Shakira mas sim 0's e 1's que, por acaso, até podem ser descodificados como sendo uma musica da Shakira.»

    Impedir as pessoas de partilhar certa informação é censura. Isto não é falácia (i.e. uma inferência inválida e enganadora). É o significado da palavra. Se me querem proibir de partilhar qualquer sequência de dígitos que permita recriar uma música da Shakira estão a censurar essa informação. E não há nada aí de por acaso.

    Mas isto não é para justificar a moralidade de copiar. Eu não considero que seja preciso justificar a moralidade de copiar porra nenhuma. Se eu vir alguém com chapéu verde e cachecol amarelo, eu posso copiar isso e usar as mesmas cores no dia seguinte. Se ouvir alguém a dizer “em termos de” eu posso copiar isso e dizer “em termos de”. Ou arregaçar as mangas. Ou falar português. Ou inglês. Ou tocar acordes, escrever palavras, citar frases, declamar poemas, ler livros em voz alta, fazer cheque pastor, saltar ao pé cochinho, fazer bacalhau com natas e milhentas outras coisas copiadas sem imoralidade nenhuma.

    O que carece de justificação é a tese de que é imoral copiar a música da Shakira.

    Tu começaste por dizer «não tens o direito de usufruir do trabalho dos outros sem os compensar.» Quando te apontei a inconsistência disto com imensas práticas que obviamente tenho o direito de fazer (por exemplo, ler livros que peço emprestados ou que compro em segunda mão), disseste que «Estamos a falar de cópias de filmes, albuns, colocação de pdf's de livros na net, download desses mesmos livros.» Mas a regra que enunciaste para concluir que não se deve fazer isso era ser imoral usufruir do trabalho dos outros sem os compensar. Se não é essa a regra, então é preciso outra.

    Propuseste então outra:

    «A imoralidade advém sobretudo do facto não respeitares o desejo do criador em relação à sua obra.»

    Mas aqui temos novamente um problema. A tua regra é ser imoral desrespeitar o desejo do criador. Mas quando aponto que não é imoral desrespeitar o desejo do criador, por exemplo, de que não o critiquem, dizes que isso não conta porque «Neste exemplo estás a tentar condicionar a opinião de terceiros.» Ou seja, mais uma vez a tua regra não é um princípio geral.

    Em todas estas tuas tentativas és tu quem comete uma falácia. Nomeadamente, a petição de princípio: tu queres que se infira a imoralidade da cópia alegando aparenter regras gerais que, afinal, apenas se aplicam à conclusão de que a cópia é imoral. Andas às voltas sem nunca justificar nada.

    O que eu proponho é que não temos de considerar apenas o direito de um, mas os direitos de todos. Por exemplo, o direito de o autor me proibir de pedir livros emprestados é inferior ao meu direito de pedir livros emprestados, por isso o autor que se lixe a este respeito. O direito do autor exigir que não o critique é inferior ao meu direito de o criticar. Perde ele novamente. Finalmente, o direito do autor me proibir de copiar ficheiros com o meu computador é inferior ao meu direito de copiar ficheiros com o meu computador. Portanto, também aqui, não é imoral eu copiar as músicas da Shakira. Pelo contrário, é um direito moral meu, parte dos meus direitos de propriedade sobre o meu computador.

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  71. Ludwig,

    A questão dos planos da bomba (que não explode) e da receita (que não se come) é sempre semântica.

    «A tua acusação de que estas distinções são splitting hairs é uma petição de princípio, porque assume à partida a negação da minha tese -- de que importa distinguir entre as coisas e as descrições dessas coisas -- sem qualquer tentativa de justificar porque é que se deve assumir que a coisa e a sua descrição são o mesmo (o que não faz muito sentido, razão pela qual te viste até obrigado a usar as aspas).»

    A razão pela qual usei aspas não foi essa. O exemplo da partitura se calhar não é muito bom porque confunde mais ainda, uma vez que a informação que se transmite na Internet diz respeito, muitas vezes, à própria música. Eu usei aspas para ilustrar o problema semântico.

