terça-feira, outubro 25, 2011

Estado liberal.

O liberalismo é, ou supostamente devia ser, uma filosofia política visando a defesa da liberdade individual e a igualdade de direitos entre todos os indivíduos. Foi a justificação principal para a Revolução Francesa, a independência dos EUA e a luta contra o fascismo e comunismo durante o século XX (1). Neste sentido, eu sou liberal. Defendo que o propósito do Estado é maximizar a liberdade de todos os indivíduos. Mas, nestes tempos de crise, vejo muita gente usar este termo como sinónimo para um Estado minimizado. Parafraseando Inigo Motoya, não me parece que o termo signifique o que eles julgam que significa.

Por exemplo, o Rui Albuquerque escreve que «Numa sociedade liberal, fundada sobre os pilares da propriedade privada e do livre comércio, o funcionalismo público é praticamente desnecessário»(2). O problema é que não se pode fundar a sociedade sobre os direitos de propriedade privada e de livre comércio sem que os Estado os garanta primeiro.

Há coisas das quais alguém se pode apropriar e excluir terceiros do seu usufruto. Terra, comida, utensílios, casas e até a liberdade dos outros, no caso da escravatura. Se queremos um sistema de direitos de propriedade que maximize a liberdade individual precisamos de um Estado com legisladores, polícias, fiscais, tribunais, guardas prisionais, notários e mais uma data de gente para garantir que ninguém é privado, à força, daquilo que é seu ou das suas liberdades. Isto não quer dizer que se inche o Estado sem limite. A certa altura, o Estado começa a ser prejudicial. Por exemplo, quando se chega a algo como conceitos, músicas, ideias, filmes, histórias e afins, das quais ninguém se pode apropriar em exclusão dos outros sem ajuda do Estado, o melhor é manter o Estado de fora. Por isso sou contra a generalidade dos monopólios a que chamam “propriedade intelectual”. Mas o outro extremo também é falso. Para haver direitos de propriedade é preciso bastante funcionalismo público.

A liberdade de comércio também o exige. Se queremos um comércio livre, então não podemos permitir que alguém seja coagido a comprar ou vender. Não podemos permitir que alguém seja forçado a vender o seu trabalho a qualquer preço só para evitar passar fome ou que seja obrigado a pagar serviços de saúde para evitar morrer de uma doença. Estas situações de participação forçada no mercado não são compatíveis com o mercado livre, como direito individual. Portanto, além de toda a regulação necessária para que os contratos sejam cumpridos, para que a publicidade não engane e para que o mercado não se torne numa burla colectiva, é preciso também uma redistribuição eficaz e garantias de acesso universal a condições básicas de vida e de saúde. Sem isso, em vez de um mercado verdadeiramente livre teremos o “mercado” da Inglaterra de Charles Dickens ou das tribos da Etiópia.

A liberdade também exige segurança, justiça, educação, acesso à informação e possibilidade de participação nos processos de decisão política. Ninguém pode ser livre sem conhecer os seus direitos, sem saber que opções tem e sem participar na cultura e na política. Tudo isto exige pessoas contratadas especificamente para organizar estes serviços. Não pode ser resolvido por intermédio de empresas, cujo objectivo último é simplesmente gerar dividendos. Portanto, para garantir estas liberdades, que é função do Estado garantir, é preciso funcionários públicos em vez de parcerias publico-privadas ou da privatização dos direitos da maioria.

O problema fundamental é ver o mercado e a propriedade privada como o fundamento do resto. A liberdade de transaccionar bens e serviços e a propriedade privada são importantes porque são direitos. Mas são direitos como outros. Como o direito à educação, à igualdade perante a lei, à vida, ao usufruto de uma parte justa dos recursos naturais, culturais e tecnológicos, e assim por diante. Em suma, são parte dos direitos que constituem a tal liberdade individual que o liberalismo tem por objectivo. E o fundamento prático de tudo isso não é o mercado, nem a economia, nem o sector financeiro. É o Estado. É este o único que pode garantir esses direitos.

1- Wikipedia, Liberalism
2- Blasfémias, pacta sunt servanda

9 comentários:

  1. Muitos destes «"«liberais»"» são mas é uma cambada de hipócritas que não se preocupam com o abuso de poder por parte do estado coisa nenhuma. Preocupam-se só e apenas com a propriedade privada.

    As polícias secretas estão a engordar mais e mais, cada vez melhor financiadas mesmo nesta altura de austeridade. No entanto, estes liberais nunca o referem.

    O acordo cujas implicações são que os dados do BI de cidadãos portugueses, incluindo as impressões digitais, possam ser enviados para os EUA se houver pedido de lá, é um acordo que deveria escandalizar qualquer liberal «a sério». Mas nem um comentário sobre isto.

    Há é comentários conservadores - nunca explicitamente racistas, mas sempre indignada com a hipocrisia ou outras falhas dos que lutam contra o racismo - da Helena Matos, ou do José Manuel Fernandes. Há comentários bastante decentes, mas não propriamente liberais, do Paulo Morais.
    De resto, existe um autor liberal no Blasfémias, que é o Gabriel Silva.
    Todos os outros, dos quais o João Miranda é o expoente máximo, não são liberais: são defensores da propriedade privada. Não lhes interessa a pena de morte (com a notável excepção do raptor executado em directo), não lhes interessa a defesa da laicidade (mais facilmente atacam os seus defensores), não lhes interessa o casamento homossexual (mais facilmente atacaram seus defensores), não lhes interessa o patriot act nos EUA, e por aí fora.