    A questão de distinguir as coisas das descrições dessas coisa faz sentido quando as coisas não são elas próprias descrições. Assim, distingue-se um bolo da sua receita, a bomba dos seu blueprint e a partitura da música.

    Não posso é dizer que uma descrição de uma partitura não é a partitura, porque eu apenas traduzi a mensagem para obter outra mensagem equivalente. Uma descrição da receita do bolo é a própria receita do bolo numa linguagem diferente. Isto em termos de Teoria da Informação.

    Posto isto – e aqui é que surge o ponto em que posso confundir as coisas, em termos semânticos - uma receita de bacalhau à Brás traduzida para búlgaro produz o mesmo bacalhau à Brás, os planos da bomba traduzidos de ASCII para hieróglifos constroem o mesmo objecto e uma partitura dos martelinhos passada para pontos furados num rolo tocam a mesma música no piano. Isto porque eu sou um ser humano.

    Ou seja, é perfeitamente legítimo referirmo-nos àquilo que a informação representa na presença dessa informação porque essa informação foi criada num contexto muito particular, não arbitrário. Quando eu vejo um bitmap da Mona Lisa digo (e toda a gente diz) "olha a Mona Lisa" e não "olha um mapa de píxeis que representa a Mona Lisa".

    Mas eu nunca usei este argumento para justificar a minha defesa ou oposição aos monopólios digitais. Tentei apenas clarificar, em termos rigorosos e em termos latos, aquilo de que se estava a falar.

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  72. Ludwig,

    "Impedir as pessoas de partilhar certa informação é censura."

    Eu não quero impedir nada a ninguém. Por acaso repetiste comigo as frases acima? Mas, já agora, a censura não é necessariamente má. Se eu te impedir de andares a dizer que sou um ladrão, também é censura? Se eu te impedir que divulgues o meu PIN é censura? Formalmente até pode ser, mas em ambos os casos é moral que sejas censurado de partilhar essa informação que me causará dano. Logo, e como tudo na vida, "one size doesn't fit all." É por isso que, como creio que foi o João Vasco que disse, temos juízes em vez de computadores que aplicam cegamente os "princípios gerais."

    "O que carece de justificação é a tese de que é imoral copiar a música da Shakira."

    Eu nunca disse que a cópia por si só é imoral. Pensei que isso fosse claro. E acho que é para toda a gente menos para ti que pretendes "ganhar" a discussão a todo o custo. O que acontece é que estás a aproveitar-te voluntáriamente do trabalho de eterceiros. Trabalho esse que foi executado com recursos e esforço. E tu achas moral usufruires desse trabalho tanto quanto queiras apenas porque não concordas com o modelo de negócio. O que me estás a dizer é que se o artista te tivesse pedido o dinheiro antes tu até podias ter dado. Mas se não pediu, azarico, apesar de tu teres a vantagem à posteriori de ouvires/leres excertos da obra que te permite tomar uma decisão mais informada.

    A questão é esta: alguém gasta recursos para criar algo que te agrada e que tu voluntáriamente procuras. Essa pessoa criou algo com o seu esforço logo se te agrada o seu trabalho, se a ele acedeste por tua iniciativa e de forma voluntária então é moral que a compenses/agradeças/ pelo seu trabalho.

    A tua opinião do "ele tem de ser pago por escrever uma música" também não é um princípio geral, é apenas uma forma de remuneração entre tantas outras. E mesmo hoje em dia muito artistas resolvem confiar no seu público e colocam os mp3/mpg/jpg acessíveis a todos porque ingénuamente pensam que se alguém gosta do trabalho deles os compensará por isso. Contigo teriam de ir vender bicas porque afinal, apesar de teres procurado no torrentz, teres feito download de multiplos ficheiros até encontrares um com a qualidade que te agrada, etc. como "não lhe pediste nada" não tens qualquer obrigação moral de o compensar. Dito de outra maneira parece que a tua opinião é: "se o otário não pediu primeiro a guita, azar o dele." :)

    Imagino que para alguns seja frustrante que uma tipa sem talento como a Shakira seja milionária enquanto muitos Fisicos de Particulas brilhantes com contributos enormes para o avanço da ciência, não estão.

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  73. "tu queres que se infira a imoralidade da cópia alegando aparenter regras gerais que, afinal, apenas se aplicam à conclusão de que a cópia é imoral. Andas às voltas sem nunca justificar nada."

    Se esta afirmação prova alguma coisa é que tens dificuldades de compreensão, o que não acredito, ou que fazes-te desentendido em relação ao meu ponto porque assim será mais fácil "ganhares" a discussão.

    Copia o que quiseres. Copia em si não é imoral e é para aqui que trazes sempre a conversa. Eu pessoalmente cansa-me esse jogos de semântica. Em todo o caso eu também sou responsável porque muitas vezes escrevo "cópia" quando quero dizer "usufruto." E é claro que temos de ser sensatos em relação ao que entendemos por "usufruto."

    Se voluntáriamente usufruis do trabalho de alguém eu acho que é moral tu compensares esse individuo e este é o argumento central e julgo ser um bom princípio geral. Nem parece ser complicado. Compensar alguém por nos ter feito sentir bem. Pode ser com um "obrigado", pode ser com uma doação. Se sabemos que o que o tipo fez e nos deu prazer é também a sua fonte de rendimento até podemos, SHOCK!!!, comprar uma cópia da sua criação.

    Se me dizes que não o pretendes fazer não prentendo que vás preso nem que se começe a organizar um auto de fé. Se eu acreditasse que havia alguma vantagem em legislar o acesso a bens digitais, seria o seu maior proponente. Mas acredito que leis dessas seriam impraticáveis e abririam a porta para praticas ainda mais imorais que o simples usufruto sem retribuição.

    Chama-me parvo. Acho que quem trabalha merece ser recompensado se o fruto do seu trabalho é do agrado de quem o "consome." Tu achas que por muito que gostes de uma obra cujo usufruto além de não te ter sido imposto (como um musico na rua "impõe" a sua musica a todos) e de tu o teres procurado activamente (quando puxas um filme específico que tens vontade de ver) não tens qualquer obrigação de compensar o criador. É uma opinião.

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  74. Francisco,

    «A questão de distinguir as coisas das descrições dessas coisa faz sentido quando as coisas não são elas próprias descrições.»

    É mais ou menos isso que eu estou a dizer. Eu acho que faz sentido distinguir descrições, porque a descrição é a conjunção de símbolos e semântica. A receita em búlgaro não faz o mesmo efeito se o cozinheiro não percebe búlgaro, e as equações que descrevem as linhas e círculos da partitura não estão sequer a descrever a mesma coisa do que a partitura, que descreve sons.

    Mas, por outro lado, é verdade que uma sequência de símbolos pode ser descrição de qualquer coisa, se associada à semântica certa, por isso se considerares que duas sequências que descrevam a mesma coisa são a mesma descrição, então todas as sequências podem ser a mesma descrição.

    E o problema é mesmo a semântica, ou a dependência dela.

    Um disco da Shakira é uma gravação daquelas músicas porque quando se põe a tocar no gira-discos sai um som parecido com o da música. A lei não precisa considerar se a pessoa usa o disco como chapéu ou tabuleiro para café e não há perigo de o confundir com um disco de outro músico ou um livro de poemas de Camões. Isto porque a relação entre o disco e a música é fixa, pré-determinada, independente do uso ou interpretação que se dá ao disco. O que importa é o disco, e não o par disco-semântica.

    Uma sequência de bytes pode dar a música da Shakira se interpretada de uma maneira, poemas se interpretada de outra, etc. E isto vale para todas as sequências de bytes. Não concordo que todas as sequências sejam a mesma sequência nem que todas as descrições sejam a mesma descrição. Mas o problema que isto levanta é que agora a lei não pode discriminar as sequências em si, tem de discriminar os pares sequência-semântica.