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  2. O liberalismo é, de facto, a defesa dos direitos do indivíduo na esfera privada, que é tão grande quanto não extravase para a esfera privada do próximo.

    Parece-me que no que à propriedade privada diz respeito, o princípio mantém-se: tenho o direito de me reservar único dono de algo tanto quanto isso não vá contra os direitos dos outros.

    Mas no tempo de Locke, defender os direitos individuais passava por defender o direito à propriedade privada, já que era o monarca que tinha a última palavra sobre toda a propriedade. Locke ia ao ponto de defender que um indivíduo tinha o direito de matar um trespassador na defesa daquilo que era seu, excepto se ele conseguisse fugir... Os EUA absorveram de tal forma as ideias de Locke que ainda hoje esse direito existe. E daí talvez também a dificuldade em proibir a posse de arma.

    E assim o liberalismo veio também a significar independência do rei, liberdade de acção comercial, empreendedorismo e a possibilidade de enriquecer sem empecilhos impostos pelo monarca. A independência dos EUA nasceu justamente disso.

    O neoliberalismo defende unicamente o interesse privado no que à propriedade diz respeito. Em tudo o resto, se é que tem algo a dizer sobre isso, é profundamente anti-liberal. E apesar de ninguém ser dono das palavras, francamente, aborrece-me a mistura de conceitos entre o liberalismo clássico, ou liberalismo social, e o neoliberalismo. O último é simplesmente egoísta.

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  3. Eu a comentar e o JV a roubar-me as palavras...

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  4. Sem entrar em detalhes, acho que o Estado não pode, nem deve ser o principal instrumento, ou meio, ou sistema através do qual grupos, partidos, interesses, poderes, ideologias, religiões, se "governam" e "assaltam" ou "saqueiam" o chamado erário público. Tanto mais que o Estado já não tem formas, nem mecanismos, para se defender, por exemplo, dos efeitos externos e internos da globalização. O poder de controle dos governos sobre esses efeitos já não existe. Dir-se-ia que ainda bem, considerando o que referi acima. Mas isto é um liberalismo selvagem...
    E há os que defendem o menos possível de Estado, que estão na primeira linha dos candidatos a cargos no Estado, dispostos a mandarem no Estado; e os que defendem o mais possível de Estado e o menos possível de liberdades individuais, que passam a vida à sombra do Estado Liberal...
    Na realidade, o Estado, hoje, como sempre, é uma estrutura de dominação, que interessa a toda a gente, a uns mais do que a outros, sobretudo na dita democracia, em que tudo está racionalizado/legitimado/supostamente pactuado, e nenhum direito é teoricamente negado a ninguém, prevendo-se uma válvula de escape teórica para todas as situações críticas.
    O funcionário público é um trabalhador como outro qualquer, inseguro e preocupado e subordinado à lei. Mas a classe política é uma classe à parte, uma verdadeira "classe", que pode fazer a lei, para si própria, a melhor possível, o que só é coisa vergonhosa e inconcebível na medida em que, também a faz para os outros, mas não é a mesma...

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  5. sem entrar em detalhes quem se diz liberal é geralmente um grande císsimo...pade ciço

    Na europa liberal é sinónimo de gente que afia as facas nas costas dos restantes

    meaningless terms of ...

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  6. Francisco,

    «Mas no tempo de Locke, defender os direitos individuais passava por defender o direito à propriedade privada, já que era o monarca que tinha a última palavra sobre toda a propriedade.»

    Em parte porque davam importância de menos a outros direitos talvez mais importantes do que o direito de propriedade, como o problema da escravatura, da discriminação sexual, das perseguições religiosas, etc.

    «Parece-me que no que à propriedade privada diz respeito, o princípio mantém-se: tenho o direito de me reservar único dono de algo tanto quanto isso não vá contra os direitos dos outros.»

    Penso que a propriedade privada é um direito que merece algum cuidado precisamente por isto. Há coisas das quais podes usufruir sem ir contra direitos idênticos dos outros (vogais, números, ideias, músicas, etc). Há outras que, para que tenhas direito de usar delas como entenderes, tens forçosamente de privar outros de um direito equivalente sobre as mesmas coisas. Bolachas, galochas, etc. Por isso o direito de propriedade não é tanto o direito de ter as coisas mas mais a gestão desses direitos por forma a minimizar os conflitos inevitáveis. E é por isso que a redistribuição não é necessariamente uma violação dos direitos de propriedade.

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  7. «Em parte porque davam importância de menos a outros direitos talvez mais importantes do que o direito de propriedade, como o problema da escravatura, da discriminação sexual, das perseguições religiosas, etc.»

    O Locke era até bastante liberal no que às religiões diz respeito. Advogava a tolerância religiosa e a não-imposição por parte do Estado. Com a excepção, claro está, dos ateus, esses miseráveis...

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  8. ó individuo o funcionalismo consome impostos não os cria

    excepto se nada existe fora do estado...como na URSS e isso também tem problemas na manutenção de serviços básicos

    é muito difícil exportar serviços para PAGAR necessidades básicas
    A Inglaterra está a imprimir libras a toda a força
    para manter resquícios do liberalismo social

    infelizmente com 3 milhões de subsidiados e com 1400 e tal centenários
    e dezenas de milhares de nonagenários é um luxo que ...olha esquece pá...

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  9. 28% é o peso do estado na China 53% no Reino Unido o governo não pode expandir-se mais

    A era dos grandes governos sovietizadores da economia chegou ao fim

    não entender os paradoxos históricos que se criaram numa demografia moribunda é estúpido
    é raciocínio de manga de alpaca

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