    E essa é a diferença fundamental que eu quero apontar entre o analógico e o digital. No analógico tu violas o copyright se criares ou distribuíres cópias. Mas da forma como a lei foi transposta para o digital tu podes violá-la a lei simplesmente por interpretar algo de certa forma. Se interpretas o número pi de forma a representar os sons da música da Shakira estás a violar o copyright. E isto é fundamentalmente diferente daquilo que se fazia com discos e livros.

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  75. Wyrm,

    «Eu não quero impedir nada a ninguém.»

    Nem eu digo que queres. O que digo é que para impedir a proliferação de cópias de certo ficheiro o que é preciso é um sistema de censura e não simplesmente uma proibição de cópia, e que isso é fundamentalmente diferente daquilo que acontecia com os media analógicos, nos quais bastava restringir a cópia de suportes físicos concretos e não a informação em abstracto.

    «Se eu te impedir de andares a dizer que sou um ladrão, também é censura?»

    Sim. E concordo que há casos em que a censura é justificável. Mas o meu ponto é que a censura é diferente da restrição de cópia e requer uma justificação diferente – e bastante mais forte – pelo que não se pode simplesmente dizer que como se restringia a cópia no analógico então é legítimo censurar no digital. Para aceitar essa transposição como legítima é preciso justificá-la, e não vejo que haja justificação para isso. Aparentemente, tu também não, porque se visses então querias impedir...

    «Eu nunca disse que a cópia por si só é imoral.»

    O problema é mais fundamental que esse. O problema é que a tua posição acerca da moralidade destas coisas não é consistente. Ora é imoral usufruir sem recompensar, ora já não é isso, é pela cópia, ora já não é pela cópia mas sim pelos desejos do autor, etc, e não se percebe nada do fundamento que queres invocar para justificar a tua alegação de que é imoral descarregar o Green Lantern por falta de paciência e dinheiro para o ir ver ao cinema.

    «O que me estás a dizer é que se o artista te tivesse pedido o dinheiro antes tu até podias ter dado. Mas se não pediu, azarico, apesar de tu teres a vantagem à posteriori de ouvires/leres excertos da obra que te permite tomar uma decisão mais informada.»

    O que estou a dizer é que criar uma obra ou comprar um bem ou serviço são actos voluntários. Cada um de nós tem o direito de o fazer, ou de não o fazer. Não é imoral o artista decidir que se lixe, estou farto disto, vou pescar. Não tem obrigação de criar obra nenhuma. Também não é imoral eu decidir hah, dez euros, o caraças, não vou comprar isto.

    Imoral será coagir ou obrigar as pessoas a fazer estas coisas. Obrigar a comprar, obrigar a criar, obrigar a pagar. Por isso só considero que há uma obrigação moral de pagar ou criar se houver um compromisso prévio nesse sentido. Se eu prometo dez euros pela obra e ele promete a obra pelos dez euros, ele tem a obrigação moral de ir criar a obra em vez de ir à pesca e eu tenho a obrigação moral de lhe pagar em vez de usufruir de borla.

    Mas se não nos comprometemos a nada disso não há, a priori, nenhuma obrigação moral de nenhuma das partes. Se eu decidir dar 100€ ao artista como incentivo para ele criar mais obras isso não lhe dá uma obrigação moral de criar mais obras. Ele tem todo o direito de meter o dinheiro ao bolso e ir pescar, independentemente do usufruto dos 100€. E se o artista decide editar a sua obra como incentivo para que lhe dêem dinheiro, isso não dá a ninguém a obrigação moral de lhe dar dinheiro, independentemente do usufruto da obra. Há obrigações legais criadas para servir de subsídio à distribuição e, em pequena parte, à criatividade, mas essas só se podem justificar por uma conveniência colectiva e, mesmo assim, são de legitimidade dúbia. Mas a obrigação moral de pagar a alguém porque se gosta da música é nula. A transacção é simétrica e voluntária de ambas as partes.

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  76. Wyrm,

    «Se voluntáriamente usufruis do trabalho de alguém eu acho que é moral tu compensares esse individuo e este é o argumento central e julgo ser um bom princípio geral.»

    Concordo com esse princípio. É moralmente louvável fazeres algo pelos outros, e isto mesmo que não usufruas do trabalho dele. Se ouves alguém a cantar horrivelmente mal, mas que gosta de cantar, dar-lhe mil euros para aulas de canto também seria moralmente louvável.

    Mas isso não é relevante para a nossa discussão. A questão é se há uma obrigação moral. Ou seja, se o valor moral de fazer isso é superior ao valor moral da liberdade de não o fazer. Como acontece se, por exemplo, está uma criança a afogar-se à tua frente. O valor moral de salvar a criança é superior ao valor moral de virares as coisas e ires-te embora, por isso nesse caso podemos dizer que tens uma obrigação moral de salvar a criança e é imoral ires-te embora.

    E aqui é que me parece que discordo de ti. Digo parece porque não percebo a tua posição com suficiente clareza para perceber se é mesmo assim ou não...

    Se o que tu propões é que o meu direito de descarregar um filme para o ver sem pagar tem um valor moral menor do que o valor moral de pagar pelo filme, eu discordo de ti. Acho que o valor moral do meu direito de acesso a conteúdo voluntariamente disponibilizado ao público é superior ao valor moral de cumprir das expectativas de lucro seja de quem for. Obviamente, quando o conteúdo não foi disponibilizado voluntariamente já será o contrário. Não vejo nada de imoral em sacar fotos da Scarlett Johanssen nua em violação do copyright da PlayBoy, se ela decidir pousar para a revista, mas acho imoral fazer o mesmo com as fotos privadas que alguém obteve do telemóvel dela.

    Se o que tu propões é que seria bonzinho da minha parte enviar uma nota de 10€ aos criadores do filme se o sacar da net e gostar do que vejo, mas que isso seria um acto tão voluntário e opcional como foi a criação do filme e a sua venda a público – que também ninguém tinha obrigação moral de fazer se não se comprometeram a tal primeiro – então estou de acordo contigo.

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  77. "O problema é mais fundamental que esse. O problema é que a tua posição acerca da moralidade destas coisas não é consistente. Ora é imoral usufruir sem recompensar, ora já não é isso, é pela cópia, ora já não é pela cópia mas sim pelos desejos do autor, etc, e não se percebe nada do fundamento que queres invocar para justificar a tua alegação de que é imoral descarregar o Green Lantern por falta de paciência e dinheiro para o ir ver ao cinema."

    Pode haver inconsistência na forma como exponho a minha posição. Admito-o perfeitamente. No entanto não há qualquer inconsistência na posição em si. Tu sabes que das vezes que falei em cópia e usufruto estou sempre a referir-me ao mesmo. Mas pronto, pensei que estava a debater com Ludwig mas estou a debater com o Sheldon. :)

    Eu escrevi:

    "Se voluntáriamente usufruis do trabalho de alguém eu acho que é moral tu compensares esse individuo e este é o argumento central e julgo ser um bom princípio geral. Nem parece ser complicado. Compensar alguém por nos ter feito sentir bem. Pode ser com um "obrigado", pode ser com uma doação. Se sabemos que o que o tipo fez e nos deu prazer é também a sua fonte de rendimento até podemos, SHOCK!!!, comprar uma cópia da sua criação."

    É este o meu fundamento. Podes não concordar com ele e será essa a a nossa diferença irreconciliável. Eu acho que mediante o usufruto de uma obra de forma continuada se deve compensar o autor. Tu não. Pronto.

    Eu entendo a expressão "principio geral" como "linhas de guia." Se te emprestam um livro de um autor o teu usufruto desse livro não será imoral. Mas se procederes à leitura de toda a bibliografia do autor sem achares sempre em empréstimo se calhar já se justificava tu adquirires pelo menos um exemplar. Como reconhecimento e compensação por te ter proporcionado momentos agradáveis.

    "Também não é imoral eu decidir hah, dez euros, o caraças, não vou comprar isto."

    Pois não. É o uso da tua discrição como consumidor. Mas já é imoral tu decidires "10€ o caraças, vou puxar e o artista que abra a pestana."

    "Obrigar a comprar, obrigar a criar, obrigar a pagar."

    Concordo. Nunca o defendi.


    "Mas a obrigação moral de pagar a alguém porque se gosta da música é nula."

    Não, não é. Usufruiste, acedeste, gostaste. Compensa o homem. Não gostaste? Não compenses.

    "A transacção é simétrica e voluntária de ambas as partes."

    Sim, claro. É por isso que eu não compro um album da Shakira. Mas comprei o album de Deathspell Omega porque após tê-lo sacado e ter ouvido algumas vezes e de me ter proporcionado momentos agradáveis resolvi compensar o artista por me ter proporcionado esses bons momentos. Imoral seria eu usufruir da obra e ainda alegar que a mim ninguém me pediu nada. Isso só seria moral se te tivessem "obrigado" a usufruires da obra e depois te pedissem dinheiro.

    O que eu percebo aqui é que o problema é que tu não ligas pevide a musica, cinema e afins. Noto que o João Vasco é um cinéfilo, eu gosto muito de musica e por conseguinte ambos achamos que é moral compensar quem nos proporciona algo que nos dá muito prazer.

    Possivelmente tu ouves uma musica de vez em quando e apenas vez os filmes da moda. Logo é normal que consideres que pelo teu usufruto não tens nada que compensar quem quer que seja. Isto porque se amanhã pararem de fazer musica ou filmes (claro que não vai acontecer) para ti é igual ao litro. Estou certo nesta ultima?

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  78. "Se o que tu propões é que seria bonzinho da minha parte enviar uma nota de 10€ aos criadores do filme se o sacar da net e gostar do que vejo, mas que isso seria um acto tão voluntário e opcional como foi a criação do filme e a sua venda a público – que também ninguém tinha obrigação moral de fazer se não se comprometeram a tal primeiro – então estou de acordo contigo. "

    Tu chamas bonzinho, eu chamo moral. Mas lá por ser imoral não compensares quem te proporciona bons momentos eses facto não tem de ser ilegal. Eu acho imoral a miuda ter usufruido das musicas sem ter compensado os autores. Mas acho infinitamente mais imoral a RIAA tê-la processado por centenas de milhar de dólares e um juiz ter achado que tinham razão.

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  79. Wyrm,

    «Pode haver inconsistência na forma como exponho a minha posição. Admito-o perfeitamente. No entanto não há qualquer inconsistência na posição em si.»

    Isso só posso avaliar depois de perceber qual é a tua posição. Por isso aqui vai mais um “splitting hairs” que considero importante, seguido de uma pergunta.

    Um acto pode ser moralmente louvável mas ser opcional por o seu valor moral ser inferior ao valor moral do direito de não agir dessa forma. Por exemplo, se o meu vizinho estiver engripado, eu levar-lhe uma canja quente é moralmente louvável. No entanto, o valor moral do meu direito de não levar canja ao vizinho é superior ao valor moral de levar canja ao vizinho e, por isso, levar canja ao vizinho não é uma obrigação moral. É um acto superrogatório: kudos se o fizeres, mas não tens obrigação disso.

    Um acto pode ser moralmente obrigatório se o valor moral do acto for superior ao valor moral do direito de não agir dessa forma. Por exemplo, avisar o cego que vês a avançar para o precipício.

    Se a tua posição é de que compensar o autor é um acto moralmente louvável mas superrogatório, como levar canja ao vizinho engripado, estou de acordo contigo.

    Se a tua posição é de que compensar o autor é um acto moralmente obrigatório, como o de dizer “cuidado, há aí um precipício”, então discordo da tua posição e preciso de saber em mais detalhe o que classificas de imoral. Se assim for, considera estes cenários hipotéticos:

    A- Descarrego o Green Lantern, vejo o filme, gosto e não pago.
    B- Descarrego o Green Lantern, vejo o filme, detesto e não pago.
    C- Descarrego o Green Lantern, não vejo e não pago.
    D- Não descarrego o Green Lantern e não pago.

    Qual ou quais consideras imorais (no sentido de ser moralmente obrigatório não agir dessa forma) e porquê?

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  80. Eu considero que se um individuo procura o fruto do trabalho de terceiros e usufrui desse fruto, então fica moralmente "obrigado" a compensar o criador do tal fruto.

    Isto é pacífico se estivermos a falar de bens materias.

    No que diz respeito a bens digitais a coisa pia mais fino. Isto por causa de especificidades inerentes a cada tipo de bem e ao formato em si.

    Certas obras que podem ser armazenadas em formato digital têm mais formas de ser rentabilizadas que outras e pelo facto de por muito que se copie uma obra digital ninguém é privado dela tudo isso justifica que não se aplique o conceito de roubo á situação de usufruto sem ter adquirito o mesmo.

    No entanto eu penso que se assumirmos que todo o trabalho meritório ao qual acedemos voluntáriamente e o qual nos enriquece/diverte/entretém deve ser recompensado então naturalmente é um imperativo moral compensar de alguma forma o seu criador.

    Não quero com isto dizer que se lês 3 livros que puxaste de um autor então tens de os comprar visto que provavelmente se não os tivesses puxado nunca sequer os comprarias inicialmente. Mas se resolvesses comprar o 4 livro da série então pelo menos já terias compensado o autor de alguma maneira estando nesse caso a "obrigatoriedade" moral satisfeita.

    Como a vida é analógica e não digital, eu não considero que o imperativo moral de compensação seja igual ao imperativo moral de avisar o cego. Tu aproveitas-te de obras sem pagar mas isso não é motivo para te considerar uma má pessoa, mas se não avisasses um cego do buraco então achar-te-ia execrável (já agora, em portugal não sei mas em frança há o crime de 'non-assistance a personne en danger').

    Concluindo, à primeira vista (e eu sei que tens aí uma armadilha à espera) eu julgo que no caso A deverias compensar de alguma forma a editora adquirindo merchandising, o BR se te interessar os extras e isto porque a editora já pagou à equipa pelo trabalho deles.

    Mas se não o compensasses também não me choca pois provavelmente se o filme não estivesse disponivel para download também não o irias ver ao cinema.

    É também uma decisão individual pois depende do quanto esse filme te enriqueceu como ser humano. Se calhar para ti a ideia de enriquecimento pessoal através de um livro, filme ou musica é absurda mas para mim não é.

    É por isso que não consigo perceber como é possivel gostar de algo e não compensar quem tornou esse algo possivel. É para mim uma obrigação moral de compensar o individuo.

    Assim se calhar o A merece mais alineas:

    A.1 - Descarrego o Green Lantern, vejo o filme, gosto, não pago e foi girito.
    A.2 - Descarrego o Green Lantern, vejo o filme, gosto, não pago e os putos ligaram mais enquanto eu lia artigos tecnicnos na tablet.
    A.3 - Descarrego o Green Lantern, vejo o filme, gosto, não pago e adorei o filme e acho que o vou ver bastantes mais vezes.
    A.4 - Descarrego o Green Lantern, vejo o filme, gosto, não pago e o filme mudou a minha forma de ver o mundo e, porque não, a minha vida.

    Dependendo do que uma obra representa para ti terás um imperativo moral maior ou menor de compensar o seu autor.

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  81. «Mas, por outro lado, é verdade que uma sequência de símbolos pode ser descrição de qualquer coisa, se associada à semântica certa, por isso se considerares que duas sequências que descrevam a mesma coisa são a mesma descrição, então todas as sequências podem ser a mesma descrição.»

    Mas isto é impossível sem introduzir a chave de tradução correcta e, portanto, não é bem verdade. Essa arbitrariedade de significados não serve para dizer que a mesma mensagem pode querer dizer duas coisas diferentes, lá porque o contexto é desconhecido.

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